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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 16/10/2019 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo.-----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 835/2019
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. A, (5°) arguido com os restantes sinais dos autos, vem recorrer do Acórdão do T.J.B. que o condenou como co-autor da prática, em concurso real, de 3 crimes de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 1, al. a) e 196°, al. a) do C.P.M., na pena de 1 ano e 3 meses de prisão cada, e em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos e 9 meses de prisão; (cfr., fls. 1774 a 1803 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu, afirmando que o Acórdão recorrido se encontrava inquinado com o vício de “erro notório na apreciação da prova” e “violação do princípio in dubio pro reo” em relação ao crime que tem como ofendido B, pedindo também a redução e suspensão da execução da pena aplicada; (cfr., fls. 1839 a 1842-v).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 1927 a 1931-v).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“A impugna o acórdão de 22 de Maio de 2019, proferido no âmbito do processo comum colectivo CR2-19-0078-PCC, que o condenou na pena global de 2 anos e 9 meses de prisão, resultante do cúmulo jurídico das três penas parcelares de 1 ano e 3 meses aplicadas pela prática de três crimes de furto qualificado, imputando-lhe, por referência a um daqueles crimes, erro na apreciação da prova, com violação do princípio in dubio pro reo, e, subsidiariamente, erro na determinação da respectiva pena, que reputa de excessiva, e sustentando também que a pena conjunta devia ser objecto de suspensão na sua execução.
Não creio que lhe assista razão, como bem resulta, aliás, da resposta do Ministério Público à motivação do recurso.
Desde logo, não faz sentido que, a propósito do erro notório, o recorrente venha brandir a violação do princípio in dubio pro reo. Da leitura da acta e do exame crítico das provas não perpassa qualquer situação dúbia com que o colectivo se haja deparado sobre a realidade factual dada como provada e que permitiu a integração da conduta do ora recorrente nos ilícitos típicos por que foi condenado, incluindo o furto de que foi vítima o primeiro ofendido, B.
O que se passa é que o recorrente ensaia a sua própria leitura da prova, que pode porventura suscitar-lhe alguma dúvida, mas não lhe é lícito partir daí para sustentar que o tribunal colectivo decidiu com dúvidas, nomeadamente acerca da sua participação e co-autoria em determinados factos.
Contrariamente ao que pretende vincar, o recorrente não estava longe do local exacto em que se consumou o furto de que foi vítima o primeiro ofendido, tendo-se, num primeiro momento, mantido vigilante a certa distância, com uma mesa de jogo de permeio, e tendo-se acercado do local onde estava o ofendido na precisa altura em que os demais co-autores consumaram o ilícito, permanecendo em atitude de controlo dos acontecimentos e de vigia dos circunstantes. Acresce que logo saiu do casino, tal como os demais, fazendo-o embora separadamente, como é habitual e de “boa técnica”… e, como também ficou provado, dirigindo-se todos para o apartamento onde residiam, para aí dividirem o produto do furto.
De resto, a argumentação do recorrente apoia-se apenas na visualização do vídeo e esquece outras provas que o acórdão valorou, tais como depoimentos, reconhecimentos, documentos, que emprestam mais consistência à convicção que, desde logo, é induzida pelo visionamento do vídeo.
Não se detecta, pois, nenhum problema, em matéria de prova, que possa abalar a condenação pelo crime de furto de que foi vítima o ofendido B.
Por outro lado, e passando para a questão da medida da pena parcelar aplicada pela comparticipação do recorrente no furto que vitimou B, crê-se que ela não se apresenta excessiva.
O tribunal explicou sustentadamente as razões pela opção de pena detentiva em detrimento da pena de multa e tomou em devida conta os fins das penas, os critérios que presidem à sua determinação e, bem assim, as demais circunstâncias atendíveis, incluindo a ausência de antecedentes criminais. Posto isto, e sabendo-se que os parâmetros em que se move a determinação da pena, adentro da chamada teoria da margem de liberdade, não são matemáticos, há que aceitar a solução encontrada pelo tribunal do julgamento, a menos que o resultado se apresente ostensivamente intolerável, por desajustado aos fins da pena e à culpa que a delimita, o que inquestionavelmente não é o caso.
Nada há, pois, a censurar quanto à medida da questionada pena.
No tocante à impetrada suspensão da execução da pena, o tribunal colectivo entendeu que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não bastavam para realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. E, para tanto, louvou-se na personalidade do arguido, manifestada nos factos e no não pagamento da indemnização aos ofendidos, bem como no recrudescimento deste tipo de crimes e na inerente necessidade de prevenção deste tipo de crimes. Trata-se de motivos que, embora algo genéricos, adquirem substracto e densificação quando conjugados com a matéria de facto dada como provada. A população de Macau e o seu modo de vida são frequentemente confrontados com a perpetração de ilícitos contra o património, levados a cabo por não residentes, como sucede com o recorrente, muitos dos quais se deslocam para Macau com o único fito de atentarem contra o património alheio, sendo patentes as repercussões negativas que causam à paz social. O veredicto segue, nesta matéria, a orientação geralmente adoptada pelos tribunais de Macau, que se têm mostrado particularmente sensíveis, neste aspecto, à questão da prevenção geral positiva, por via do impacto social de crimes contra o património, sobretudo quando cometidos por estrangeiros, optando, em regra, por não suspender a execução das respectivas penas de prisão.
Nada há a censurar ao acórdão, também neste aspecto.
Improcedem manifestamente os fundamentos esgrimidos na motivação, pelo que deve ser negado provimento ao recurso”; (cfr., fls. 2231 a 2232-v).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 1781-v a 1788-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como co-autor da prática, em concurso real, de 3 crimes de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 1, al. a) e 196°, al. a) do C.P.M., na pena de 1 ano e 3 meses de prisão cada, e em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos e 9 meses de prisão.

Assaca ao Acórdão recorrido o vício de “erro notório na apreciação da prova” e “violação do princípio in dubio pro reo” em relação ao crime que tem como ofendido B, pedindo também a redução e suspensão da execução da pena aplicada.

Como se deixou adiantado, e como bem se nota na Resposta e Parecer do Ministério Público, (cujo teor aqui se dá como reproduzido), evidente é que nenhuma razão tem o arguido ora recorrente, muito não se mostrando necessário consignar para o demonstrar.

Vejamos.

–– De forma firme e repetida tem este T.S.I. considerado que: “O erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.10.2018, Proc. n.° 803/2018, de 17.01.2019, Proc. n.° 812/2018 e de 07.03.2019, Proc. n.° 93/2019).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Com o mesmo, consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, (v.g., caso julgado, prova pericial, documentos autênticos e autenticados), estando sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova e o do “in dubio pro reo”.
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e que se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevantes para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.
E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
O acto de julgar é do Tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção.
Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
Como ensina Figueiredo Dias, (in “Lições de Direito Processual Penal”, pág. 135 e ss.) na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:
- a recolha de elementos – dados objectivos – sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;
- sobre esses dados recai a apreciação do Tribunal que é livre, mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material;
- a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana;
- assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis- como a intuição.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável, (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.
A oralidade da audiência, (que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam, v.g., por gestos, comoções e emoções, da voz.
A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção à utilização à valoração e credibilidade da prova.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 24.01.2019, Proc. n.° 905/2018, de 21.02.2019, Proc. n.° 34/2019 e de 06.06.2019, Proc. n.° 476/2019).

Com efeito, importa ter em conta que “Quando a atribuição de credibilidade ou falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum”; (cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 13.09.2017, Proc. n.° 390/14).

E como se consignou no Ac. da Rel. de Évora de 21.12.2017, Proc. n.° 165/16, “A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão”.

Aqui chegados, ponderada a “decisão da matéria de facto” em questão, e analisada a (detalhada e cuidada) “fundamentação” pelo Tribunal a quo apresentada para a justificar, (cfr., fls. 1788-v a 1791-v), cremos que só por equívoco se poderá considerar que esteja aquela inquinada com o imputado vício de “erro notório”.

Com efeito, e antes de mais, cabe dizer que, in casu, nenhum elemento de prova com valor tarifado que impusesse decisão em sentido diferente existe nos presentes autos, (ou foi pelo recorrente indicado).

E, assim, constatando-se que o Tribunal formou a sua convicção em resultado da análise global e cruzada de vários depoimentos prestados em audiência de julgamento, assim como da análise de documentos e outros elementos probatórios juntos aos autos, (cfr., a referida fundamentação), não se vislumbrando, igualmente, que a dita convicção se apresente contrária a qualquer “regra de experiência” ou “legis artis”, visto está que nenhum “erro”, (muito menos “notório”), existe.

Continuemos.

–– Quanto à alegada violação do “princípio in dubio pro reo”, pouco se mostra de dizer.

Com efeito, no que ao princípio in dubio pro reo diz respeito, temos considerado que o “mesmo se identifica com o da “presunção da inocência do arguido” e impõe que o julgador valore sempre, em favor dele, um “non liquet”.
Perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, em harmonia com o princípio “in dubio pro reo”, decidir pela sua absolvição”; (cfr., v.g. os recentes Acs. deste T.S.I. de 13.07.2017, Proc. n.° 592/2017, de 11.01.2018, Proc. n.° 1146/2017 e de 14.03.2019, Proc. n.° 127/2019).

Segundo o princípio “in dubio pro reo”, «a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido»; (cfr., Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, pág. 215).

Como o afirma Cristina Libano Monteiro (in “In Dubio Pro Reo”), o princípio em questão “parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do jugador”.

Conexionando-se com a matéria de facto, este princípio actua em todas as vertentes fácticas relevantes, quer elas se refiram aos elementos típicos do facto criminalmente ilícito – tipo incriminador, nas duas facetas em que se desdobra: tipo objectivo e tipo subjectivo – quer elas digam respeito aos elementos negativos do tipo, ou causas de justificação, ou ainda, segundo uma terminologia mais actualizada, tipos justificadores, quer ainda a circunstâncias relevantes para a determinação da pena.

Porém, importa atentar que o referido o princípio (“in dubio pro reo”), só actua em caso de dúvida (insanável, razoável e motivável), definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva”; (cfr., Perris, “Dubbio, Nuovo Digesto Italiano”, apud, Giuseppe Sabatini “In Dubio Pro Reo”, Novissimo Digesto Italiano, vol. VIII, págs. 611-615).

Por isso, para a sua violação exige-se a comprovação de que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes, e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido; (neste sentido, cfr. v.g., o Ac. do S.T.J. de 29.04.2003, Proc. n.° 3566/03, in “www.dgsi.pt”).

Daí também que, para fundamentar essa dúvida e impor a absolvição, não baste que tenha havido versões dispares ou mesmo contraditórias, (neste sentido, cfr., v.g. o Ac. da Rel. de Guimarães de 09.05.2005, Proc. n.° 475/05, in “www.dgsi.pt”), sendo antes necessário que perante a prova produzida reste no espírito do julgador – e não no do recorrente – alguma dúvida sobre os factos que constituem o pressuposto da decisão, dúvida que, como se referiu, há-de ser “razoável” e “insanável”; (sobre o alcance do princípio em questão pode-se ainda ver o Ac. da Rel. de Évora de 08.03.2018, Proc. n.° 1360/14).

In casu, e de uma leitura à decisão recorrida, não se vislumbra que (em momento algum) teve o Tribunal dúvidas e/ou hesitações, e que tenha, mesmo assim, decidido contra o arguido.

E, assim, inexiste qualquer violação ao princípio em questão.

–– Quanto à “pena”.

Pois bem, ao crime de “furto qualificado” pelo ora recorrente cometido cabe a pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias; (cfr., art. 198°, n.° 1 do C.P.M.).

Nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Por sua vez, nos termos do art. 64° do mesmo C.P.M.:

“Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Porém, importa ter em conta que o arguido agiu em comparticipação, (co-autoria), em conformidade com um plano previamente traçado, intenso sendo o dolo (directo), e elevado se apresentando o grau de ilicitude da sua conduta, tudo a desaconselhar – como bem notou o T.J.B. – uma opção por outra pena que não a de prisão.

E, dito isto, e atenta a moldura penal em questão, pouco há a acrescentar.

Com efeito, em sede de determinação da pena tem este T.S.I. entendido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.04.2019, Proc. n.° 289/2019, de 30.05.2019, Proc. n.° 453/2019 e a Decisão Sumária de 16.07.2019, Proc. n.° 667/2019).

Temos também vindo a consignar que com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).

Como igualmente decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 17.01.2019, Proc. n.° 1138/2018, de 28.03.2019, Proc. n.° 133/2019 e de 09.05.2019, Proc. n.° 403/2019).

No mesmo sentido se decidiu também que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. deste T.S.I. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como se tem igualmente decidido:

“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).

No caso, provado estando que o arguido veio a Macau como turista, (agindo com dolo “directo” e muito intenso), manifesto se nos apresenta que excessiva não é de considerar a pena parcelar de 1 ano e 3 meses de prisão que lhe foi fixada para cada 1 dos crimes cometidos, (a 3 anos e 9 meses do seu máximo), o mesmo se mostrando de dizer em relação à pena única resultado do seu cúmulo jurídico, pois que integralmente respeitado está o art. 71° do C.P.M..

–– Por fim, quanto ao “suspensão da execução da pena”.

Nos termos do art. 48° do C.P.M.:

“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.

Sobre esta matéria já teve este T.S.I. oportunidade de dizer que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
   E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime”; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 25.10.2018, Proc. n.° 570/2018, de 27.06.2019, Proc. n.° 518/2019 e a Decisão Sumária de 10.07.2019, Proc. n.° 651/2019).

No caso dos autos, e face à factualidade provada, muito fortes são as necessidades de prevenção criminal, inviabilizando, totalmente, a pretendida suspensão da execução da pena única decretada.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 16 de Outubro de 2019
José Maria Dias Azedo
Proc. 835/2019 Pág. 26

Proc. 835/2019 Pág. 1