Processo nº 997/2017(*) Data: 24.10.2019
(Autos de recurso contencioso)
Assuntos : Contrato de concessão.
Caducidade da concessão.
Ordem de desocupação (despejo).
Audiência prévia.
Falta de fundamentação, (“Concordo”).
Princípio da proporcionalidade.
SUMÁRIO
1. À Administração cabe o dever de observar o contraditório e de facultar aos particulares o “direito de participarem nas suas decisões, (de forma a compensar as eventuais “insuficiências de representatividade” do órgão administrativo, e a fim de se “assegurar o melhor conhecimento possível da situação” a quem compete decidir).
2. O acto administrativo que determina o despejo da concessionária, após declaração de caducidade da concessão, não tem de ser precedido de audiência daquela, por se tratar de acto vinculado.
3. Para a insuficiência da fundamentação equivaler à falta (absoluta) de fundamentação), é preciso ser manifesta a insuficiência, no sentido de ser tal que fiquem por determinar os factos ou as considerações que levaram o órgão a agir ou a tomar aquela decisão, ou então, que resulte evidente que o agente não realizou um exame sério e imparcial dos factos e das disposições legais, por não ter tomado em conta interesses necessariamente implicados.
É admissível exprimir uma fundamentação por referência, feita com remissão, de concordância e em que se acolhe as razões informadas que passam a constituir parte integrante do acto.
4. Quando a Administração não dispõe, face ao tipo legal do acto, de margem de discricionariedade ou liberdade decisória, é inoperante a alegação de violação do princípio da proporcionalidade.
O relator,
______________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 997/2017(*)
(Autos de recurso contencioso)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. KUAN VAI LAM (關偉霖) e LO LAI MENG (羅麗明), com os restantes sinais dos autos, vieram interpor o presente recurso contencioso do despacho do SECRETÁRIO PARA OS TRANSPORTES E OBRAS PÚBLICAS de 28.07.2017 que ordenou desocupação/despejo do terreno com a área de 659 m2, situado na península de Macau, junto à Estrada Marginal da Ilha Verde n.° 1-B, com a remoção de todos os bens móveis que aí se encontrassem.
Em sede das suas alegações produzem as conclusões seguintes:
“1. (…)
2. Não tendo sido realizada a audiência prévia, o despacho recorrido padece de vício de forma, por violação do princípio da participação e preterição absoluta do dever de audiência dos interessados, devendo ser anulado, nos termos dos artigos 21.°, n.° 1, al. c) do CPAC e 124.° do CPA;
3. Por outro lado, o despacho recorrido, que se limitou a concordar com a Proposta n.° 317 /DSO/2017, não fundamentou as razões para prazo de 60 dias para desocupação do terreno;
4. Uma vez que a Entidade Recorrida está a impor deveres e encargos aos Recorrentes, no sentido de desocuparem o terreno num prazo muito curto, a mesma tem o dever de fundamentação por força do artigo 114.°, n.° 1, al. a) do CPA;
5. Com a leitura do acto recorrido, não é possível perceber o raciocínio da Administração chegar à conclusão proferida no ponto 5.1 da proposta n.° 317/DSO/2017;
6. Assim, o despacho ora recorrido enferma do vício de falta de fundamentação, o que leva a anulabilidade do mesmo ao abrigo do artigo 124.° do CPA;
7. Não se percebe a razão da urgência em ter o terreno em causa desocupado, quando a Administração nunca agiu com prontidão e tomou sempre decisões com atraso, nomeadamente no que diz respeito à alteração da finalidade, à revisão do contrato da concessão;
8. Uma vez que a Administração tem o dever de apurar se se encontram verificados os pressupostos de facto e de direito, o Chefe do Executivo deve ordenar a audiência prévia dos interessados;
9. Não tendo sido realizada a audiência prévia, o despacho recorrido padece de vício de forma, por violação do princípio da participação e preterição absoluta do dever de audiência dos interessados, devendo ser anulado, nos termos dos artigos 21.°, n.° 1, al. c) do CPAC e 124.° do CPA;
10. Acresce que o prazo de 60 dias para desocupação é desproporcional em comparação com a demora da Entidade Recorrida no que diz respeito à sua actuação no procedimento administrativo;
11. Os equipamentos e materiais que se encontram no terreno em causa destinavam-se a preparar o desenvolvimento do terreno;
12. Assim, é difícil retirar todos esses materiais num curto prazo de 60 dias e o custo para a desocupação vai ser elevado e desproporcional em relação ao benefício que a Administração pretende obter;
13. Como o acto recorrido viola o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 5.° do CPA, o mesmo é anulável por força do artigo 124.° do CPA;
14. Uma vez que estão em causa os vícios próprios do acto de execução, ora em impugnação, o despacho recorrido é recorrível nos termos do artigo 138.°, n.° 4 do CPA”.
A final, pedem a anulação do acto recorrido; (cfr., fls. 2 a 14 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Citada, a entidade recorrida contestou, pugnando pela improcedência do recurso.
Na peça processual que ofereceu formulou as seguintes conclusões:
“1.ª – O objecto do presente recurso contencioso é o despacho do STOP, de 28 de Julho de 2017, exarado na proposta n.° 317/DSO/2017, de 25 de Julho de 2017, que ordenou aos recorrentes a desocupação do terreno dos autos;
2.ª – Não foi realizada a audiência prévia, nem tinha de o ser, porquanto estamos perante uma caducidade preclusiva, cujo despacho de caducidade tem efeitos meramente declarativos, na medida em que esta opera de forma automática como decurso do prazo, não havendo lugar a audiência dos interessados;
3.ª – A entender-se que devia existir audiência dos interessados, há que constatar que estamos perante um acto situado a jusante da decisão principal (declaração de caducidade), que faz parte do mesmo procedimento e constitui decorrência normal daquela decisão. Mas, ainda que pudéssemos equacionar um exercício de autonomização do procedimento de execução, nem assim se imporia a audição, pois não houve uma fase de instrução neste "novo" procedimento;
4.ª – A entidade recorrida actuou no exercício de um poder vinculado, não podendo o acto recorrido ser de solução diversa, no estrito cumprimento da legalidade.
5.ª – O acto impugnado não enferma do assacado vício de forma por falta de fundamentação, porquanto foi indicado o regime jurídico aplicável ao caso concreto (artigo 179.° da Lei n.° 10/2013 e artigos 55.° e 56.° do Decreto-Lei n.° 79/85/M de 21 de Agosto), assim como os factos ocorridos (prévia declaração de caducidade da concessão do terreno), que levaram a entidade recorrida a ordenar o despejo;
6.ª – A Lei estabelece um prazo concreto para ser efectuado o despejo, pelo que, tendo a entidade recorrida concedido um prazo superior, não há necessidade de justificação desta decisão, mais até porque não se vislumbra que possa ter existido qualquer lesão de direito ou interesse dos recorrentes que merecesse tutela;
7.ª – Apesar de poder ser questionado se o prazo concedido é razoável, isso não pode contender com a exigência do dever de fundamentação, que é um requisito formal do acto e não um requisito substancial, como o serão os fundamentos do acto.
8.ª – Contudo, como é possível cumprir a ordem no prazo fixado, tem de se concluir que o acto impugnado cumpriu todos os parâmetros do dever legal de fundamentação.
9.ª – Também não se verifica a alegada violação do princípio da proporcionalidade, pois o acto impugnado foi praticado no exercício de poderes vinculados, e a violação daquele princípio só assume relevo autónomo quando a Administração actua no exercício de poderes discricionários.
10.ª – Os recorrentes não colocam em causa os pressupostos da ordem de despejo, apenas questionam o prazo concedido, pelo que, poderiam ter solicitado prorrogação do mesmo, sendo que a entidade recorrida entende que o prazo é o bastante, dada a complexidade dos trabalhos a executar.
11.ª – A interposição de recurso do acto do Chefe do Executivo que declarou a caducidade desta concessão não tem efeito suspensivo da ordem de desocupação do terreno.
12.ª – Assim, não se verificam quaisquer dos vícios alegados pelos recorrentes que possam fundamentar a declaração de nulidade ou a anulação do acto impugnado”; (cfr., fls. 30 a 48-v).
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Prosseguindo os autos, deu-se observância ao estatuído no art. 68° do C.P.A.C., tendo recorrentes e entidade recorrida apresentado as suas alegações facultativas; (cfr., fls. 57 a 63-v e 66 a 70).
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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na petição e nas suas alegações, os recorrentes solicitaram a anulação do despacho lançado na Proposta n.º317/DSO/2017 pelo Exmo. Sr. STOP em 28/07/2017 (doc. de fls.17 a 18v. dos autos), invocando a manifesta omissão da audiência prévia, a falta da fundamentação e a violação do princípio da proporcionalidade.
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1. Quanto à alegada manifesta omissão da audiência
Bem, encontra-se consolidada a brilhante jurisprudência, segundo a qual o acto que determina despejo da concessionária, após declaração de caducidade da concessão, em que se procedeu à audiência da interessada nos termos do art.93.º do Código do Procedimento Administrativo, não tem de ser novamente precedida de nova audiência desta. (cfr. Acórdãos tirados pelo Venerando TUI nos seus Processos n.º39/2017, n.º42/2018, n.º35/2018 e n.º89/2018)
Convém também ter presente que se vê igualmente consolidada a prudente jurisprudência inculcando que “Sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no artigo 93.º, n.º1, do Código do Procedimento Administrativo, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo.” (a título exemplificativo, vide. Acórdãos do TUI nos Processos n.º20/2016, n.º91/2018 e n.º16/2019)
Tudo isto leva-nos a concluir que a invocada preterição da audiência é, sem dúvida, inócua, não tendo virtude de invalidar o despacho in quaestio que, em bom rigor, visa a executar o despacho da declaração da caducidade, proferido pelo Exmo. Senhor Chefe do Executivo.
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2. Da invocação da falta de fundamentação
Exarado na Proposta n.º317/DSO/2017 (doc. de fls.17 a 18v. dos autos), o despacho recorrido reza só “Concordo”. À luz do preceito no n.º1 do art.115º do CPA, perfilhamos a douta inculca de que «Quando o acto é um simples “concordo”, tanto a sua fundamentação, como a sua dispositividade, são aquelas que constam da informação, do parecer ou da proposta sobre que o respectivo despacho recai.» (vide. Acórdão do TSI no Processo n.º334/2017)
Proclama a iluminativa jurisprudência (cfr. aresto do STA de 10/03/1999, no Processo n.º44302): A fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do acto, dos seus termos e das circunstâncias em que foi proferido, devendo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito em que se baseou o seu autor para decidir nesse sentido e não noutro, não se podendo abstrair da situação específica daquele e da sua possibilidade, face às circunstâncias pessoais concretas, de se aperceber ou de apreender as referidas razões, mormente que intervém no procedimento administrativo impulsionando o itinerário cognoscitivo da autoridade decidente.
Nos termos da determinação no n.º1 do art.115º do CPA, e em consonância com essa sagaz orientação jurisprudencial, inclinamos a colher que não se descortina a falta de fundamentação reiteradamente assacada pelos recorrentes.
Em primeiro lugar, parece-nos que na medida em que o despacho recorrido indica, de maneira clara, coerente e suficiente, os seus fundamentos de direito e de facto, cumprindo assim devidamente o dever de fundamentado. Por outra banda, afigura-se-nos que em boa verdade, o critério e a ratio subjacentes do prazo de 60 dias não exigiam explicação, visto que é notório e facilmente compreensível que a única ratio há-de traduzir-se em este prazo, segundo o ajuizamento da Administração, ser o mais razoável. Daqui resulta que o órgão recorrido não ficava obrigado a fundamentar a fixação de tal prazo, cabendo aos recorrentes apenas assacar-lhes a ilegalidade por total razoabilidade ou grosseira injustiça.
Enfim, vale não olvidar que compreender é uma coisa, e concordar é outra, a discordância duma posição não se equivale à não compreensão ou à incompreensibilidade da mesma posição. Por isso, pode-se concluir que a não concordância dos interessados com qualquer decisão da Administração não germinam a falta de fundamentação que é, segundo doutrina e jurisprudência assentes, vício de forma.
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3. Da arguida violação do princípio da proporcionalidade
Ora, os argumentos nos arts.32º a 43º da petição patenteiam, com clareza, que a arguição da violação do princípio da proporcionalidade se circunscreve ao prazo de 60 dias fixado no despacho in quaestio, sem mexer a própria ordem da desocupação incorporada nesse despacho.
É bom de ver que de acordo com as doutrinas reputadas e praticamente assentes, o princípio da proporcionalidade comporta em si mesmo três vertentes, quais são os subprincípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido próprio (Lino Ribeiro, José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo de Macau Anotado e Comentado, pp.90 a 92; Mário Esteves de oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim: Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª ed., pp.104 a 105).
No vertente caso, importa ter presente que por força da disposição na alínea 1) do n.º1 do art.179º da Lei n.º10/2013, o despacho declarativo da caducidade do contrato da concessão do qual os recorrentes eram titulares constitui inabalável pressuposto do despacho em causa, e daquele despacho declarativo decorre imperativamente que os recorrentes ficam adstritos ao dever legal de desocupação do terreno anteriormente concedido a eles. Nestes termos, e salvo respeito pela melhor opinião em sentido contrário, parece-nos que cabem aos recorrentes o ónus de provar a violação do princípio da proporcionalidade arrogada por si. Pois, sufragamos a inculca de que pode falar-se, mesmo em sede do recurso de anulação, de um ónus da prova, a cargo de quem alega os factos, no entendimento de que há-de caber à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, sobre-tudo se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberão aos administrados apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos. (vide. Acórdão do TSI no Processo n.º18/2002)
Nesta linha de vista, afigura-se-nos que o prazo de 60 dias fixado no despacho recorrido não enferma da assacada violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que os no arts.34º a 38º da petição são insubsistente para abonarem a arguição da violação deste princípio. Pois, o recurso contencioso não tem, em regra, efeito suspensivo (art.22º do CPAC), e uma anterior demora da Administração, censurável ou incensurável, não pode conduzir a que a celeridade e prontidão do funcionamento administrativo caiam na violação do princípio da proporcionalidade.
Bem, encontra-se firmemente consolidada, na actual ordem jurídica de Macau, a prudente jurisprudência, segundo a qual a intervenção do juiz na apreciação do respeito dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, os violem (a título meramente exemplificativo, cfr. Acórdãos do TUI nos seus Processos n.º39/2013, n.º104/2014, n.º5/2015, n.º83/2016, n.º46/2018 e n.º8/2019). Tal sensata jurisprudência reforça a nossa opinião de que o prazo de 60 dias fixado no despacho recorrido não infringe o princípio da proporcionalidade, por não se descortinar total desrazoabilidade ou intolerável injustiça.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso”; (cfr., fls. 76 a 78-v).
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Colhidos os vistos dos Mmos Juízes-Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
Fundamentação
Pressupostos processuais
2. Este tribunal é o competente.
O processo é o próprio, inexistindo nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
O acto administrativo impugnado é recorrível; (cfr., v.g., L. Ribeiro e J. Cândido Pinho in “C.P.A.M., Anot. e Com.”, pág. 810).
Não existem excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
Dos factos
3. Considera-se assente a seguinte factualidade (com interesse para a decisão a proferir):
- por despacho do Chefe do Executivo, de 27 de Março de 2017, tornado público pelo despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.° 24/2017, publicado no Boletim Oficial n.° 14, II Série, de 5 de Abril de 2017, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 659 m2, situado na península de Macau, junto à Estrada Marginal da Ilha Verde n.° 1-B;
- os ora recorrentes interpuseram recurso contencioso deste despacho do Chefe do Executivo em 01.06.2017, encontrando-se o mesmo pendente neste T.S.I. (Proc. n.° 483/2017);
- no dia 25.07.2017, elaborou-se a seguinte Informação/Proposta:
“1. Por despacho do Chefe do Executivo, de 27 de Março de 2017, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 659 m2, situado na península de Macau, na Estrada Marginal da Ilha Verde n.° 1-B, descrito na CRP sob o n.° 22 635 a fls. 193 do livro B147M, a que se refere o Processo n.° 52/2016 da Comissão de Terras, uma vez que tinha decorrido o prazo de arrendamento, nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP), de 12 de Outubro de 2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho.
2. A declaração de caducidade da concessão acima referida foi publicada, pelo Despacho do STOP n.° 24/2017, no Boletim Oficial da RAEM n.° 14, II Série, de 5 de Abril de 2017, e notificou-se aos ex-concessionários Kuan Vai Lam e Lo Lai Meng o conteúdo do referido despacho pelo ofício n.° 124/DAT/2017 de 10 de Abril (Anexo 1).
3. Conforme a vistoria realizada em 18 de Abril de 2017, verificou-se no local a existência de materiais e equipamentos de construção. (Anexo 2).
4. Enfrentando o seguimento da caducidade de concessão, deve considerar-se o seguinte:
4.1. Nos termos do artigo 117.° e do n.° 1 do artigo 136.° do «Código do Procedimento Administrativo» (CPA) aprovado pelo Decreto-Lei n.° 57/99/M de 11 de Outubro, o acto administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado e é executório logo que eficaz, não obstando à perfeição do mesmo por qualquer motivo determinante de anulabilidade, salvo os actos previstos no artigo 137.° do CPA;
4.2. Por outro lado, ao abrigo das disposições do artigo 22.° do «Código do Processo Administrativo Contencioso» aprovado pelo Decreto-Lei n.° 110/99/M de 13 de Dezembro, o recurso contencioso não tem efeito suspensivo da eficácia do acto recorrido;
4.3. Assim sendo, quer interponha o recurso contencioso quer não, a ordem emitida pela Administração tem de ser executada;
4.4. Com base no n.° 2 do artigo 179.° da Lei n.° 10/2013 «Lei de terras», o despejo processa-se nos termos e com as necessárias adaptações do Decreto-Lei n.° 79/85/M, de 21 de Agosto «Regulamento Geral da Construção Urbana» (RGCU);
4.5. Os objectos, materiais e equipamentos abandonados no terreno serão tratados de acordo com as disposições do artigo 210.° da «Lei de terras» .
5. Em face do exposto, em conformidade com a alínea 1) do n.° 1 do artigo 179.° da «Lei de terras» e com o artigo 55.° do RGCU, submete-se a presente proposta à consideração superior, a fim de:
5.1. Ordenar, no prazo de 60 dias, os ex-concessionários Kuan Vai Lam e Lo Lai Meng, o despejo do terreno com a área de 659 m2, situado na península de Macau, na Estrada Marginal da Ilha Verde n.° 1-B, descrito na CRP sob o n.° 22 635 a fls. 193 do livro B147M, cuja concessão foi declarada caduca por despacho do Chefe do Executivo de 27 de Março de 2017, devendo também remover todos os equipamentos, materiais e objectos que se encontram no local;
Caso não se execute no referido prazo de 60 dias,
5.2. A DSSOPT irá executar coercivamente o referido despejo de acordo com o artigo 56.° do ROCU.
呈上級考慮
À consideração superior
(…)”, (cfr., fls. 18 a 18-v);
- sobre esta proposta proferiu o Secretário para os Transportes e Obras Públicas o seguinte despacho: “Concordo”, (sendo este o acto objecto do presente recurso);
- os ora recorrentes não foram notificados da intenção de ordenar o despejo do dito terreno para efeitos de audiência prévia.
Do direito
4. Como resulta do que se deixou relatado, vem KUAN VAI LAM (關偉霖) e LO LAI MENG (羅麗明), interpor o presente recurso contencioso do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas que ordenou a desocupação do terreno situado na península de Macau, junto à Estrada Marginal da Ilha Verde n.° 1-B, com a remoção de todos os bens móveis que aí se encontrassem.
Em sede da sua petição inicial, assacavam ao acto administrativo recorrido os vícios da: “falta da sua audiência prévia”, “falta de fundamentação” e “violação do princípio da proporcionalidade”.
Ainda que em sede das suas alegações facultativas nenhuma referência tenham feito à alegada “falta de audiência”, esta omissão não constitui uma “expressa restrição” para os efeitos do art. 68°, n.° 3 do C.P.A.C.; (cfr., v.g., V. Lima e A. Dantas, in “C.P.A.C., Anotado”, 2015, pág. 228).
Nesta conformidade, e merecendo o recurso conhecimento, vejamos se merece provimento.
–– Da alegada “falta de audiência prévia”.
Sobre esta matéria (e questão) consignou-se em recente Ac. deste T.S.I. de 19.09.2019, (Proc. n.° 1122/2017), que à Administração cabe o dever de observar o contraditório e de facultar aos particulares o “direito de participarem nas suas decisões”; (cfr., art. 10° do C.P.A., onde se preceitua que “Os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência, nos termos deste Código”).
Daí, preceituar-se (também) no art. 93° do C.P.A. o direito que aos interessados assiste em serem ouvidos antes de ser tomada a decisão final, (de forma a compensar as eventuais “insuficiências de representatividade” do órgão administrativo, e a fim de se “assegurar o melhor conhecimento possível da situação” a quem compete decidir).
Porém, o assim estatuído tem de ser entendido com alguma cautela.
In casu, e como resulta do que se deixou relatado, o acto recorrido que ordena o despejo do terreno foi praticado na sequência da declaração de caducidade da sua concessão aos ora recorrentes, sem que tivesse havido lugar a qualquer instrução.
Ora, como tem este T.S.I. vindo a entender, necessária não é a audiência prévia se não houve lugar a “instrução”; (cfr., v.g., o Ac. de 27.10.2016, Proc. n.° 841/2015).
E como no atrás referido Ac. deste T.S.I. também se referiu, “o acto que determina despejo da concessionária, após declaração de caducidade da concessão, em que se procedeu à audiência da interessada nos termos do art.93.º do Código do Procedimento Administrativo, não tem de ser novamente precedida de nova audiência desta. (cfr. Acórdãos tirados pelo Venerando TUI nos seus Processos n.º39/2017, n.º42/2018, n.º35/2018 e n.º89/2018)”, constituindo, também, entendimento firme que “Sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no artigo 93.º, n.º1, do Código do Procedimento Administrativo, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo.” (a título exemplificativo, vide. Acórdãos do TUI nos Processos n.º20/2016, n.º91/2018 e n.º16/2019)”.
Mais recentemente, e tratando de idêntica questão suscitada no âmbito de um recurso com o mesmo objecto consignou também o Vdo T.U.I. que:
“O acto que determina o despejo da concessionária, após declaração de caducidade da concessão, não tem de ser precedido de audiência daquela, por se tratar de acto vinculado”; (cfr., o Ac. de 30.07.2019, Proc. n.° 80/2019, e, mais recentemente, de 04.10.2019, Proc. n.° 11/2017).
Dest’arte, impõe-se dizer que, na parte em questão, improcede o recurso.
–– Da alegada “falta de fundamentação”.
Também aqui, e como se verá, nenhuma razão tem os recorrentes.
Pois bem, é sabido que os “actos administrativos” devem ser fundamentados; (cfr., art. 114° e 115° do C.P.A.).
E como sobre esta matéria, e repetidamente, já teve este T.S.I. oportunidade de considerar:
“A fundamentação, ao servir para enunciar as razões de facto e de direito que levaram o autor do acto a praticá-lo com certo conteúdo, encobre duas exigências de natureza diferente: a exigência de o órgão administrativo justificar a decisão, identificando a situação real ocorrida, subsumindo-a na previsão legal e tirando a respectiva consequência e uma outra exigência, nas decisões discricionárias, de motivar a decisão, ou seja, explicar a escolha da medida adoptada, de forma a compreender-se quais foram os interesses e os factores considerados na opção tomada”, (cfr., v.g., o Ac. de 21.09.2006, Proc. n.° 201/2004);
“A fundamentação de um acto administrativo é uma exigência flexível e necessariamente adaptável às circunstâncias do acto em causa, nomeadamente, ao tipo e natureza do acto.
Todavia, em qualquer das circunstâncias, tem de ser facilmente intelegível por um destinatário dotado de um mediana capacidade de apreensão e normalmente atento”, (cfr., v.g., o Ac. de 08.02.2007, Proc. n.° 296/2006); e que,
“É admissível exprimir uma fundamentação por referência, feita com remissão, de concordância e em que se acolhe as razões informadas que passam a constituir parte integrante do acto, nos termos do artigo 115º nº 1 do CPA.
Para a insuficiência da fundamentação equivaler à falta (absoluta) de fundamentação), é preciso ser manifesta a insuficiência, no sentido de ser tal que fiquem por determinar os factos ou as considerações que levaram o órgão a agir ou a tomar aquela decisão, ou então, que resulte evidente que o agente não realizou um exame sério e imparcial dos factos e das disposições legais, por não ter tomado em conta interesses necessariamente implicados”; (cfr., v.g., o Ac. de 02.12.2004, Proc. n.° 70/2004).
Contudo, não se pode olvidar que se nos termos do n.° 1 do art. 115° se prescreve que: “A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão”, estatuiu-se, também aí, (cabendo aqui sublinhar), que a fundamentação pode “consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto”.
Ora, é – precisamente – esta a situação dos presentes autos.
O “acto administrativo” praticado com a decisão de “Concordo” exarada na Informação/Proposta n.° 317/DSO/2017 (cujo teor atrás de deixou transcrito) constitui – exactamente – uma “declaração de concordância” como a prevista (na segunda parte) do transcrito preceito legal, dúvidas não havendo que absorveu a fundamentação exposta na aludida informação, fazendo-a sua, e, onde, em nossa opinião, com adequada clareza, se expõem os motivos de facto e de direito do que se acabou por decidir; (no mesmo sentido, e perante situação fáctica idêntica, cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 19.09.2019, Proc. n.° 1122/2017 e o do Vdo T.U.I. de 25.09.2019, Proc. n.° 79/2018).
Dizem os recorrentes que devia a Administração explicitar as razões de facto e de direito para ter apenas concedido o “prazo de 60 dias para a desocupação do terreno”.
Ora, não se mostra de acolher o assim entendido.
O acto ora recorrido, constitui, como se viu, uma “declaração de concordância” com o proposto na Informação/Proposta n.° 317/DSO/2017.
E, na dita informação constam efectivamente os fundamentos de facto e de direito do segmento decisório ora em questão, bastando para tal ver o que consta dos “pontos 4 e 5” da dita informação.
Na verdade, o n.° 2 do art. 179° da Lei n.° 10/2013 aí citado remete a tramitação do (presente) despejo, com as necessárias adaptações, para o disposto nos art°s 55° e 56° do D.L. n.° 79/85/M de 21.08, também conhecido como o “Regulamento Geral da Construção Urbana”, (R.G.C.U.).
E o n.° 2 do citado art. 55° estabelece um prazo (certo) de 45 dias a contar da respectiva notificação para ser efectuado o despejo, pelo que, tendo a entidade recorrida concedido um prazo mais alargado, de 60 dias, mais não nos parece que tinha de dizer a título de fundamentação da sua decisão.
–– Da alegada “violação do princípio da proporcionalidade”.
Dizem os recorrentes que:
- “o prazo de 60 dias para desocupação é desproporcional em comparação com a demora da Entidade Recorrida no que diz respeito à sua actuação no procedimento administrativo”;
- “os equipamentos e materiais que se encontram no terreno em causa destinavam-se a preparar o desenvolvimento do terreno”; e que
- “assim, é difícil retirar todos esses materiais num curto prazo de 60 dias e o custo para a desocupação vai ser elevado e desproporcional em relação ao benefício que a Administração pretende obter”; (cfr., conclusões 10 a 12).
Porém, também aqui não tem os recorrentes razão.
Vejamos.
Em conformidade com a teoria do acto administrativo, adequado se apresenta o entendimento no sentido de que o “acto administrativo vinculado” é aquele que contém todos os seus elementos constitutivos vinculados à lei, não existindo, dessa forma, qualquer subjectivismo ou valoração do administrador, mas, apenas, a averiguação da conformidade do acto com a Lei. Estabelece-se um único comportamento possível a ser tomado pelo administrador diante de casos concretos, ficando a sua actuação ligada ao estabelecido pela lei para que a actividade administrativa seja válida.
Em contrapartida, o acto administrativo é “discricionário”, quando a Lei confere liberdade ao administrador para que ele proceda à avaliação da conduta a ser adoptada segundo critérios de conveniência e oportunidade, mas nunca se afastando da finalidade do acto. A valoração incidirá sobre dois elementos constitutivos do acto administrativo, (o motivo e o objecto), autorizando o administrador a escolher de entre as várias possibilidades que lhe são conferidas, aquela que melhor corresponda no caso concreto à vontade do legislador.
E, como já entendeu o Vdo T.U.I.:
“Os órgãos administrativos competentes – nos quais se inclui o Chefe do Executivo – não têm quaisquer poderes discricionários em tolerar ou deixar de tolerar a ocupação e a construção, não autorizadas legalmente, em terrenos do Estado. Estão vinculados a reprimir os abusos na matéria e a impedir a utilização desses terrenos por pessoas sem direito a eles;
Quando a Administração não dispõe, face ao tipo legal do acto, de margem de discricionariedade ou liberdade decisória, é inoperante a alegação de violação do princípio da proporcionalidade”; (cfr., o Ac. de 09.04.2014, Proc. n.° 14/2014).
Como no citado Ac. de 30.07.2019, Proc. n.° 80/2019, de igual modo entendeu o Vdo T.U.I.: “Do disposto na alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da Lei de Terras, não resulta que a Administração possa deixar de executar o acto, determinando o despejo do terreno. A lei não concede à Administração margem de livre apreciação ou decisão, para aguardar ou deixar de aguardar a impugnação do acto que declarou a caducidade ou para aguardar quaisquer outros eventos”; (aliás, como é sabido, a interposição, e no caso, a pendência, de recurso do acto do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão do terreno em causa não tem efeito suspensivo (da ordem de desocupação do terreno), e daí, ter-se também considerado que nada obstava ao conhecimento do presente recurso).
Nesta conformidade, e sendo esta mesma “ordem de despejo” agora impugnada a única concretamente possível, visto decorrer de um “poder vinculado”, (podendo ser, desde logo, emanada, sem necessidade de aguardar pelo trânsito em julgado da decisão judicial referente ao recurso contencioso do acto de declaração de caducidade), visto se apresenta que no ponto em questão, também não se pode reconhecer razão aos ora recorrentes, sendo assim de se julgar totalmente improcedente o presente recurso.
Decisão
5. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes com 10 UCs de taxa de justiça.
Registe e notifique.
Macau, aos 24 de Outubro de 2019
José Maria Dias Azedo
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Mai Man Ieng
(*) Processo redistribuído ao ora relator em 11.04.2019.
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Proc. 997/2017 Pág. 34
Proc. 997/2017 Pág. 33