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Processo n.º 879/2018
(Autos de recurso cível)

Data: 10/Outubro/2019

Descritores:
- Impugnação da matéria de facto
- Livre apreciação da prova

SUMÁRIO
Reapreciada e valorada a prova de acordo com o princípio da livre convicção, se não conseguir chegar à conclusão de que houve erro manifesto na apreciação da prova, o recurso tem que improceder.


O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo n.º 879/2018
(Autos de recurso cível)

Data: 10/Outubro/2019

Recorrente:
- A (Autor)

Recorridos:
- B, C, D, E, F, G e H, sendo todos herdeiros de I ou I1 (1º Réu)
- J (2ª Ré)
- K (3ª Ré)
- L (4º Réu) e
- M (5º Réu)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, com sinais nos autos (doravante designado por “Autor” ou “Recorrente”), inconformado com a sentença que julgou improcedente a acção por si intentada contra os Réus B, C, D, E, F, G e H, sendo todos herdeiros de I ou I1 (1º Réu), J (2ª Ré), K (3ª Ré), L (4º Réu) e M (5º Réu), recorreu aquele jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. Por escrito particular datado de 09 de Abril de 1992, o falecido I1, N, e O, esta representada pelo seu filho único P, declararam prometer vender ao Autor, que por sua vez prometeu comprar, o prédio situado na Rua ......, n.º ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1***, fls. 66v, do Livro B10, com a inscrição de proprietário sob o n.º 2****, a fls. 194v, do Livro G22, pelo preço de HKD800.000,00, em conformidade com o teôr do documento junto aos autos.
2. Da sua referida inscrição e demais factos provados consta que tal prédio era uma compropriedade pertencente aos promitentes-vendedores e a outros comproprietários, que o tinham adquirido por sucessão hereditária e partilha judicial de 22 de Abril de 1955.
3. Uma das comproprietárias, mãe e madrasta dos promitentes- vendedores, tinha entretanto falecido.
4. A douta sentença entendeu que os contraentes se obrigaram à compra e venda por si sós a totalidade do prédio, isto é, a parte pertencente aos contraentes e a parte dos seus consortes, que se tratava de bem alheio e até mesmo duma comunhão hereditária e, nessa conformidade, jugou improcedente o pedido de execução específica das quotas-partes pertencentes aos comproprietários promitentes-vendedores.
5. O entendimento de a vontade das partes, manifestada no referido contrato-promessa “era a de comprar e/ou vender a totalidade (100%) do imóvel” foi tomado apenas por recurso à interpretação do contrato, segundo consta do Acórdão que na audiência de julgamento deu resposta aos quesitos da Base Instrutória, mas mesmo que fosse tomado por outros meios tem o TSI competência para decidir essa matéria.
6. Os promitentes-vendedores (sic.) errou na interpretação do contrato dos autos, violando os arts. arts. 228º, 229º, 230º e 231º do actual C. Civil de Macau ao ter entendido que se trata de contrato prometendo a celebração apenas de contrato de compra e venda tendo por vendedores apenas os RR a emitir a declaração de venda, e o A a vontade de compra, sem que do contrato interpretando conste que seriam os RR os únicos a emitir declaração de vontade de venda e até conste da redacção do contrato-promessa que os RR se comprometeram à apresentação de documentos para trazerem também os restantes comproprietários não subscritores do contrato a também venderem mediante representantes ou mandatários (ou, por maioria de razão, por si próprios mandantes pessoalmente).
7. A douta sentença entendeu erradamente que o contrato estipulava apenas obrigação de compra e venda.
8. Mas a verdade é que estipula duas obrigações contratuais distintas e autónomas.
1- a obrigação dos RR celebrarem a venda da parte de que são titulares inscritos;
2- e a obrigação de diligenciar, obter e apresentar documentos com poderes emitidos pelos restantes comproprietários alegadamente também dispostos a também vender a parte deles e a deixar-se vincular mediante representante ou mandatário (ou, por maioria de razão, por eles próprios comproprietários).
9. Na primeira, comprometem-se a comprar e vender, sem condições, sob pena de execução específica em caso de incumprimento.
10. Na segunda, os RR não se comprometem a vender, mas sim a diligenciar e apresentar tais prometidos documentos.
11. A primeira, é uma obrigação de venda. E é susceptível de execução específica pois “a isso não se opõe a natureza da obrigação assumida” (art. 830º do Cód. Civil de 1966 e art. 820º n.º 1 do C. Civil actual) já que gozam do direito de disposição das respectivas quotas – art. 1307º, n.º 1 do C. Civil.
12. E porque os seus titulares gozam do direito de alienar as quotas sem necessidade de consentimento – cit. art. 1307º, n.º 1 do C. Civil – teríamos que, mesmo que fosse correcta a interpretação de que se tratasse de compra e venda de coisa parcialmente própria e parcialmente alheia, ainda assim o contrato de compra e venda de coisa parcialmente própria e parcialmente alheia (quer lavrado em escritura notarial, quer escritura judicial ou sentença) só seria proibido quanto à parte alheia mas válida e susceptível de execução específica a parte própria.
13. A segunda, é uma obrigação de intermediação entre os restantes comproprietários e o Autor. Cuja natureza não permite a execução específica mas apenas indemnização (responsabilidade legal, na linguagem do contrato).
14. Em parte nenhuma estipularam que por si próprios celebrariam venda da parte alheia, nem em nome próprio nem em nome alheio (que, aliás, sem apresentação de tais poderes que nunca apresentaram, não podiam, nenhum notário lhes lavraria tal escritura).
15. E a referida obrigação de intermediação significa claramente que a obrigação de venda dos RR se limitava à parte que lhes pertence, deixando intocada e totalmente respeitados os direitos e autonomia de vontade e dos comproprietários que não subscreveram o contrato.
16. De igual modo, também não estipularam em parte alguma que a obrigação dos RR venderem a sua quota-parte ficasse dependente da obrigação dos outros comproprietários também venderem ou não as suas quotas-partes e, consequentemente, a obrigação de vender é autómoma e susceptível de execução específica.
17. Consequentemente, para além da violação das referidas regras de interpretação dos contratos previstas nos arts. 209º, 228º, 229º, 230º e 231º do mesmo Código (arts. 224º, 236º, 237º, 238º e 239º no C. Civil de 1966 em vigor à data do contrato).
18. A douta sentença violou também o disposto sobre a execução específica no art. 830º do Cód Civil de 1966 na redacção em vigor à data do contrato (hoje art. 820º) pois estamos perante compropriedade em que as quotas-partes inscritas na Conservatória do Registo Predial em nome dos promitentes-vendedores são susceptíveis de execução específica, pois “que isso não opõe a natureza da obrigação assumida” (cfr. cit. art. 930º do C. Civil de 1966 e natureza de disposição prevista no arts. 1408º e 1403º do C. Civil de 1966 em vigor à data do contrato; e hoje art. 820º conjugado com arts. 1307º e 1299 do C. Civil de Macau).
19. Razões pelas quais deve a douta sentença recorrida ser revogada na parte em que julgou improcedente o pedido de execução específica das quotas-partes de que os RR são titulares na compropriedade em causa e a respectiva titularidade ser transferida para o A aqui recorrente.”
*
Ao recurso responderam os Réus, pugnando pela negação de provimento ao recurso.
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
a) Por escrito particular datado de 9 de Abril de 1992, o falecido Réu I1, N e O, esta representada pelo seu filho único P, declararam prometer vender ao Autor, que por sua vez declarou prometeu comprar, o prédio situado na Rua ......, n.º ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1***, fls. 66v, do Livro B10, com a inscrição de proprietário sob o n.º 2****, a fls. 194v, do Livro G22, pelo preço de HKD800.000,00, em conformidade com o teor do documento junto a fls. 18 e 19 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
b) A referida inscrição n.º 2****, no Registo Predial, reporta-se à sucessão por morte de Q ou Q1 e partilha do domínio útil do referido prédio pela sua viúva R ou R1 e seus 14 filhos mediante Mapa de 02.Abril.1955 e Sentença homologatória de 22.Abril.1955, proferida no Inventário Obrigatório n.º 9/55, do 2º Juízo;
c) Essa inscrição foi lavrada em 28.02.1956 a favor dos seus 15 herdeiros:
1 - à viúva, R, que também usava R1, a quota de 1/15 avos indivisos do referido prédio;
2 - ao filho S e mulher T, a quota de 1/15 avos indivisos do mesmo prédio;
3 - ao filho U e mulher V, 1/15 avos indivisos do mesmo prédio;
4 - à filha W, viúva, 1/15 avos indivisos do mesmo prédio;
5 - à filha X, viúva, 1/15 avos indivisos do mesmo prédio;
6 - à filha Y, viúva, 1/15 avos do mesmo prédio;
7 - ao filho Z e mulher AA, 1/15 avos;
8 - ao filho I1 e mulher F, 1/15 avos;
9 - à filha BB e marido CC, 1/15 avos;
10 - à filha DD, solteira, 1/15 avos;
11 - à filha N e marido EE, 1/15 avos;
12 - à filha FF e marido GG, 1/15 avos;
13 - à filha HH, que também usava HH1 ou HH2, solteira, 1/15 avos;
14 - à filha II, solteira, 1/15 avos;
15 - e à filha JJ, solteira, 1/15 avos do mesmo prédio;
d) Depois do inventário de Q e antes da assinatura do acordo aludido em a) tinham falecido diversos herdeiros constantes dessa inscrição nº 2****, nomeadamente a viúva R, que também usava R1;
e) Em 11/Abril/1994, P, através da advogada NN, instaurou um inventário por óbito dos herdeiros inscritos entretanto falecidos, cumulado no Inventário Obrigatório de 1955:
1 - a R ou R1, falecida em 7.Junho.1962 no estado de viúva do autor da herança Q ou Q1;
2 - a W ou O, viúva, falecida em 1959 e deixando em sua representação na herança o seu filho único P;
3 - seu filho Z ou Z1, falecido em 2.Setembro.1958 no estado de casado com AA;
4 - filho S e mulher T, ele falecido em meados de 1960 e ela em Fevereiro de 1960;
5 - a filha X, viúva, falecida em 1964;
6 - a filha BB ou BB1, falecida em 27.08.1967 no estado de casada com CC;
7 - a filha II ou II1 (em 19.6.1991), no estado de casada com KK;
8 - e a filha N, viúva de EE, falecida já na pendência do inventário em 12.Maio.1996 e deixando como sua única sucessora a sua única filha J, ora 2ª Ré;
f) O inventário sucessório ficou concluído mediante Mapa de Partilha de 1 de Julho de 1998 e sentença homologatória de 14.10.1998 e seu registo na Conservatória do Registo Predial mediante inscrição nº 4***G, de 26.02.1999, ficando o prédio, domínio útil, a pertencer em compropriedade com as quotas-partes seguintes:
1 - I, ora 1º Réu, casado no regime da separação de bens com F, com os 01/15 avos da inscrição nº 2**** acrescidos de mais 223/7200 mediante inscrição nº4***G, perfazendo assim 703/7200 avos do prédio;
2 - P ou P1, solteiro, único filho e sucessor da W ou O e pai dos ora 3º, 4º e 5º Réus, com os 480/7200 avos;
3 - J, ora 2ª Ré, solteira, com os 01/15 que na inscrição nº 2**** pertenciam a sua mãe, mais 223/7200 que por representação e sucessão como filha única e universal herdeira da N herdou dos outros inventariados (inscrição nº4***G), perfazendo assim 703/7200 avos;
4 - FF ou FF1, casada com LL ou LL1, os 01/15 avos mediante inscrição nº 2**** e 223/7200 mediante inscrição nº4***G, perfazendo assim 703/7200 avos do prédio;
5 - JJ ou JJ1, casada com MM, ficou com os 01/15 avos da inscrição nº 2**** acrescida de mais 223/7200 mediante inscrição nº4***G, perfazendo assim 703/7200 avos do prédio;
6 - HH1 ou HH2 que também usa HH, solteira maior, ficou com os 01/15 avos da inscrição nº 2**** acrescida de mais 223/7200 mediante inscrição nº4***G, perfazendo assim 703/7200 avos do prédio;
7 - U ou U1 ou U2, casado com V1 ou V, com 01/15 avos mediante a inscrição nº 2**** e mais 133/7200 mediante inscrição nº4***G, perfazendo assim a quota-parte total de 613/7200 avos indivisos do prédio;
8 - Y ou Y1, viúva, ficou com os 01/15 avos que tinha na inscrição nº 2**** acrescidos de mais 133/7200 mediante inscrição nº4***G, perfazendo assim 613/7200 avos do prédio;
9 – DD, solteira, maior, ficou com os 01/15 avos da inscrição nº 2**** e mais 223/7200 da inscrição nº4***G, perfazendo assim 703/7200 avos do prédio;
10 - KK, viúvo de II, com os 01/15 avos constantes da inscrição nº 2**** e 223/7200 deste inventário (inscrição nº4***G), perfazendo assim 703/7200 avos;
11 - CC, viúvo da BB ou BB1, ficou com 333/7200 (inscrição nº4***G);
12 - AA, viúva do Z ou Z1, 240/7200 (inscrição nº 4***G);
g) Os 3º, 4º e 5º Réus, mediante escrituras de habilitação notarial e partilha celebradas no Cartório Notarial das Ilhas em 8 de Abril de 2005, sucederam “mortis causa” ao P ou P1 e entre si partilharam em 3 partes iguais os 480/7200 avos que lhes foram deixados pelo mesmo, passando a estar registados como titulares da quota-parte de 160/7200 avos cada um, mediante inscrição nº 1*****G, de 11 de Abril de 2005;
h) FF ou FF1 e marido LL ou LL1 outorgaram a favor da Ré J uma procuração datada de 25.2.1992, com o teor que consta de fls. 64 e 65 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida para os devidos efeitos;
i) JJ ou JJ1 e marido MM outorgaram a favor da Ré J uma procuração datada de 20.11.1992, com o teor que consta de fls. 66 e 67 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida para os devidos efeitos;
j) O I ou I1 faleceu a 27 de Março de 2000 e o P ou P1 faleceu a 4 de Agosto de 2002;
k) O Autor solicitou a marcação, em 29.04.2014, da escritura pública aludida no acordo mencionado em a), para dia 23 de Junho de 2014, em conformidade com o teor do documento junto a fls. 87 que aqui se dá por integralmente reproduzido;
l) Em 29.4.2014, foram enviadas aos Réus cartas registadas a fim de os notificar para a celebração da escritura pública, nos termos que constam dos documentos juntos a fls. 88 a 99 dos autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais;
m) Um dos destinatários respondeu a essa convocação alegando não ter percebido o seu conteúdo por essa carta ter sido escrita só em língua portuguesa;
n) Em 12.6.2014, foram enviadas novas cartas registadas, escritas em língua portuguesa e chinesa, a fim de notificar os RR. para a celebração da escritura pública nos precisos termos que constam dos documentos juntos a fls. 102 a 119 dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais;
o) Tendo a Ré J respondido à convocatória com uma carta junta a fls. 120 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais;
p) Na data marcada, a escritura não foi celebrada por não ter comparecido nenhum dos promitentes vendedores e só ter comparecido o promitente-comprador ora Autor;
q) Por apenso aos presentes autos, F, G, B, H, C, E, e D foram declarados habilitados como únicos e universais herdeiros do falecido I ou I1;
r) Os Réus não tinham procurações ou outro tipo de poderes para poderem vender as quotas-partes de que não eram proprietários;
s) Em 2007 alguns dos herdeiros dos promitentes vendedores foram ao escritório de advogados encarregue de tratar da realização do contrato prometido;
t) Até à data nem os promitentes vendedores, nem seus sucessores ora RR, apresentaram qualquer documento ou título que lhes confira poderes para vender todas as quotas-partes do prédio objecto do acordo aludido em a);
u) A vontade das partes, manifestada no acordo aludido em a), era a de comprar e/ou vender a totalidade (100%) do imóvel;
v) Pelo Autor foi depositado à ordem do tribunal o valor remanescente da sua prestação – cf. fls. 319 -.
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Da impugnação da matéria de facto
Embora o Autor ora recorrente não alegue expressamente que pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto provada, mas considerando o teor das suas alegações, dúvidas de maior não restam de que é esse o seu desiderato, mais precisamente, o recurso interposto pelo Autor tem por objectivo impugnar a resposta dada ao quesito 15º da base instrutória, com fundamento na suposta existência de erro na apreciação da prova, mormente prova documental, tendo isto em vista a obtenção de uma decisão que lhe seja favorável.
Antes de mais, por haver lapso na indicação das datas, conforme dito pelo recorrente, há-de proceder-se à rectificação das alíneas h) e i) dos factos provados constantes da sentença.H(H

Na verdade, a sentença trocou a data da procuração outorgada por FF com a data da procuração outorgada por JJ. A data daquela procuração (alínea h)) deve ser de 20.11.1992, enquanto a desta (alínea i)) deve ser de 25.2.1992.
*
Entende a sentença recorrida que a situação demonstrada nos autos é algo igual à promessa de venda de bem alheio ou indiviso, por não terem conseguido os Réus adquirir para si a totalidade do prédio e nunca houve a intenção nem a promessa de venderem apenas a quota-parte do direito de que os Réus eram titulares, daí que não autorizou a execução específica do contrato.
Entretanto, pugna o recorrente pela execução específica do contrato referente à parte dos Réus, uma vez que, na sua perspectiva, o contrato-promessa não incidia sobre todo o bem imóvel, mas sim a quota-parte do imóvel de que os Réus eram comproprietários (3/15 avos). Em relação à quota-parte dos demais comproprietários (12/15 avos), sustenta o recorrente que os Réus apenas se comprometeram a obter e apresentar poderes para outorgar como meros mandatários ou representantes daqueles, e não propriamente como vendedores das referidas quotas-partes.
Por outras palavras, entende o recorrente que o contrato-promessa constante de fls. 18 e 19 desdobrava-se em dois “sub-contratos”: um celebrado entre o recorrente e os Réus em que estes prometeram vender e aquele prometeu comprar as quotas-partes que pertenciam aos mesmos (3/15 avos); outro celebrado pelas mesmas partes, mas neste caso, os Réus não prometeram vender, mas sim obrigaram-se a apresentarem documentos que lhes permitissem trazer ou criar nos outros a obrigação de venderem, ou seja, apresentar poderes legais conferidos para os Réus agirem como meros representantes ou mandatários em nome dos outros comproprietários e não em nome próprio (dos Reús).
Efectivamente, a questão colocada neste recurso está na interpretação do próprio contrato-promessa.
Uma vez que o contrato-promessa foi redigido em chinês, temos que analisar o texto original do contrato, e não o texto traduzido.
O contrato-promessa outorgado pelo Autor ora recorrente e Réus tem o seguinte teor:
“承諾買賣合約
立約人:
甲方: I(BIRM No. 7(02******) 地址: ......街...號...字樓...座;N(CIP No. 1*****) 地址: ......街...號...字樓...座及O(港證 No. B4*****(3) 由其獨子P(澳門身份証No. 7/******/5) 地址: ......街...號...字樓...座
乙方: A(非葡藉認別証 No.2****)
茲因甲方承諾將座落澳門......街...號之屋宇(以下簡稱本物業)在澳門物業登記局編No. 1***, 66v, B-10及業權註冊編號No. 2****, 194v, G-22出售與乙方承受。現雙方在NN女大律師事務所訂立承諾買賣合約,條款如下:
一、甲方今承諾將上述物業,以港幣捌拾萬圓正(即葡幣捌拾貳萬叁仟貳佰圓正以港幣交易)售予乙方,而乙方亦承諾照該價承購。甲、乙雙方冋意下列付款辨法:
a) 在簽立本合約時乙方付港幣伍萬圓正給甲方。
b) 在簽立買賣大契時付餘款港幣柒拾伍萬圓正給甲方。
二、由遺產案登記好甲方名下日起計訂明於叁個月內立契交易,如因政府手續或立契樓排期阻延者則不在此限,遇此情況時,現於本合約雙方同意由本律師事務所另訂交易日期,到時不得異議。
三、簽立本交易大契前之一切華洋轇轕包括債務及官司,概由甲方自行理妥,與乙方無涉。
四、本合約按民事法例第830條款辦理: 不得不買,不得不賣。
五、凡與上述有關本物業買賣有關之政府稅項、立契費、登記費連同律師筆金等,由乙方負責支付。本合約費用雙方各自付一半。
六、以上I、N及O聲明其唯已故R女士之其中合法遺產承繼人。其三人亦聲明徵得其餘合法遺產承繼人同意在本合約其三人亦代表其餘之遺產承繼人及碓保於本日起計兩個月內交給本律師樓所有之証明文件連同所有已故合法遺產承繼人及其餘合法遺產承繼人之名單,否則其三人聲明承擔所有法律責任。
七、甲、乙雙方同意委託NN女大律師於法院及政府部門申請辦理有關上述遺產手續,所有費用包括堂費,遺產稅、立契費、登記費、物業轉移稅連同律師筆金等,概由乙方負責支付。該遺產手續需在柒佰叁拾個工作日內辦妥,該限期由甲方交妥所有該案有關之文件給本律師樓之日起計算,但如非甲或乙方債任該案不能在限期內辦妥,則雙方友好協商另訂限期。
八、甲方不負責交吉,交吉手續及費用概由乙方負責。但簽署本交易大契紙本物業租金仍歸甲方所有。
九、乙方有權指定任何人或公司與甲方簽署買賣大契。
十、本合約未經載明事項,悉依照澳門法例及習慣辦理。
十一、本合約壹式叁份,經關係人簽署後立即生效,有關方面各存壹份為據。
九貳年肆月玖日
甲方: 簽名 乙方: 簽名
律師樓知見人: 簽名”

Analisado o conteúdo do supra documento, não se vislumbra que a intenção das partes era apenas celebrar o contrato prometido de compra e venda dos direitos (a quota-parte) de que os Réus eram titulares, antes abrangia a totalidade do imóvel.
Repare-se que o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre o Autor e os Reús incidia sobre todo o prédio (“茲因甲方承諾將座落澳門......街...號之屋宇(以下簡稱本物業)…”), e não apenas determinadas quotas-partes do imóvel (3/15 avos) de que os Réus eram titulares.
Em boa verdade, se as partes tivessem acordado na celebração do contrato-promessa só em relação a determinadas quotas-partes do imóvel, o respectivo clausulado teria que estar expresso no contrato, mas atento o conteúdo daquele documento, não se verifica qualquer convenção nesse sentido.
Quanto ao preço, as partes fixaram no contrato-promessa de compra e venda um valor concreto (“甲方今承諾將上述物業,以港幣捌拾萬圓正(即葡幣捌拾貳萬叁仟貳佰圓正以港幣交易)售予乙方…”), e não houve discriminação dos preços a que cada um dos comproprietários teriam direito.
Ora bem, se o contrato-promessa fosse desdobrado em dois “sub-contratos” conforme defendido pelo recorrente, então seria normal que as partes outorgantes tivessem fixado preços diferentes para as duas situações, isto é, especificando o preço ou parte do preço a que os Réus teriam direito e o preço que os Reús receberiam em nome dos demais comproprietários, mas não foi isso que aconteceu.
Além disso, resulta do contrato-promessa que foram os próprios Réus quem receberam o sinal pago pelo Autor ora recorrente (“在簽立本合約時乙方付港幣伍萬圓正給甲方”), e nunca se referiu que o receberam em representação de outros comproprietários.
Ademais, se a intenção das partes fosse apenas celebrar o contrato prometido de compra e venda dos direitos (a quota-parte) de que os Réus eram titulares, então não se compreenderia a razão pela qual as partes acordaram celebrar o contrato prometido só quando terminadas todas as formalidades do inventário e obtida toda a documentação necessária dos herdeiros, sabendo que as partes podiam ter estipulado uma data concreta para a outorga da escritura pública de compra e venda dos direitos dos Réus; se as partes optaram por outorgar a escritura só depois de reunidos todos os demais comproprietários, era porque quiseram celebrar o negócio de compra e venda do prédio todo e não apenas determinadas quotas-partes.
Aqui chegados, não se vislumbra qualquer erro manifesto na apreciação da matéria de facto, mormente a resposta dada ao quesito 15º da base instrutória.
Na medida em que os Réus prometeram vender ao Autor ora recorrente todo o imóvel mas não lograram adquirir para si a totalidade do prédio, andou bem o Tribunal recorrido ao indeferir o pedido de execução específica do contrato-promessa de compra e venda do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1***.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente A, mantendo a decisão recorrida.
Conforme supra decidido, proceda-se à rectificação das alíneas h) e i) dos factos provados e constantes da sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.
***
RAEM, 10 de Outubro de 2019

(Relator)
Tong Hio Fong

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong

(Segundo Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong



Recurso cível 879/2018 Página 21