--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 27/9/2019 ---------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 831/2019
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)
Relatório
1. Em audiência colectiva no T.J.B. respondeu A, arguido com os restantes sinais dos autos, vindo a ser condenado pela prática como autor material e em concurso real de 5 crimes de “burla”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 1 e 4, al. b) do C.P.M., na pena de 2 anos e 9 meses de prisão cada.
Em cúmulo jurídico com as penas aplicadas no âmbito dos Procs. n°s CR5-18-0157-PCS e CR1-16-0085-PCC, fixou-lhe o Tribunal a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão, assim como no pagamento das indemnizações discriminadas no Acórdão do T.J.B.; (cfr., fls. 341 a 351 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Do assim decidido recorreu o arguido para, em síntese, alegar que a sua conduta devia ser considerada como a prática de um (só) “crime continuado”, alegando também que verificada não está a “circunstância qualificativa” por fazer da burla “modo de vida”, pedindo, também, a “atenuação especial da pena”; (cfr., fls. 366 a 369-v).
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Respondendo, pugna o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 371 a 381-v).
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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação de fls.366 a 369v dos autos, o recorrente solicitou a redução da pena aplicada no Acórdão recorrido e a sequencial suspensão da execução, arrogando a insuficiência da matéria de facto provada para abonar a decisão quanto à circunstância de modo de vida, a verificação in casu dos pressupostos do crime continuado, bem como a violação das disposições nos arts.65º a 67º, 71º, 40º e 48º, todos do Código Penal.
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Ora bem, a circunstância de “modo de vida” desdobra-se em duas vertentes, exigindo-se normalmente para a sua verificação, a efectivação de uma série mínima de actos da mesma natureza que, com alguma estabilidade, sejam a fonte dos proventos necessários à vida em comunidade do seu autor, seja este um modo exclusivo ou parcial de ganhar a vida (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º219/2007). E importa ter presente que ganha firmeza a orientação jurisprudencial que afirma (cfr Acórdão do TUI no Processo n.º40/2011): A prática do crime de burla, previsto e punível pela alínea b) do n.º4 do art.211.º do Código Penal não é incompatível com o exercício pelo agente, de outra actividade, lícita ou não, remunerada ou não.
Em consonância com essas brilhantes jurisprudências, entendemos sossegadamente que a matéria de facto provada constata iniludivelmente que o recorrente fazia da burla modo de vida. Com efeito, o 23º facto provado apontou que “嫌犯在自由、自願及有意識的情況下,故意使用詭計使五名被害人錯誤地相信其有能力和門路協助五名被害人購買政府經濟房屋,促使五名被害人向其支付手續費,目的是將該等款項不正當據為己有,並將該等款項作為嫌犯該時段的生活開銷”, e tais cinco condutas ilícitas ocorreram durante sete meses e tal.
Com todo o respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que de acordo com as jurisprudências mais autorizadas (a título exemplificativo, cfr. arestos do TUI nos Processos n.º38/2007 e 26/2013, e do TSI no Processo n.º453/2019), a circunstância de modo de vida não é incompatível com o concurso real de crimes de burla qualificados por virtude dela, ou seja, esta circunstância não obsta à condenação na prática, em concurso real de crimes de burla qualificados nos termos do disposto na alínea b) do n.º4 do art.211º do Código Penal.
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Note-se que ao abrigo do n.º2 do art.29º do Código Penal, o Venerando TUI assevera reiteradamente que o fundamento do crime continuado radica na considerável diminuição da culpa do agente, derivada por uma actuação no quadro de uma mesma solicitação exterior (cfr. Acórdão no Processo n.º25/2013), e o pressuposto fundamental da continuação criminosa consiste na existência de uma relação que, de fora e de maneira considerável, facilite a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito (vide. Acórdãos tirados nos Processos n.º78/2012, n.º57/2013 e n.º81/2014)
Para os devidos efeitos, importa sobretudo ter presente a prudente orientação de que “Os tribunais devem ser particularmente exigentes no preenchimento dos requisitos do crime continuado, em especial na diminuição considerável da culpa do agente, por força da solicitação de uma mesma situação exterior.” (vide. Acórdãos do TUI nos Processos n.º57/2013 e n.º81/2014)
Ora, essas jurisprudências mais autorizadas levam-nos a sufragar a criteriosa explanação do ilustre colega que rezou que “由於連續犯的處罰規則相對於犯罪競合來講十分寬容,也由於連續犯的概念往往被犯罪人作為有恃無恐地實施犯罪後試圖減輕自己罪過的理由,因此,本院認為,無論是理論上,還是司法裁判中,在審查連續犯的要件(特別是“可相當減輕罪過的同一外在情況”)是否得到滿足時必須嚴格把握。倘真如此,從實務來看,真正構成連續犯的情形也只能是極少的個別情況。”
Nesta linha de raciocínio, não podemos deixar de acolher a douta conclusão extraída pelo ilustre colega na Resposta (cfr. fls.371 a 381 verso), no sentido de que “上訴人的五次詐騙行為並不符合《刑法典》第29條第2款規定的連續犯的條件”. O que conduz a que faleça incuravelmente a invocação de verificação in casu dos pressupostos da continuação criminosa.
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Em sede de sustentar o seu pedido da redução das penas parcelares e única bem como o da suspensão da execução, o recorrente invocou as disposições nos arts.65º a 67º, 71º, 40º e 48º do Código Penal, alegando apenas “上訴人在庭審中承認被指控之大部分犯罪事實”, sem mais,
Repare-se que aferidas à luz dos parâmetros prescritos nos arts.65º e 66º do Código Penal, nenhuma das circunstâncias arrogadas pelo recorrente se dispõe da virtude de atenuação especial, e no nosso prisma, não se descortina, nos autos, circunstâncias de atenuação especial.
Bem, a nossa leitura do douto Acórdão em escrutínio deixa-nos a firme impressão de que o douto Tribunal a quo valorou, adequada e equilibradamente, todas as circunstâncias favoráveis ao recorrente, sobretudo as dotadas da força legal de atenuação especial da pena.
Nesta linha de perspectiva, e ao abrigo das molduras penais, não podemos deixar de concluir que as penas parcelares e a única são não só benevolentes, mas também necessárias para a realização das finalidades da punição, por isso ficam descabidos o pedido da redução e, em consequência, o da suspensão da execução.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 390 a 391-v).
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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 343-v a 346, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).
Do direito
3. Com o presente recurso impugna o arguido o Acórdão que o condenou pela prática como autor material e em concurso real de 5 crimes de “burla”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 1 e 4, al. b) do C.P.M., na pena de 2 anos e 9 meses de prisão cada, e que em cúmulo jurídico com as penas aplicadas no âmbito dos Procs. n°s CR5-18-0157-PCS e CR1-16-0085-PCC, lhe fixou a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão, assim como no pagamento das indemnizações discriminadas no Acórdão do T.J.B..
Considera que a sua conduta devia integrar à prática de um (só) “crime continuado”, que verificada não está a “circunstância qualificativa” por ter cometido o(s) crime(s) “como modo de vida”, pedindo, também, a “atenuação especial da pena”.
Como se deixou adiantado é o presente recurso de rejeitar por se nos apresentar “manifestamente improcedente”.
–– Vejamos, começando pela alegada “continuação criminosa”.
Nos termos do art. 29° do C.P.M.:
“1. O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
2. Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
E como já tivemos oportunidade de consignar:
“A realização plúrima do mesmo tipo de crime pode constituir: a) um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou resolução inicial; b) um só crime, na forma continuada, se toda a actuação não obedecer ao mesmo dolo, mas este estiver interligado por factores externos que arrastam o agente para a reiteração das condutas; c) um concurso de infracções, se não se verificar qualquer dos casos anteriores”; (cfr. v.g., o Ac. da Rel. de Porto de 25.07.1986, in B.M.J. 358°-267, aqui citado como mera referência, e os recentes Acs. do ora relator de 23.11.2017, Proc. n.° 810/2017, de 12.07.2018, Proc. n.° 534/2018 e de 11.04.2019, Proc. n.° 289/2019).
Do mesmo modo, Maia Gonçalves, (referindo-se a idêntico artigo do C.P. Português), considera que com o preceito em questão – o art. 30° – se perfilha “o chamado critério teleológico para distinguir entre unidade e pluralidade de infracções, atendendo-se assim ao número de tipos legais de crime efectivamente preenchidos pela conduta do agente, ou ao número de vezes que essa conduta preencheu o mesmo tipo legal de crime. (...) É claro que embora o artigo o não diga expressamente, não se abstrai do juízo de censura (dolo ou negligência). Depois de apurada a possibilidade de subsunção da conduta a diversos preceitos incriminadores, ou diversas vezes ao mesmo preceito, tal juízo de censura dirá a última palavra sobre se, concretamente, se verificam um ou mais crimes, e se sob a forma dolosa ou culposa. Isto se deduz do uso do advérbio efectivamente e dos princípios basilares sobre a culpa”; (vd., “C.P.P. Anotado”, 8ª ed., pág. 268).
“Posto que para que uma conduta seja considerada delituosa se torna necessário que para além de antijurídica seja, igualmente, culposa, a culpa apresenta-se – assim – como elemento limite da unidade da infracção, pois que sendo vários os juízos de censura, outras tantas vezes o mesmo tipo legal de crime se torna aplicável, de onde se nos depare uma pluralidade de infracções.
Assente, então, que sempre que se verifique uma pluralidade de resoluções criminosas, se verifica uma pluralidade de juízos de censura, a dificuldade residirá, apenas, em verificar se numa determinada situação concreta existe pluralidade de resoluções criminosas ou se o agente age no desenvolvimento de uma única e mesma motivação criminosa”.
Isto é, o critério teleológico (e não naturalístico) adoptado pelo legislador na destrinça entre unidade e pluralidade de infracções, pressupõe o juízo de censurabilidade, pelo que haverá tantas infracções quantas as vezes que a conduta que o preenche se tornar reprovável.
No mesmo sentido, e em relação ao Código de 1886 afirmava já E. Correia que:
“Se a actividade do agente preenche diversos tipos legais de crime, necessariamente se negam diversos valores jurídicos e estamos, por conseguinte, perante uma pluralidade de infracções. Mas porque a acção, além de antijurídica, tem de ser culposa, pode acontecer que uma actividade subsumível a um mesmo tipo mereça vários juízos de censura. Tal sucederá no caso de à dita actividade corresponderem várias resoluções, no sentido de determinações de vontade, de realização do projecto criminoso”, e que “certas actividades que preenchem o mesmo tipo legal de crime e às quais presidiu pluralidade de resoluções devem ser aglutinadas numa só infracção, na medida em que revelam considerável diminuição da culpa. Tal sucederá, quando a repetição da actividade for facilitada, de modo considerável, por uma disposição exterior das coisas para o facto”; (cfr., “Direito Criminal”, Vol. 2, págs. 201, 202, 209 e 210, e ainda em “Unidade e Pluralidade de Infracções”, pág. 338).
Por sua vez, e tratando mais especificamente da matéria do “crime continuado”, também já teve este T.S.I. oportunidade de afirmar que:
“O conceito de crime continuado é definido como a realização plúrima do mesmo tipo ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente, e que, a não verificação de um dos pressupostos da figura do crime continuado impõe o seu afastamento, fazendo reverter a figura da acumulação real ou material”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 12.04.2018, Proc. n.° 166/2018, de 11.10.2018, Proc. n.° 716/2018 e de 30.05.2019, Proc. n.° 453/2019).
Também por douto Acórdão de 24.09.2014, Proc. n.° 81/2014, (e com abundante doutrina sobre a questão), voltou o Vdo T.U.I. a afirmar que:
“O pressuposto fundamental da continuação criminosa é a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilite a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito”, e que,
“Os tribunais devem ser particularmente exigentes no preenchimento dos requisitos do crime continuado, em especial na diminuição considerável da culpa do agente, por força da solicitação de uma mesma situação exterior”.
Aqui chegados, atenta a factualidade dada como provada (que nenhuma censura merece), e como – bem – se salienta no douto Parecer do Ilustre Procurador Adjunto, evidente se apresenta que, in casu, verificados não estão os necessários pressupostos legais para se poder considerar existir uma “continuação criminosa” na conduta do arguido, ora recorrente.
De facto, não se vislumbra nenhuma “situação exterior” que diminua, “consideravelmente”, a sua culpa, sendo caso para se dizer que da referida factualidade dada como provada constatam-se antes “novas decisões” e “resoluções”, com um “renovar da execução do plano” e “esforço” do arguido para “convencer” os sucessivos ofendidos e conseguir levar a cabo os seus intentos de se enriquecer (ilicitamente) à custa do “erro” e do património de terceiros.
Assim, vista está a solução para o presente recurso na parte em questão.
–– Diz também o arguido que verificada não devia estar a “circunstância qualificativa” prevista no art. 211°, n.° 4, al. b) do C.P.M., ou seja, a de fazer da prática dos crimes de burla “modo de vida”.
Porém, também aqui, não tem o arguido razão.
A questão não é nova, e por este T.S.I. já foi diversas vezes abordada, nomeadamente em sede do crime de “burla”, onde se considerou que: “Para que se verifique a circunstância qualificativa do “modo de vida”, necessário não é nem a “habitualidade” nem a “profissionalização”, bastando que se comprove a existência de uma série mínima de “burlas”, envolta numa intencionalidade que possa dar substância a um modo de vida tal como este conceito é entendido pelo comum dos cidadãos, cabendo também notar que a mesma não é incompatível com o exercício, pelo agente, de outra actividade, lícita ou não e remunerada ou não”; (cfr., v.g., os Acs. de 11.04.2019, Proc. n.° 289/2019, de 30.05.2019, Proc. n.° 453/2019 e de 13.06.2019, Proc. n.° 486/2019).
E, cremos que firme e pacífico é o entendimento de que para que se verifique a dita “circunstância”, necessário não é nem a “habitualidade” nem a “profissionalização”, bastando que se comprove a existência de uma série mínima de “burlas”, envolta numa intencionalidade que possa dar substância a um modo de vida tal como este conceito é entendido pelo comum dos cidadãos, cabendo também notar que a mesma não é incompatível com o exercício, pelo agente, de outra actividade, lícita ou não e remunerada ou não.
Ora, no caso dos autos, e para além de provado, estar que o “arguido fazia da burla modo de vida”, (cfr., facto provado n.° 24, a fls. 345-v), ponderando no “número de crimes cometidos”, (5), no “período de tempo” em que ocorreram, e ponderando também que foi igualmente condenado no âmbito de outros 4 processos pela prática de idênticos crimes de “burla”, (cfr., fls. C.R.C., a fls. 319 a 334), cremos que evidente é a referida “intencionalidade que dá substância a um estilo de vida”, nenhuma censura merecendo assim o decidido, sendo, igualmente, de improceder, o recurso na parte em questão.
–– Quanto à(s) “pena(s)”.
Pois bem, para cada 1 dos 5 crimes de “burla” pelo arguido cometidos, cabe a pena de 2 a 10 anos de prisão; (cfr., art. 211°, n.° 4 do C.P.M.).
Nos termos do art. 40° do C.P.M.:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
Em sede de determinação da pena, tem este T.S.I. entendido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.04.2019, Proc. n.° 289/2019, de 30.05.2019, Proc. n.° 453/2019 e a Decisão Sumária de 16.07.2019, Proc. n.° 667/2019).
Prescreve também o art. 66° do C.P.M.:
“1. O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
2. Para efeitos do disposto no número anterior são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta;
e) Ter o agente sido especialmente afectado pelas consequências do facto;
f) Ter o agente menos de 18 anos ao tempo do facto.
3. Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou em conjunto com outras, der lugar simultaneamente a uma atenuação especial da pena expressamente prevista na lei e à atenuação prevista neste artigo”.
Tratando desta “matéria” tem-se entendido que a figura da “atenuação especial da pena” surgiu em nome de valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade, como necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira válvula de segurança que permita, em hipóteses especiais, quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa.
Como repetidamente temos vindo a considerar, “A atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, – e não para situações “normais”, “vulgares” ou “comuns”, para as quais lá estarão as molduras normais – ou seja, quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 10.01.2019, Proc. n.° 1032/2018, de 21.02.2019, Proc. n.° 6/2019 e de 20.06.2019, Proc. n.° 499/2019).
No caso, o dolo do arguido é directo e muito intenso, desenvolvendo e persistindo na sua conduta por um período relativamente longo, e, tendo já outras 4 condenações pela prática de idênticos crimes de “burla”, (pelos quais cumpriu pena de prisão e beneficiou até de liberdade condicional), não se vislumbra como concluir agora que diminuta seja a ilicitude da sua conduta, a sua culpa ou a necessidade da pena para efeitos de uma eventual atenuação especial.
Assim, estando as penas aplicadas pelos crimes em questão situadas (tão só) a 9 meses do seu mínimo legal, evidente se apresenta igualmente que nenhum motivo existe para se considerar as mesmas “excessivas”, podendo apenas pecar por benevolência.
Como igualmente decidiu o Tribunal da Relação de Évora:
“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 17.01.2019, Proc. n.° 1138/2018, de 28.03.2019, Proc. n.° 133/2019 e de 09.05.2019, Proc. n.° 403/2019).
No mesmo sentido se decidiu também que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. deste T.S.I. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).
E, como se tem igualmente decidido:
“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).
“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).
Nesta conformidade, à vista está a solução quanto à questão da(s) “medida(s) da(s) pena(s)” parcelares.
–– Quanto à “pena única” resultado do “cúmulo jurídico”, há que atentar no estatuído no art. 71° do C.P.M., que dispõe que:
“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, sendo na determinação da pena considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 30 anos tratando-se de pena de prisão e 600 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3. Se as penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, é aplicável uma única pena de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos nos números anteriores, considerando-se as de multa convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
4. As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis”; (sub. nosso).
Abordando idêntica questão à ora em apreciação, e tendo em consideração o teor do n.° 1 do transcrito art. 71°, teve já este T.S.I. oportunidade de afirmar que:
“Na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade – que se manifesta na totalidade dos factos – devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.10.2018, Proc. n.° 716/2018, de 17.01.2019, Proc. n.° 1160/2018 e de 11.04.2019, Proc. n.° 289/2019).
Atento ao que até aqui se deixou exposto, (e que é de manter), e certo sendo que, in casu, em causa está uma moldura penal com um “limite mínimo de 2 anos e 9 meses” e um “limite máximo de 23 anos e 6 meses de prisão”, (tendo-se aqui em conta as penas aplicadas nos Procs. n°s CR5-18-0157-PCS e CR1-16-0085-PCC), nenhuma censura merece a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão fixada que, em nossa opinião, para além de não se vislumbrar nenhuma desproporção manifesta, reflecte, correctamente, as fortes necessidades de prevenção criminal, especial e geral que, no caso, se impõe.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, e apresentando-se manifestamente improcedente, decide-se rejeitar o recurso.
Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 5 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 27 de Setembro de 2019
José Maria Dias Azedo
Proc. 831/2019 Pág. 26
Proc. 831/2019 Pág. 27