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Processo n.º 382/2018 Data do acórdão: 2019-10-10 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– art.o 127.o do Código Penal
– art.o 109.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário
– prorrogação da suspensão da execução da inibição de condução
– art.os 53.o a 55.o do Código Penal
– art.o 124.o, n.o 1, do Código Penal
S U M Á R I O

1. Segundo o art.o 127.o do Código Penal (CP), nas contravenções não se aplicam as normas deste Código relativas à reincidência e à prorrogação da pena.
2. Entretanto, a prorrogação da pena de que se fala neste preceito legal é a prorrogação da pena efectiva, e não a prorrogação da suspensão da execução da pena. Para constatar isto, é de atender à expressão “pena … efectiva” empregue na redacção do n.o 1 do art.o 77.o, do n.o 1 do art.o 78.o, e n.o 1 do art.o 81.o, todos do CP, integrantes do capítulo de normas deste Código no tocante à prorrogação da pena.
3. Em tese jurídica falando, acabando a Lei do Trânsito Rodoviário vigente, através da norma do n.o 1 do seu art.o 109.o, por adoptar para a pena de inibição de condução, a figura de suspensão consagrada no art.o 48.o, n.o 1, do CP para a execução da pena de prisão, então seria legítimo concluir, por força do art.o 124.o, n.o 1, do CP, pela aplicabilidade também, com as necessárias adaptações, das normas dos art.os 53.o a 55.o do CP, e da norma procedimental do art.o 476.o do Código de Processo Penal, para completar o mecanismo de funcionamento de figura de suspensão de execução da pena de inibição de condução.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 382/2018
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público
Recorrido (infractor): A






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o despacho judicial proferido materialmente a fl. 43 do Processo Contravencional n.° CR3-16-0290-PCT do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), que tinha prorrogado por mais oito meses o período inicial de doze meses de suspensão da pena acessória de inibição de condução então aí aplicada ao infractor A, pela prática de uma contravenção p. e p. pelos art.os 31.o, n.o 1, e 98.o, n.o 2, da vigente Lei do Trânsito Rodoviário (LTR), veio o Digno Delegado do Procurador recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a revogação da suspensão da execução da pena de inibição de condução, por entender que, a montante, por comando do art.o 127.o do Código Penal (CP), não se poderia prorrogar o período de suspensão da pena acessória de inibição de condução, por esta pena ter sido aplicada no seio de um processo contravencional, e a jusante, se deveria revogar essa suspensão da execução da inibição, devido à nova infracção à LTR praticada no período da suspensão da inibição (cfr. em detalhes, a motivação do recurso apresentada a fls. 44 a 46v dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso, respondeu o arguido (a fls. 57 a 60v dos presentes autos), defendido a legalidade da decisão absolutória.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, parecer (a fls. 76 a 77v), pugnando pela aplicação subsidiária do art.o 53.o do CP, por força do art.o 124.o, n.o 1, do CP, ao caso dos autos, e pela manutenção, por conseguinte, da decisão recorrida.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir do recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte, com pertinência à decisão:
1. Por sentença proferida, com já trânsito em julgado em 21 de Novembro de 2016, no subjacente Processo Contravencional n.o CR3-16-0290-PCT do 3.o Juízo do TJB, o ora recorrido A ficou condenado pela prática de uma contravenção (consistente na condução por excesso de velocidade) p. e p. pelos art.os 31.o, n.o 1, e 98.o, n.o 2, da LTR, na pena acessória de inibição de condução por seis meses, suspensa na sua execução por doze meses nos termos citados do art.o 109.o, n.o 1, da LTR, sob condição de só poder conduzir, durante esse período de suspensão, autocarros da Companhia Transmac (cfr. o teor dessa sentença de fls. 16 a 17 e a nota de trânsito em julgado de fl. 21).
2. Em 6 de Março de 2018, o M.mo Juiz autor daquela sentença ouviu, no âmbito do mesmo processo, o ora recorrido, acerca da questão de este ter praticado, em 4 de Janeiro de 2017, uma infracção ao art.o 30.o, n.o 1, da LTR aquando da condução de um autocarro da Transmac, em relação à qual ele já tinha pago voluntariamente a respectiva multa, no montante de duzentas patacas (cfr. o teor de fls. 32, 35, 36 e 39 e do auto de audição de fl. 42 e seguinte), e acabou por decidir, diversamente do promovido pelo Ministério Público (no sentido de revogação da suspensão da inibição de condução), em prorrogar, citando o disposto no art.o 109.o, n.o 1, da LTR, o prazo inicial de doze meses de suspensão (daquela pena acessória de inibição de condução) por mais oito meses, com manutenção da condição da suspensão respeitante à possibilidade de condução dos autocarros da Transmac (cfr. o teor do despacho judicial ora recorrido lavrado a fl. 43).
3. A nova infracção à LTR praticada em 4 de Janeiro de 2017 não chegar a ocasionar a correspondente acção penal (cfr. o teor do ofício do Ministério Público de fls. 39), tendo o ora recorrido declarado na diligência de audição acima referida que a parte ofendida só tinha sofrido ferimentos corporais leves, que ele já tinha pago à parte ofendida indemnização por despesas médicas e que já tinha havido acordo entre ele e a parte ofendida no sentido de não procedimento penal (cfr. o teor das declarações do recorrio, registadas por escrito a fl. 42v).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesse enquadramento, vê-se que o Digno Delegado do Procurador ora recorrente apontou primeiro à decisão judicial recorrida a violação do art.o 127.o do CP, segundo o qual nas contravenções não se aplicam as normas do CP relativas à reincidência e à prorrogação da pena.
Entretanto, para o presente Tribunal de recurso, a prorrogação da pena de que se fala neste preceito legal é a prorrogação da pena efectiva, e não a prorrogação da suspensão da execução da pena.
Para constatar isto, é de atender à expressão “pena … efectiva” empregue na redacção do n.o 1 do art.o 77.o, do n.o 1 do art.o 78.o, e n.o 1 do art.o 81.o, todos do CP, integrantes do capítulo de normas deste Código no tocante à prorrogação da pena.
Por isso, o art.o 127.o do CP não abona a tese sustentada na motivação do recurso.
Por outro lado, crê-se que, em tese jurídica falando, é aplicável o disposto nos art.os 53.o e 54.o (e também 55.o) do CP ao caso dos autos, por força do art.o 124.o, n.o 1, do CP, porquanto: acabando a própria LTR, através da norma do n.o 1 do seu art.o 109.o, por adoptar para a pena de inibição de condução, a figura de suspensão consagrada no art.o 48.o, n.o 1, do CP para a execução da pena de prisão, então seria legítimo concluir pela aplicabilidade também, com as necessárias adaptações, das normas dos art.os 53.o a 55.o do CP, e da norma procedimental do art.o 476.o do Código de Processo Penal (CPP) (norma esta que, dado o seu n.o 3, nem enfraqueceria o direito da defesa em matéria respeitante à suspensão de execução da inibição de condução), para completar o mecanismo de funcionamento de figura de suspensão de execução da pena de inibição de condução.
Aliás, no sentido de aplicabilidade do art.o 54.o do CP, pode referir-se também ao acórdão do Primeiro de Dezembro de 2011 do Processo n.o 647/2011 do TSI, em sintonia com o qual: o preceituado no n.o 2 do art.o 109.o da LTR trata apenas da questão do modo de execução no caso de se decidir pela revogação da suspensão da inibição de condução, derivada da prática de nova infracção que implique tal tipo de sanção, impondo-se, nesse caso, a execução sucessiva dos dois períodos de suspensão, pois que tal normativo não implica que aquela revogação possa tão só ter lugar no caso de à nova infracção caber também a sanção de inibição (já que se assim fosse, bem se poderia pensar que qualquer condenado com inibição de condução suspensa poderia, durante o período dessa suspensão, cometer qualquer tipo e número de contravenções estradais a que não coubesse aquele tipo de sanção, que nunca veria, por essa via, revogada tal suspensão, o que se apresentaria como catastrófico).
No caso dos autos: o ora recorrido praticou, dentro do período de suspensão da execução da inibição de condução então imposta no presente processo contravencional, uma infracção à LTR (concretamente, uma infracção ao art.o 30.o, n.o 1, da LTR), aquando da condução de um autocarro da Transmac, em relação à qual ele já pagou voluntariamente a respectiva multa; essa nova infracção dele à LTR acabou por não ter ocasionado a acção penal; segundo as declarações do ora recorrido prestadas ao M.mo Juiz titular do presente processo contravencional em primeira instância, dessa nova infracção à LTR resultaram ferimentos corporais leves para a parte ofendida, ele já pagou, a esta, indemnização por despesas médicas, e já houve acordo entre ambos no sentido de não procedimento penal.
Aplicando-se ao presente caso mutatis mutandis, por razões jurídicas já acima aduzidas, o art.o 476.o do CPP, é ao tribunal que cabe a obrigação de decidir quais as consequências da atrás referida infracção cometida pelo ora recorrido durante o período de suspensão da inibição de condução.
Como o ora recorrido só ficou punido com multa pela prática daquela nova infracção à LTR, afigura-se que não é de revogar a suspensão da execução da inibição de condução anteriormente imposta, por não ser de dar por verificado o critério material exigido no n.o 1 do art.o 54.o do CP para efeitos de revogação da suspensão.
Improcede, pois, o recurso, sem mais indagação por desnecessária ou prejudicada.
IV – DECISÃO
Em sintonia com o exposto, acordam em julgar não provido o recurso.
Sem custas no presente recurso.
Macau, 10 de Outubro de 2019.
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Chan Kuong Seng
(Relator)

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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
(Voto vencido por manter o meu entendimento exposto no acórdão do TSI n.° 814/2012 e declaração de voto do processo n.° 963/2010.)



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