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Processo nº 724/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 24 de Outubro de 2019

ASSUNTO:
- Marca


SUMÁRIO:
- A marca registanda “AB” não é composta por elemento puramente nominativo, antes por elemento nominativo e uma forma de composição própria, no sentido de que as duas palavras “A” e “B” são juntas, com uma tipologia de letra própria e com destaque nas letras.
- Nesta conformidade, deixa de ser uma expressão genérica que descreve a espécie de produto, tendo adquirido, através desta forma de composição própria das letras, a capacidade distintiva, que é susceptível de registo.


O Relator
Ho Wai Neng





Processo nº 724/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 24 de Outubro de 2019
Recorrente: C
Recorrida: Direcção dos Serviços de Economia

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 28/03/2019, julgou-se parcialmente procedente o recurso interposto pelo Recorrente C.
Dessa decisão vem recorrer o Recorrente, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. O presente recurso tem como objecto o douto despacho saneador sentença proferido, em 28 de Março de 2019, que julgou o recurso judicial, interposto pela Recorrente parcialmente improcedente e, em consequência, pese o facto de ter revogado o despacho da DSE de 29 de Outubro de 2018, que recusou o registo da marca que consiste em AB, que tomou o n.º N/XXXXXX, para assinalar serviços da classe 36.ª, concedeu a mesma marca para os serviços para que foi requerida, com excepção de "serviços de seguro, serviços de fundos de pensões, serviços de previdência, serviços de resseguro, serviços de aposentação, serviços relacionados com actividades de seguros ou serviços complementares adicionais" .
2. A Recorrente delimita o objecto do presente recurso jurisdicional a uma única questão, analisada em duas perspectivas.
3. Por um lado, o sinal "AB", não é usual nem descritivo relativamente aos "serviços de seguro, serviços de fundos de pensões, serviços de previdência, serviços de resseguro, serviços de aposentação, serviços relacionados com actividades de seguros e serviços complementares adicionais", pelo que deve ser concedida a marca para todos os serviços requeridos e não apenas parcialmente conforme decidido pelo Mm.º Tribunal a quo.
4. Por outro lado, não sendo um sinal descritivo de "serviços de seguro", tão-pouco se pode concluir, como o fez o Tribunal a quo, que o sinal AB é enganoso porque levaria o público a concluir que estariam em causa serviços de seguro do "ramo vida" ao passo que a marca registanda apenas se destina a assinalar as categorias do "ramo não vida".
5. A Recorrente impugna a decisão de facto, na medida em que o douto Tribunal recorrido não deu por provado que a Recorrente tem registadas, em Macau, as marcas que consistem em, respectivamente, (sob o n.º N/XXXXXX), (sob o n.º N/XXXXXX) e (sob o n.º N/XXXXXX), que têm como elemento nominativo o sinal "AB" e todas elas assinalam serviços da classe 36.ª.
6. É verdade que a Recorrente não apresentou um documento para provar o facto de que é titular registada em Macau das marcas que contêm o elemento nominativo AB; porém, tal facto consta da website da DSE, certo sendo que esta entidade foi notificada do recurso judicial e "não respondeu" conforme se fez verter na douta sentença recorrida, a fls 36 dos autos, razão pela qual não contestou a veracidade dessa alegação.
7. Se o douto Tribunal recorrido tivesse dúvidas sobre esse facto concreto, poderia ter ordenado ex officio a junção de uma certidão emitida pela DSE certificando que tais marcas se encontram registadas na RAEM.
8. Este facto é da maior importância para a decisão de Direito, uma vez que é imperioso que, no caso, seja feita uma análise completa das marcas usadas na RAEM e aqui registadas. Não pode ser compreensível ao consumidor médio que a Recorrente use as marcas (sob o n.º N/XXXXXX), (sob o n.º N/XXXXXX) e (sob o n.º N/XXXXXX), para assinalar, entre outros, "serviços de seguro, serviços de fundos de pensões, serviços de previdência, serviços de resseguro, serviços de aposentação, serviços relacionados com actividades de seguros ou serviços complementares adicionais" e não possa usar uma outra variante das mesmas marcas, qual seja, a marca registanda, que consiste em AB, para assinalar esses mesmos serviços.
9. Constitui jurisprudência dessa Superior Instância o entendimento no sentido de que cada pedido de registo de marca é um pedido independente, que deverá, assim, ser apreciado autonomamente mas acredita a Recorrente que não pode fazer-se descaso de registos anteriores da mesma marca ou de marca similar - portanto, de marcas que integram como elemento preponderante o sinal "AB" -, para os mesmos serviços e registada em nome da mesma interessada.
10. Crê a Recorrente que o douto Tribunal a quo não podia ter deixado de dar como provado este facto, face ao silêncio da DSE, que, com tal posição confirmou que as marcas acima referidas se encontram registadas em Macau.
11. Imputa a Recorrente à decisão recorrida um vício de violação da lei substantiva consistente em erro de interpretação. O douto Tribunal a quo, para decidir, fez uma correcta aplicação das normas do art.º 199.º do RJPI mas com uma interpretação com um sentido que o respectivo texto não comporta.
12. A Recorrente imputa, ainda, um outro vício de violação da lei substantiva ao aplicar ao caso a norma do art.º 214.º, n.º 2, alínea a), do RJPI.
13. A Recorrente não se conforma com a decisão recorrida, lá onde se considera que o sinal AB, quando integrado em marcas para assinalar "serviços de seguros, de fundos de pensões, de resseguro, de previdência, de aposentação e aos serviços complementares destes" é descritivo, portanto, a marca n.º N/XXXXXX, deve ser recusada parcialmente não incluindo tais serviços e, por outro lado, porque atendendo a que nos seguros há a categoria ou "ramo não vida", então, a marca deve ser recusada parcialmente, isto é, não abrangendo os serviços de seguros, porque é uma marca enganosa.
14. A Recorrente pretende que o Venerando Tribunal ad quem se pronuncie sobre a questão de saber se o sinal "AB" é descritivo quando destinado a assinalar "serviços de seguros, de fundos de pensões, de resseguro, de previdência, de aposentação e aos serviços complementares destes", atendendo a que tal sinal não designa a espécie de tais serviços, a sua qualidade, o seu valor, a sua proveniência geográfica e, também, não designa alguma característica de tais serviços.
15. A Recorrente, também, pretende que o Tribunal ad quem se pronuncie sobre a qualificação de marca enganosa aquela que consiste em AB, se se destinar a assinalar "serviços de seguros e complementares destes", atendendo a que decorre do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 214.º do RJPI, que são sinais enganosos os que sejam susceptíveis de induzir em erro o público sobre a natureza, qualidades, utilidade ou proveniência geográfica do serviço a que a marca se destina.
16. Finalmente, pretende a Recorrente que o Tribunal ad quem, ao pronunciar-se sobre a questão da recusa parcial da marca, não deixe de tomar em consideração o facto de que a mesma é titular inscrita na RAEM das marcas (n.º N/XXXXXX), (n.º N/XXXXXX) e (sob o n.º N/XXXXXX), que têm como elemento nominativo e o que lhe imprime eficácia distintiva, o sinal "AB" e todas elas assinalam serviços da classe 36.ª, exactamente, os mesmos serviços para os quais a Recorrente pretende a marca AB, que tomou o n.º N/XXXXXX, aqui em apreciação.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
a) Em 13/0212018 o Recorrente requereu o registo do sinal "AB" como marca para assinalar serviços da classe 36ª;
b) Os serviços para que foi requerido o registo da marca são:
Serviços de seguro e financeiros; nomeadamente serviços actuariais, serviços de gestão, serviços de consultoria, serviços de gestão de activos, serviços de fundos de pensões, serviços bancários e de concessão de créditos, serviços de corretagem, serviços de corrector de valores, serviços de cartões de crédito, serviços de distribuição, serviços de consultoria económica, serviços para trabalhadores beneficiários, serviços fiduciários, serviços de transferências financeiras, serviços de consultoria de investimento, serviços de gestão de investimento, serviços de gestão monetária, serviços de fundo mútuo, serviços de previdência, serviços de investimento conjunto, serviços de resseguro, serviços de aposentação, serviços fiduciários de doação, serviços relacionados com registo, venda ou colocação no mercado de valores, serviços relacionados com procura, utilização ou execução de transferências financeiras para contas de terceiro, serviços relacionados com actividades financeiras e outras actividades de companhias de serviços financeiros e de seguros ou serviços complementares adicionais;
c) Por despacho de 29/10/2018 proferido nos autos de Processo Administrativo apensos, foi recusado o registo.
d) Tal despacho foi publicado no Boletim Oficial da RAEM, nº 47, II Série, de 21/11/2018.
e) Em 14/12/2018 foi apresentado no tribunal o recurso.
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III – Fundamentação
A sentença recorrida tem o seguinte teor:
   “…
   Cumpre, pois, apreciar e decidir.
   1. Em primeiro lugar, cabe dizer que a questão a decidir, tendo em conta que este é um recurso de plena jurisdição e não de mera anulação, consiste em saber se ocorre, ou não, motivo de recusa do registo e se deve, ou não, ser concedido o registo pretendido. Daqui decorre que logo que se conclua ocorrer um motivo de recusa do registo se torna desnecessário ponderar se outros ocorrem.
   Da simplicidade formal do presente recurso decorre também que, caso o tribunal entenda conhecer de um motivo de recusa do registo que não tenha sido discutido previamente, pode o mesmo ser conhecido sem necessidade de outras formalidades, designadamente ligadas ao contraditório das partes, sendo que se vê alguma jurisprudência que vem aplicando directamente ao presente processo de formalismo simples alguns aspectos do formalismo processual mais solene que tem o ordenamento jurídico da RAEM – o formalismo da acção ordinária do processo civil comum declarativo.
   Tendo a decisão de recusa sido fundamentada na falta de carácter distintivo da marca registanda, é por esta questão que se deve começar.
   2. Da capacidade distintiva do sinal registando. Sinal usual.
   A DSE entendeu que a marca registanda não pode receber a protecção advinda do registo por ser integralmente composta por sinais sem capacidade distintiva. E entende que a falta de capacidade distintiva do sinal registando lhe advém do facto de se tratar de um sinal usual.
   Mas não se trata de um sinal usual. Sinal usual é aquele que ganhou um significado e/ou função próprios no comércio, sendo habitualmente utilizado na linguagem e nos hábitos leais do comércio com tal função e sentido (art. 199º, nº 1, al. c)). É o sinal que tinha fantasia e a perdeu porque abandonou o seu significado distintivo e adquiriu um sentido próprio não distintivo devido à sua utilização no comércio. Por exemplo, o sinal “” era originalmente um sinal dotado de elevada capacidade distintiva, dada a sua elevada fantasia, mas que se tornou um sinal usual por ter sido usado no comércio para referir produtos feitos em pele. Nada disso se passa com o sinal registando. No comércio (linguagem e hábitos), o sinal “AB” não tem qualquer função nem significado específico. Não é um sinal usual, portanto.
   3. Da capacidade distintiva do sinal registando. Sinal descritivo.
   Resulta do disposto no art. 197º, que só são susceptíveis de registo como marca os sinais adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
   Temos, pois, um primeiro limite para que os sinais possam ser registados como marca de comércio: a sua adequação para distinguir bens em função da respectiva fonte ou origem comercial.
   E resulta da als. b) do nº 1 do art. 199º que não são susceptíveis de protecção os sinais ou indicações constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a proveniência geográfica ou outras características dos bens assinalados. Trata-se do que a doutrina designa de sinais descritivos.
   Sinais descritivos são aqueles que podem ser apreendidos no comércio como descrevendo características dos bens que se destinam a assinalar. Todo o sinal é um significante: tem um significado. Se o público relevante interpretar um sinal como significando a origem comercial dos bens a que foi aposto, o sinal é distintivo de origens comerciais e serve a sua função de marca. Se, pelo contrário, quando o público relevante se depara com o sinal aposto nos bens que visa assinalar lhe descodifica um sentido de esclarecer quais os bens de que se trata pelas suas características, o sinal é descritivo e não distintivo. Não estão proibidos os sinais sugestivos que “indiciam” características, apenas aqueles que possam servir para designar características dos bens a assinalar.
   Voltemos ao caso dos autos com um exemplo. O sinal registando visa assinalar, entre outros, serviços de distribuição, serviços de transferências financeiras, serviços relacionados com registo, venda ou colocação no mercado de valores, serviços relacionados com procura, utilização ou execução de transferências financeiras para contas de terceiro. Alguém que pertença ao público relevante que se depare com o sinal registando a assinalar serviços de distribuição considerará que o sinal pretende informar alguma característica desses serviços? Parece que a resposta se impõe negativa, assim como se impõe a conclusão que o sinal dispõe de capacidade distintiva para assinalar serviços de distribuição.
   A questão agudiza-se relativamente aos serviços de seguros, de fundos de pensões, de resseguro, de previdência, de aposentação e aos serviços complementares destes para cuja marcação também foi requerido o registo. É que há serviços de seguro do ramo vida que podem ser identificadas com a expressão “B” na língua inglesa ou com expressões aproximadas, como “A B” e “AB”. Nesse caso poderá o sinal registando, quando utilizado para assinalar tais serviços ou para os publicitar, ser apreendido como querendo significar o tipo de serviços assinalados a prestar e não que tais serviços têm origem comercial relacionada com o titular da marca registanda.
   Se bem se atentar no critério de decisão ver-se-á que o mesmo tem um cariz objectivista e abstracto. O sinal só não pode servir como marca se puder servir no comércio para designar características dos bens (199º, nº 1, al. b)). Ora o comércio em causa é o que está a coberto do princípio da territorialidade – art. 4º. Porém, contrariamente aos sinais usuais que são os efectivamente usados no comércio (al. c) do nº 1 do art. 199º), os sinais descritivos bastam-se com a possibilidade de vir a ser usados no comércio para descrever. E conclui-se que, relativamente aos referidos serviços, o sinal registando pode servir no comércio para os designar, pelo que não tem capacidade distintiva e, nos termos do art. 216º deve a recusa do registo restringir-se a tais bens.
   4. Do motivo de recusa do registo - sinal enganoso.
   No que tange a serviços de seguro do ramo não vida, o sinal registando é susceptível de induzir o público em erro quanto à respectiva natureza, pelo que também quanto a tais serviços deve ser recusado o registo nos termos do art. 214º, nº 2, al. a).
   5. Da aquisição de carácter distintivo (secondary meaning).
   Dos elementos dos autos não pode concluir-se estar demonstrado que o sinal registando já se afastou do carácter descritivo antes apontado e que já adquiriu caracter distintivo.
*
   Conclui-se, pois, que o sinal registando não pode ser qualificado de usual nem descritivo relativamente à generalidade dos produtos para cuja marcação foi requerido o registo e não se lhe encontra outro motivo de recusa do registo como marca para assinalar os mesmos bens, razão porque terá de lhe ser reconhecida capacidade distintiva quanto a tais bens.
   Conclui-se, assim, que merece procedência parcial o recurso, deve ser revogada a decisão recorrida e deve ser concedido o registo recusado com excepção do que diz respeito a serviços de seguro, serviços de fundos de pensões, serviços de previdência, serviços de resseguro, serviços de aposentação, serviços relacionados com actividades de seguros ou serviços complementares adicionais.
***
   IV – DECISÃO.
   Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que concede à recorrente o registo da marca N/XXXXXX (“AB”) para os serviços da classe 36ª para que foi requerido, com excepção de serviços de seguro, serviços de fundos de pensões, serviços de previdência, serviços de resseguro, serviços de aposentação, serviços relacionados com actividades de seguros ou serviços complementares adicionais.
Sem custas.
  Registe e notifique.
Oportunamente cumpra o disposto no art. 283º do RJPI.….”.
Trata-se duma decisão que aponta para a boa solução do caso, se se tratasse duma marca puramente nominativa, o que não se afigura ser o caso.
A nosso ver, a Recorrente não requereu o registo duma marca puramente nominativa, antes duma marca mista, composta por elemento nominativo “AB” e uma forma de composição própria, no sentido de que as duas palavras “A” e “B” são juntas, com uma tipologia de letra própria e com destaque nas letras.
Ou seja, a marca registanda consiste num conjunto dos elementos acima referidos, e não simplesmente na expressão “A B”.
Portanto, o uso da marca registanda é na sua apresentação conjunta e não somente na expressão “A B”.
Nesta conformidade, a marca registanda deixa de ser uma expressão genérica que descreve a espécie de produto, tendo adquirido, através duma forma de composição própria das letras, a capacidade distintiva.
Pelo exposto e sem necessidade de demais delongas, é de julgar provido o recurso.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar provido o recurso interposto, revogando a sentença recorrida na parte correspondente e, em consequência, conceder o registo da marca N/XXXXXX para todos os serviços da classe 36ª.
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Sem custas.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 24 de Outubro de 2019.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong




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