Processo n.º 749/2019
(Autos de recurso em matéria cível)
Relator: Fong Man Chong
Data : 10 de Outubro de 2019
ASSUNTOS:
- Responsabilidade da concessionária com seus promotores de jogo emergente de actividades desenvolvidas nos casinos daquela
SUMÁRIO:
I – A ratio legis das normas do artigo 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, de 1 de Abril, e da al. 5) do artigo 30º do mesmo Regulamento, visa impôr às concessionárias de jogo um dever especial de controlar todas as actividades desenvolvidas nos seus casinos pelos promotores de jogo e administraAs e colaboraAs destes, visto que as concessionárias são beneficiários últimos destas actividades, razão pela qual o legislador fala de “fiscalizar a actividade dos promotores de jogo, nomeadamente quanto ao cumprimento das suas obrigações legais, regulamentares e contratuais”.
II – Provando-se que a promotora aceitou o depósito de dinheiro na conta aberta no seu casino, mas não devolveu a quantia depositada, quando foi interpela pelo seu depositante, e, a concessionária vem a ser demandada conjuntamente com a promotora de jogo, a concessionária é responsável solidária, porque não cumpriu o seu dever de fiscalização, pelos prejuízos decorrentes daquela actividade, nos termos do artigo 29º do citado Regulamento Administrativo, salvo se a concessionária provasse que fazia tudo para cumprir o seu dever de fiscalização, mas não conseguiu evitar o resultado danoso sem culpa sua.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo nº 749/2019
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 10 de Outubro de 2019
Recorrentes : - A Entretenimento Sociedade Unipessoal Limitada (A娛樂一人有限公司) (1ª Ré)
- BXX (Macau) S.A. (BXX(澳門)股份有限公司) (2ª Ré)
Recorrido : - C (C) (Autor)
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
A Entretenimento Sociedade Unipessoal Limitada (A娛樂一人有限公司), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 27/02/2019, que condenou a Recorrente e outra Ré (2ª Recorrente neste processo) a restituir ao Autor/Recorrido a quantia no valor de MOP$6,180,000.00, acrescida de juros legais, dela veio, em 15/05/2019, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 304 a 311, tendo formulado as seguintes conclusões :
1) O presente recurso tem por objecto o acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo sobre a matéria de facto, no que se refere às respostas dadas aos quesitos 9.° e 11.° da base instrutória e sobre a douta sentença que deu provimento ao pedido formulado pelo Autor contra a 1.ª Ré, ao pagamento do montante de HKD$6,000,000.00 (seis milhões de dólares de Hong Kong), acrescida de juros de mora.
2) A açcão que deu origem ao presente recurso, fundou-se em dois depósitos realizados a 21 de Abril de 2015 e 21 de Agosto de 2015, cada um, no montante de HKD$3,000,000.00 (três milhões de dólares de Hong Kong), perfazendo um total de HKD$6,000,000.00 (seis milhões de dólares de Hong Kong).
3) De forma a provar que os quesitos 9.° e 11º da base instrutória deveriam ter sido dado como não provados ou provados "antes que" no sentido do levantamento do montante em questão, a Recorrente lançou mão dos seguintes meios que, a seu ver, impunham um julgamento diferente daquele que foi proferido pelo Tribunal Colectivo, i.e., prova documental, mormente, a certidão extraída do processo de inquérito com o n.º 10653/2015, a fls. 160 e 161 dos presentes autos, em contraposição com a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, nomeadamente das testemunhas D e F, testemunhas do Autor.
4) Os quesitos 9.° e 11.° foram quesitados da seguinte maneira: "9. Desde, que efectuou os depósitos na sala VIP A, respectivamente, nos dias 21 de Abril de 2015 e dia 21 de Agosto de 2015, no valor total de HKD$6,000.000.00 (seis milhões de dólares de Hong Kong), o A. nunca levantou tal quantia?
11. A 1.ª R. proibiu unilateralmente o levantamento pelo A. do depósito de HKD$6,000.000.00 (seis milhões de dólares de Hong Kong) supracitado?
5) Tendo o quesito 9.° sido dado como provado e o quesito 11.° provado da seguinte forma: 11. Provado apenas que a 1.ª Ré não restituiu ao A. a quantia de HKD$6,000.000.00 (seis milhões de dólares de Hong Kong).
6) A convicção do tribunal baseou-se no depoimento das testemunhas do Autor, para provar os alegados depósito realizados junto da ora Recorrente, e a impossibilidade de levantamento daquele depósito, quesitos 9.° e 11.° da base instrutória, assim como da prova documental oferecida aos autos.
7) A condenação da ora Recorrente assentou num depósito realizado pelo Autor junto da tesouraria da mesma, e da impossibilidade de levantamento e, consequente não restituição daquela quantia.
8) Sucede que, a não restituição daquela quantia, ou bem que, advém do facto de se tratar do depósito de uma quantia que continua depositada junto da ora Recorrente, ou do facto de a quantia não se encontrar no poder da ora Recorrente, i.e., ter sido levantada pelo Autor.
9) Situações distintas e sobre as quais o tribunal a quo teve a oportunidade de se pronunciar face à prova testemunhal e documental produzida nos presentes autos. 10) Razão pela qual a ora Recorrente lança mão da prova testemunhal e documental, de modo a provar que os quesitos 9.° e 11.° da base instrutória deveriam ter sido dados como provados ou provado "antes que", visto tal impossibilidade de levantamnto ou não restituião derivar do facto de o montante já ter sido levantado.
11) Tendo em conta que tribunal a quo se apoiou principalmente na testemunha D e F, para formar a sua convicção pelo depósito, não devolução do montante e consequente condenação da 1.ª Ré, ora Recorrente, plasmado no acórdão da matéria de facto e carreado para a sentença final, com o devido respeito, a ora Recorrente entende estamos perante um erro de julgamento.
12) Ambas as testemunhas quando perguntadas pelo Mandatário do Autor se o dinheiro depositado junto da ora Ré tinha sido devolvido, responderam que não, conforme a passagens, Recorded on 03 December 2018, Translator 1, 2018 15.22.04 aos 00minutos e 58 segundos e Recorded on 03 December 2018, Translator 1, 2018 15.24.55 aos 20minutos e 58 segundos.
13) Da conjugação da prova testemunhal com a prova documental constante dos autos, nomeadamente, a certidão a fls. 160 a 161 dos presentes autos, verifica-se que a quantia conforme depositada foi também levantada, ainda que em circunstâncias não apuradas.
14) Sendo prova disso, o registo informático relativo à conta cliente do Autor, em que se verifica que os montantes constantes dos talões de depósito DA014280 e DA014776 foram levantados.
15) Não nos parece plausível, pese embora o princípio da livre apreciação de prova impere, que não se veja a prova documental conjugada com a testemunhal num todo. E, que se aceite, assim, que foi feito um depósito mas que não foi feito um levantamento!
16) De acordo com o preceituado no artigo 437.° do Código de Processo Civil, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.
17) No caso em apreço, com o devido respeito, terão que haver fundadas dúvidas sobre o facto de o montante não ter sido levantado, e não aceitar tão só o depósito e desconsiderar liminaramente o levantamento que foi realizado.
18) Indo tal conduta contra todas as regras e experiência comum, pois, não se concede que se possa provar um depósito, suportando-se num documento que atesta depósito e levantamento, e, não se prove o levantamento.
19) O ónus da prova recaía necessariamente sobre o Autor, e foi o Autor que ofereceu tal prova aos autos, e tal documento se é bom para provar um depósito terá, necessariamente, que ser bom para provar um levantamento!
20) Pelo que, ao dar como provados os quesitos 9.º e 11.º da base instrutória nos termos em que o fez, o acórdão de matéria de facto e sentença final, incorreram em erro de julgamento, por a decisão ter incorrido no vício de contradição, deficiência, falta de fundamentação tudo nos termos dos artigos 370.º e 386 e ss do Código Civil e do n.º 5 do artigo 556.º do Código de Processo Civil. (sublinhado e negrito nosso)
21) O tribunal a quo fundou a sua convicção no depósito de seis milhões de dólares de Hong Kong junto da ora Ré, e que a Ré, ora Recorrente não o havia restituído.
22) Muito mal andou o tribunal a quo, pois, a relação de depósito pressupõe que haja uma obrigação de entrega e uma obrigação de restituição, tudo nos termos do artigo 1111.º do Código Civil.
23) A ora Recorrente, não pode devolver aquilo que não tem consigo, sob pena de estarmos perante uma situação de enriquecimento sem causa.
24) Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de Fevereiro de 2010, reza o seguinte:" " ‒ O enriquecimento sem causa constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia.
II - A obrigação de restituir/indemnizar fundada no instituto do enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos quatro seguintes requisitos: a) a existência de um enriquecimento; b) que ele careça de causa justificativa; c) que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição; d) que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado."
25) A ora Recorrente não se encontra numa situação de enriquecimento sem causa, por não preenchimento cumulativo dos quatro requisitos, i.e., não há um enriquecimento, sem razão atendível, à custa do empobrecimento de outrém, e quanto à questão de outro mecanismo da lei, facto é que não se pode indemnizar aquilo que já foi restituído.
26) Não pode a ora Recorrente devolver aquilo que não está em seu poder, não porque se tenha locupletado de tal quantia, mas porque tal quantia foi levantada conforme decorre de informação colhida no sistema informático.
27) Decaindo a obrigação de restituição, terá que decair a responsabilização da 1.ª Ré, porque não estão reunidas as condições para que a ora Recorrente seja obrigada a restituir qualquer valor ao autor, ora Recorrido.
28) No que aos juros de mora concerne, semelhante raciocínio se impõe, i.e., por se entender que a obrigação de restituição não existe, não poderia a Recorrente ter sido condenada ao pagamento de juros a contar a partir da citação.
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BXX (Macau) S.A. (BXX(澳門)股份有限公司), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 27/02/2019, dela veio, em 15/05/2019, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 312 a 331, tendo formulado as seguintes conclusões :
(i) O Tribunal Judicial de Base condenou a A no pedido em sede de responsabilidade meramente contratual;
(ii) A Sentença recorrida condenou ainda a Recorrente com base no artigo 29.° do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 por entender que (a) este enuncia um princípio de responsabilidade das concessionárias de jogo perante terceiros por actos dos promotores de jogo; (b) os depósitos de fichas realizado pelo Recorrido junto da A tinham conexão directa com o jogo; e (c) esses depósitos se subsumiam no segmento da previsão normativa do artigo 29.º que se refere à actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo, não tendo a Sentença considerado preenchido qualquer outro segmento da previsão normativa;
(iii) O Regulamento Administrativo n.º 6/2002 é um regulamento complementar;
(iv) O seu artigo 29.º regulamenta o n.º 3 do artigo 23.º da Lei n.º 16/2001 e consequentemente só trata da responsabilidade das concessionárias perante o Governo, por actos praticados por promotores de jogo com os quais tem relação;
(v) A interpretação do referido artigo 29.º professada pelo Tribunal a quo importa que as concessionárias respondam objectivamente perante terceiros por obrigações contratuais dos promotores de jogo, por estes contraídas no exercício da própria empresa, como se aquelas fossem suas fiadoras ope legis;
(vi) Isso representaria um risco extremo e injustificado, não explicado por qualquer circunstância especial da relação que se estabelece entre concessionárias e promotores;
(vii) Os promotores de jogo são entidades autónomas, actuam em concorrência virtual com as concessionárias e estão sujeitos a licenciamento, exames à escrita e auditorias do regulador, corporizado na DICJ;
(viii) Por conseguinte, o artigo 29.º não responsabiliza as concessionárias perante terceiros por obrigações contratuais dos promotores, contraídas no exercício da própria empresa;
(ix) Se o legislador tivesse querido instilar-lhe esse sentido, tê-lo-ia expressado em termos inequívocos;
(x) A Sentença recorrida violou e fez errada aplicação de lei substantiva ao interpretar o referido artigo 29.º e aplicá-lo na condenação da Recorrente, nos moldes supra descritos;
(xi) O Tribunal a quo não fundamenta a condenação da Recorrente na norma contida na alínea 5) do artigo 30.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, o que se afigura correcto porque a mesma só poderia ser aplicada com apoio em matéria de facto que não se provou por não ter sido quesitada;
(xii) Aliás, a especificação de um regime de solidariedade na condenação da Recorrente sempre afastaria necessariamente a possibilidade de esta se alicerçar na aludida alínea 5) do artigo 30.°;
(xiii) Por cautela de patrocínio, na hipótese de se entender que a Sentença recorrida se teria escorado também na omissão do dever de fiscalização consagrado nessa disposição legal, sempre se dirá que o Tribunal a quo teria então (a) violado lei substantiva por considerar que a quebra do dever imposto pela norma gera responsabilidade perante o público, e não apenas perante o regulador, e, (b) violado lei adjectiva, a saber, o artigo 562.°, n.os 2 e 3, do Código de Processo Civil, por se basear, como pressuposto da condenação, no incumprimento dum dever cuja subjacente factualidade - "fiscalizou ou não fiscalizou" - não integrou a discussão da matéria de facto porque não fazia parte da Base Instrutória.
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C (C), Recorrido, veio, 20/06/2019, ofereceu a resposta constante de fls. 337 a 350, tendo formulado as seguintes conclusões:
• 針對A的上訴理由部分:
1. 根據《民事訴訟法典》第5條之規定,A欲證明原告已取款的事實屬於構成其抗辯理由的必須事實(facto essencial)。
2. 那麼,根據上指法律之規定,似乎即使有關事實是於案件的調查及審判階段被發現並最後被認定為已證事實,法院亦不可以依職權考慮相關事實,因為僅A負起陳述及舉證該等事實的責任。
3. 倘若不認同上述的觀點,被上訴人亦認為上訴人A提的出事實爭執之理據明顯不可能成立的。
4. 因為卷宗第160至161頁的文件最多只能證明涉案的兩筆存款已被提走,但未能證明是由何人所提走的。
5. 更甚者,若果涉案的款項真是一早被被上訴人所提取,那麼A應向法院提供載有於被上訴人已於“取款人簽名欄”簽署了其簽名的涉案存碼單,而非在答辯狀中表示被上訴人所持有的存碼單非其貴賓廳所發出。
6. 根據卷宗第190頁、192頁及第163至181頁的資料可顯示,被上訴人的賭博戶口並沒有授權其他人可操作該戶口,而且在2015年04月27日19時28分,上訴人根本沒有進入澳門地區,即其當時不可能出現在BA貴賓會內,如此,可見卷宗第160至161頁內有關涉案兩次的提款並非由上訴人所作出的。
7. 基於此,A有關爭執調查基礎內容第9及11條事實之答覆的理由明顯不可能成立,故懇求尊敬的法官 閣下駁回有關的爭執。
8. 既然事實上不存在被上訴已取款此等事實,那麼在事實層面不變的前提下,根據所有已證事實,被上訴人確實是曾經將涉案款項存入A所經營的貴賓廳,事後其亦曾要求A退還款項,但被拒絕。
9. 根據《民法典》第1111條及第1113條c)項之規定,上訴人A確是有義務於被上訴人催告還款時將存款退還之。
10. 同樣地,在事實前提不變的情況下,根據《民法典》第793條及第795條之規定,A亦同樣負有義務在遲延期間向被上訴人支付法定利息以作賠償。
• 針對B的上訴理由部分:
11. 第6/2002號行政法規第29條所規定的範園是比第16/2001號法律第23條第3款所規定的更加廣闊。
12. 似乎第6/2002號行政法規與第16/2001號法律並非僅具有補充性的關係,反之,第6/2002號行政法規就第16/2001號法律沒有規範的事宜設定了初始性的規範,因此第6/2002號行政法規並不屬於單純的補充性行政法規。
13. 若果兩者真是存有補充性,那麼立法者為何不增加“向政府承擔責任”等字眼,以便消除適用法律者心中的疑問?但答案顯然就是立法者希望透過兩條不同的條文規範不同情況。
14. 既然第6/2002號行政法規第29條沒有明文規定僅適用於對政府的情況,而且上述兩條規定的適用範圍均不同,因此,被上訴人認為上訴人此一上訴理由應裁定為不成立。
15. 立法者在法制上強加了作為博彩承批人的B需負起監管在其賭場內從事博彩中介活動的A,這是建基於A作出的所有推廣博彩活動均是同樣是為了B的利益而作出的。
16. 由於A在賭場內進行的活動是對B有所得益的,因此只要證明A進行有關活動會令他人受有損害及B在此事宜上沒有妥善履行監管義務時,其必須與A負起連帶責任以便作出賠償。
17. 正如已證事實l)至v)條事實均可顯示被上訴人存入涉案的兩次存款後,被上訴人曾數次要求A返還涉案存款,其不但沒有為之,反之在其後答辯內表示其從未收有關涉案之存款;更甚者,B在答辯時亦表示不知悉被上訴人有沒有存款,而且亦從未察覺A存有欠缺償付能力問題。如此,均可斷定被上訴人根本就沒有妥善履行到其法定的監管義務。
18. 因為若果B有盡力履行其監管義務,根本就不會不知道或放任A於多年中不斷吸納大量的存款而不作出任何的警告或阻止。
19. 綜上所述,被上訴人認為本案並不存在上訴人A所講的欠缺具體事實予以支撐被訴判決的瑕疵。
20. 被上訴人還希望指出的是根據已證事實k)及l)均可顯示本案的寄存物為籌碼,而且存放有關籌碼於A貴賓廳內的目的在於待被上訴人到該貴賓會賭博時,能將有關之前已寄存的籌碼取出以便賭博。
21. 如此,毫無疑問,涉案的存款就是與賭博有關聯的。
22. 那麼,根據第6/2002號行政法規第29條之規定,在B沒有妥善履行監管A的情況下,其須與A以連帶責任的方式向被上訴人返還涉案的存款港幣陸佰萬圓正(HKD6,000,000.00),因涉案的存款活動是與賭博有關聯性的。
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Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
a) - A 1ª R. foi estabelecida no dia 12 de Julho de 2006 em Macau e registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau no dia 22 de Agosto de 2006, sob o nº 2****(SO); (alínea a) dos factos assentes)
b) - O objecto da 1ª R. é a exploração das actividades de promoção de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino; (alínea b) dos factos assentes)
c) - A 2ª R. foi estabelecida no dia 17 de Outubro de 2001 e registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau nesse mesmo dia, sob o nº 1****(SO); (alínea c) dos factos assentes).
d) - O objecto da 2ª R. é a exploração dos jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino; (alínea d) dos factos assentes)
e) - No dia 24 de Junho de 2002, a 2ª R. assinou o “Contrato de Concessão para a Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar ou Outros Jogos em Casino na Região Administrativa Especial de Macau” com a RAEM; (alínea e) dos factos assentes)
f) - No dia 8 de Setembro de 2006, a 2ª R. assinou a “Primeira Alteração ao Contrato de Concessão para a Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar ou Outros Jogos em Casino na Região Administrativa Especial de Macau” com a RAEM; (alínea f) dos factos assentes)
g) - A 1ª R. é promotora de jogo desde 2005, com o nº E***; (alínea g) dos factos assentes)
h) - Em função do “Contrato de promoção de jogos” e do “Acordo de autorização para concessão de crédito” celebrados entre a 1ª R. e a 2ª R., esta última permite à 1ª R. exercer a actividade de promoção de jogos e a actividade de concessão de crédito nos estabelecimentos por si explorados; (alínea h) dos factos assentes)
i) - A 1ª R. constituiu a Sala VIP A no estabelecimento explorado pela 2ª R.; (alínea i) dos factos assentes)
j) - O A. abriu uma conta de jogo junto da Sala VIP A, com o nº 80******; (resposta ao quesito nº 1 da base instrutória)
k) - O A. abriu a conta de jogo com o objectivo de depositar numerário e fichas de jogo, facilitando o levantamento durante os jogos; (resposta ao quesito nº 2 da base instrutória)
l) - No dia 21 de Abril de 2015, o A. depositou HKD3.000.000,00 (três milhões de dólares de Hong Kong) em ficha viva na Sala VIP A explorada pela 1ª R.; (resposta ao quesito nº 3 da base instrutória)
m) - Após o depósito da referida quantia, a 1ª R. emitiu ao A. um “Recibo de depósito de fichas”, de nº 014280, com o seguinte conteúdo: “Certifica-se que C (depositante), nº de cliente: 80******, depositou a quantia de HKD3.000.000,00 (três milhões de dólares de Hong Kong); (resposta ao quesito nº 4 da base instrutória)
n) - O “Recibo de depósito de fichas” acima referido foi assinado pelo responsável da tesouraria da Sala VIP A e pela testemunha presente no local, e também dele constava a assinatura do A.; (resposta ao quesito nº 5 da base instrutória)
o) - No dia 21 de Agosto de 2015, o A. depositou novamente uma quantia de HKD3.000.000,00 (três milhões de dólares de Hong Kong) em numerário na Sala VIP A explorada pela 1ª R.; (resposta ao quesito nº 6 da base instrutória)
p) - Após o depósito da referida quantia, a 1ª R. emitiu ao A. um “Recibo de depósito de fichas”, de nº 014776, com o seguinte conteúdo: “Certifica-se que C (depositante), nº de cliente: 80******, depositou a quantia de HKD3.000.000,00 (três milhões de dólares de Hong Kong); (resposta ao quesito nº 7 da base instrutória)
q) - O “Recibo de depósito de fichas” acima referido foi assinado pelo responsável da tesouraria da Sala VIP A e pela testemunha presente no local, e também dele constava a assinatura do A.; (resposta ao quesito nº 8 da base instrutória)
r) - Desde que efectuou os depósitos na Sala VIP A, respectivamente, nos dia 21 de Abril de 2015 e dia 21 de Agosto de 2015, no valor total de HKD6.000.000,00 (seis milhões de dólares de Hong Kong), o A. nunca levantou tal quantia; (resposta ao quesito nº 9 da base instrutória)
s) - Em Setembro de 2015 o A. pediu à 1ª R. a restituição da quantia de HKD6.000.000,00 (seis milhões de dólares de Hong Kong); (resposta ao quesito nº 10 da base instrutória)
t) - A 1ª Ré não restituiu ao A. a quantia de HKD6.000.000,00 (seis milhões de dólares de Hong Kong); (resposta ao quesito nº 11 da base instrutória)
u) - O Autor dirigiu-se pelo menos duas vezes à Sala VIP A para o levantamento do depósito de HKD6.000.000,00 (seis milhões de dólares de Hong Kong), mas foi sempre recusado pelos funcionários da Sala VIP A; (resposta ao quesito nº 12 da base instrutória)
v) - Desde então, o A. nunca conseguiu levantar a quantia de HKD6.000.000,00 (seis milhões de dólares de Hong Kong) supracitada. (resposta ao quesito nº 13 da base instrutória)
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
Comecemos pelo recurso da 1ª Recorrente.
Esta veio a impugnar a matéria de facto constante dos quesitos 9º e 11º da Base Instrutória (BI), alegando que o Tribunal Colectivo errou na apreciação de provas, quer testemunhais quer documentais (certidão de fls. 160 a 161), defendendo que estes 2 factos não deviam ficar provados,
Os dois factos em causa têm o seguinte teor:
- Desde que efectuou os depósitos na Sala VIP A, respectivamente, nos dia 21 de Abril de 2015 e dia 21 de Agosto de 2015, no valor total de HKD6.000.000,00 (seis milhões de dólares de Hong Kong), o A. nunca levantou tal quantia; (resposta ao quesito nº 9 da base instrutória)
- A 1ª Ré não restituiu ao A. a quantia de HKD6.000.000,00 (seis milhões de dólares de Hong Kong); (resposta ao quesito nº 11 da base instrutória)
A 1ª Recorrente criticou o Colectivo por este acreditar no depoimento das testemunhas e não ter valorado devidamente o teor do documento de fls. 160 e 161. Com este ela pretendia demonstrar que a quantia de 6 milhões depositada na conta do Recorrido foi levantada!
Sem mais, comecemos por este raciocínio desta 1ª Recorrente.
1) – Quem é que procedeu a tal levantamento? Não se sabe. Quem deve assumir este ónus de prova? Sem dúvida cabe à Recorrente porque é um facto extintivo do direito alegado pelo Recorrido/Autor. Pela vista, a Recorrente não o cumpriu.
2) – Quem é que tinha todo o poder de controlar o registo de depósito e levantamento de fichas? Sem dúvida era também esta 1ª Recorrente. Mais, o Recorrido/Autor provou o seu direito, procedendo ao depósito do valor na sua conta, aberta na sala da 1ª Recorrente.
3) – Por outro lado, conforme o registo de entradas e saídas constante de fls. 190, 192, 163 a 182 dos autos, data em que foi feito o alegado levantamento de fichas o Recorrido/Autor não estava em Macau.
4) – Conforme os factos considerados assentes, nunca foi dado poder a terceiro para movimentar as quantias depositadas na conta do Recorrido/Executado.
5) – Nesta óptica, não encontramos razões para acreditar as provas produzidas pelo Recorrido/Executado, e também inexistem elementos nos autos que permitam concluir pela apreciação errada das provas produzidas. Aliás, o que esta 1ª Recorrente está a fazer nesta parte do recurso é justamente atacar a convicção do julgador, o que não pode ser feito.
6) – Pelo que, é de julgar improcedente o recurso nesta parte interposto pela Recorrente, mantendo-se as respostas dadas pelo Colectivo aos quesitos 9º e 11º da Base Instrutória.
*
Passemos agora a ver o mérito do recurso.
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
C, maior, de nacionalidade chinesa, portador do BIRM nº 5******(1).
Vem instaurar a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra,
A Entretenimento Sociedade Unipessoal Limitada, com o número de registo comercial 2****SO, com sede de pessoa colectiva em Macau, na Alameda ...... nºs ..., Centro Comercial do ......, ...º andar ...,
e,
BXX (Macau) S.A., com o número de registo comercial 1****SO, com sede de pessoa colectiva em Macau, na Rua ......, ......, Hotel .......
Alega o Autor ser cliente da sala VIP explorada pela 1ª Ré na qual nas datas indicadas depositou por suas vezes HKD3.000.000,00 tendo recebido os respectivos talões de depósito, contudo em 09.09.12015 depois de saber do que se tinha passado na 1ª Ré exigiu a devolução daquele valor sendo que esta (a 1ª Ré) não devolveu a referida quantia.
Mais alega que a 2ª Ré enquanto concessionária do jogo é responsável solidariamente com os promotores de jogo.
Concluindo pede o Autor que:
1. Sejam condenadas a 1ª Ré A Entretenimento Sociedade Unipessoal Limitada e a 2ª Ré BXX (Macau) S.A., solidariamente assumir a dívida proveniente da responsabilidade do contrato, pagando ao Autor C o montante de seis milhões cento e oitenta e nove mil patacas (MOP6.189.000,00);
2. Pagar os juros de mora calculados à taxa legal desde a data da citação até o pagamento integral;
Citadas as Rés para querendo contestarem, vieram estas fazê-lo, defendendo-se a 1ª Ré por impugnação e a 2ª Ré invocando a excepção da ilegitimidade do Autor quanto a parte do pedido e por impugnação quanto a tudo o que se invoca.
O Autor replicou respondendo à matéria da excepção.
Foi elaborado despacho saneador onde foi julgada improcedente a invocada excepção da ilegitimidade, sendo seleccionada a matéria de facto assente e a base instrutória.
Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal mantendo-se a validade da instância.
A questão a decidir nestes autos consistem em saber se a 1ª Ré recebeu o depósito do Autor e caso esta venha a ser julgada procedente, apreciar a natureza jurídica do contrato celebrado entre o Autor e a 1ª Ré, da obrigação de restituir da 1ª Ré e da responsabilidade solidária das Rés.
Da instrução e discussão da causa apurou-se que:
(…)
Cumpre assim apreciar e decidir.
De acordo com o disposto no artº 1070º do C.Civ. «mútuo é o contrato pelo qual uma parte empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade».
Segundo o artº 1111º do C.Civ. «depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde e a restitua quando for exigida». «Diz-se irregular o depósito que tem por objecto coisas fungíveis» - cf. artº 1131º do C.Civ. -, aplicando-se ao depósito irregular as normas relativas ao contrato de mútuo.
Por sua vez o Código Comercial sob o título de contratos bancários, nos artigos 840º e seguintes regula o depósito bancário como sendo o depósito de uma quantia em dinheiro num banco mediante a obrigação por banda deste de a restituir em moeda da mesma espécie.
Ora, da factualidade apurada nas alíneas j) a q) o que resulta ter acontecido foi que mediante acordo celebrado entre o Autor e a 1ª Ré aquele entregou a esta o valor de HKD6.000.000,00.
Resulta das regras da experiência ser prática corrente nas salas VIP os clientes constituírem contas que segundo o acordado tanto podem permitir ao cliente obter empréstimos em fichas de jogo até determinado valor, como também permitir ao cliente depositar as fichas que comprou ou ganhou nessa mesma conta até voltar a jogar ou decidir levantá-las.
Embora esta actividade tenha semelhanças e ande próxima dos contratos bancários, quando feita através de fichas de jogo, ela não se confunde com a actividade bancária, tal como também acontece com os empréstimos a que alude a Lei nº 5/2004.
Assim sendo, face à factualidade apurada impõe-se concluir que a situação sub judice se enquadra nos depósitos irregulares, estando sujeita ao regime do mútuo nos termos do artº 1132º do C.Civ..
O Autor reclama a entrega da coisa depositada acrescida de juros a contar da citação.
Quanto ao prazo da entrega segundo o nº 2 do artº 1075º do C.Civ. (aqui aplicado “ex vi” artº 1132º do C.Civ.) não se tendo fixado prazo pode qualquer das partes pôr termo ao contrato desde que o denuncie com a antecedência de trinta dias.
Das alíneas s) e t) resulta que em dia não apurado do mês de Setembro de 2015 o Autor reclamou da 1ª Ré a devolução da quantia depositada, pelo que, se impõe concluir que a 1ª Ré havia de ter entregue ao Autor o valor do depósito pelo menos até 30 de Outubro, uma vez que não se apurando o dia mas apenas o mês o prazo não pode começar a contar antes de 30 de Setembro de 2015.
Não o tendo feito incorreu a 1ª Ré em incumprimento.
De acordo com o disposto no artº 787º do C.Civ. o devedor que falte ao cumprimento da sua obrigação incorre na obrigação de indemnizar o que, no caso de obrigações pecuniárias (como é o caso dos autos) corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora – artº 795º do C.Civ. –, sendo certo que, no caso em apreço apenas foram pedidos juros a contar da data da citação a qual foi posterior a 30.10.2015.
Concluindo deve ser ordenada a restituição ao Autor da quantia de HKD6.000.000,00 acrescida de juros legais a contar da data da citação até efectivo e integral pagamento.
Da responsabilidade solidária das Rés.
A este respeito invoca o Autor a responsabilidade solidária das Rés com base no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 uma vez que a 1ª Ré é um promotor de jogo que desenvolvia a sua actividade no casino da 2ª Ré.
A Lei nº 16/2001 no seu artº 1º define o seu âmbito e objectivo, assim como no artº 2º, nº 1, 6) define o que se entende por promotor de jogo.
A responsabilidade das concessionárias pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo enunciada no artº 23º da Lei 16/2001 visa salvaguardar os objectivos consagrados no artº 1º da mesma lei.
De entre as obrigações das concessionárias nos termos do artº 30º do Regulamento Administrativo 6/2002 consta informar factos que possam afectar a solvabilidade dos promotores de jogo e fiscalizar o cumprimento das obrigações legais, regulamentares e contratuais dos promotores de jogo, entre outras.
Ou seja, de acordo com as alegadas disposições legais a concessionárias têm o poder dever de fiscalizar toda a actividade dos promotores de jogo que exercem a sua actividade nos seus casinos. Veja-se a propósito a alínea 6) do artº 22º da Lei 16/2001 que impõe às concessionárias a instalação nas salas de jogo do sistema electrónico de vigilância e controlo, o qual, como resulta das regras da experiência, permite inclusivamente visionar a entrega de dinheiro e fichas nas tesourarias das salas.
Tal como já se referiu supra, subjacente a esta acção está um contrato de depósito realizado por um cidadão num promotor de jogo que funcionava junta da 2ª Ré.
A actividade conexa com os jogos de fortuna e azar não se limita ao jogo propriamente dito, compra e troca de fichas, mas também, à concessão de crédito – a qual igualmente está condicionada a licença para o efeito – bem como a estes contratos de depósito de fichas.
Não estando os concessionários nem os promotores de jogo autorizados a exercer a actividade bancária, o crédito concedido e os depósitos recebidos apenas o podem ser em fichas de jogo, sendo certo que, no caso do depósito a materialização do mesmo se confunde um pouco entre a entrega do numerário e/ou o uso de numerário para comprar fichas de jogo que são imediatamente depositadas, o que se revela ser a prática corrente1.
Contudo, compra, venda, empréstimo e recebimento em depósito de fichas de jogo, são por natureza actividades conexas com os jogos de fortuna e azar.
Ora, se o cliente entrega uma quantia em numerário que é imediatamente trocada em fichas de jogo que são depositadas (ainda que não haja o acto material de entregar as fichas ao cliente e este devolver as fichas para serem depositadas) ou se o cliente entrega as fichas que tem na sua posse proveniente do resultado de apostas ou porque as comprou, na tesouraria da sala VIP para ai ficarem em depósito o que ocorre é que esta acção envolve fichas de jogo e está directamente relacionada com o jogo.
Mais ainda nos termos da alínea 1) do nº 1 do artº 7º da 2/2006, alínea 2) do nº 1 do artº 3º do Regulamento Administrativo nº 7/2006 e artº 10º da Instrução nº 1/2006 da DICJ, no que concerne aos Relatórios de Operações de Valor Elevado, o que resulta é que todas as operações – compras de fichas, apostas, crédito e reembolso/depósitos de fichas – que num período de 24 horas excedam o valor de MOP500.000,00 têm obrigatoriamente que ser declaradas situação pela qual o próprio concessionário é também responsável para além do promotor de jogo.
Destarte, se nos termos da legislação aplicável, como vimos supra, o concessionário (ou subconcessionário) está obrigado a fiscalizar a actividade do promotor de jogo – alínea 5) do artº 30º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 – e se são responsáveis pela actividade desenvolvida por estes – nº 3 do artº 23º da Lei nº 16/2001 -, não há como não se entender que estas operações de tesouraria, pagamentos, empréstimos, depósitos, para além das relacionadas com apostas e compra e troca de fichas, não caibam dentro do âmbito da responsabilidade solidária prevista no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002.
Neste sentido se entendeu no Acórdão do Venerando tribunal de Segunda Instância de 11.10.2018 proferido no Processo 475/2018.
Pese embora tenhamos defendido posição contrária não podemos agora deixar de aderir aos argumentos do indicado Acórdão.
Destarte, estando provada a alegada relação entre as Rés – concessionária/promotora de jogo – e sendo de entender face a todo o exposto que os depósitos de fichas realizados nas promotoras de jogo é uma actividade conexa com a actividade de jogos de fortuna e azar, face ao disposto no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 é a 2ª Ré solidariamente com a 1ª Ré responsável pela devolução do depósito feito pelo Autor na 1ª Ré.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos julga-se a acção procedente porque provada e em consequência condenam-se as Rés solidariamente a devolver ao Autor a quantia de MOP6.180.000,00 acrescida dos juros de mora à taxa dos juros legais a contar da data da citação da 1ª Ré até efectivo e integral pagamento.
Custas a cargo das Rés.
Registe e Notifique.
Macau, 27.02.2019
Quid Juris?
Ora, como a matéria de facto fica imodificada, não temos base, nem fáctica nem jurídica para alterar a decisão do Tribunal a quo na parte respeitante à 1ª Recorrente. Pelo que, é de manter a decisão recorrida, visto que em face das considerações e impugnações do ora Recorrente, a argumentação produzida pelo MMo. Juíz do Tribunal a quo continua a ser válida, a qual não foi contrariada mediante elementos probatórios concretos, trazidos por quem tem o ónus de prova, razão pela qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de sustentar e manter a posição assumida na sentença recorrida.
*
Passemos a ver o recurso da 2ª Recorrente, BXX (Macau) S.A..
Esta imputa à sentença recorrida o vício da violação do artigo 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, de 1 de Abril.
Ora, a propósito da responsabilidade solidária da concessionária com os promotores de jogo, já pronunciamos no âmbito do processo n º 840/2016.
Com efeito, nos termos conjugados a Lei n.º 16/2001 e o Regulamento Administrativo n.º 6/2002, designadamente os artigos 30.º e 32.º deste último diploma, impende sobre a 2ª Recorrente/Ré a obrigação legal de fiscalizar e supervisionar a actividade da 1.ª Recorrente/1ª Ré, promotora de jogo que a 2ª Recorrente/Ré contratou para exercer a sua actividade própria nos seus casinos.
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O artigo 30.º (Obrigações das concessionárias) do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, de 1 Abril, dispõe:
Sem prejuízo de outras previstas no presente regulamento administrativo e em demais legislação complementar, constituem obrigações das concessionárias:
1) Enviar, até ao dia 10 de cada mês, à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, uma relação discriminada relativa ao mês antecedente dos montantes das comissões ou outras remunerações por si pagas a cada promotor de jogo, bem como dos montantes de imposto retidos na fonte, acompanhada de toda a informação necessária à verificação dos respectivos cálculos;
2) Enviar, em cada ano civil, de 3 em 3 meses, à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos a lista referida no n.º 3 do artigo 28.º;
3) Comunicar à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos qualquer facto que possa afectar a solvabilidade dos promotores de jogo;
4) Manter em dia a escrita comercial existente com os promotores de jogo;
5) Fiscalizar a actividade dos promotores de jogo, nomeadamente quanto ao cumprimento das suas obrigações legais, regulamentares e contratuais;
6) Comunicar às autoridades competentes qualquer facto que possa indiciar a prática de actividade criminosa, designadamente de branqueamento de capitais, por parte dos promotores de jogo;
7) Proporcionar um relacionamento são entre os promotores de jogo junto dela registados;
8) Pagar pontualmente as comissões ou outras remunerações acordadas com os promotores de jogo;
9) Cumprir pontualmente as suas obrigações fiscais.
A 2ª Recorrente tem a obrigação legal de conhecer os factos em causa, designadamente que foi celebrado contrato de depósito entre o Recorrido e a 1.ª Recorrente e se esta recebeu e não devolveu as quantias indicadas pelo Recorrido, não pode alegar simplesmente que ela não tinha acesso à escrituração comercial da 1ª Ré, e defende também que tal norma de consagra a responsabilidade solidária só funciona perante o Governo.
A norma acima citada é muito clara, à concessionária confere o dever de fiscalizar o cumprimento de obrigações contratuais. Qualquer concessionária de jogos não tem condições para cumprir este dever legal? Entendemos que sim! É uma questão de vontade! Enquanto concessionária, tem todas as condições e todos os poderes para exercer o seu papel fiscalizador. Situação diferente será a em que a concessionária provou que fez tudo possível para cumprir o seu dever de fiscalização, mas não conseguiu sem culpa sua!
Escreveu-se no acórdão do Processo nº 475/218, de 11/10/2018:
“(…) o espírito normativo é no sentido de atribuir maior responsabilidade às concessionárias no controlo das actividades desenvolvidas nos seus casinos pelos promotores de jogo e administraAs e colaboraAs destes, pois sendo beneficiárias das actividades dos promotores de jogo e administraAs e colaboraAs destes, é razoável e lógica exigir-lhes o dever de fiscalização dessas actividades, bem como assumir, em solidariedade com os promotores de jogo e administraAs e colaboraAs destes, as responsabilidades decorrentes das mesmas.
Nesta conformidade, ainda que um promotor de jogo obtenha de forma ilegal financiamento para manter o funcionamento da sala de VIP de jogo, esta actividade tem reflexo directo na actividade da exploração de jogo da concessionária.
Se a concessionária não cumprir o seu dever de fiscalização, permitindo ou tolerando o promotor de jogo desenvolver este tipo actividade no seu casino, não deixará de ser considerada como responsável solidária pelos prejuízos decorrentes daquela actividade, nos termos do artº 29º do citado Regulamento Administrativo.”
*
Luís Pessanha, in "O Jogo de Fortuna e Azar e a Promoção do Investimento em Macau" (publicado na Revista de Administração, n.º 77, Vol. XX, 2007/3, 847-888, páginas 878 e 879), defende:
"Importa ainda referir que os promotores de jogo apenas podem desempenhar a sua actividade em associação com um casino, o qual promovem junto do público e para o qual procuram angariar apostaAs endinheirados (designados no jargão do sector do jogo como os "premium players"), o que leva a que se tenha considerado que se deva exigir que após o licenciamento, o promotor de jogo se deva registrar, anualmente, perante, pelo menos, um determinado sub/concessionário (vd. artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002), formalizando-se por escrito a relação entre o promotor e o respectivo sub/concessionário e dando-se cópia de tal contrato (e de qualquer outro entre estas partes que tenha um valor económico de pelo menos 1 milhão de patacas), à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (vd. artigo 24.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002).
[...]
Os sub/concessionário devem submeter anualmente, até 31 de Outubro do ano em curso, à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, uma lista nominativa dos promotores de jogo com os quais pretendam operar no ano seguinte (vd. artigo 28.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 6/2002). O que implica também que os sub/concessionários tenham a obrigação de manter uma lista actualizada dos promotores de jogo, respectivos administraAs, principais empregados e colaboraAs, que estejam registados junto deles (vd. artigo 28.º, n.º 3 do Regulamento Administrativo n.º 6/2002).
Este registo anual dos promotores de jogo junto do respectivo sub/concessionário não é uma mera formalidade, mas determina antes, uma verdadeira responsabilidade solidária dos sub/concessionários pela actividade desenvolvida nos casinos, pelos "seus" promotores de jogo, respectivos administraAs e colaboraAs (vd. artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002). Os sub/concessionários devem proceder a uma fiscalização activa e diligente da actividade dos promotores de jogo e assegurar que estes dão o devido cumprimento às suas obrigações legais, regulamentares e contratuais, comunicando às autoridades competentes qualquer facto que possa indiciar a prática de actividade criminosa (nomeadamente, branqueamento de capitais por parte dos promotores de jogo) e assegurar a necessária correcção e urbanidade de relacionamento entre os promotores de jogo registados no mesmo sub/concessionário [...]." (destaque nosso)2.
Neste contexto, a 2ª Recorrente BXX S.A. na sua qualidade de concessionária, não pode alegar que desconhece, sem obrigação de conhecer, a actuação dos promotores de jogo que contratou, sobretudo, quando as promotoras cessaram a sua actividade sem liquidar devidamente as dívidas para com os seus clientes.
Mais, quando o que está em causa são actos praticados e contratos celebrados dentro dos casinos que explora - como é o caso dos autos.
Não só a 2ª Recorrente tem a obrigação legal de fiscalizar toda a actuação dos promotores de jogo nos seus casinos,
Como, doutro passo, tem a obrigação de, perante um litígio ou potencial litígio, aferir os termos em que um promotor de jogo actuou nos seus casinos, tendo ao seu dispor todos os mecanismos contratuais e legais (e práticos, como sejam os sistemas de vigilância e segurança) para o efeito.
O que a 2ª Recorrente/Ré/ nunca pode é, na qualidade de concessionária, alegar que desconhece sem obrigação de conhecer a actuação dos promotores de jogo que contrata, dentro dos seus casinos.
Ou seja, o Regulamento Administrativo n.º 6/2002, que regula a actividade dos promotores de jogo, estabelece, de forma mais abrangente, que as concessionárias (e subconcessionárias) são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo pela actividade destes nos casinos.
Pelo que, carecendo da razão a argumentação da 2ª Recorrente, julga-se improcedente o recurso por ela interposto.
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Síntese conclusiva:
I – A ratio legis das normas do artigo 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, de 1 de Abril, e da al. 5) do artigo 30º do mesmo Regulamento, visa impôr às concessionárias de jogo um dever especial de controlar todas as actividades desenvolvidas nos seus casinos pelos promotores de jogo e administraAs e colaboraAs destes, visto que as concessionárias são beneficiários últimos destas actividades, razão pela qual o legislador fala de “fiscalizar a actividade dos promotores de jogo, nomeadamente quanto ao cumprimento das suas obrigações legais, regulamentares e contratuais”.
II – Provando-se que a promotora aceitou o depósito de dinheiro na conta aberta no seu casino, mas não devolveu a quantia depositada, quando foi interpela pelo seu depositante, e, a concessionária vem a ser demandada conjuntamente com a promotora de jogo, a concessionária é responsável solidária, porque não cumpriu o seu dever de fiscalização, pelos prejuízos decorrentes daquela actividade, nos termos do artigo 29º do citado Regulamento Administrativo, salvo se a concessionária provasse que fazia tudo para cumprir o seu dever de fiscalização, mas não conseguiu evitar o resultado danoso sem culpa sua.
*
Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento aos recursos interpostos pelas Recorrentes (2 Rés), mantendo-se a decisão recorrida.
*
Custas pelas Recorrentes (2 Rés), na proporção de igualdade.
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Registe e Notifique.
*
RAEM, 10 de Outubro de 2019.
(Relator) Fong Man Chong
(Primeiro Juiz-Adjunto) Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto) José Cândido de Pinho
1 A não ser assim e se os depósitos fossem/forem feitos em numerário então teríamos as salas de jogo a realizar operações bancárias o que salvo melhor opinião não pode ser permitido. No mesmo sentido veja-se comunicação da DCIJ de 21.09.2015 publicada no sítio da internet da respectiva Direcção: “A DICJ esclarece, uma vez mais, que, nos termos do "Regime jurídico do sistema financeiro" só as instituições de crédito previamente autorizadas podem receber depósitos do público e que a recepção ilegal destes depósitos constitui actividade criminosa.”
2 Em sentido próximo, pode ver-se o artigo de Alexandre Dias Pereira, in "Law, Regulation and Control Issues of tbe Asian Gaming Industry", publicado pelo Institute for the Study of Commercial Gaming da Universidade de Macau, páginas 152 e 153.
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2019-749-A-depósito-fichas-solidária 17