Processo nº 890/2019 Data: 10.10.2019
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “roubo qualificado na forma tentada”.
Pena.
SUMÁRIO
1. A figura da atenuação especial da pena surgiu em nome de valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade, como necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira válvula de segurança que permita, em hipóteses especiais, quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa.
2. Motivos não existindo para se considerar a situação dos autos excepcional, e assim, injustificada sendo uma atenuação especial da pena, nem parecendo que a pena em questão se apresenta desproporcional ou exagerada, visto está que deve ser confirmada.
3. Com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, devendo esta ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais atendíveis.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 890/2019
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. B (B), arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado como autor da prática de 1 crime de “roubo (de valor consideravelmente elevado)”, na forma tentada, p. e p. pelo art. 204°, n.° 1 e 2, al. b), 198°, n.° 2, al. a), e 196°, al. b), todos do C.P.M., na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, e 1 outro de “denúncia caluniosa”, p. e p. pelo art. 329°, n.° 1 do mesmo C.P.M., na pena de 9 meses de prisão, e em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos de prisão; (cfr., fls. 179 a 186 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu, afirmando que excessiva é a pena parcelar aplicada para o crime de “roubo”, e que lhe devia ser suspensa na sua execução; (cfr., fls. 192 a 197-v).
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Respondendo, pugna o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 202 a 204-v).
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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“B impugna o acórdão de 25 de Julho de 2019, proferido no âmbito do processo comum colectivo CR2-19-0189-PCC, que o condenou na pena conjunta de 4 anos de prisão resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares de 3 anos e 6 meses pela prática de um crime de roubo tentado da previsão das normas conjugadas dos artigos 204.°, n.° 1 e n.° 2, alínea b), 198.°, n.° 2, alínea a), 196.°, alínea b), 21.°, 22.° e 67.°, n.° 1, alíneas a) e b), todos Código Penal, e de 9 meses pela prática de um crime de denúncia caluniosa, previsto e punível pelo artigo 329.°, n.° 1, também do Código Penal.
Insurge-se contra a medida da pena aplicada ao crime de roubo, defendendo que deve ser inferior a 2 anos, o que obriga a uma reformulação do cúmulo jurídico, cujo quantum não deverá exceder os 2 anos e 9 meses e pedindo que a pena assim doseada seja objecto de suspensão na sua execução.
Não se afigura que lhe assista razão, tal como bem destaca o Ministério Público na primeira instância, na sua resposta à motivação do recurso, que acompanhamos inteiramente.
Não cremos que haja fundamento ponderoso para mexer na pena que o acórdão recorrido teve por adequada para o crime de roubo. Numa moldura abstracta que oscila entre os 7 meses e 6 dias e os 10 anos, o tribunal aplicou uma pena de 3 anos e 6 meses, que, apesar de tudo, se situa num patamar inferior daquela moldura. A confissão e a falta de antecedentes que o recorrente invoca foram devidamente ponderadas, embora deva notar-se que a confissão, rectius a admissão do cometimento dos factos, apenas sucedeu após o confronto do recorrente com todas as evidências que o conotavam com a autoria do roubo e também com o cometimento de uma denúncia caluniosa, esta indiciária da sua persistência em levar avante o roubo e colher os seus frutos. O princípio de reparação, que o recorrente ensaiou através de um depósito de MOP $5.000, após a realização da audiência, também se apresenta pouco menos que irrelevante. Em contraponto, não pode esquecer-se a gravidade do crime de roubo, que o mesmo ocorre num círculo de interesses ligados à principal actividade económica de Macau, e que foi perpetrado por não residente, pelo que a questão da prevenção geral positiva tem um peso muito relevante na determinação da medida da pena.
Posto isto, e sabendo-se que os parâmetros em que se move a determinação da pena, adentro da chamada teoria da margem de liberdade, não são matemáticos, há que aceitar a solução encontrada pelo tribunal do julgamento, a menos que o resultado se apresente ostensivamente intolerável, por desajustado aos fins da pena e à culpa que a delimita, o que não cremos ser o caso.
Haverá, assim, que concluir que não se mostram procedentes as críticas dirigidas ao acórdão quanto à excessividade da pena, o que prejudica o conhecimento da questão da suspensão da sua execução.
(…)”; (cfr., fls. 273 a 274).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 181 a 182, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor da prática de 1 crime de “roubo (de valor consideravelmente elevado)”, na forma tentada, p. e p. pelo art. 204°, n.° 1 e 2, al. b), 198°, n.° 2, al. a), e 196°, al. b), todos do C.P.M., na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, e 1 outro de “denúncia caluniosa”, p. e p. pelo art. 329°, n.° 1 do mesmo C.P.M., na pena de 9 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos de prisão, afirmando (tão só) que excessiva é a pena parcelar pelo crime de “roubo (tentado)” e pedindo a sua redução com a consequente suspensão da execução da pena única.
Notando-se que o arguido não impugna a “decisão da matéria de facto” e a sua “qualificação jurídico-penal”, e não se considerando igualmente que a mesma mereça qualquer censura, cremos porém que ao arguido ora recorrente não assiste razão, impondo-se a improcedência do presente recurso, mostrando-se de subscrever, na íntegra, o considerado no Parecer do Ministério Público que atrás se deixou transcrito e que dá cabal resposta à pretensão apresentada, pouco havendo a acrescentar.
Seja como for, não se deixa de consignar o que segue.
Pois bem, ao crime de “roubo (qualificado)” cabe a pena de 3 a 15 anos de prisão; (cfr., art. 204°, n.° 2 do C.P.M.).
Por não se ter consumado, e assim, ter sido cometido na forma “tentada”, e, desta forma, por aplicação do art. 22°, n.° 2 e art. 67° do C.P.M., aplicável é a pena abstracta de 7 meses e 6 dias a 10 anos de prisão.
Nos termos do art. 40° do C.P.M.:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
Por sua vez, importa considerar que como temos repetidamente entendido:
“Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.04.2019, Proc. n.° 289/2019, de 30.05.2019, Proc. n.° 453/2019 e a Decisão Sumária de 16.07.2019, Proc. n.° 667/2019).
Por sua vez, nos termos do art. 66° do C.P.M.:
“1. O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
2. Para efeitos do disposto no número anterior são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta;
e) Ter o agente sido especialmente afectado pelas consequências do facto;
f) Ter o agente menos de 18 anos ao tempo do facto.
3. Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou em conjunto com outras, der lugar simultaneamente a uma atenuação especial da pena expressamente prevista na lei e à atenuação prevista neste artigo”.
E como temos vindo a considerar “A atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 10.01.2019, Proc. n.° 1032/2018, de 21.02.2019, Proc. n.° 6/2019 e de 20.06.2019, Proc. n.° 499/2019).
Com efeito, a figura da atenuação especial da pena surgiu em nome de valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade, como necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira válvula de segurança que permita, em hipóteses especiais, quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa.
Ora, atento o que se deixou exposto, e sem prejuízo da aplicação do art. 67° do C.P.M. por força da forma de cometimento do crime, (tentado), de forma alguma se nos apresenta ser a situação dos autos uma “situação excepcional ou extraordinária” para se considerar adequada uma “nova pretendida atenuação especial”, pois que as aludidas “circunstâncias” que o recorrente invoca, no contexto global da ponderação do tipo de crime e necessidade de prevenção criminal, afasta, decisivamente, a referida pretensão.
E, então quid iuris?
Temos vindo a entender que com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).
Como igualmente decidiu o Tribunal da Relação de Évora:
“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 17.01.2019, Proc. n.° 1138/2018, de 28.03.2019, Proc. n.° 133/2019 e de 09.05.2019, Proc. n.° 403/2019).
No mesmo sentido se decidiu também que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. deste T.S.I. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).
E, como se tem igualmente decidido:
“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).
“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).
Atento o que se deixou exposto, ponderando na moldura legal aplicável, na factualidade apurada, de onde se constata que o arguido agiu de acordo com um plano, atraindo o ofendido com o pretexto de com ele cambiar dinheiro, agindo com dolo directo e intenso, e tendo presente que o crime cometido é punível com a pena de 7 meses e 6 dias a 10 anos de prisão, há que dizer que excessiva – desproporcional – não se mostra a pena de 3 anos e 6 meses de prisão fixada, (a 6 anos e 6 meses do seu máximo), censura não merecendo assim a decisão na parte recorrida.
Assim, mantendo-se a impugnada pena, e nenhum motivo tendo nós para não confirmar igualmente a pena única pelo Tribunal a quo decretada em resultado do cúmulo jurídico operado, visto está que improcedente terá de ser também o pedido de suspensão da execução da pena.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Pagará o arguido a taxa de justiça de 6 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 10 de Outubro de 2019
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
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