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Processo nº 358/2016(*) Data: 10.10.2019
(Autos de recurso civil e laboral)

Assuntos : Compra e venda.
Simulação (do preço).
Escritura pública.
Prova plena.
Libre apreciação da prova.


SUMÁRIO

1. Os documentos autênticos – v.g., uma escritura pública – (apenas) fazem prova plena dos factos atestados com base em percepções do documentador – notário – ou dos que se passam na sua presença.

A força probatória (plena) dos documentos autênticos não exclui que as declarações neles documentadas, não sejam simuladas, feitas sob reserva mental, afectadas por vícios de consentimento, ou produzidas em circunstâncias que afectam a sua eficácia jurídica.

2. Assim, nada obsta a que se venha a provar que o “preço” constante de uma escritura pública de compra e venda não corresponda ao preço efectivamente pago.

3. O facto de provado não estar que o R. vendeu os prédios pelo seu “preço de mercado”, não impede o Tribunal de ponderar tais “valores” para efeitos de cálculo da “compensação” a atribuir ao A..

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 358/2016(*)
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em sede dos autos de acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário no T.J.B. registados com a referência CV3-11-0095-CAO, proferiu-se a sentença seguinte:

“I) RELATÓRIO
A, portador do BIRM n.º XXX, residente na XXX; e
B, assistente, casado, portador do BIRM n.º XXX, residente em Macau, na XXX, Taipa, vem intentar a presente

ACÇÃO ORDINÁRIA contra

C, casado com D, no regime de separação de bens, portador do BIRM n.º XXX, residente em Macau, na XXX;
D, Lda. (D有限公司), intereveniente, com sede na XXX, registada na Conservatória dos Regsitos Comercial e de Bens Móveis sob o n.ºXXX;
E, interveniente, portador do BIRM n.º XXX, residente na XXX.
*
Por petição inicial de de fls. 2 a 36, alegou, em síntese o seguinte:
O Autor que participou num investimento, na quota-parte de 30%, que tem por objecto a compra e a revenda dos quatros prédios com os n°s 4 e 6 e 16 do Beco da Balsa e o n°17 do Beco do Tarrafeito, conjuntamente com o 1° Réu e mais dois participantes.
Para o efeito, todos combinaram a encarregar ao 1ª Réu para celebrar os contratos para a aquisição dos prédios, responsável também pela administração dos imóveis após a aquisição, bem como tratar e diligenciar da sua sucessiva alienação.
Mais alegou que a sua quota-parte de 30% foi realizada, conjuntamente com o Mok Kuog Hong, em partes iguais.
Na sequência do acordo de investimento, foram adquiridos os prédios referidos pelo 1° Réu em nome próprio mas por conta de todos.
Após a aquisição quando for perguntado a situação dos prédios, o 1° Réu sempre dizia que aguardava a melhor oportunidade para a revenda dos prédios com vista a obter melhor lucro, visto que o mercado imobiliário estava em pleno acentuado crescimento.
Contudo, em final de 2010, veio a descobrir que o Réu havia alienado os prédios com os n°4 e 6 do Beco da Balsa à D, Limitada, em 10/05/2007, pelo preço de MOP$850.000,00 e, em 10/12/2010 ao E, os prédios com o n° 16 do Beco da Balsa e o n°17 do Beco do Tarrafeito, pelo preço de HKD$1,100,000.00.
Em 10/03/2007, os prédios n°4 e 6 do Beco da Balsa tinha um valor mínimo de mercado de HKD$3,200,000.00 e em 10/12/2010, os prédios n°16 e 17 do Beco do Tarrafeito tinham um valor mínimo de mercado de HKD$1,000,000.00, por cada.
Na verdade, os prédios tinha sido vendidos, pelo menos, pelo preço que efectivamente valia à data da sua alienação, e o Réu tinha recebido as quantias respeitantes a essas vendas.
O Réu intencionalmente declarou preços inferiores aos valores reais dos prédios em causa.
Com tudo isso, pretendeu o Autor A a condenação do Réu C a pagar ao Autor o montante global de MOP$1,556,005.68, correspondente a:
a) MOP$963,402.34, referente a 30% do valor dos imóveis sitos no Beco da Balsa n.ºs 4 e 6, depois operada a compensação com o valor entretanto liquidado pelo Réu;
b) MOP$592,602.84, referente a 30% do valor dos imóveis sitos no Beco da Balsa s/n e Beco do Tarrafeiro s/n, depois operada a compensação com o valor entretanto liquidado pelo Réu;
c) Juros de mora contabilizados à taxa legal de 9.75%, sobre as valores mencionados em a) e b), que se vierem a vencer desde 04 de Novembro de 2011 até efectivo e integral pagamento;
d) Custas, procuradoria condigna e demais encargos legais a suportar pelo Autor com a presente acção.
No mesmo acto, o Autor requereu ainda a intervenção do B como seu assistente.
***
Citado o 1º Réu, este apresentou a contestação com os fundamentos constantes de fls. 194 a 208, deduzindo a excepção da ineptidão da petição inicial e da aprovação tácita do Autor, para além da impugnação dos factos articulados pelo mesmo.
*
Replicando o Autor, por requerimento de fls. 215 a 239, pedindo a modificação da causa de pedir e do pedido, pretendendo, agora, a título principal, que :
a) Ser declarada a nulidade parcial, por simulação de preço, da compra e venda titulada pela escritura pública celebrada em 10 de Maio de 2007 referente aos imóveis sitos no Beco da Balsa n.ºs 4 e 6, declarando-se para os devidos efeitos como preço real do negócio o valor de HK$3,200,000.00; cumulativamente
b) Ser declarada a nulidade parcial, por simulação de preço, da compra e venda titulada pela escritura pública celebrada em 10 de Dezembro de 2010 referente aos imóveis sitos no Beco da Balsa s/n e Beco do Tarrafeiro s/n, declarando-se para os devidos efeitos como preço real do negócio o valor de HK$2,000,000.00; e consequentemente,
c) Serem os Réus C e D, Lda. condenados a pagar ao Autor o montante de MOP$963,402.34, acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal de 9.75%, que se vierem a vencer desde 4 de Novembro de 2011 até efectivo e integral pagamento, referente a 30% do valor real por que foram vendidos os imóveis sitos no Beco da Balsa n.ºs 4 e 6, depois operada a compensação com o valor entretanto liquidado pelo Réu; e
d) Serem os Réus C e E condenados a pagar o montante de MOP$592,602.84, acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal de 9.75%, que se vierem a vencer desde 4 de Novembro de 2011 até efectivo e integral pagamento, referente a 30% do valor dos imóveis sitos no Beco da Balsa s/n e Beco do Tarrafeiro s/n, depois operada a compensação com o valor entretanto liquidado pelo Réu;
Ou caso assim não se entenda, SUBSIDIARIAMENTE:
e) Ser o Réu C, por incumprimento do contrato de mandato, condenado a pagar ao Autor o montante global de MOP$1,556,005.68, correspondente a MOP$963,402.34, referente a 30% do valor dos imóveis sitos no Beco da Balsa n.ºs 4 e 6, depois operada a compensação com o valor entretanto liquidado pelo Réu; e MOP$592,602.84, referente a 30% do valor dos imóveis sitos no Beco da Balsa s/n e Beco do Tarrafeiro s/n, depois operada a compensação com o valor entretanto liquidado pelo Réu, quantias a que devem acrescer juros de mora contabilizados à taxa legal de 9.75% que se vierem a vencer desde 4 de Novembro de 2011 até efectivo e integral pagamento.
Requerendo, para o efeito, a intervenção da D, Limitada e do C na qualidade dos Réus.
*
Por requerimento de 11/06/2012 de fls. 246 e 247, foi requerido por B a sua intervenção como assistente do Autor.
*
Por despacho de 259 e v, foi admitida a alteração do pedido e da causa de pedir formulado pelo Autor, a intervenção espontânea do B, assim como a intervenção principal da D, Limitada e C em associação do 1° Réu.
*
Saneados os autos no saneador, foi julgada improcedente a excepção da ineptidão da petição inicial e, em seguida, foram seleccionados factos considerados assentes e os factos que se integram na base instrutória.
*
Posteriormente, foi realizado a audiência de discussão e de julgamento com intervenção do Tribunal Colectivo.
*
O Tribunal é competente em razão da matéria, hierarquia e internacionalmente e o processo é próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
***
II) FACTOS
Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
Da Matéria de Facto Assente:
- O prédio urbano sito em Macau, no Beco da Balsa n.º4, fica registado na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número 1210, a fls. 225v., do Livro B7, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 030928. (alínea A) dos factos assentes)
- O prédio urbano sito em Macau, no Beco da Balsa n.º6, fica registado na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número 2831, a fls. 79v., do Livro B14, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 030930. (alínea B) dos factos assentes)
- O prédio urbano sito em Macau, no Beco da Balsa s/n, então com o n.º 16, fica registado na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número 2833, a fls. 81v., do Livro B14, omisso na matriz. (alínea C) dos factos assentes)
- O prédio urbano sito em Macau, no Beco do Tarrafeiro, s/n, então com o n.º 17, fica registado na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número 12349, a fls. 62v., do Livro B33, omisso na matriz. (alínea D) dos factos assentes)
- O A. sabe que o Réu C se dedica há longos anos à actividade de investimento imobiliário. (alínea E) dos factos assentes)
- Os imóveis sitos nos números 4 e 6 do Beco da Balsa, foram então adquiridos em nome do Réu C no dia 24 de Julho de 1992, através da escritura pública de compra e venda celebrada no Cartório Notarial da Ilhas a fls. 78v a 80 do livro de notas para escrituras diversas número 91G. (alínea F) dos factos assentes)
- O preço global de venda declarado na referida escritura pública da mesma foi de MOP$600,000.00 (seiscentas mil patacas). (alínea G) dos factos assentes)
- No dia 10 de Maio de 2007, através de escritura pública de compra e venda celebrada no Cartório Notarial do Dr. F, o Réu C vendeu os imóveis sitos no Beco da Balsa n.ºs 4 e 6, à sociedade “D, Limitada". (alínea H) dos factos assentes)
- Os preços das vendas declarados, neste contrato foram os seguintes:
- Relativamente ao prédio com o número 4 do Beco da Balsa, o valor de MOP$420,000.00 (quatrocentos e vinte mil patacas);
- Relativamente ao n.º 6 do Beco da Balsa, o valor de MOP$430,000.00 (quatrocentos e trinta mil patacas). (alínea I) dos factos assentes)
- A escritura de compra e venda dos prédios sitos no Beco da Balsa nº 16 e Beco do Tarrafeiro n.º 17 foi celebrada no Cartório Notarial das Ilhas, no dia 11 de Dezembro de 1992. (alínea J) dos factos assentes)
- Tendo o vendedor e o Réu C declarado que os imóveis haviam sido vendidos por MOP$400,000.00 (quatrocentas mil patacas) cada, a que correspondeu o valor global de MOP$800,000.00 (oitocentas mil patacas). (alínea K) dos factos assentes)
- No dia 10 de Dezembro de 2010, através de escritura pública de compra e venda celebrada no Cartório Notarial do Dr. F, o Réu C vendeu a G os imóveis sitos no Beco da Balsa e Beco do Tarrafeiro, registado na C.R.P. de Macau, respectivamente, sob os números 2833 e 12349. (alínea L) dos factos assentes)
- Nos termos da referida escritura, as partes declararam que os imóveis foram vendidos pelo preço global de HKD$1,100,000.00 (um milhão e cem mil dólares de Hong Kong), a que correspondiam MOP$1,131,900.00, sendo que o preço declarado para cada um deles de MOP$565,950.00 (quinhentos e sessenta e cinco mil, novecentas e cinquenta patacas). (alínea M) dos factos assentes)

Da Base Instrutória:
- No início de 1992, o Réu C propôs ao Autor que participasse num investimento que tinha por objecto a compra, para revenda, dos quatro prédios referidos nos autos. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- Nos termos da proposta apresentada pelo Réu C ao Autor, este último assumiria uma participação de 30% no mencionado investimento. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
- O A. teria que custear 30% do preço de aquisição dos referidos imóveis, e 30% das despesas referentes à celebração dos contratos de compra e venda, tais como, despesas notariais, registrais e impostos, e a final, receberia 30% do produto da venda desses prédios. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- O A. acreditou e confiou que o investimento que lhe era proposto pelo Réu C se iria apresentar vantajoso. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- O R. C era um investidor imobiliário. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- O A. contactou o Senhor B, seu amigo de longa data, e perguntou-lhe se não estaria interessado em participar naquele investimento. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
- Sendo que ambos, em partes iguais, assumiriam a posição no investimento que tinha sido proposta pelo Réu C ao Autor. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- O Senhor B aceitou então participar no referido investimento, par do ora Autor, assumindo assim o pagamento de metade de qualquer valor que o Autor devesse efectuar, bem como metade de qualquer ganho que ao Autor coubesse, fruto daquele investimento. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- O Autor informou o Réu C que queria então participar no investimento que tinha por objecto os imóveis supra identificados, assumindo 30% dos encargos e dos lucros ao mesmo inerentes. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- No referido investimento participavam ainda o Réu, C, também com uma participação de 30%, H, também com 30%, e I com 10%. (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
- Os prédios sitos no Beco da Balsa n.ºs 4 e 6, melhor identificados nos presentes autos, seriam adquiridos em conjunto, pelo valor global de HKD$1,250,000.00 (um milhão e duzentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
- Bem como seriam conjuntamente adquiridos os prédios sitos no Beco da Balsa (então) n.º 16 e Beco do Tarrafeiro (então) n.º 17, melhor identificados nos presentes autos, pelo valor global de HKD$1,280,0000.00 (um milhão, duzentos e oitenta mil dólares de Hong Kong. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
- Assim, na sequência do acordado entres as partes, não obstante o Autor e os outros investidores co-participarem financeiramente na compra dos imóveis, foi o Réu C quem ficou encarregue e responsável de celebrar os contratos com vista à aquisição dos mesmos, em seu nome próprio, mas no interesse de todos os investidores. (resposta ao quesito 15º da base instrutória)
- Ficando estipulado que os imóveis seriam assim registados em nome do Réu C. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- Ficando este ainda incumbido de administrar os imóveis após a sua aquisição. (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
- Bem como de tratar e diligenciar, no interesse de todos os investidores, da sua sucessiva alienação lucrativa a terceiros. (resposta ao quesito 19º da base instrutória)
- Tudo sempre no interesse e comum benefício de todos quantos participavam no investimento, e em particular no interesse e em benefício do ora Autor. (resposta ao quesito 20º da base instrutória)
- O preço real pago pelos dois referidos imóveis sitos nos números 4 e 6 do Beco da Balsa, foi de HKD$1,250,000.00 (um milhão, duzentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 21º da base instrutória)
- O Autor entregou ao Réu C HKD$375,200.00 (trezentos e setenta e cinco mil e duzentos dólares de Hong Kong), para pagamento de 30% do preço dos dois referidos imóveis sitos nos n.ºs 4 e 6 do Beco da Balsa. (resposta ao quesito 22º da base instrutória)
- No dia 02 de Julho de 1992 o Autor entregou ao Réu C o cheque com o número 000105, no valor de HKD$165,200.00 (cento e sessenta e cinco mil e duzentos dólares de Hong Kong), sacado sobre a conta que é titular junto do Banco Weng Hang. (resposta ao quesito 23º da base instrutória)
- No dia 24 de Julho de 1992, o Autor entregou ao Réu C o cheque com o número 000109, no valor de HKD$210,000.00 (duzentos e dez mil dólares de Hong Kong), também sacado sobre a conta que é titular junto do Banco Weng Hang. (resposta ao quesito 24º da base instrutória)
- Ambos os cheques foram recebidos e descontados pelo Réu C. (resposta ao quesito 25º da base instrutória)
- Para além de 30% do preço dos imóveis, o Autor entregou ainda ao Réu C os seguintes montantes:
* Em 13/07/1992, o valor de MOP$16,160.00 (dezasseis mil, cento e sessenta patacas), através do cheque n.º 000013, sacado sobre o Banco Weng Hang, correspondente a 30% do imposto de sisa;
* Em 06/10/1992, o valor de MOP$6,184.00 (seis mil, cento e oitenta e quatro patacas), através do cheque n.º 000020, sacado sobre o Banco Weng Hang, relativos a 30% de honorários;
* Em 24/03/1993, o valor de MOP$5,742.20 (cinco mil, setecentas e quarenta e duas patacas e vinte avos), através do cheque n.º 000032, também sacado sobre o Banco Weng Hang, relativo também a 30% dos honorários. (resposta ao quesito 26º da base instrutória)
- Todos estes cheques foram recebidos e descontados pelo Réu C. (resposta ao quesito 27º da base instrutória)
- Em 29 de Maio de 1992, o Réu C celebrou, enquanto promitente-comprador, o contrato-promessa de compra e venda dos imóveis sitos nos então n.ºs 16 e 17 do Beco da Balsa e Beco do Tarrafeiro, respectivamente. (resposta ao quesito 28º da base instrutória)
- Onde, declarou que o preço de aquisição dos dois imóveis seria de HKD$1,250,000.00 (um milhão e duzentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 29º da base instrutória)
- Sendo que, HKD$350,000.00 (trezentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong) foram entregues pelo Réu C aos promitentes vendedores na data da assinatura do contrato-promessa. (resposta ao quesito 30º da base instrutória)
- Os restantes HKD$900,000.00 (novecentos mil dólares de Hong Kong) na data da celebração da escritura pública de compra e venda. (resposta ao quesito 31º da base instrutória)
- O preço efectivamente pago pelos referidos imóveis foi de HKD$1,280,000.00 (um milhão, duzentos e oitenta mil dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 32º da base instrutória)
- O Autor entregou ao Réu C o valor que lhe cabia pagar a quantia de HKD$105,000.00, que correspondem a 30% de HKD$350,000.00, através de dois cheques. (resposta ao quesito 33º da base instrutória)
- O primeiro cheque com o número 000099, no valor de HKD$90,000.00 (noventa mil dólares de Hong Kong), datado de 30 de Maio de 1992 e sacado sobre a conta que é titular o Autor junto do Banco Weng Hang. (resposta ao quesito 34º da base instrutória)
- E o segundo cheque, com o número 000107, no valor de HKD$15,000.00 (quinze mil dólares de Hong Kong), datado de 13 de Julho de 1992 e também sacado sobre a conta que é titular o Autor junto do Banco Weng Hang. (resposta ao quesito 35º da base instrutória)
- Ambos os cheques foram recebidos e descontados pelo Réu C. (resposta ao quesito 36º da base instrutória)
- Em 1 de Dezembro de 1992, o Autor entregou ao Réu C para pagamento de 30% do imposto devido pela transmissão do imóvel um cheque no valor de MOP$19,656.00 (dezanove mil, seiscentos e cinquenta e seis patacas). (resposta ao quesito 37º da base instrutória)
- No dia 10 de Dezembro de 1992, o Autor entregou ao Réu C o remanescente do preço que lhe cabia na aquisição dos referidos imóveis, ou seja, HKD$279,000.00 (duzentos e setenta e nove mil dólares de Hong Kong), que correspondem a 30% de HKD$930,000.00. (resposta ao quesito 38º da base instrutória)
- O que fez através do cheque n.º 000132, daquela mesma data, sacado sobre o Banco Weng Hang. (resposta ao quesito 39º da base instrutória)
- Todos os cheques supra mencionados foram recebidos e descontados pelo Réu C. (resposta ao quesito 40º da base instrutória)
- Os imóveis sitos no Beco da Balsa n.º 4 e 6, à data da sua venda à sociedade “D, Limitada”, ou seja, 10 de Maio de 2007, tinham um valor mínimo de mercado de HKD$3,200,000.00 (três milhões e duzentos mil dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 41º da base instrutória)
- O valor de mercado do prédio sito no Beco da Balsa s/n (antigo n.º 16) em 10 de Dezembro de 2010, data da sua venda a E, era, pelo menos, de HKD$1,000,000.00 (um milhão de dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 42º da base instrutória)
- Sendo que o prédio sito no Beco do Tarraferio s/n (antigo n.º 17), com referência à mesma data, foi também avaliado no valor da pelo menos HKD$1,000,000.00 (um milhão de dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 43º da base instrutória)
- O Réu C na revenda dos imóveis mentiu sobre o valor real dos mesmos, tudo isto, com o intuito de se enriquecer prejudicando o Autor e os demais investidores. (resposta ao quesito 44º da base instrutória)
- Os compradores acederam em declarar nas escrituras de compra e venda um preço inferior ao preço que adquiriram os imóveis. (resposta ao quesito 44º-A da base instrutória)
- Com intenção de suportar um menor encargo a título de impostos, designadamente imposto de selo. (resposta ao quesito 44º-C da base instrutória)
- Durante todo o tempo que mediou entre a aquisição dos imóveis em 1992 e a sua alienação feita em 2007 e 2010, nos termos inicialmente acordados entre todos os intervenientes naquele investimento, o Réu C, depois de adquirir em nome próprio os imóveis, foi sempre quem os administrou. (resposta ao quesito 45º da base instrutória)
- Ao longo de todos estes anos, o Autor por diversas vezes perguntou ao Réu C como estava a situação dos prédios. (resposta ao quesito 46º da base instrutória)
- Se havia compradores interessados ou boas oportunidade de negócio. (resposta ao quesito 47º da base instrutória)
- O Réu C sempre disse ao Autor que a oportunidade certa ainda não tinha surgido, e que continuava a aguardar pelo melhor momento para fazer lucro com a venda dos prédios visto que o mercado imobiliário de Macau estava em pleno acentuado crescimento e que a liberalização do jogo criava grande e crescente expectativas de elevados lucros. (resposta ao quesito 48º da base instrutória)
- O Autor sempre confiou pois que o Réu C administrava os imóveis da melhor forma possível e que conforme acordado, só quando realmente encontrasse uma oportunidade vantajosa e lucrativa os iria alienar. (resposta ao quesito 50º da base instrutória)
- Também o Réu C tinha todo o interesse em obter lucros com a venda dos imóveis. (resposta ao quesito 51º da base instrutória)
- O Autor sempre confiou e aguardou que o Réu C, assim que conseguisse celebrar negócios vantajosos sobre os imóveis, o procurasse a fim de repartir os lucros que lograsse obter. (resposta ao quesito 52º da base instrutória)
- No final do ano de 2010, pressionado pelo seu amigo B, o Autor procurou saber uma vez mais como estava a situação dos prédios sub judice. (resposta ao quesito 53º da base instrutória)
- E veio então, para sua grande surpresa e desapontamento, a descobrir que o Réu C já os havia alienada nas datas supra melhor identificadas. (resposta ao quesito 54º da base instrutória)
- Sem que disso tivesse dado qualquer conhecimento ao Autor. (resposta ao quesito 55º da base instrutória)
- Altura em que, não tendo logrado contactar o Réu C pessoalmente. (resposta ao quesito 56º da base instrutória)
- Solicitou aos seus advogados que escrevessem uma carta ao Réu C, pedindo-lhe que prestasse contas relativas à alienação dos imóveis a fim de se apurar o saldo do investimento. (resposta ao quesito 57º da base instrutória)
- A esta carta dos seus advogados, veio o Réu C, através da sua mandatária, por carta datada de 16 de Março de 2011, responder ao Autor. (resposta ao quesito 58º da base instrutória)
- Nos termos desta carta o Réu C reconhece efectivamente que o Autor assumiu uma participação de 30% das despesas e lucros realizados com a transacção dos imóveis sub judice : “No seguimento do Acordo de Investimento celebrado com o V. Cliente, este tem o direito de participar em 30% (trinta por cento) das despesas e dos lucros realizados com a transacção dos imóveis acima mencionados”. (resposta ao quesito 59º da base instrutória)
- Assim como reconhece que está obrigado a prestar as contas que lhe foram solicitadas: “Assim, vem por este meio prestar contas relativas aos proveitos e despesas efectuadas com os referido móveis, de acordo com o seguinte:”. (resposta ao quesito 60º da base instrutória)
- Passando de seguida, na mencionada carta, a especificar os valores pelos quais alegadamente, vendeu os imóveis, num total de MOP$1,981,900.00 (um milhão, novecentas e oitenta e uma mil, e novecentas patacas), o valor das despesas que alegadamente efectuou quer a título de pagamento de contribuições prediais, quer com obras de melhoramento, num total de MOP$188,507.00 (cento e oitenta e oito mil, quinhentas e sete patacas). (resposta ao quesito 61º da base instrutória)
- E apenas juntou um cheque, datado de 14 de Março de 2011, no valor de MOP$538,017.90 (quinhentas e trinta e oito mil e dezassete patacas e noventa avos), alegadamente “correspondente ao saldo da quota de participação do V. Cliente”. (resposta ao quesito 62º da base instrutória)
- A mencionada carta termina com a afirmação de que o Réu C “Considera, assim, (…), que todas as obrigações decorrentes do mencionado acordo de investimento se encontram cumpridas, nada mais sendo devido. (resposta ao quesito 63º da base instrutória)
- Por carta datada de 22 de Março de 2011, respondeu o Autor ao Réu C. (resposta ao quesito 64º da base instrutória)
- O Autor informou assim o Réu C que não foram juntos nenhuns documentos à sua carta. (resposta ao quesito 65º da base instrutória)
- Que não se conformava com as contas prestadas, requerendo que os valores das transmissões do imóveis fossem comprovados através de outro documentos que não as escrituras públicas de compra e venda, e que aceitava, sob reserva, e como princípio de pagamento dos valores a que terá direito após melhor comprovação do saldo apurado no âmbito do investimento, o cheque no valor de MOP$538,017.90. (resposta ao quesito 66º da base instrutória)
- O Autor não obteve qualquer resposta do Réu C a esta sua última carta. (resposta ao quesito 67º da base instrutória)
***
III) FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
Considerando as posições tomadas pelas partes, para conhecimento do litígio posto nos autos importa resolver as seguintes questões relevantes:
- Relações jurídicas estabelecidas entre o Autor e o 1° Réu
- Simulação
- Responsabilidade dos Réus
- Montantes de indemnização

Relações jurídicas estabelecidas entre o Autor e o 1° Réu
Alegou o Autor que participou num investimento, na quota-parte de 30%, que tem por objecto a compra e a revenda dos quatros prédios com os n°s 4 e 6 e 16 do Beco da Balsa e o n°17 do Beco do Tarrafeito, conjuntamente com o 1° Réu e mais dois participantes. Para o efeito, todos combinaram a encarregar ao 1ª Réu para celebrar os contratos para a aquisição dos prédios, responsável também pela administração dos imóveis após a aquisição, bem como tratar e diligenciar da sua sucessiva alienação. Entendeu o Autor que entre o Autor e o 1° Réu havia estabelecido um contrato de mandato.
Defende o 1° Réu que o acordo de investimento havido entre o Autor e outros investidores, incluindo o 1° Réu, deve ser qualificado como contrato de associação em participação, por que o próprio Réu ter um interesse pessoal nos actos jurídicos que participava.
Vejamos.
Diz o art°1083° do C.C. que “Mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra.”
Flui desse preceito que são elementos essenciais do contrato de mandato a prática dos actos jurídicos por uma parte, designada por mandatário à outra parte, mandante e a actuação do mandatário por conta do mandante.
O mandato pode ser feito com representação ou sem representação, consoante de o mandatário agir em nome do mandante ou agir em nome próprio, de acordo com o disposto do art°1104° e 1106° do C.C..
O contrato de associação em participação está definido no n°1 do art°551° do Código Comercial, “O contrato de associação em participação é aquele pelo qual uma pessoa é associada a uma empresa comercial exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda.” Segundo o disposto do n° 2 do mesmo artigo, constitui elemento essencial do contrato a participação nos lucros.
Debruçamos então ao presente caso qual foi a relação jurídica estabelecida entre os participantes.
Conforme os factos tidos por assentes, em 1992, por iniciativa do 1° Réu, foi proposto ao Autor a participar num investimento que tinha por objecto a compra, para revenda, dos quatros prédios sitos no Beco da Balsa, com os n°4, 6 e 16 e no Beco do Tarrafeito n°17, nos termos do qual o Autor teria que assumir 30% do preço da aquisição dos referidos prédios e 30% das despesas referentes à celebração dos contratos de compra e venda, tais como, despesas notariais, registrais e imposto e a final, receberia 30% do produto da venda desse prédios. O Autor convidou ao assistente a participar no investimento proposto pelo 1° Réu, tendo este aceite em participação, assumindo o pagamento da metade do valor que o Autor devesse efectuar e recebendo metade de ganho que ao Autor coubesse. Assim, o Autor informou ao 1° Réu em aceitar na participação no investimento em causa, assumindo 30% dos encargos e dos lucros ao mesmo inerentes.
Portanto, entre o Autor e o 1° Réu e demais outros, foi celebrado um contrato em que os 4 participantes cooperaram no investimento dos prédios acima referidos, sendo a quota-parte assumida pelo Autor em 30%.
O conteúdo essencial do acordo celebrado entre o Autor, o 1° Réu e os restantes investidores reside na participação no investimento nos prédios determinados e a fixação da quota-parte que cada um dos investidores participa. Essa participação incide no pagamento do valor na medida da sua quota-parte do preço e das despesas realizadas e, em contrapartida, obter, na mesma quota-parte, os lucros daí resultados.
Existe, efectivamente, um acordo de participação. Mas esse acordo de participação não é um contrato de participação em associação a que se refere no normativo do Código Comercial acima transcrito.
Para que exista um contrato de participação em associação, é necessário estabelecer uma associação entre um indivíduo e uma empresa comercial, pois o que aquele participou não é qualquer tipo de investimento mas apenas na exploração duma empresa comercial, daí que nascerá para o participante o direito de partilhar nos lucros provenientes do exercício da empresa.
Ora, no nosso caso, conforme os factos assentes, o Autor participou num plano de cooperação e investimento respeitante aos 4 prédios determinados proposto por iniciativa do 1° Réu, essa participação não se conexa com qualquer empresa comercial titulada ou explorada por mesmo Réu.
Logo, não podemos qualificar o acordo em causa como contrato de participação em associação.
O que existe é e apenas um acordo de participação ou cooperação num investimento concreto, trata-se de contrato inominado celebrado por livre vontade das partes, no âmbito do princípio da liberdade contratual.
Mas não só isso. Para a execução de tal acordo de participação ou cooperação, foi estabelecido ainda outra relação jurídica.
Pois, ficaram provados que na sequência do acordado entre as partes, foi o Réu C quem ficou encarregado e responsável de celebrar os contratos com vista à aquisição dos mesmos, em seu nome próprio, mas no interesse de todos os investidores, ficando estipulado que os imóveis seriam assim registados em nome do 1° Réu, bem como incumbiu a este a tratar e diligenciar, no interesse de todos os investidores, da sua sucessiva lucrativa a terceiros.
De acordo com esses factos, houve mais um acordo entre o 1° Réu e os investidores, incluindo o Autor, em que aquele foi encarregado pela aquisição em nome próprio dos quatros prédios, bem como a posterior venda a terceiro.
Portanto, apesar de ser investimento colegial, o l° Réu ficou obrigado a celebrar contrato de compra e venda com vista à aquisição dos prédios bem como a revendê-los a terceiros, por um lado, e por outro lado, a prática desses actos pelo 1° Réu é feita em nome dele mas no interesse de todos os investidores.
Desse factos referidos aponta que existe entre o 1° Réu e cada um dos restantes investidores um contrato de mandato em que o 1° Réu assume a posição da mandatário e os restantes investidores, incluindo o Autor, a de mandante, no que respeitante à aquisição e à alienação da quota-parte de cada um, com a verificação dos dois elementos característicos desse instituto.
Trata-se de mandato sem representação, visto que ficou assente que o 1° Réu e o Autor acordaram que aquele praticou os actos de aquisição e de alienação em nome próprio.
No que diz respeito à forma do mandato, diferente da procuração, o contrato de mandato é contrato consensual, pelo que não se exige forma especial para a sua celebração.

Clarificado está que entre o Autor e o 1° Réu existe uma relação de mandato, cumpra analisar qual é a obrigação do 1° Réu na qualidade de mandatário perante o Autor como mandante pelos actos jurídicos praticados por conta deste último.
Estipula-se o art°1087° do C.C.:
“O mandatário é obrigado:
a) A praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante;
b) A prestar as informações que este lhe peça, relativas ao estado da gestão;
c) A comunicar ao mandante, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por que assim procedeu;
d) A prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir;
e) A entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste, se o não despendeu normalmente no cumprimento do contrato.”
Como obrigação principal, o mandatário tem que executar o mandato, praticando os actos jurídicos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante.
O 1° Réu foi incumbido a celebrar contratos de compra de venda para aquisição dos quatros prédios acima iludidos bem como a revender os mesmos prédios a terceiro.
Conforme a factualidade apurada, os prédios com os n°4 e 6do Beco da Balsa foram adquiridos pelo 1° Réu em seu nome próprio, através da escritura pública e foram alienados à 2ª Ré por escritura pública de 10 de Maio de 2007.
Enquanto os prédios com os n°16 do Beco da Balsa e n°17 do Beco do Tarrafeiro foram adquiridos por mesmo Réu por escritura pública de 11 de Dezembro de 1992 e alienados ao 3° Réu por escritura de 10 de Dezembro de 2010.
No caso em apreço, com o acto de aquisição e da posterior alienação, o 1° Réu cumpriu essa obrigação essencial.

Como obrigação correlativa à obrigação antecede, o mandante é obrigado, ainda, a entregar o que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste. Aí a divergência essencial entre as partes.
Segundo o Autor, depois de tomar conhecimento da revenda dos préidos adquiridos pelo 1° Réu por conta de todos os investidores e sob várias solicitações, este chegou a entregar um cheque com o valor de MOP$538,017.90, declarando ser esse o lucro obtido da revenda dos prédios, depois de ter descontado as despesas realizadas. Entendeu, porém, o Autor que os prédios referidos foram vendidos por preço aquém do preço do mercado, alegando que houve simulação de preço nas duas alienações, pretendendo que se declara o valor das vendas ser de HKD$3,200,000.00 e de HKD$2,000,000.00 e que o 1° Réu seja condenado a pagar a quota-parte correspondente à diferença do preço declarado e do preço real, e subsidiariamente, invoca o Autor que o 1° Réu vendeu os prédios contra as suas instruções, pretendendo que o mesmo seja condenado a entregar a diferença do valor.
Excepcionou o 1° Réu que apresentou a conta ao Autor, esse não manifestou a discordância, assim, houve aprovação tácita da execução do mandato.
Para determinar se o 1° Réu tem a obrigação de entregar mais quantia ao Autor, importa resolver, primordialmente, a questão de simulação invocada pelo Autor, a sua verificação prejudicará a apreciação da questão do excesso da execução do mandato e da consequente excepção da aprovação tácita da execução.

Simulação
A título principal, pretende o Autor que se vêem declaradas parcialmente nulas, por simulação de preço, as escrituras públicas celebradas em 10 de Maio de 2007 entre o 1° Réu e 2ª Ré, e em 10 de Dezembro de 2010 entre o 1° Réu e 3° Réu e consequentemente, declarando para os devidos efeitos como preço real do primeiro negócio o valor de HK$3,200,000,00 e do segundo o valor de HK$2,000,000.00
Preceitua-se, quanto ao conceito de simulação, o art°232° do C.C.:
“1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
2. O negócio simulado é nulo.”
Dispõe-se os n°1 e 2° do art°233° do C.C. que
“1. Quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado.
2. Se, porém, o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei.”
“A simulação é uma divergência bilateral entre a vontade e a declaração, que é pactuada entre as partes com a intenção de enganar terceiro. Na simulação as partes acordam entre si emitir uma declaração negocial que não corresponde à sua vontade real e fazem-no com o intuito de enganar terceiros.”
Na simulação é de crucial importância o pacto simulatório. Trata-se de um acordo, de um pacto, que tem como conteúdo a estipulação entre as partes da criação de uma aparência negocial, da exteriorização de um negócio falso, e a regulação do relacionamento entre o negócio aparente assim exteriorizado e o negócio real. A esta aparência negocial assim criada pode corresponder um negócio verdadeiro que as partes mantêm oculto ou pode também não corresponde qualquer negócio. Quando, sob a aparência criada com a simulação existir um negócio oculto, fala-se de simulação relativa; quando sob o negócio aparente nenhum negócio verdadeiro existir, fala-se de simulação absoluta. (cfr. Pedro Pais de Vasconcelos que in Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 4ª Edição, pg.682)
Sintetizando os requisitos da simulação elencando-os: a divergência entre vontade declarada e a vontade real, o acordo simulatório; e o intuito de enganar (“animus decipendi”) ou de prejudicar (“animus nocendi”) o terceiro.
Nos termos do art°335°, “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.”
Portanto, cabe ao Autor provar que há, efectivamente, pacto simulatório das partes, a divergência entre a vontade declarada e vontade real bem com o requisito de intuito de enganar a terceiro.
Sobre a questão da validade formal do acto dissimulado, tem surgido divisão doutrinal, há posição que defende que a publicidade emerge da forma sobrevale à validade e outra contrária no sentido prevalecer a validade sobre a publicidade, existe ainda uma posição intermédia, em que defende que a validade formal do negócio dissimulado dependa da parte oculta do negócio não estava abrangida pela razão determinante da forma.1
Para esse autor, é preferível a solução de considerar válido o negócio real, desde que a forma que a lei exige para a sua validade tenha sido observado no negócio aparente (simulado) independentemente da parte do negócio que tenha sido oculta e do regime formal que, em si mesma, justificaria e da razão de ser da exigência legal de forma.
Essa é, também, posição maioritária adoptada na jurisprudência, “o negócio dissimulado é considerado formalmente válido, desde que a forma que a lei exige para a sua validade tenha sido observada no negócio aparente” 2
Feitas as considerações sobre o instituto de simulação, regressamos ao caso em apreço para saber se se verificam os requisitos legais.
No caso, está assente que na escritura pública de 10 de Maio de 2007 celebrada entre o réu C e E. Limitada, foram declarados os preços da venda do n°4 do Beco da Balsa, com o valor de MOP$420,000.00 e do n°6 do Beco da Balsa, com o valor de MOP$430,000.00. Mais vem provado que esses imóveis tinham um valor mínimo de mercado de HKD3,200,000.00,
Assim como na escritura pública de 10 de Dezembro de 2010, o Réu C vendeu ao Réu E os imóveis do n°16 no Beco da Balsa e do n°17 do Beco do Tarrafeiro, pelo preço global de HKD$1,100,000.00. Mais se provou que, à data da escritura pública, o valor de mercado do prédio n°16 do Beco da Balsa era, pelo menos, HKD$1,000,000.00 e do prédio n°17 do Beco da Tarrafeiro era, pelo menos, de HKD$1,000,000.00.
Desses factos se permite extrair que existe uma discrepância enorme entre os valores declarados pelas partes nas respectivas escrituras públicas e os valores do mercado.
Na verdade, no mundo dos negócios jurídicos em que se vigora o princípio de liberdade contratual, as partes são livres na estipulação das condições essenciais dos negócios. Daí que a divergência do valor declarado pelas partes e do valor do mercado não implica necessariamente o que foi declarado pelos contraentes não se correspondia à realidade. Pois o resultado final da negociação poderá variar segundo os factos exógenos e concretos. Entretanto, não perdemos de vista que a procura do maior lucro é o princípio fundamental com base no qual é construído o sistema económica em que nos vivemos. De facto, poderá acontecer casos em que o negócio jurídico saiu mais beneficiado para uma das partes. Contudo, segundo a experiência da vida e a normalidade das coisas, a diferença não poderia ir dupla até quádruplo vezes, pois mesmo uma pessoa menos diligente atenderá o valor de mercado como referência, nem se diga que o 1° Réu seja pessoa com experiência que se dedica à actividade de investimento imobiliário há anos. Portanto, qualquer desvio à essa regra fundamental devia ser acompanhado com algum motivo.
No caso sub judice, qual é a razão das vendas em causa terem sido realizadas por um preço tão inferior ao valor do mercado. Conformes os factos assentes, o Réu C na revenda dos imóveis mentiu o valor real dos mesmos, com o intuito de se enriquecer prejudicando o Autor e os demais investidores, isto é em relação ao vendedor. Quanto aos compradores, vem comprovado que os compradores acederam em declarar nas escrituras públicas um preço inferior ao preço que adquiram os imóveis com intenção de suportar um menor encargo a título de impostos, designadamente imposto de selo.
Portanto, a declaração do valor mais baixo do valor do mercado não é por qualquer factor releveante que justifica, mas sim, por as partes assim o quererem com vista a prejudicar os outros investidores no que respeitante ao vendedor, (animus nocendi), e a obter benefício de suportar menos imposto (por parte dos compradores), através de enganar à entidade encarregada da cobrança do imposto (animus decipendi).
Daí se podemos extrair que existe não só a divergência entre os preços declarado nas respectivas escrituras públicas e os preços reais, (divergência da vontade declarada e da vontade real), assim como o acordo simulatório, pois só por acertamento de ambas as partes é que permite satisfazer as intenções de ambas as partes.
Verificados os requisitos essenciais da simulação, os negócios jurídicos exarados nas respectivas escrituras púbicas enfermem de vícios de vontade.
A consequência jurídica da simulação é a nulidade dos negócios jurídicos ao abrigo do disposto do art°232° do C.C.
Entretanto, no caso de simulação relativa, a nossa lei permite manter a validade do negócio dissimulado, não sendo prejudicado pelo negócio simulado, no termos do art°233° do C.C..
Como se refere supra, é a simulação relativa quando por aparência do negócio simulado existe outro negócio verdadeiro que as partes realmente queriam celebrar e pretendem manter oculto.
É justamente o presente caso. Nas duas escrituras públicas celebradas entre o 1° Réu e o 2° Réu e entre o 1° Réu e 3° Réu, por atrás da compra e venda dos respectivos prédios aí aludidos, pelo preço total de somente MOP$850,000.00 e HKD$1,100,000.00, existem outros negócios jurídicos também de compra e venda mas por preços muito mais superiores.
Assim, a invalidade dos negócios simulados não deverá afectar a validade desses negócios dissimulados, desde que seja observada a forma exigida para esses actos.
Nesse caso concreto, tanto os negócios simulados como os dissimulados são compra e venda, os negócios simulados foram outorgados por escritura pública, logo, mostra-se também satisfeita a forma exigida por lei para os negócios dissimulados.
Embora não saibamos o valor exactamente acordado e pago pelos compradores ao vendedor, não deverá constituir obstáculo para validar os negócios dissimulados, pois, conforme os factos assentes, ficam provados os valores mínimos do mercado à altura dos negócios em causa, assim, tem-se por bem a fixação desses valores mínimos como preços dos negócios de compra e venda dissimulados.
Nestes termos, os pedidos do Autor quanto à nulidade parcial das escrituras públicas referidos nas alíneas a) e b) da réplica devem ser julgados procedentes.

Aí chegado, é momento para abordar o problema de saber se o 1° Réu tem obrigação de pagar mais valor ao Autor.
Como se menciona acima, nas escrituras pública de compra e venda, o 1° Réu, 2° e 3ª Réu declararam valores da venda dos prédios que eram inferiores aos valores realmente acordados. Significa o que o comprador efectivamente recebeu e os vendedores pagaram não eram os valores aí declarados. Assim, para determinar o montante a que o 1° Réu, ora mandatário, deverá entregar ao Autor, seu mandante, não deveria basear nos valores declarados nos actos simulados mas os valores dos actos dissimulados.
Tem-se entendido que o valor mínimo do mercado da altura dos bens, é o valor mínimo que as partes chegaram o acordo nos actos de compra e venda dissimulados. Pelo que, o montante a ser repartido pelo 1° Réu com o Autor deverá ser calculado com base nesse valor, isto é, de HKD3,200,000.00 e de HKD$2,000,000.00.

A responsabilidade pela indemnização
Outro o problema é quem tem responsabilidade pela indemnização, apenas o 1° Réu ou este, em solidariedade com o 2° ou 3° Réu.
Em relação ao 1° Réu, conforme o que se refere supra, tanto segundo o acordo de cooperação como o contrato de mandato celebrado entre o Autor e o 1° Réu, este ficará obrigado a entregar a quota-parte do valor obtido com a venda dos quatro prédios.
O Autor, como pedido principal, pretende que os 2° e 3° Réus sejam também condenados, em solidariedade com o 1° Réu, no pagamento da respectiva indemnização.
Na óptica do Autor, a responsabilidade solidária tanto da 2° Réu como do 3° Réus, compradores dos prédios em causa alicerça-se em estes colaborarem com o 1° Réu em o enganar, mas, o autor não logrou provar esse facto.
Ora, provado está somente que os 2° e 3° Réu assim fizeram com intenção de suportar menor imposto, e não tendo sido alegado nem provado que não houveram pagamentos do preço da venda pelos respectivos compradores, carece de qualquer fundamental legal para imputar a responsabilidade a estes dois Réus.
Portanto, o pedido de indemnização deverá proceder apenas em relação ao 1° Réu.

Montante de indemnização
Resta, agora, o apuramento do quantum da indemnização que caberá ao 1° Réu a pagar ao Autor, tomando em conta o pagamento parcial feito por aquele no montante de MOP$538,019.90.
Os prédios com os n°4 e 6 do Beco da Balsa terão sido vendidos, pelo menos, no valor de HKD$3,200,000.00, sendo 30% correspondentes a HKD$960,000.00, equivalente a MOP$988,800.00.
Os prédios com os n°16 do Beco da Balsa e n°17 do Beco do Tarrafeito terão sido vendidos, pelo menos, no valor de HKD$2,000,000.00, sendo 30% correspondentes a HKD$600,000.00, equivalente a MOP$618,000.00.
É esses valores é que o 1° Réu deverá entregar ao Autor, como quantia resultante da execução do mandato.
Para além disso, exige o Autor ser indemnizado dos juros legais dessa quantia.
A esse propósito, dispõe-se o art°1090° do C.C., que “O mandatário deve pagar ao mandante os juros legais correspondentes às quantias que recebeu dele ou por conta dele, a partir do momento em que devia entregar-lhes ou remeter-lhas, ou aplica-las segundo as suas instruções.”
De acordo com esse preceito, o 1° Réu, na qualidade de mandatário, para além do valor na venda dos prédios que recebeu por conta do Autor, deverá ainda pagar a este os juros legais contados a partir do momento da venda.
Conforme os factos assentes, o 1° Réu entregou ao Autor, um cheque no valor de MOP$538,017.90, em dia 22 de Março de 2011, valor esse já com o desconto dos encargos despendidos na execução do mandato.
Com a conta acima referida, é óbvio que o pagamento feito pelo 1° Réu é parcial, nem chegou para liquidar a totalidade do capital em falta mais os respectivos juros devidos, importa apurar o quantum da indemnização que ainda faltou ao 1° Réu a entregar ao Autor.
Preceitua-se o art°774° do C.C. que, “1. Quando, além do capital, o devedor estiver obrigado a pagar despesas ou juros, ou a indemnizar o credor em consequência da mora, a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital. 2. A imputação no capital só pode fazer-se em último lugar, salvo se o credor concordar em que se faça antes.”
De acordo com esse preceito, o pagamento feito pelo 1° Réu deverá ser descontado em primeiro lugar nos juros devidos, só depois, é que poderá imputar no capital.
Assim, os juros legais sobre o produto das vendas desde os respectivos dias de venda até ao dia 22/03/2011 são seguintes:
Capital
Período
Taxa
Dias
Juros
$988,800.00
11/05/2007
22/03/2011
9.75%
1412
$372,953.69
$618,000.00
11/12/2010
22/03/2011
9.75%
102
$16,838.38





$389,792.07
Assim, o valor de MOP$538,017.90 é abatido, em primeiro lugar, ao valor dos juros vencidos até 22/03/2011. Então, MOP$538,017.90- MOP$389,792.07= MOP$148,225.83.
O remanescente de MOP$148,225.83 deverá ser abatido no capital em dívida de MOP$988.800,00, sendo essa mais antiga, de acordo com o disposto do n°1 do art°773° do C.C., pelo que ficará por pagar ainda o montante de MOP$840,574.17, (MOP$988.800,00- MOP$148,225.83.)
Somando os dois capitais em dívida, ficará o 1° Réu por pagar, na totalidade, MOP$1,458,574.17, à data de 22/03/2011.
Os juros devidos desde o dia 23/03/2011 até 04/11/11, data da entrada da acção é: MOP$1,458,574.17 x 9.75% x 227 (dias) = MOP$88,443.54.
Nestes termos, deverá o 1° Réu ser condenado no pagamento de MOP$1,547,017.71, acrescendo ainda os juros legais a contar desde o dia 05/11/2011 sobre o capital em dívida de MOP$1,458,574.17.
Tudo visto, resta decidir.
***
IV) DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga parcialmente procedente a acção e, em consequência, decide:
 - Declara-se parcialmente nula a escritura pública celebrada em 10 de Maio de 2007 que tem por objecto os prédios sitos no Beco da Balsa, n°s 4 e 6, na parte respeitante ao preço, declarando-se como preço real do negócio o valor mínimo de HKD$3,200,000.00;
 - Declara-se parcialmente nula a escritura pública celebrada em 10 de Dezembro de 2010 que tem por objecto os prédios sitos no Beco da Balsa, s/n, então com o n° 16 e no Beco do Tarrafeiro s/n, então com o n°17, na parte respeitante ao preço, declarando-se como preço real do negócio o valor mínimo de HKD$2,000,000.00
 - Condena-se o 1° Réu C, a pagar ao Autor A, o montante de MOP$1,547,014.71 (um milhão quinhentas e quarenta e sete mil catorze patacas setenta e um avos), ao qual acrescenta os juros legais sobre o montante em MOP$1,458,574.17 (um milhão quatrocentas e cinquenta oito quinhenta e setenta e quatro patacas dezassete avos) a contar desde o dia 05/11/2011 até efectivo e integral pagamento.
 - Absolvem dos Réus D, Limitada e E dos pedidos formulados pelo Autor.
*
Custas pelas partes na proporção do seu decaimento.
*
Registe e Notifique.
(…)”; (cfr., fls. 478 a 495 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado com o assim decidido, o R. C recorreu.

Alegou para, a final, produzir as conclusões seguintes:

“A) Não pode o douto Tribunal a quo estribar a decisão recorrida no princípio da livre convicção, uma vez que tal convicção terá de suportar-se na prova documental ou testemunhal produzida nos autos;
B) A prova documental está revestida de força probatória plena, como resulta do respectivo regime legal substantivo, a qual só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto (art.° 340.° do Código Civil), o que não ocorreu;
C) A livre convicção do tribunal não pode, por si só, sobrepor-se ao valor da prova plena, uma vez que nenhum meio probatório produzido nos autos teve a virtude de abrogar o valor probatório das escrituras notariais (vide art.° 365.° do Código Civil), que titulam os negócios em questão;
D) Pois, a força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade (art.° 366.°, n.° 1 do Código Civil), –– alegação e prova que não ocorreu nos presentes autos;
E) Portanto, o julgador não está autorizado a destruir a força probatória do documento com força probatória plena por via da sua livre apreciação, ao invés do que sucede com a prova pericial, por inspecção e testemunhal, casos em que o tribunal fixa livremente o seu valor probatório (artigos 383.° e 385.° do Código Civil);
F) A livre convicção do Tribunal não serve, em caso algum, para substituir a (inexistência de) prova nem para invalidar as regras do ónus da prova (art.° 335.° do Código Civil), ou impor a sua inversão;
G) Nenhuma testemunha depôs fosse o que fosse no sentido da existência de simulação –– e, a tê-lo feito, tal sempre seria de valor nulo em face da proibição constante do art.° 388.° do Código Civil;
H) Na verdade, nenhuma das testemunhas demonstrou deter um conhecimento directo ou indirecto sobre tal alegada circunstância, pelo que (ainda que não existisse a proibição do art.° 388.° do Código Civil) nunca o tribunal poderia sustentar a sua livre convicção nos depoimentos produzidos, no sentido da verificação da aludida simulação, por inexistência de matéria factual idónea naqueles depoimentos;
I) Constata-se, portanto, que todo o raciocínio produzido na douta sentença recorrida resulta de conjecturas (presunções judiciais), assentes no facto de os valores de mercado dos imóveis serem alegadamente superiores aos valores pelos quais foram alienados;
J) Todavia, está o tribunal impedido de socorrer-se de presunções para formar a sua livre convicção e dar por demonstrada a existência de simulação, por via da proibição ínsita no art.° 344.° do Código Civil;
K) Portanto, nenhum recurso probatório sustenta, nem factual nem legalmente, o afirmado na douta sentença (1.° parágrafo, a pp. 28): «vem comprovado que os compradores [que não foram ouvidos nos autos, e com os quais nenhuma das testemunhas, com excepção do senhor Notário Privado, teve alguma vez contacto!] acederam em declarar nas escrituras públicas um preço inferior ao preço que adquiriram os imóveis com intenção de suportar um menor encargo a título de impostos, designadamente imposto de selo»;
L) Ademais, a segunda das testemunhas justificou o facto de o preço de venda dos imóveis ser presumivelmente inferior ao valor de mercado, facto este que o douto Tribunal recorrido não valorizou, com o que violou o princípio da aquisição processual, instituído pelo art.° 436.° do Código de Processo Civil;
M) Na douta decisão a quo verifica-se um erro de julgamento, decorrente de erro manifesto na apreciação das provas, por não terem sido considerados elementos, regras e princípios probatórios –– (i) força probatória plena dos documentos autênticos; (ii) impossibilidade legal do recurso à prova testemunhal e (iii) às presunções judiciais, nos termos do disposto nos art°s. 388.° e 344.° do Código Civil; (iv) impossibilidade de consubstanciar a livre convicção por inexistência de suporte factual e probatório, (v) não colmatáveis pela livre apreciação da prova testemunhal, –– que implicavam decisão diversa da proferida;
N) Pelo exposto, não podia o douto Tribunal recorrido dar por provada, nomeadamente, a matérias dos quesitos 4.°, 11.°, 15.°, 17.°, 20.°, 46.° a 49.° e 56.° da Base Instrutória, por se tratarem de matéria de facto a que as testemunhas não foram perguntadas, e de que não poderiam sequer ter conhecimento, e bem assim, aos quesitos 44.° a 44.°-C, aos quais apenas depôs, e em sentido negativo, a 4.ª testemunha, senhor Notário Privado;
O) A douta sentença recorrida julgou, ainda, o ora Recorrente responsável pela indemnização, em cuja obrigação de pagamento o condenou;
P) Porém, inexiste causa de pedir para a aludida indemnização, uma vez que o Autor não pediu a condenação do Recorrente no pagamento de qualquer indemnização, nem alegou os fundamentos e requisitos da responsabilidade civil;
Q) Não se trata, também, da indemnização a que faz referência a al. d) do art.° 1093.° do Código Civil, norma, aliás, não invocada na decisão recorrida (nem alegado pelo Autor, Recorrido). Efectivamente,
R) O Autor pediu a condenação do ora Recorrente no pagamento do valor de 30% do preço real por que foram vendidos os imóveis dos autos (e nunca indemnização, fosse ao abrigo da al. d) do art.° 1093.° ou de qualquer outra norma do Código Civil). Porém,
S) Não foi, em momento algum, determinado o aludido valor real das vendas dos imóveis, alegadamente superior ao valor constante das escrituras notariais.
T) Nenhuma testemunha foi inquirida sobre tal matéria. Nenhuma testemunha referiu um valor diferente dos constantes das escrituras notariais (o que sempre seria de valor nulo, em virtude do disposto no supracitado art.° 388.° do Código Civil);
U) Falta portanto uma premissa essencial para se determinar o montante a que corresponderia a percentagem de 30% desse "valor real". (Atente-se nas expressões hipotéticas e dubitativas usadas na douta sentença (pág. 31, a fls. ): «Os prédios … terão sido vendidos, pelo menos, no valor de…»);
V) Portanto, nesta parte a sentença recorrida está, ainda, viciada por insuficiência da matéria de facto, por ser matéria que não só não se provou como, na verdade, não foi sequer investigada pelo Tribunal, (vide, a propósito, douto Acórdão do Tribunal de Última Instância, de 19 de Fevereiro de 2014, Proc. n.° 56/2013).
W) A douta decisão recorrida violou, entre outras, todas as normas do Código Civil supra enunciadas, em particular as constantes dos art°s. 344.° e 388.° do Código Civil e, bem assim, do art.° 436.° do Código de Processo Civil.
Termos em que, e nos melhor de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, modificando-se a decisão da matéria de facto, nomeadamente devendo dar-se por não. provados os quesitos 4.°, 11.°, 15.°, 17.°, 20.°, 44.° a 44.°-C, 46.° a 49.° e 56.° da Base Instrutória, e, sempre e em qualquer caso, revogar-se a decisão recorrida, absolvendo-se o Recorrente de todos os pedidos, com as legais consequências, (…)”; (cfr., fls. 508 a 539).

*

Oportunamente, o A. A respondeu, contra-alegando e apresentando as seguintes conclusões:

“I. Vem o Recurso a que ora se responde apresentado pelo Recorrente C imputar à douta sentença recorrida os seguintes vícios, (a) quanto ao Julgamento da Matéria de Facto contida nos quesitos 4.°, 11.°, 15.°, 17.°, 20.°, 46.° a 49.° e 56.°, e 44.º a 44.ºC: "erro de julgamento, decorrente de erro manifesto na apreciação das provas, por não terem sido considerados elementos, regras e princípios probatórios - (i) força probatória plena de documentos autênticos; (ii) impossibilidade legal de recurso à prova testemunhal e (iii) às presunções judiciais, nos termos do artigo 388.º e 344.º do Código Civil; (iv) impossibilidade de consubstanciar a livre convicção por inexistência de suporte factual e probatório, (v) não colmatáveis pela livre apreciação da prova testemunhal, - que implicavam decisão diversa da proferida." E, (b) quanto ao arbitramento de uma Indemnização: "insuficiência da matéria de facto, por ser matéria que não só não se provou como, na verdade, não foi sequer investigada pelo Tribunal (…).
II. Ao contrário do defendido pelo Recorrente, a resposta positiva aos quesitos 4.°, 11.°, 15.°, 17.°, 20.°, 46.° a 49.° e 56.° encontra-se evidenciada nos inúmeros documentos juntos pelo Autor com a petição inicial, como sejam: (a) Documentos 1 a 4, 5, 12 e 16 juntos com a p.i. (certidões prediais dos imóveis, escrituras públicas de compra e venda e contrato-promessa de compra e venda), donde resulta que os mesmos foram prometidos comprar e, posteriormente, comprados e registados em nome do Recorrente C em 1992 e 1993 e que fazem prova plena do facto de ter sido acordado que os imóveis seriam adquiridos em nome do referido Recorrente; (b) Documentos 6 a 10, 13 a 15 e 17 juntos com a p.i., cópias de cheques contendo menções do seu recebimento e destino, e que sendo documentos particulares não foram impugnados pelo Recorrente, e como tal comprovam que foi este Recorrente quem, desde o inicio, ficou responsável pela administração deste acordo de cooperação, comprando, administrando e finalmente devendo revender, naturalmente com lucro, os imóveis objecto do investimento; (c) Documento n.° 23 junto com a petição inicial, carta escrita pela mandatária do Recorrente onde expressamente reconhece: "No seguimento do Acordo de Investimento celebrado com o V. Cliente, este tem o direito de participar em 30% (trinta por cento) das despesas e dos lucros realizados com a transacção dos imóveis acima mencionados." e ainda que: "Assim, vem por este meio prestar contas relativas aos proveitos e despesas efectuadas com os referidos imóveis, de acordo com o seguinte:"
III. Por outro lado, a 1.ª testemunha do Autor com clareza confirmou que tinha conhecimento do investimento por ter sido convidado a participar no mesmo, tendo esclarecido quais os prédios em causa, os montantes envolvidos e quem iria ficar responsável pela administração do mesmo e também as demais testemunhas do assistente demonstraram ter conhecimento do investimento em causa nos presentes autos, nomeadamente, no que respeita aos imóveis em causa, aos valores envolvidos e bem assim como ao papel que o Recorrente tinha em tal investimento.
IV. Ademais, ninguém presta contas em relação à administração de prédios se a isso não estiver obrigado…
V. Quanto à prova dos quesitos 46.° a 49.° e 56.°, pode retirar-se tal prova quer também do documento n.° 23 junto com a petição inicial, quer do depoimento da segunda e terceira Testemunhas que referiram que pelo menos a cada dois anos havia notícias do investimento e que depois de o Recorrido descobrir da venda dos prédios não mais conseguiu contactar o Recorrente (depoimentos gravados a 16:42'54" e 16:44'38" e 17:15'01 e 17:17'49")
VI. Quer os depoimentos das testemunhas, mas sobretudo dos documentos supra mencionados são prova bastante e cabal dos factos quesitados nos artigos 4.°, 11.°, 15.°, 17.°, 20.° 46.° a 49.° e 56.° da base instrutória e outra não poderia ter sido a resposta dada pelo douto Tribunal aos mesmos, não padecendo por isso, nesta parte, a decisão recorrida de qualquer vício.
VII. A Recorrente insurge-se também quanto ao julgamento da matéria contida nos quesitos 44.° a 44.°-C, porém, nada há a apontar à decisão recorrida no que respeita ao julgamento de tal matéria.
VIII. Para a prova de tais quesitos o douto Tribunal a quo recorreu essencialmente à apreciação crítica da prova realizada quanto ao valor dos imóveis à data da sua aquisição, ou seja, 1992, ao valor pelo qual os mesmos foram vendidos em 2007 e 2010 e ao valor de mercado à data desta última venda.
IX. Da fundamentação da decisão recorrida resulta que o douto tribunal a quo perante uma dúvida razoável decorrente da manifesta discrepância dos valores de mercado e dos valores declarados nas escrituras públicas, convenceu-se, mediante um processo lógico de formação de conhecimento baseado na sua experiência comum, que efectivamente o Recorrente e os demais intervenientes declaram um preço inferior ao preço pelo qual efectivamente a venda foi realizada.
X. A prova da Simulação, conforme é uniformemente aceite na jurisprudência e doutrina, pode ser feita por qualquer dos meios normalmente admitidos: confissão, documentos, testemunhas, presunções e nenhuma restrição de ordem geral põe a lei a este propósito.
XI. Ao contrário do defendido pelo Recorrente no Recurso a que ora se responde não estava de forma alguma vedado ao douto Tribunal a quo recorre-se de presunções judiciais - ademais quando as mesmas estão alicerçadas em factos concretos, como sejam (i) o facto de o recorrente se dedicar há longos anos à actividade de investimento imobiliário; (ii) as enormes discrepâncias de valores reais de mercado e dos valores declarados nas escrituras públicas (vide factos assentes nas alíneas E), G), 1), K) e M) e resposta aos quesitos 13.°, 14.°, 19.°, 21.°, 29.°, 32.°, 41.°, 42.° e 43.°, todos eles não impugnados pelo Recorrente) - para se convencer que, em relação às compras e vendas celebradas entre o Recorrente e os Intervenientes, estamos efectivamente perante simulações relativas.
XII. E nem se diga que o facto de o douto Tribunal a quo ter considerado provado que era falso o preço declarado nas escrituras de compra e venda celebradas entre o Recorrente e os Intervenientes violou de alguma forma a força probatória plena conferida pelo artigo 365.º do Código Civil, aos documentos autênticos, pois que conforme resulta desse mesmo artigo, os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade, (…), assim como dos factos que neles são atestados como base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.".
XIII. Sendo que, escapando da força probatória plena, os meros juízos pessoais do documentador estão assim também fora da previsão dos artigos 344.º e 388.º do Código Civil, não há qualquer impedimento à admissibilidade de ser produzida prova testemunhal e nem documental relativamente a esses meros juízos e ao facto de os mesmos estarem sujeitos à livre apreciação do julgador.
XIV. Conforme resulta das escrituras públicas juntas como documentos 11 e 18 da petição inicial e aludidas nas alíneas H) e L) dos factos assentes, os ali outorgantes limitaram-se a declarar perante o Senhor Notário o valor dos preços e ainda que os mesmos já haviam sido recebidos,
XV. Donde resulta que, a declarações constates dessas mesmas escrituras não se tratam nem de factos praticados pela autoridade, (…), e nem de factos que neles são atestados como base nas percepções da entidade documentadora, pois que, o Senhor Notário, conforme, de resto confirmou aquando do seu depoimento, não presenciou o pagamento do preço - vide depoimento gravado à passagem 17.45.42:
XVI. Assim, sendo, o douto Tribunal a quo podia apreciar livremente o teor de tais declarações, nomeadamente convencer-se da sua falsidade quando contrapostas, nomeadamente, com as avaliações apresentadas pelo ora Recorrido e não impugnadas pelo Recorrente e demais Intervenientes.
XVII. Pelo que, nenhuma razão assiste ao Recorrente ao imputar à decisão recorrida a violação das regras legais relativas à força probatória de documentos autênticos e nem qualquer erro de julgamento respeitante ao julgamento dos quesitos 44.º a 44.º C, devendo também nesta parte improceder o Recurso a que ora se responde.
XVIII. Não obstante termos em mente o disposto no artigo 588.º do CPC, curioso se torna o facto de os demais Intervenientes nos presentes autos - os compradores - não terem apresentado também Recurso da decisão final.
XIX. A causa de pedir da presente acção, assenta no acordo de investimento e contrato de mandato celebrado entre o ora Recorrido e o Recorrente e, por um lado, na simulação de preço praticada por este e pelos demais Intervenientes aquando da compra e venda dos imóveis em causa nos presentes autos e, por outro, e a título subsidiário, no incumprimento do contrato de mandato por parte do Recorrente.
XX. No caso de proceder o pedido de declaração de simulação, fosse declarado como preço real dos negócios HK$3,200,000.00 e HK$2,000,000.00, e em ambos os casos, foi pedida a condenação do Recorrente no pagamento ao Recorrido do valor correspondente a 30% dos mencionados preços reais, depois de operada a compensação com o valor entretanto devolvido pelo Recorrente ao Recorrido.
XXI. E tal pedido, tem em comum, o facto de o ora Recorrido ter classificado como também de mandato a relação jurídica que estabeleceu com o Recorrente e, consequentemente, ao ter considerado que o Recorrente incumpriu com as suas obrigações de mandatário, haver concluído que "O mandatário que incumpra com as instruções do mandante, ou que aja em violação dos deveres gerais acima mencionados, é responsável pelos danos que lhe causar nos termos gerais, aplicando-se-lhe as normas que regulam o cumprimento ou o não cumprimento das obrigações em geral.", tendo inclusive em sede de petição inicial invocado os artigos 787.°, 556.° e 558, todos do Código Civil.
XXII. Veio então o douto Tribunal a quo reconhecer que houve simulação de preço e que o preço real pelo qual foram vendidos os imóveis, tomando como preço real mínimo o valor de mercado dos imóveis e entendeu também que o Recorrente era responsável pelo pagamento ao Recorrido de uma indemnização correspondente a 30% desse preço real.
XXIII. Não há dúvidas que, foram alegados factos e deduzidos pedidos que sustentam a condenação do Recorrente no pagamento ao Recorrido dos valores correspondentes a 30% do valor da venda dos imóveis, tendo em conta que o valor de tal venda, tal como alegado e tal como aceite pelo Tribunal a quo, seria sempre, pelo menos, correspondente ao valor de mercado dos imóveis, tal como resulta da resposta aos quesitos 41.° a 43.° da base instrutória.
XXIV. É por isso manifestamente infundada a alegação de que a condenação do Recorrente no pagamento ao Recorrido do montante de MOP$1,458,574.17 carece por um lado de causa de pedir e por outro que não foi apurada matéria de facto suficiente que sustente tal condenação.
XXV. Subsidiariamente, para o caso de o Recurso a que ora se responde vir a ser julgado procedente, o que por mera cautela de patrocínio se concebe, vem o ora Recorrido nos termos do artigo 590.° do CPC, ampliar o âmbito do presente Recurso.
XXVI. A proceder o Recurso interposto pelo Recorrente, e ao ser revogada a decisão recorrida, o que por mera cautela de patrocínio se concede, desde já se requer a V. Exa. se dignem conhecer dos fundamentos do pedido subsidiário realizado pelo ora Recorrido de condenação do Recorrente no pagamento de uma compensação montante global de MOP$1,556,005.68 (um milhão, quinhentas e cinquenta e seis mil, e cinco patacas e sessenta e oito avos), correspondente a MOP$963,402.34 (novecentas e sessenta e três mil, quatrocentas e duas patacos e trinta e quatro avos), referente a 30% do valor dos imóveis sitos no Beco da Balsa n.ºs 4 e 6, depois operada a compensação com o valor entretanto liquidado pelo Réu; e MOP$592,602.84 (quinhentas e noventa e duas mil seiscentas e duas patacas e oitenta e quatro avos), referente a 30% do valor dos imóveis sitos no Beco da Balsa s/n e Beco do Tarrafeiro s/n, depois operada a compensação com o valor entretanto liquidado pelo Réu, quantias a que devem acrescer juros de mora contabilizados à taxa legal de 9.75%, que se vierem a vencer desde 04 de Novembro de 2011 até efectivo e integral pagamento, decorrente da violação dos deveres decorrente do contrato de mandato.
XXVII. Conforme reconhecido na sentença recorrida, e não impugnado pelo Recorrente, os factos assentes e provados supra descritos resulta que o entre o Recorrido e o Recorrente foi celebrado um contrato inominado de cooperação num investimento e ainda um contrato de mandato, sem representação, conforme previsto nos artigos 1083.º e 1106.º, ambos do Código Civil.
XXVIII. Entre Recorrente e Recorrido foi acordado que aquele, em nome próprio mas no interesse também do Recorrente, e de outros, iria adquirir, administrar e depois vender quatro imóveis, com o objectivo final de gerar proveitos quer para si (Recorrente), quer para o Recorrido, quer para os terceiros também envolvidos no investimento que recaiu sobre os referidos quatro imóveis.
XXIX. Com o necessário consentimento e aprovação do Recorrido, o Recorrente, em seu nome adquiriu os quatro imóveis objecto dos presentes autos, tendo transferido para o Recorrente a obrigação do pagamento do preço das aquisições e outras despesas às mesmas inerentes, na proporção assumida por este, ou seja, 30%, pagamentos que este efectuou.
XXX. No momento da conclusão do mandato, o Recorrente deliberadamente incumpriu culposamente as suas obrigações, pois que deveria e ter antes comunicado ao Recorrido o preço pelo qual pretendia vender os imóveis objecto dos presentes autos e obter a concordância do Recorrido ou, pelo menos, depois de ter vendido os imóveis, deveria ter comunicado tal facto, apresentado o comprovativo de todas as despesas que alega ter tido durante o exercício do mandato, entregue aquilo que recebeu em execução do mandato.
XXXI. Não o tendo feito, e mesmo que o Recorrente tivesse efectivamente vendido os imóveis pelo valor declarado nas escrituras de compra e venda de 10/05/2007 e 10/12/2010, o Recorrente terá necessariamente que ser condenado no pagamento ao Recorrido de um valor correspondente a 30% do valor de mercado dos imóveis, deduzidos do montante que já devolveu.
XXXII. O mandatário deve comportar-se como um bom pai de família e agir de boa-fé no exercício das suas obrigações, exercendo as suas funções sempre com o zelo e cuidado de um gestor criterioso.
XXXIII. O mandatário que incumpra com as instruções do mandante, ou que aja em violação dos deveres gerais acima mencionados, é responsável pelos danos que lhe causar nos termos gerais, aplicando-se-lhe as normas que regulam o cumprimento ou o não cumprimento das obrigações em geral.
XXXIV. Ora, em manifesta contradição com as instruções do Recorrido, o Recorrente vendeu os imóveis supra melhor identificados por um preço inferior à sua compra, e por um preço muitíssimo inferior ao valor de mercado dos mesmos, descurando assim da obrigação de agir como um bom pai de família e de boa-fé, incorrendo em responsabilidade civil contratual nos termos previsto no artigo 787.º do Código Civil.
XXXV. Resulta assim óbvio que, ao vender, em 10/05/2007 e 10/12/2010, os imóveis objecto do presente pleito, o Recorrente desviou da esfera jurídica do Recorrido bens imóveis que valiam HK$3,200,000.00 (no caso dos n.ºs 4 e 6 do Beco da Balsa), e HK$2,000,000.00 (no caso dos imóveis do Beco da Balsa n.º 16 e Beco do Tarrafeiro n.º 17), causando-lhe assim um prejuízo correspondente a 30% do valor dos imóveis, ou seja,
XXXVI. HK$960,000.00 (novecentos e sessenta mil dólares de Hong Kong), a que correspondem MOP$988,800.00 (novecentas e oitenta e oito mil e oitocentas patacas), no caso dos prédios do Beco da Balsa n.ºs 4 e 6, e HK$600,000.00 (seiscentos mil dólares de Hong Kong), a que correspondem MOP$618,000.00 (seiscentas e dezoito mil patacas), no caso dos prédios do Beco da Balsa n.º 16 e Beco do Tarrafeiro n.º 17.
XXXVII. Valores a que acrescem os juros de mora que se vencem desde a data a alienação dos mesmos até ao seu integral e efectivo pagamento, os quais, na presente data, calculados à taxa legal de 9,75%, totalizam MOP$768,561.78 (setecentas e cinquenta e oito mil, quinhentas e sessenta e um patacas e setenta e oito avos), tudo nos termos do art. 556.º e 558.º do Código Civil.
Em todo o caso,
XXXVIII. Ao valor dos juros de mora já vencidos, deve, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 774.º do Código Civil, ser abatido o valor de MOP$538,017.90 (quinhentas e trinta e oito mil e dezassete patacas e noventa avos) já pago pelo Recorrido ao Recorrente.
XXXIX. É manifestamente abusiva a tese do Recorrido de que terá havido aprovação tácita do mandato, já que nem tácita, nem expressamente, o ora Recorrido aprovou a execução do mandato.
XI. O Recorrido tomou conhecimento da venda dos imóveis em causa nos presentes autos no final do ano de 2010, tendo, ao abrigo da lei e de acordo com o princípio da boa-fé, enviado carta para o Recorrente em 26 de Janeiro de 2011, solicitando-lhe que prestasse contas do investimento, - cfr. doc. 22 junto com a petição inicial, carta a que o Recorrente respondeu em 16 de Março de 2011, prestando as contas solicitadas, - cfr. documento n.º 23 junto com a petição inicial.
XLI. O Recorrido não aprovou as contas prestadas tendo solicitado ao Recorrente informações e elementos adicionais que lhe permitisse comprovar a exactidão das contas prestadas, conforme melhor consta da sua carta data de 22 de Março de 2011 - cfr. documento n.º 24 junto com a petição inicial.
XLII. Na falta de resposta por parte do Recorrente à última missiva do ora Recorrido, e tendo o Recorrido recolhido informações suficientes para concluir que o Recorrente vendeu os imóveis por um valor superior ao declarado nas escrituras públicas, veio em 04 de Novembro de 2011 intentar a presente acção.
XLIII. É assim manifestamente ilógico que o Recorrido venha a defender que existiu uma aprovação tácita da execução do mandato por parte do ora Recorrente, no termos do artigo 1089.º do Código Civil de Macau, tendo, pelo contrário, o Recorrido de forma clara praticado actos que de forma alguma poderão levar à conclusão de que aprovou ou se conformou, ainda que tacitamente, com a forma como o Réu executou o mandato.
XLIV. Face ao supra, exposto, e estando V. Exas. na posse de todos os elementos necessários para o efeito, caso venham a julgar procedente o Recurso interposto pelo Recorrente, sempre deverão conhecer do pedido subsidiário deduzido pelo ora Recorrido e, consequentemente, condenar o Recorrente Recorrente no pagamento de uma compensação montante global de MOP$1,556,005.68 (um milhão, quinhentas e cinquenta e seis mil, e cinco patacas e sessenta e oito avos), correspondente a MOP$963,402.34 (novecentas e sessenta e três mil, quatrocentas e duas patacas e trinta e quatro avos), referente a 30% do valor dos imóveis sitos no Beco da Balsa n.°s 4 e 6, depois operada a compensação com o valor entretanto liquidado pelo Réu; e MOP$592,602.84 (quinhentas e noventa e duas mil seiscentas e duas patacas e oitenta e quatro avos), referente a 30% do valor dos imóveis sitos no Beco da Balsa s/n e Beco do Tarrafeiro s/n, depois operada a compensação com o valor entretanto liquidado pelo Réu, quantias a que devem acrescer juros de mora contabilizados à taxa legal de 9.75%, que se vierem a vencer desde 04 de Novembro de 2011 até efectivo e integral pagamento, decorrente da violação dos deveres decorrente do contrato de mandato.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão:
A) Deve o presente Recurso ser julgado improcedente por não provado e consequentemente ser mantida na íntegra a decisão Recorrida;
Subsdiariamente, para o caso de V. Exas. assim não entenderem
B) Deve ser admitida a ampliação do âmbito do presente Recurso e, consequentemente, devem ser conhecidos os fundamentos do pedido subsidiário realizado pelo ora Recorrido de condenação do Recorrente no pagamento de uma compensação montante global de MOP$1,556,005.68 (um milhão, quinhentas e cinquenta e seis mil, e cinco patacas e sessenta e oito avos), correspondente a MOP$963,402.34 (novecentas e sessenta e três mil, quatrocentas e duas patacas trinta e quatro avos), referente a 30% do valor dos imóveis sitos no Beco da Balsa n.°s 4 e 6, depois operada a compensação com o valor entretanto liquidado pelo Réu; e MOP$592,602.84 (quinhentas e noventa e duas mil seiscentas e duas patacas e oitenta e quatro avos), referente a 30% do valor dos imóveis sitos no Beco da Balsa s/n e Beco do Tarrafeiro s/n, depois operada a compensação com o valor entretanto liquidado pelo Réu, quantias a que devem acrescer juros de mora contabilizados à taxa legal de 9.75%, que se vierem a vencer desde 04 de Novembro de 2011 até efectivo e integral pagamento, decorrente da violação dos deveres decorrente do contrato de mandato”; (cfr., fls. 633 a 688).

*

Merecendo o recurso conhecimento, vejamos se merece provimento.

Fundamentação

2. Traz C (R.), o presente recurso, pedindo a revogação da sentença proferida pela Mma Juiz Presidente do T.J.B. cujo teor se deixou transcrito, pedindo, a final, a sua absolvição dos pedidos deduzidos.

Nos termos do art. 598°, n.° 1 do C.P.M., “Ao recorrente cabe apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.

Nesta conformidade, e percorrendo as alegações e conclusões pelo recorrente apresentadas, cremos que com o seu recurso, coloca o mesmo as questões seguintes:
- “erro na apreciação da prova”, (cfr., conclusões A a U);
- “insuficiência da matéria de facto”, (cfr., conclusão V); e,
- “errada aplicação de direito”, (cfr., conclusão W).

Identificadas – que assim cremos ter ficado – as questões a tratar, sem mais demoras, vejamos se tem o recorrente razão.

–– Do invocado “erro na apreciação da prova”.

Pois bem, em relação a este “vício”, (e em síntese que se nos afigura adequada), é o recorrente de opinião que o Tribunal a quo não podia dar como “provada” matéria de facto que diverge da que resultava das escrituras públicas de compra e venda celebradas e relativas aos 4 prédios identificados nos autos.

Apresenta duas justificações para o assim entendido, invocando “inexistência” e “ineficácia de prova”.

E, começando-se pela dita “inexistência de prova”, apresenta-se-nos manifesto que ao ora recorrente não assiste razão, bastando para tal ler-se o trecho do Acórdão pelo Tribunal a quo prolatado, onde o Colectivo emitiu pronúncia sobre a matéria levada à Base Instrutória e onde, como motivos da sua convicção, consignou que:

“A convicção do Tribunal baseou-se no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência que depuseram sobre os quesitos da base instrutória, nos documentos juntos aos autos, nomeadamente de fls. 100 a 167 cujo teor se dá reproduzido aqui para todos os efeitos legais, o que permite formar uma síntese quanto à veracidade dos apontados factos.
No que diz respeito aos factos sobre o acordo de cooperação de investimento entre o Autor e o Réu, esses factos são considerados provados com base no depoimento das testemunhas do Autor e do assistente, particularmente a 1ª testemunha que afirmou chegou a ser convidado a participar no investimento da aquisição de 4 prédios juntamente com o Réu C, e demais investidores, sendo a quota-parte pertencente ao Autor 30%, mas recusou a participar no investimento por os prédios serem registados apenas em nome do Réu C. Muito embora a razão da ciência destas testemunhas resulta de ouvir do próprio Autor ou do assistente, mas não se olvida que dos documentos juntos aos autos, nomeadamente de fls. 104, 108, 111 e 117, não impugnados por Réu, consta a declaração emitida pelo próprio Réu em que se indica expressamente as quotas-parte de cada investidores, incluindo o Autor. Assim, considerandos essas provas documentais em conjugação do depoimento das testemunhas acima referidas, entendeu o Tribunal ser suficiente para confirmar a existência do acordo de cooperação no investimento dos prédios entre o Réu C e o Autor, tendo o assistente partilhado, por partes iguais, na quota-parte do Autor.
Quanto ao acordo de os prédios serem registados em nome do Réu C e a que lhe incumbia a administrar os prédios no interesse de todos investidores com vista a encontrar oportunidade lucrativa para os revender, a convicção do Tribunal alicerça-se no facto de os prédios terem sido registados apenas em nome do Réu, seguno o teor dos certidões dos registos prediais, bem como no facto de todos os cheques foram emitidos pelo Autor a favor desse Réu para proceder o pagamento do preço e das despesas inerentes à compra e venda, mostra-se que o Réu era pessoa confiada e incumbida pelo Autor para administrar os prédios. Aliás, o facto de alguém pagar parte do preço na aquisição dos prédios mas deixar os mesmos serem registados somente em nome de outrem durante mais de dez anos, é de acreditar que, por lógica das coisas, essa pessoa incumbe ao titular de direito a administração dos bens adquiridos.
Relativamente ao montante pago pelo Autor ao Réu bem como o modo do pagamento, segundo os documentos de fls. 100 a 104, 109 a 117, consideram-se como provados os factos sobre o pagamento feito pelo Autor.
Os factos sobre o contrato-promessa celebrado pelo Réu sobre os imóveis dos então n°16 e 17° do Beco da Balsa e do Beco do Tarrafeiro, são considerados provados de acordo com o teor do documento de fls. fls.108, não impugnado pelo Réu, o que se mostra suficiente para corroborar os factos em causa.
Em especial, quanto ao preço efectivamente pago pelo Réu na aquisição dos 4 prédios, não obstante o que tinha sido declarado nas respectivas escrituras públicas, o Tribunal entende que os preços efectivamente pagos eram diferentes dos constantes das escrituras públicas, justamente por constar do contrato-promessa de fls.108 (prédios n°16 e 17°, em que o preço acordado entre o promitente-comprador e promitente-vendedor era de HK$1.250.000,00, e não HK$800.000,00, acrescenta que, no documento de fls. 117, consta o escrito do Réu que o remanescente do preço a pagar era de HKD$930.000,00, cabendo ao autor pagar o montante de HK$279.000,00, significando que o preço real não era de HKD800.000,00, ademais, somando os valores globais dos 4 prédios declarados nas escritura públicas, o valor total era de HKD1.400.000,00, sendo a quota parte do Autor 30%, devia caber-lhe a pagar apenas de HKD420.000,00, mas o Autor pagou à Ré no total a quantia de HKD759.200,00 e de MOP$47.742,00, de acordo com os documentos de fls. 100 a 104,109 a 117, ou seja, o valor pago pelo Autor ao Réu era quase o dobro do valor do preço que devia pagar, mesmo que contasse todas as despesas inerentes aos negócios em causa, essas despesas nunca poderia ser quase o mesmo valor dos bens, segundo a razão da lógica, assim, ponderando todas esses provas documentais, levou o Tribunal a convencer que os preços efectivamente acordados e pagos pelo Réu eram superiores aos declarados nas respectivas escrituras públicas na altura da compra. Por outro lado, atendendo a que a soma dos montantes de fls. 109, 110 e 117, correspondia-se exactamente ao 30% do valor de HKD1.280.000,00 (os prédios n°16 e n°17), complementados cornos escritos de fls.117, assim como a soma dós valores dos dois cheques de fls. 100 e 101, também se correspondia ao 30% da quantia de HKD1.250.000,00 (os prédios n°4 e 6°), o Tribunal acredita que eram esses valores os preços efectivamente pagos pelo Réu aos vendedodores, à data da sua aquisição.
No que se concerne ao valor dos prédios à data da sua venda, o Tribunal consideram-se provados esses factos com base nos relatórios de avaliação feitos pela Companhia de Investimento e Fomento Predial J (Macau), Limitada de fls. 121 a 132, 133 a 143 e 144 a 154, não impugnados pelas partes contrárias, os quais se mostram adequados para comprovar os factos quesitados, tendo em consideração ainda o facto notório da subida dos valores dos imóveis, nos últimos dez anos que se iniciou desde 2004, não se afiguram exagerados os valores avaliados.
No que tocante aos factos de simulações das compras e vendas entre o Réu e os intervenientes, a convicção do Tribunal assenta no facto de ter considerado os prédios valiarem mais do que os valores declarados da altura da revenda, pois em relação aos prédios n°4 e 6° do Beco da Balsa, o valor da venda era apenas 1/4 do valor mínimo do mercado, enquanto os prédios do então n°16 e do n°17 do Beco do Tarrafeiro, o preço da venda era HKD1.100.000,00, 1/2 do valor do mercado e que, quanto a esses, o preço declarado era ainda inferior ao preço real (HKD1.250.000,00) da aquisição, tomando em conta que a pretensão dos investidores era obter lucros através da compra e venda dos imóveis e que eles já aguardaram por mais de dez anos por um melhor preço, daí se retira que não seja provável, segundo a experiência comum do homem médio, a revenda por um valor inferior ao do mercado e até inferior ao valor de aquisição, sem qualquer justificação plausível e razoável de tais actos, perante a manifesta recuperação do mercado imobiliário e a óptima expectativa da subida dos preço dos bens imobiliários na altura, por tudo isso, o Tribunal convence que os valores reais da venda não eram os valores constantes das respectivas escrituras públicas, consequentemente e por lógica, havia intenção simulatória quanto ao preço tanto por parte do Réu como dos compradores, pois, quanto a estes últimos, o manifesto beneficio a obter no pagamento dos impostos de selos com a declaração dum preço inferior ao preço verdadeiramente acordado.
Sobre os factos constantes dos quesitos 57° a 66° acerca do teor das comunicações entre o Autor e o Réu através dos respectivos mandatários, o Tribunal dão-se provados esses factos com base nos documentos de fls.155 a 167, onde se consta tais declarações descritas nos respectivos quesitos.
Não se dão como provados os factos constantes dos quesitos 7°, 16°, 44°-B e 49° por a prova produzida não permite o Tribunal formar uma convicção segura sobre a veracidade dos mesmos”; (cfr., fls. 429-v a 431-v).

Atento o que se deixou transcrito, e dúvidas não parecendo haver que em termos probatórios “justificada” está a decisão proferida, mais não se mostra de dizer sobre a alegada “inexistência de prova”.

Quanto à “(in)eficácia da prova”, a mesma se nos apresenta que deve ser a solução, pois que também aqui carece o recorrente de razão.

Passa-se a tentar expor o nosso ponto de vista.

Diz – essencialmente – o recorrente que:
- “A livre convicção do tribunal não pode, por si só, sobrepor-se ao valor da prova plena, uma vez que nenhum meio probatório produzido nos autos teve a virtude de abrogar o valor probatório das escrituras notariais (vide art.° 365.° do Código Civil), que titulam os negócios em questão”, (conclusão C); e,
- “Portanto, o julgador não está autorizado a destruir a força probatória do documento com força probatória plena por via da sua livre apreciação, ao invés do que sucede com a prova pericial, por inspecção e testemunhal, casos em que o tribunal fixa livremente o seu valor probatório (artigos 383.° e 385.° do Código Civil)”, (conclusão E).

Porém, incorre o recorrente em equívoco.

Em matéria de “documentos autênticos”, preceitua o art. 365° do C.C.M., (pelo recorrente invocado), que:

“1. Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade, oficial público ou notário respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.
2. Se o documento contiver palavras emendadas, truncadas ou escritas sobre rasuras ou entrelinhas, sem a devida ressalva, determinará o julgador livremente a medida em que os vícios externos do documento excluem ou reduzem a sua força probatória”.

E, o seguinte art. 366° que:

“1. A força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade.
2. O documento é falso, quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade pública, oficial público ou notário qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi.
3. Se a falsidade for evidente em face dos sinais exteriores do documento, pode o tribunal, oficiosamente, declará-lo falso”.

No caso, em causa está o “preço” pelo qual o ora recorrente vendeu os 4 prédios identificados nos autos e que nos termos das respectivas “escrituras públicas” – “documentos autênticos” – foram de MOP$420.000,00 (n.° 4 do Beco da Balsa), MOP$430.000,00 (n.° 6 do Beco da Balsa), e MOP$400.000,00, cada um dos restantes, (ou seja, MOP$800.000.,00 pelo n.° 16 do Beco da Balsa e o n.° 17 do Beco do Tarrafeiro).

E, nesta conformidade, cremos ser evidente que tais preços, como “valores (meramente) declarados pelos outorgantes”, (o ora recorrente, como vendedor, e os 2° e 3° RR., como compradores), não estão a “coberto” da prova plena a que alude o art. 365° do C.C.M..

Com efeito, os mesmos não correspondem a nenhum “facto praticado” ou “atestado” pelo notário, resultando tão só – como se disse – do que declarado foi pelos outorgantes, nada tendo a ver com algo que foi praticado ou vivenciado pelo notário.

Nesse sentido firme tem sido a doutrina sobre a questão, podendo-se ver, v,g., V. Lima in “Manual de Direito Processual Civil”, 3ª ed., 2018, pág. 416 e seguintes, onde se faz referência a outros autores, podendo-se ver também, Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 243; Mário de Brito, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 501; Rodrigues Bastos, in “Das Relações Jurídicas”, vol. V, pág. 152; Vaz Serra, in “Provas”, B.M.J. 111°-275; Dias Ferreira, in “Código Civil Anotado”, vol. IV, pág. 332; Cunha Gonçalves, in “Tratado”, vol. XIII, pág. 715; Alberto dos Reis, in “Código Anotado”, vol. III, pág. 372, e vol. IV, pág. 323; Anselmo de Castro, in “Lições de Processo Civil”, vol. IV, pág. 43; Castro Mendes, in “Direito Processual Civil”, vol. III, pág. 181; Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1976, pág. 226.

Idêntico entendimento tem sido assumido pela jurisprudência, podendo-se ver, v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 13.06.2001, Proc. n.° 3/2001 e mais recentemente de 26.06.2019, Proc. n.° 6/2015, assim como os do S.T.J. de 18.07.1969, B.M.J. 189°-246; de 11.01.1979, B.M.J. 283°-234; de 05.02.1987, B.M.J. 364°-96; de 22.06.1989, B.M.J. 388°-504, e, mais recentemente, de 07.04.2019, Proc. n.° 113/17, in “www.dgsi.pt”.

Assim, relativamente a tais declarações, manifesto é que as respectivas escrituras públicas não fazem “prova plena” quanto às mesmas, nada obstando ao Colectivo a quo que decidisse como decidiu.

Dest’arte, tendo presente a exposição constante no trecho do Acórdão do Tribunal a quo (que atrás se deixou transcrito), e em face do que aí se explicita quanto aos motivos da sua convicção quanto ao “preço de venda dos imóveis (aos 2° e 3° RR.)”, adequado se nos apresenta consignar que nenhum “erro na apreciação da prova” existiu.

O mesmo se diga também quanto à “divergência de vontades” – a real e a declarada – dos outorgantes, pois que o Colectivo a quo limitou-se a apreciar a prova produzida de acordo com as regras de experiência e da normalidade das coisas, mostrando-se-nos ter proferido uma decisão (adequadamente) fundamentada e correcta.

–– Passemos para a alegada “insuficiência da matéria de facto”.

Aqui, se bem ajuizamos, é o recorrente de opinião que padece a decisão recorrida de tal “vício”, dado que o Tribunal a quo considerou, para efeitos de “compensação” dos prejuízos pelo A. alegados, reclamados e provados, os “preços de mercado” dos referidos 4 prédios, certo sendo que provado não ficou que os mesmos foram (efectivamente) vendidos a tal preço.

Ora, sem prejuízo do muito respeito por outro entendimento, trata-se, em nossa opinião, de uma “falsa questão”.

O facto de provado não estar que o ora recorrente vendeu os prédios pelo seu “preço de mercado” (aos 2° e 3° RR.), não impede o Tribunal de ponderar tais “valores” para efeitos de cálculo da “compensação” a atribuir ao A., (ora recorrido), tratando-se, aliás, de uma decisão que, para além de objectiva e em harmonia com o estatuído nos art°s 556°, 557° e 558° do C.C.M., se nos apresenta como a “justa solução para a situação”.

Assim, evidente é que inexiste qualquer “insuficiência”, pois que provado está o “preço de mercado” dos ditos 4 prédios.

Sem necessidade de mais alongadas considerações, continuemos.

–– Da “errada aplicação do direito”.

Cremos que a questão se divide em duas.

Uma, que consiste em saber se adequada foi a condenação do ora recorrente no “pagamento de uma indemnização ao A.”; (cfr., conclusões O e P).

A outra, relacionada com a pelo recorrente alegada “violação dos art°s 344° e 388° do C.C.M. e do art. 436° do C.P.C.M.”; (cfr., conclusão W).

Em relação a esta última, evidente é que ultrapassada (prejudicada) está pela solução que se adoptou para a questão do assacado “erro na apreciação da prova”.

Quanto à “indemnização”, vejamos.

Pois bem, admite-se que na sua petição não pediu o A. o pagamento de uma “indemnização”, e que na sentença recorrida se utiliza esta expressão; (cfr., o pedido deduzido, a fls. 4 e 5 e a sentença, a fls. 26 e 27).

Porém, também aqui, trata-se de uma “falsa questão”.

Com efeito, dúvidas não há que o A. pediu a “condenação dos RR. a lhe pagar aquilo que acordado tinha sido”, ou seja, 30% do “valor real” dos imóveis e respectivos juros de mora, (descontando-se o que já tinha recebido).

E, não obstante se ter utilizado na sentença recorrida a expressão “indemnização”, cremos que em nada prejudica o que se decidiu, já que com o decidido limitou-se o Tribunal a ir de encontro ao pedido deduzido e que, no fundo, era uma pretendida “compensação pelos prejuízos” que o A. sofreu em consequência da conduta (ilícita) dos RR..

Dest’arte, e – cremos nós – apreciadas todas as questões colocadas no recurso do R., e alcançando-se a conclusão da sua improcedência, necessária não é qualquer pronúncia sobre a questão da “ampliação do âmbito do recurso” pelo A. (recorrido) suscitada nas suas contra-alegações.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos que se deixam expendidos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.

Registe e notifique.

Oportunamente, e nada vindo aos autos, devolvam-se os mesmos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 10 de Outubro de 2019
José Maria Dias Azedo
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
(*) Processo redistribuído ao ora relator em 11.04.2019.
1 Pedro Pais de Vasconcelos, ob cit. pag. 590 a 593.
2 Cfr. Acórdãos do S.T.J. de 07/02/002, de 17/06/03, de 09/10/03
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