Processo n.º 809/2019
(Autos de recurso em matéria laboral)
Relator: Fong Man Chong
Data: 17/Outubro/2019
ASSUNTOS:
- Descanso semanal e critério de concretização em matéria jurídico-laboral
SUMÁRIO:
I - No âmbito do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, para além do pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo Recorrente em dia de descanso semanal, se a entidade patronal não pagou ao seu trabalhador outro qualquer acréscimo salarial, em violação ao disposto no artigo 17º citado, este deve ser compensado a esse título com o montante devido a título do dobro do salário e não só de apenas mais um montante em singelo.
II – O artigo 17° do DL n.º 24/89/M, de 3 de Abril, dispõe que “todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas (...)”, sendo o período de descanso motivado por razões de ordem física e psicológica, o trabalhador não pode prestar mais do que seis dias de trabalho consecutivos, devendo o dia de descanso ter lugar, no máximo, no sétimo dia, e não no oitavo, nono ou noutro dia do mês, salvo acordo das partes em sentido contrário, no que toca ao momento de descanso a título de “compensação”, mas o critério para este efeito é sempre o período de sete dias como uma unidade.
III – Na sequência dos factos alegados pelo Autor e depois de instruído o processo, o Tribunal a quo veio a fixar os factos assentes nos seguintes termos: (…) Entre 22/07/2003 a 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (YYY) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos, a que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (1.º); Entre 22/07/2003 a 31/12/2008, o Autor prestou 230 dias de trabalho efectivo junto da Ré no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo. (2.º); A Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo. (3.º); A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente ao trabalho prestado nos dias de descanso semanal em singelo, caso este tenha trabalhado em tal dia. (4.º) (…), e depois subsumiu estes factos ao artigo 17º do citado DL, conferindo-se ao trabalhador/Recorrido o direito de auferir a remuneração normal de trabalho com um acréscimo de um dia de remuneração de base, no caso em que o trabalhador prestasse serviços no dia em que devia gozar de descanso semanal, razão pela qual é de julgar improcedente este argumento aduzido pela Ré neste recurso.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo nº 809/2019
(Autos de recurso em matéria laboral)
Data : 17 de Outubro de 2019
Recorrentes : - B (Autor)
- Yyy Yyy Yyy, S.A. (Ré)
Recorridos : - Os mesmos
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
B, Autor, intentou, em 25/05/2018, junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM, acção declarativa de processo comum do trabalho (LB1-18-0168-LAC), pedindo condenar a Ré a pagar a título de créditos laborais, a quantia total de MOP$136,990.00.
Realizado o julgamento, foi proferida a sentença com o seguinte teor na parte decisiva:
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia global de MOP$59,225.00 a título do trabalho prestado, após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias (pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal).
À quantia supra mencionada acrescerá juros moratórios à taxa legal a contar da data da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório até integral e efectivo pagamento.
Absolve-se no mais a Ré do pedido.
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B, Autor, discordando da decisão, veio em 29/03/2019, recorrer para este TSI, com os fundamentos de fls. 81 a 86, em cujas alegações tendo formulado as seguintes conclusões:
1) Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Ré (XXXX) na atribuição de uma compensação devida ao Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, na medida em que a concreta fórmula de cálculo utilizada na Decisão Recorrida se mostra em manifesta oposição à que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância;
2) De onde, salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e, deste modo, em violação ao disposto no artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
Em concreto,
3) Entendeu o Tribunal a quo ser de sufragar o entendimento seguido pelo Tribunal de Última Instância e, em consequência, condenar a Ré a pagar ao Autor apenas ao correspondente ao valor de um salário em singelo no que respeita ao trabalho prestado em dia de descanso semanal durante todo o período da relação laboral;
4) Porém, salvo melhor opinião, ao proceder à condenação da Ré apenas em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
5) Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, para além do valor relativo ao próprio dia de trabalho prestado;
6) Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2);
7) De onde, provado que durante o período da relação laboral a Recorrida não garantiu ao Autor o gozo do descanso semanal no máximo ao 7.° dia após 6 dias consecutivos de trabalho, deve a mesma ser condenada a pagar ao Recorrente " o dobro da retribuição normal por cada um dos sétimos dias de trabalho prestado", isto é, a quantia de MOP$118.450,00 - e não apenas MOP$59.225,00 correspondente a um dia de salário em singelo - conforme resulta da douta Decisão recorrida, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer.
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A Yyy Yyy Yyy, S.A., Ré, discordando da decisão, veio em 08/04/2019, recorrer para este TSI, com os fundamentos de fls. 88 a 103, em cujas alegações tendo formulado as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré, ora Recorrente, no pagamento de uma indemnização ao Autor, no valor de MOP$59,225.00 a título de compensação pelo trabalho prestado pelo Autor após 7 dias de trabalho consecutivo.
II. Entende a ora Ré que esta matéria foi incorrectamente julgada pelo Douto Tribunal a quo e também no plano do Direito aplicável ao caso concreto, a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento, estando em crer que a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância padece do vício de erro de julgamento e erro na aplicação do Direito.
III. Somos do entendimento que o Tribunal a quo não interpretou correctamente o sentido da norma ora em crise, ou seja o artigo 17.° do DL n.º 24/89/M, nem a norma contida no artigo 18.° do mesmo diploma.
IV. A Recorrente não aceita que tenha violado o preceituado no referido n° 1 do artigo 17° o qual, salvo devido respeito, não impõe a regra do descanso ao 7° dia, isto porque dispõe o n.º 1 do artigo 17.° do DL n.º 24/89/M que: "todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, (...)", ou seja, o legislador refere-se a um período de sete dias, e não ao fim de sete dias, referindo-se, por seu lado, a um período de descanso de vinte e quatro horas sem se referir se o mesmo se refere a um dia, por exemplo, a uma segunda - feira, ou a parte de uma segunda - feira e parte da terça - feira seguinte, indo aliás neste sentido a nota n° 3 do douto acórdão n° 253/2002, citado pelo Tribunal a quo na decisão ora em crise, conforme se transcreve:" Nem estipula explícita e forçosamente que o trabalhador tem que descansar no domingo, mas sim apenas tem direito, em cada período de sete dias, a um dia de descanso, dia esse que poderia não ser o domingo, o que é estipulado explicitamente no artigo 17º n° 2".
V. Por isso, é importante apurar se o descanso semanal tem de ser gozado sempre após seis dias de trabalho consecutivo, ou seja, no 7° dia, conforme defendia o Autor e veio a ser aceite pelo Tribunal a quo, ou se, atento o sobredito artigo 17°, o empregador pode escolher, dentro de cada período de sete dias, o momento em que deve ocorrer o descanso, sem necessidade de ter em conta o número de dias consecutivos de trabalho que ocorrem antes e depois do dia de descanso, considerando a Recorrente que apenas este último entendimento se compatibiliza com o espírito e com a letra da Lei, já que a norma diz é que todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas; O qual será fixado de acordo com as exigências de funcionamento da empresa (n° 2).
VI. Ora, a lei laboral em Macau não proíbe que se trabalhe mais do que seis dias consecutivos – como defendia o Autor e veio a ser entendido pelo Tribunal - mas apenas impõe que em cada período de sete dias, 24 horas consecutivas sejam de descanso e esse descanso pode calhar em qualquer um dos dias desse período de 7 dias, independentemente do número de dias de trabalho consecutivos que lhe precedem ou que se seguem, sendo que o dia de descanso pode, então, ser no 1 ° dia desse "período de sete dias ", no 2° dia do "período de sete dias ", no 3° dia desse "período de sete dias" ou até mesmo no 7° dia desse "período de sete dias ".
VII. Isto é, se em três períodos consecutivos de sete dias for concedido ao trabalhador 1 dia de descanso no primeiro dia do primeiro período de sete dias, outro dia de descanso no segundo dia do segundo período de sete dias e ainda outro dia de descanso no terceiro dia do terceiro período de sete dias, mostra-se cumprida a exigência legal - a de se conceder " em cada período de sete dias" um dia de descanso, já que a expressão "em cada período de sete dias" não impõe o momento exacto em que o descanso deve ocorrer, isto é, não impõe que seja no 7°, apenas determina o intervalo de tempo - sete dias - em que esse mesmo descanso deve ser gozado. Veja-se aliás que no mencionado artigo 17° não se faz menção a dias de trabalho consecutivo mas apenas exige que o período de descanso seja de 24 horas consecutivas em cada período de sete dias sem cuidar de saber quantos dias o trabalhador trabalhou antes desse dia e quantos vai trabalhar depois.
VIII. Do que se vem dizendo e do que se retira da leitura atenta do preceito parece evidente que o princípio do descanso semanal não equivale a um princípio de descanso ao sétimo dia, ou seja, ao fim de 6 dias de trabalho e diga-se também que o artigo 17° n° 1 tem necessariamente de ser interpretado em conjugação com o n° 2 que reconhece que "de acordo com as exigências de funcionamento da empresa" o período de descanso semanal será organizado pelo empregador, o que reforça que a intenção do legislador não foi impor o dia de descanso ao sétimo dia.
IX. Por outro lado, o legislador não impôs qualquer limitação ao número de dias de trabalho seguidos desde que o trabalhador goze de um período de descanso em cada período de sete dias, tanto assim é que o artigo 18° do DL 24/89/M expressamente prevê a possibilidade de não se gozar um período de descanso de 24 horas em cada período de 7 dias, caso em que ao trabalhador deve ser concedido um "descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção ", pois o legislador estando já ciente da realidade em Macau, fixou a excepção constante no artigo 18.° do Decreto - Lei a qual veio a ser posteriormente confirmada no artigo 42.°, n.º 2 da Lei 7/2008 (nova Lei das Relações de Trabalho), que prevê que "O gozo do período de descanso pode não ter frequência semanal em caso de acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável, casos em que o trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas." Não sendo, por isso, imperativo que esse descanso ocorra no sétimo dia de trabalho, tal como alega o Autor e veio a ser entendido pelo douto Tribunal. No caso concreto, em cada período de sete dias o Autor descansou, não necessariamente ao sétimo dia, porque a Lei nem sequer o impõe.
X. Pode até acontecer, em face ao que ficou provado, que o Autor nem sempre tenha descansado "em cada período de sete dias" mas a ser assim, deverá fazer-se o apuramento no final do ano dos dias efectivos de descanso e se o Recorrido tiver que ser compensado será só e apenas dos dias de descanso em falta, ou seja, o mesmo é dizer que se se apurar que o Recorrido não descansou 52 dias no ano, mas apenas 46 dias, então só poderá ser compensado por 6 dias de descanso não gozado, mas nunca por 230 dias tal como decidido pelo Tribunal a quo.
XI. É que, tal como se vem defendendo, não se impunha à aqui Recorrente que na organização dos turnos dos seus trabalhadores o descanso fosse concedido ao 7º dia, mas apenas que, em cada período de sete dias, 24 horas consecutivas fosse de descanso e com isto se quer dizer que não importa que o trabalho seja organizado em turnos rotativas de 7 dias consecutivos findo os quais a entidade patronal concedia um dia de descanso, importando sim determinar se dentro de cada período de sete dias - ou "em cada período de 7 dias" - e tendo em conta a organização dos turnos rotativas o trabalhador gozou de 24 horas consecutivas de descanso.
XII. Pelo que carece por completo de fundamento a decisão recorrida na parte em que condena a Recorrente a pagar ao Recorrido uma indemnização pelo trabalho prestado no 7° dia como se se tratasse de trabalho prestado em dia de descanso semanal, verificando-se assim, salvo melhor opinião, uma errada aplicação do Direito e erro no julgamento por parte do Tribunal a quo na condenação da Recorrente nas quantias peticionadas a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal em violação do princípio do dispositivo consagrado no art.º 5° do CPC e, bem assim, o disposto nos artigos 17° e 18° do DL 24/89/M.
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Yyy Yyy Yyy, S.A., Ré, Recorrida, ofereceu a resposta constante de fls. 112 a 117, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. Vem o Autor Recorrente colocar em crise a douta sentença recorrida por entender que andou mal o Tribunal de Primeira Instância ao adoptar o entendimento seguido pelo Tribunal de Última Instância a respeito do pagamento do trabalho prestado em dia de descanso semanal condenando assim a Ré YYY, ora Recorrida, apenas ao valor correspondente a um salário em singelo e não ao dobro pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, mais alegando o Autor Recorrente que o tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na alínea a), n° 6 do art.° 17° do DL 24/89/M de 3 de Abril.
II. No entanto, e quanto à forma de cálculo adoptada para apuramento de eventual compensação quanto aos descansos semanais a Recorrida YYY concorda com a fórmula adoptada pelo Tribunal a quo que mais não é do que a fórmula que é apresentada pelo Tribunal de Última Instância, pois tal apuramento mais não segue senão o que está escrito na Lei já que estabelece o n° 6, alínea a) do art.º 17° do aludido diploma legal que: "O trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago:
a) Aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição.",
referindo-se a Lei ao trabalho que deve ser pago pelo dobro da retribuição e não à compensação que deve ser paga pelo dobro, referindo-se muito concretamente ao valor do trabalho efectuado em dia de descanso semanal e não ao valor da compensação.
III. Pelo que a interpretação literal da Lei foi bem efectuada pelo Tribunal a quo e pelo Tribunal de Última Instância, sendo, aliás, esta mesma interpretação a perfilhada pelo Dr. C, Ilustre mandatário do ora Recorrente, no seu livro "Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau", págs. 283 e 284, quando diz: «Da nossa parte, sempre nos pareceu como mais correcto que a expressão "dobro da retribuição normal” queria significar para os trabalhadores que auferem um salário mensal o direito a auferir o equivalente a 100% da mesma retribuição, a acrescer ao salário já pago.», bem como a posição do Professor Teixeira Garcia no seu livro "Lições do Direito do Trabalho" Parte II, pág. 186, nota 18.
IV. Assim, e de acordo com decisões de Tribunais Superiores de Macau, designadamente com a decisão n° 28/2007 proferida pelo Tribunal de Última Instância, de acórdão datado de 21 de Setembro de 2007, nas situações em que o trabalhador já tenha recebido o salário normal correspondente ao trabalho prestado nos dias de descanso semanal, só terá então direito a receber outro tanto, e não em dobro, porquanto o trabalhador já foi pago em singelo, pelo que, o Recorrente apenas terá direito a receber outro tanto da remuneração diária média, mas não em dobro, tal como é reclamado, devendo, por isso, improceder o recurso apresentado pelo Recorrente.
V. Pelo que e, face a todo o exposto, não tem o Recorrente qualquer razão no recurso que apresenta, devendo o mesmo ser considerado totalmente improcedente.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. Entre 24/04/2003 a 21/07/2003, o Autor esteve ao serviço da XXXX, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
2. Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 279 trabalhadores não residentes) da XXXX para a Ré (YYY), com efeitos a partir de 22/07/2003. (B)
3. Entre 22/07/2003 a 05/03/2017 o Autor esteve ao serviço da Ré (YYY), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (C)
4. Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos, horários e postos de trabalho fixados pela Ré. (D)
5. Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor auferiu da Ré um salário de base de HK$7,500.00 por cada mês de trabalho prestado. (E)
6. Entre 22/07/2003 a 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (YYY) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos, a que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (1.º)
7. Entre 22/07/2003 a 31/12/2008, o Autor prestou 230 dias de trabalho efectivo junto da Ré no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo. (2.º)
8. A Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo. (3.º)
9. A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente ao trabalho prestado nos dias de descanso semanal em singelo, caso este tenha trabalhado em tal dia. (4.º)
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IV - FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
I. RELATÓRIO
B, casado, de nacionalidade nepalesa, residente habitualmente em Macau, na Rua de ......, nº ..., Edifício “......”, ...º andar “...”, titular do Passaporte do Nepal nº 07****** de 12 de Maio de 2014, instaurou contra YYY YYY YYY, S.A. (adiante, YYY), identificada melhor nos autos, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia total de MOP$136,990.00 a título do trabalho prestado, após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias, acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento.
Tudo com os fundamentos que decorrem da sua petição inicial, que aqui damos por integralmente reproduzidos.
A Ré contestou, pondo em crise, no essencial, a pretensão do Autor.
Foi elaborado despacho saneador em que se afirmou a validade e regularidade da instância, e seleccionou-se a matéria de facto relevante para a decisão da causa.
A audiência de julgamento decorreu com observância do formalismo legal, tendo o Tribunal, a final, respondido à matéria controvertida por despacho, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
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O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio, não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes são dotadas de personalidade, de capacidade judiciária.
Todas as partes são legítimas, têm interesse de agir e estão devidamente patrocinadas.
Não existem outras excepções dilatórias, nulidades ou questões prévias que cumpra conhecer.
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Questão a decidir:
- Se o Autor tem direito ao crédito laboral por si reclamado e, caso se entenda pela positiva, determinar se é correcto o montante indemnizatório por si peticionado.
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II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
(…)
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III. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Em face da matéria de facto que se mostra provada e do direito que lhe aplicável, cumpre dar resposta à questão a decidir que supra se deixou enunciada.
Nesta acção, ficou provado que entre 22/07/2003 a 05/03/2017 o Autor esteve ao serviço da Ré (YYY), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos, horários e postos de trabalho fixados pela Ré e por outro lado, o Autor auferiu da Ré um salário de base de HK$7,500.00 por cada mês de trabalho prestado. Pelo que, não há dúvida quanto à natureza jus laboral desta relação jurídica.
Ficou provado que entre 22/07/2003 a 31/12/2008 o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (YYY) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos, a que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. No concreto, o Autor prestou 230 dias de trabalho efectivo junto da Ré no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo. Mas a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo.
O artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 3 de Abril dispõe, no seu n.º1, que todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º.
O artigo 18.º do mesmo Decreto-Lei prevê as excepções do referido artigo: sempre que, em função da natureza do sector de actividade, se revele inviável a observância do n.º 1 do artigo anterior, deverá ser concedido aos trabalhadores um descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, o qual não deverá ser inferior ao que resultaria de uma média semanal de 24 horas.
No caso em apreço, mesmo que considerando a natureza do sector de actividade (guarda de segurança), a Ré concedeu ao Autor um descanso consecutivo de vinte e quatro horas, após cada sete dias de trabalho consecutivos, obviamente não se verificando o disposto no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M. Assim, tem que se considerar que o Autor prestou trabalho junto da Ré em dia de descanso semanal nos termos do artigo 17.º, n.º1 do mesmo Decreto-Lei.
O n.º6 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M de 9 de Julho, dispõe, pois, que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago: a) aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal.
Então, deve calcular os valores da indemnização a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal, segundo a fórmula: (Salário diário) x (n.º de dias devidos e não gozados) x 2.
Há, todavia, que ponderar a circunstância de a Ré ter pago o valor em singelo, pelo que aos valores apurados se tem de deduzir o montante pago em singelo pela Ré1, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário devido, o que a lei manifestamente não prevê2.
Vejamos, então, quais os valores que deveriam ter sido pagos a este trabalhador e não foram, partindo dos valores de retribuição diários que lhe eram devidos, segundo a fórmula (Salário diário) x (n.º de dias devidos e não gozados):
Período
Salário diário
N.º de dias não gozados
Quantia indemnizatória
22/07/2003 a 31/12/2008
HKD$250.00
230
MOP$59,225.00
Assim deve a Ré pagar ao Autor a quantia de MOP$59,225.00 pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal.
À quantia supra mencionada acrescerá juros a contar da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante3, atento o que dispõe o artigo 794.º, n.º4 do CC, dado que por estarmos na presença de um crédito ilíquido, os juros moratórios, só se vencem a contar da data em que seja proferida a decisão que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
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IV. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia global de MOP$59,225.00 a título do trabalho prestado, após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias (pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal).
À quantia supra mencionada acrescerá juros moratórios à taxa legal a contar da data da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório até integral e efectivo pagamento.
Absolve-se no mais a Ré do pedido.
As custas serão a cargo da Ré e do Autor na proporção do respectivo decaimento.
Registe e notifique.
* * *
Comecemos pelo recurso interposto pelo Autor.
Do recurso da sentença interposto pelo Autor
Do trabalho prestado em dias de descanso semanal:
Insurge-se o Recorrente contra a fórmula de cálculo que o Tribunal “a quo” utilizou para a compensação devida pelo serviço prestado pelo Autor nos dias que deveriam ser de descanso semanal. O Tribunal apenas lhe conferiu um valor de salário em singelo, quando na opinião deste deveriam ser dois.
Tem razão o Recorrente.
Sobre este assunto, tem este TSI vindo a decidir de forma insistente (v.g., ver os Acs. TSI de 15/05/2014, Proc. nº 61/2014, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014, de 29/05/2014, Proc. nº 627/2014; 29/01/2015, Proc. nº 713/2014; 4/02/2015, Proc. nº 956/2015; de 8/06/2016, Proc. nº 301/2016; de 6/07/2017, Proc. nº 405/2017) que a fórmula utilizada pelo TJB não é mais correcta.
Com efeito, no que a este assunto concerne, vale o disposto no art. 17º, nºs 1, 4 e 6, al. a), do DL nº 24/89/M.
Nº1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
Nº4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
Nº6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Portanto, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.º 6, al. a)).
Como remunerar, então, este dia de trabalho prestado em dia que seria de descanso semanal?
Ora bem. Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o valor devido (pagou o dia de descanso que sempre teria que ser pago), falta pagar o trabalho prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.º 1);
E, em qualquer caso, sem prejuízo da remuneração correspondente ao dia de “descanso compensatório” a que se refere o art. 17º, nº4 - desde que peticionada, como foi o caso, - quando nele se tenha prestado serviço (neste sentido, v.g., Ac. TSI, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014).
Quanto à remuneração pelo dia de descanso semanal, temos, portanto, que a fórmula a utilizar será sempre AxBx2.
Não faria, aliás, sentido que fosse de outra maneira. Na verdade, se o trabalhador, mesmo sem prestar serviço nesse dia de descanso (v.g., domingo), sempre auferiria o correspondente valor (a entidade patronal não lho poderia descontar, visto que o salário é mensal), não faria sentido que, indo trabalhar nesse dia, apenas passasse a receber em singelo o trabalho efectivamente prestado. Seria injusto que apenas se pagasse ao trabalhador esse dia de serviço, que deveria ser de folga e descanso. Que vantagem teria então o trabalhador por prestar serviço a um domingo, se, além do que receberia mesmo sem trabalhar, apenas lhe fosse pago o valor do trabalho efectivamente prestado nesse dia de folga como se tratasse de uma dia normal de trabalho?!
Por isso é que o legislador previu que o trabalho efectivamente prestado nesses dias pelo trabalhador, além do valor que já lhes seria devido em qualquer caso, fosse compensado em dobro pelo valor da retribuição normal diária. Quando a lei fala em dobro refere-se, obviamente, à forma de remunerar esse serviço efectivamente prestado nesses dias de descanso, sem prejuízo, como é bom de ver, do valor da remuneração a que sempre teria direito correspondente a cada um desses dias de descanso e que já recebeu.
Significa isto, assim, que a 1ª instância não poderia ter descontado o valor em singelo já recebido pelo Recorrente.
Trata-se, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma quase uniforme por este TSI, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2.
Como resultando provado que o Recorrente, durante todo o período da relação laboral não gozou dos respectivos dias de descanso semanal (isto é, pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho), deve a Ré/Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$118,450.00 a título do dobro do salário (e não só apenas de MOP$59,225.00 correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise), acrescida de juros até efectivo e integral pagamento.
É esta decisão mais correcta e em sintonia com as normas aplicáveis já acima ciadas.
Pelo exposto, o Tribunal a quo procedeu a uma não correcta aplicação do disposto na al. a) do n.º 6 do artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, e consequentemente a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto no referido DL, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: salário diário X n.º de dias de descanso não gozados X 2.
Julga-se, deste modo, procedente o recurso interposto pelo Autor nesta parte.
*
Passemos a conhecer do recurso interposto pela Ré.
Questões a resolver:
A Recorrente/Ré afirmou na parte conclusiva do recurso:
“Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré, ora Recorrente, no pagamento de uma indemnização ao Autor, no valor de MOP$59,225.00 a título de compensação pelo trabalho prestado pelo Autor após 7 dias de trabalho consecutivo.”
À decisão ora posta em crise a Recorrente imputa os seguintes vícios:
1) - Erro na aplicação do Direito;
2) – Violação do princípio dispositivo.
*
Passemos a conhecer das questões suscitadas.
1ª questão: erro na aplicação de Direito (artigo 17º do DL nº 24/89/M, de 3 de Abril)
A questão suscitada pela Recorrente/Ré pode ser colocada nos termos seguintes:
Em face do normativo do artigo 17.° do DL n.º 24/89/M, de 3 de Abril, que “Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada sete dias, um período de descanso se vinte e quatro horas consecutivas (...)”, pergunta-se, ao fim de quantos dias consecutivos de trabalho deve ter lugar o referido período de descanso?
Ou seja, que limite assinala a Lei à série de dias consecutivos máximos de trabalho prestado? Ou ainda, após quantos dias de trabalho consecutivo tem o trabalhador direito a usufruir de um período de vinte e quatro horas de descanso consecutivo?
A Recorrente veio a defender o seguinte:
“ (fls.96 a 99) O legislador não impôs qualquer limitação ao número de dias de trabalho seguidos desde que o trabalhador goze de um período de descanso em cada período de sete dias.
E tando assim é que o artigo 18º do DL 24/89/M expressamente prevê a possibilidade de não se gozar um período de descanso de 24 horas em cada período de sete dias, caso em que ao trabalhador deve ser concedido um “descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção”.
O legislador estando já ciente da realidade em Macau, fixou a excepção constante no artigo 18.º do Decreto - Lei a qual veio a ser posteriormente confirmada no artigo 42.º, n.º 2 da Lei 7/2008 (nova Lei das Relações de Trabalho), que prevê que “O gozo do período de descanso pode não ter frequência semanal em caso de acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável, casos em que o trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas.” (sublinhado nosso)
Ou seja,
Ao excepcionar a obrigatoriedade da frequência semanal do descanso, o legislador está a dar primazia à lógica do descanso do trabalhador e não à lógica do repouso obrigatório ao sétimo dia.
Não sendo, por isso, imperativo que esse descanso ocorra no sétimo dia de trabalho, tal como alega o Autor e veio a ser entendido pelo douto Tribunal.
Ora,
No caso concreto, em cada período de sete dias o Autor descansou, não necessariamente ao sétimo dia, porque a Lei nem sequer o impõe.
Pode até acontecer, em face ao que ficou provado, que o Autor nem sempre tenha descansado “em cada período de sete dias”
Mas a ser assim, deverá fazer-se o apuramento no final do ano dos dias efectivos de descanso e se o Recorrido tiver que ser compensado será só e apenas dos dias de descanso em falta.
O mesmo é dizer que se se apurar que o Recorrido não descansou 52 dias no ano, mas apenas 46 dias, então só poderá ser compensado por 6 dias de descanso não gozado, mas nunca por 230 dias tal como decidido pelo Tribunal a quo.
É que,
Tal como se vem defendendo, não se impunha à aqui Recorrente que na organização dos turnos dos seus trabalhadores o descanso fosse concedido ao 7º dia, mas apenas que, em cada período de sete dias 24 horas consecutivas fosse de descanso.
Com isto se quer dizer que não importa que o trabalho seja organizado em turnos rotativos de 7 dias consecutivos findo os quais a entidade patronal concedia um dia de descanso.
O que importa é determinar se dentro de cada período de sete dias - ou usando a expressão legal “em cada período de 7 dias” ‒ e tendo em conta a organização dos turnos rotativos o trabalhador gozou de 24 horas consecutivas de descanso.
Assim,
Pelo que se disse, e sempre ressalvando o devido respeito por opinião diversa, carece por completo de fundamento a decisão recorrida na parte em que condena a Recorrente a pagar ao Recorrido uma indemnização pelo trabalho prestado no sétimo dia como se se tratasse de trabalho prestado em dia de descanso semanal.
Desta feita verifica-se assim, salvo melhor e douta opinião, uma errada aplicação do Direito e erro no julgamento por parte do Tribunal a quo na condenação da Recorrente nas quantias peticionadas a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal em violação do princípio do dispositivo consagrado no art.º 5º do CPC e, bem assim, o disposto nos artigos 17º e 18º do DL 24/89/M.”
Diferentemente, no entender do Recorrido/Autor, sendo o período de descanso motivado por razões de ordem física e psicológica, o trabalhador não pode prestar mais do que seis dias de trabalho consecutivos, devendo o dia de descanso ter lugar, no máximo, no sétimo dia, e não no oitavo, nono ou noutro dia do mês, salvo acordo em sentido contrário. Mas tal sétimo dia é sempre compensado nos termos legalmente permissíveis.
É este entendimento que vem sendo defendido pela jurisprudência e doutrina de Macau, e sem excepção em relação ao ordenamento jurídico português, aqui invocado em termos de direito comparado.
Vejam-se, entre outras, as posições de Bernardo da Gama Lobo Xavier, Fernanda Agria e Maria Luísa Cardoso Pinto, Barros Moura, Jorge Leite e Coutinho de Almeida e Luis Miguel Monteiro para quem: o descanso semanal deve, nos termos do n.º 2 do art. 51.º da LCT, ter lugar dentro de cada período de sete dias: deve ter lugar no sétimo dia e nunca no oitavo; ou que, a lei é bem clara: o descanso é semanal ‒ o trabalhador tem direito a um dia de descanso em cada 7; isto é, em cada sete dias consecutivos, seis são dedicados ao serviço efectivo e um ao repouso", constituindo uma ilegalidade atribuir aos trabalhadores que prestam serviços em empresas de laboração contínua, o repouso semanal depois de sete dias, isto é, no 8.º dia;4
Com especial interesse, veja-se a posição de Catarina Carvalho e de Liberal Fernandes, quando concluem que: “(...) o dia de descanso em cada turno não pode ser precedido por mais de seis dias consecutivos de trabalho; quando tal se verifique, a actividade prestada no sétimo dia deverá ser considerada trabalho suplementar realizado em dia de descanso obrigatório”.5
Na jurisprudência de Portugal e para um preceito similar ao art. 17.° n.º 1 do DL n.º 24/89/M, veja-se, entre outros, o Ac. do STA, de 19/10/2016, nos termos do qual de decidiu que: O descanso semanal deve, assim, ter lugar ao fim de de seis dias de trabalho. Deve ter lugar no «sétimo, e nunca no oitavo» dia”;
Mais recentemente, veja-se, o Ac. do Tribunal da Relação do Porto, Recurso n.º 5286/15.3T8MTS.P1, 11/07/2016, nos termos do qual se decidiu que: (...) o dia de descanso em cada turno não pode ser precedido por mais de seis dias consecutivos de trabalho; quando tal se verifique, a actividade prestada no sétimo dia deverá ser considerada trabalho suplementar realizado em dia de descanso obrigatório. (...) não podendo a trabalhadora trabalhar mais de seis dias consecutivos sem descansar no sétimo, o trabalho prestado neste terá de ser considerado trabalho suplementar e, como tal, retribuído, porque prestado em dia de descanso.
Entre nós, Augusto Teixeira Garcia, desde há muito sublinha que: “(...) o dia de descanso deve sempre seguir-se aos dias de trabalho prestado que são a sua razão de ser e não, portanto e em princípio, precedê-los. A regra deve ser a de que o dia de descanso semanal deve seguir-se imediatamente ao sexto dia de trabalho”.6
Pelo que, conclui-se forçosamente que: o período de vinte e quatro horas consecutivas de descanso a que se refere o n.º 1 do artigo 17.° do DL n.º 24/89/M, deve necessariamente ocorrer dentro de um período de sete dias e, no máximo, após seis dias de trabalho consecutivo, não sendo lícito que o mesmo apenas ocorra ao oitavo, ao nono ou em qualquer outro dia posterior, contrariamente ao que vem alegado pela Recorrente.
Se assim não suceder, o trabalho efectuado no sétimo dia de trabalho, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivos corresponde a trabalho prestado em dia que deveria ter sido destinado a descanso semanal e, como tal, deve ser pago pelo dobro da retribuição normal, tal qual temos vindo a decidir na mesma matéria em vários processos.
Pelo que, não se verifica erro na aplicação de Direito e como tal julga-se improcedente o recurso interposto pela Ré nesta parte.
*
2ª questão: violação do princípio dispositivo
Neste ponto, a Recorrente/Ré apresentou as seguintes conclusões:
XI. É que, tal como se vem defendendo, não se impunha à aqui Recorrente que na organização dos turnos dos seus trabalhadores o descanso fosse concedido ao 7º dia, mas apenas que, em cada período de sete dias, 24 horas consecutivas fosse de descanso e com isto se quer dizer que não importa que o trabalho seja organizado em turnos rotativas de 7 dias consecutivos findo os quais a entidade patronal concedia um dia de descanso, importando sim determinar se dentro de cada período de sete dias - ou "em cada período de 7 dias" - e tendo em conta a organização dos turnos rotativas o trabalhador gozou de 24 horas consecutivas de descanso.
XII. Pelo que carece por completo de fundamento a decisão recorrida na parte em que condena a Recorrente a pagar ao Recorrido uma indemnização pelo trabalho prestado no 7° dia como se se tratasse de trabalho prestado em dia de descanso semanal, verificando-se assim, salvo melhor opinião, uma errada aplicação do Direito e erro no julgamento por parte do Tribunal a quo na condenação da Recorrente nas quantias peticionadas a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal em violação do princípio do dispositivo consagrado no art.º 5° do CPC e, bem assim, o disposto nos artigos 17° e 18° do DL 24/89/M.
Procederá este argumento?
Cremos que não!
O Tribunal a quo decidiu neste ponto da seguinte forma:
“(…) Em face da matéria de facto que se mostra provada e do direito que lhe aplicável, cumpre dar resposta à questão a decidir que supra se deixou enunciada.
Nesta acção, ficou provado que entre 22/07/2003 a 05/03/2017 o Autor esteve ao serviço da Ré (YYY), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos, horários e postos de trabalho fixados pela Ré e por outro lado, o Autor auferiu da Ré um salário de base de HK$7,500.00 por cada mês de trabalho prestado. Pelo que, não há dúvida quanto à natureza jus laboral desta relação jurídica.
Ficou provado que entre 22/07/2003 a 31/12/2008 o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (YYY) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos, a que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. No concreto, o Autor prestou 230 dias de trabalho efectivo junto da Ré no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo. Mas a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo.
O artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 3 de Abril dispõe, no seu n.º1, que todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º.
O artigo 18.º do mesmo Decreto-Lei prevê as excepções do referido artigo: sempre que, em função da natureza do sector de actividade, se revele inviável a observância do n.º 1 do artigo anterior, deverá ser concedido aos trabalhadores um descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, o qual não deverá ser inferior ao que resultaria de uma média semanal de 24 horas.
No caso em apreço, mesmo que considerando a natureza do sector de actividade (guarda de segurança), a Ré concedeu ao Autor um descanso consecutivo de vinte e quatro horas, após cada sete dias de trabalho consecutivos, obviamente não se verificando o disposto no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M. Assim, tem que se considerar que o Autor prestou trabalho junto da Ré em dia de descanso semanal nos termos do artigo 17.º, n.º1 do mesmo Decreto-Lei.
(…).”
Ora, quando procedemos à analise do recurso interposto pelo Autor na parte respeitante à mesma matéria, já nos pronunciamos nos termos acima expostos, nomeadamente no que toca ao quantum compensatório a que o Autor/Recorrente/Recorrido tem direito, dando nós o seu teor aqui por reproduzido para todos os efeitos, cabendo, no entanto, acrescentar o seguinte:
1) – Não se percebe muito bem por que razão é trazida aqui o princípio dispositivo, já que o Autor alegou expressamente as matérias pertinentes neste ponto e formulou expressamente o respectivo pedido, e o Tribunal também exerceu o seu poder jurisdicional dentro do âmbito delimitado pelas partes.
2) – Como não foram invocados factos concretos nem circunstâncias concretas demonstrativos da violação do princípio em causa, nem trouxe algo novo neste recurso para analisar, pelo que, ficamos dispensados de tecer mais considerações nesta ordem.
Pelo expendido, é de ver que a decisão do Tribunal recorrida está bem fundamentada, não verificando deficiência ou contradição ao nível de fundamentação, tendo o Tribunal a quo feito uma correcta aplicação das normas aplicáveis e uma coerente subsunção de factos às mesmas, e tomado uma decisão justa que não merece censura.
Nestes termos, julga-se também improcedente o recurso interposto pela Ré nesta parte.
*
Em síntese conclusiva:
I - No âmbito do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, para além do pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo Recorrente em dia de descanso semanal, se a entidade patronal não pagou ao seu trabalhador outro qualquer acréscimo salarial, em violação ao disposto no artigo 17º citado, este deve ser compensado a esse título com o montante devido a título do dobro do salário e não só de apenas mais um montante em singelo.
II – O artigo 17° do DL n.º 24/89/M, de 3 de Abril, dispõe que “todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas (...)”, sendo o período de descanso motivado por razões de ordem física e psicológica, o trabalhador não pode prestar mais do que seis dias de trabalho consecutivos, devendo o dia de descanso ter lugar, no máximo, no sétimo dia, e não no oitavo, nono ou noutro dia do mês, salvo acordo das partes em sentido contrário, no que toca ao momento de descanso a título de “compensação”, mas o critério para este efeito é sempre o período de sete dias como uma unidade.
III – Na sequência dos factos alegados pelo Autor e depois de instruído o processo, o Tribunal a quo veio a fixar os factos assentes nos seguintes termos: (…) Entre 22/07/2003 a 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (YYY) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos, a que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (1.º); Entre 22/07/2003 a 31/12/2008, o Autor prestou 230 dias de trabalho efectivo junto da Ré no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo. (2.º); A Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo. (3.º); A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente ao trabalho prestado nos dias de descanso semanal em singelo, caso este tenha trabalhado em tal dia. (4.º) (…), e depois subsumiu estes factos ao artigo 17º do citado DL, conferindo-se ao trabalhador/Recorrido o direito de auferir a remuneração normal de trabalho com um acréscimo de um dia de remuneração de base, no caso em que o trabalhador prestasse serviços no dia em que devia gozar de descanso semanal, razão pela qual é de julgar improcedente este argumento aduzido pela Ré neste recurso.
*
Tudo visto e analisado, resta decidir.
*
V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em:
1) – Conceder provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, passando a decidir que a Ré/Recorrente/Recorrida seja condenada a pagar ao Autor/Recorrente a quantia de MOP$118,450.00 a título do dobro do salário (pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho), acrescida de juros moratórios até efectivo e integral pagamento.
2) – Negar provimento ao recurso interposto pela Ré.
*
Custas pela Recorrente/Ré.
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Registe e Notifique.
*
RAEM, 17 de Outubro de 2019.
(Relator) Fong Man Chong
(Primeiro Juiz-Adjunto) Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto) José Cândido de Pinho
1 Cf., neste preciso sentido, Acórdão do TUI de 27 de Fevereiro de 2008, onde, avaliando uma situação semelhante envolvendo a aqui Ré nos presentes autos, afirma: « ... tem razão a Ré ao dizer que o autor já recebeu o salário normal correspondente ao trabalho nesses dias de descanso, pelo que, agora, só tem direito a outro tanto, e não ao dobro, como se decidiu no Acórdão recorrido, que não explica, aliás, porque não levou em conta o salário já pago. E que está em causa o pagamento do trabalho em dia de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, mas o autor foi pago já em singelo.» Temos conhecimento do sentido adoptado a este respeito pelo Tribunal de Segunda Instância, nomeadamente, no Acórdão tirado nos autos de Processo 138/2011, com o qual, no entanto, sempre salvaguardando o seu douto entendimento, não concordamos.
2 Cremos, sempre salvaguardando opinião contrária, que a previsão constante do art. 43.°, n.º 2, 1) da Lei n.º 7/2008, de 18/8/2008, traduz uma clarificação muito relevante a este respeito, tornando mais clara ainda a orientação legislativa, no sentido de compensar o trabalhador pela prestação do trabalho em dia que seria de descanso com um dia (e não dois) de remuneração de base; não seria muito compreensível, num território que se aproxima paulatinamente de novos padrões normativos, que, nesta matéria, sinalizasse um retrocesso tão drástico relativamente ao diploma anterior.
3 Com pertinência também para este caso, a jurisprudência do Acórdão do Tribunal de Última Instância no processo n.º 69/2010 de 02/03/2011.
4 Cfr. Código do Trabalho Anotado, Almedina, Coord. Pedro Romano Martinez, 4.ª ed., 2005, pá. 372.
5 Cfr. “O Tempo de Trabalho: Comentário aos Artigos 197º a 236º do Código do Trabalho Revisto pela Lei N.º 23/2012, de 25 de Junho”, Coimbra Editora, 2012, pág.200 a 203.
6 Cfr. Lições de Direito de Trabalho (II Parte), Boletim da Faculdade de Direito da UM, nº 25, pág. 185 e seguintes.
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