Proc. nº 256/2019
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 24 de Outubro de 2019
Descritores:
- Revisão de sentença do exterior de Macau
- Requisitos formais
- Concessão de crédito
SUMÁRIO:
I. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
II. Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.
Proc. nº 256/2019
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
A Limited, pessoa colectiva n.º ACN 06XXXXX10, com sede na Floor XX, XX Building, XX Street, XX, XX, na Austrália,
----Instaurou neste TSI Contra B, casado, cônjuge C, no regime da separação, titular da passaporte da RAEM n.º MXXXXX67 (doc. 2), com domicílio na RAEM, na Av. XX, n.ºs XX, XX, XX.º andar XX, telemóvel: 6XXXXX22 ----
A presente acção especial de revisão e confirmação de sentença proferida por tribunal do exterior da RAEM ---
Que a este condenou a pagar-lhe uma determinada quantia em dinheiro.
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Citado, o R. não contestou e o digno Magistrado do MP não se opôs ao deferimento da pretensão.
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1 - A Requerente, A Limited, que explora a actividade de casino no Estado XX, na Austrália, concedeu crédito no montante de AUD5.000.000,00 ao aqui Requerido, no dia 24 de Outubro de 2016, após pedido formulado pelo último, mediante preenchimento do formulário n.º 40XXXXX6. (doc. 3 junto com a p.i.)
2 - Contudo, o Requerido não restituiu o que tinha emprestado.
3 - Face a este incumprimento, a Requerente instaurou acção judicial para cumprimento da obrigação pecuniária.
4 - No dia 13 de Dezembro de 2017, a Requerente deu entrada de uma acção de condenação no Tribunal Supremo de Nova Gales do Sul. (doc. 4 junto com a p.i.)
5 - No dia 1 de Fevereiro de 208 foi o requerido condenado por sentença a emitir um cheque de substituição para pagamento ao autor a quantia de HKD 30.453.500,00 no prazo de 14 dias e outro de substituição para pagar ao autor a quantia de HKD 12.181.600,00, no mesmo prazo (fls. 35 a 46 do apenso Traduções).
6 - Posteriormente, no dia 28 de Março de 2018, e porque o Requerido se manteve em incumprimento, foi condenado pelo Tribunal Supremo de Nova Gales do Sul, nos termos do processo n.º 2017/00376834, a pagar à Requerente o montante de AUD6.609.576,68. (fls. 45-46 e 47-48 dos autos)
7 - A sentença tem o seguinte teor (em português):
SENTENÇA/ORDEM
DETALHAS DO TRIBUNAL
Tribunal
Tribunal Supremo de NSW
Divisão
Lei Comum
Lista
Lei Comum Geral
Conservatória
Tribunal Supremo de Sydney
Processo n.º
2017/00376834
TÍTULO DO PROCESSO
Primeira Autora
A Ltd
ACN 06XXXXX10
Primeiro Réu
B
DATA DA SENTIENÇA/ORDEM
Data atribuída
28 de Março de 2018
Data registada
28 de Março de 2018
TERMOS DA SENTENÇA/ORDAM
Ordens de Tribunal / Direcções que:
1. Nota de Declaração de David Procter datado de 21 de Março de 2018 e Declaração de D de 12 de Março de 2018.
2. Ordens 1 e 2 de Notícia de Movimento foi arquivado em 27 de Março de 2018. (Nota Senhor D para perseguir reembolso de taxa de depósito.)
NOTÍCIA DE MOVIMENTO
1. Sentença para a Autora contra o Réu a quantia de $6,609,576.68.
2. Custas pelo Réu.
SELO E ASSINATURA
Assinatura
E
Capacidade
Escrivã Principal
Data
22 de Junho de 2018
Se este documento foi emitido por via do sistema electrónico de gestão dos processos, ao abrigo da terceira parte das Regras Uniformas de Processo Civil, o qual já tinha sido assinado pela pessoa quem o nome dele ou dela foi imprimido no lugar devido.
DADOS ADICIONAIS SOBRE AUTOR(ES)
Primeira Autora
Firma
A Ltd
ACN 06XXXXX10
Sede
XX Building Floor XX
XX Street
XX XX 2009
Telefone
Fax
E-mail
Referência do cliente
Mandatário judicial da autora
Nome
F
Número de registo
21096
Endereço
Level XX
XX PRESIDENT XX
XX XX 2232
Endereço DX
Telefone
02 95XX XXX6
Fax
02 95XX XXX9
Email
XX@XX.com.au
Endereço de
serviço electrónico
XX@XX.com.au
DADOS ADICIONAIS SOBRE REU(S)
Primeiro Réu
Nome
B
Endereço
Avenida Da XX
No’S XX, XX
XX-ANDAR-XX
Macau
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IV – O Direito
1 - Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito (Ac. do TSI, de 25/09/2014, Proc. nº 209/2014). Ou seja, no âmbito do presente meio processual não é possível fazer uma revisão de mérito.
Vejamos, então, os requisitos do art. 1200º, do CPC.
Antes de mais, cumpre salientar que é sobre a parte requerida que recai o ónus de prova da inexistência dos requisitos de confirmação estabelecidos no art. 1200º do CPC (entre outros, na jurisprudência comparada, o Ac. STJ, de 21/02/2006,Proc. nº 05B4168; tb Ac. do TSI, de 28/06/2018, Proc. nº 819/2017).
Quer dizer, relativamente àqueles requisitos, geralmente basta ao requerente a sua invocação, ficando dispensado o requerente de fazer a sua prova positiva e directa, já que os mesmos se presumem (neste sentido, Ac. TSI, de 3/07/2014, Proc. nº 142/2013).
Ora, os documentos constantes dos autos revelam e certificam a situação invocada pelo requerente, mostrando, para além da sua autenticidade, a sua inteligibilidade (al. a), do nº1, do art. 1200º do CPC).
E quanto ao trânsito da sentença revidenda, nada disse o requerido que ponha em causa o referido trânsito, nem os autos apresentam elementos que permitam duvidar da sua ocorrência. Pelo contrário, resulta dos autos (cfr. fls. 45 e 83 e sgs. dos autos e fls. 48 a 63 do apenso “traduções”) que a sentença é “final” e “imediatamente executória de acordo com as Regras Uniformes de Processo Civil de 2005 (NSW) e a Lei de Processo Civil de 2005 (NSW).
Também não está em causa a falta de competência do tribunal onde foi proferida a sentença revidenda e o assunto tratado não versa sobre matéria que seja da exclusiva competência dos tribunais de Macau (art. 20º e al. c), do nº1, do art. 1200º, do CPC).
Também não se vê que tenha havido violação das regras de litispendência ou que tivessem sido violadas as regras de citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Por tudo isto, nada obsta à procedência do pedido (art. 1204º do CPC).
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V – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Supremo de Nova Gales do Sul, nos seus precisos termos, tal como acima transcritos.
Custas pela requerente.
T.S.I., 24 de Outubro de 2019
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong
256/2019 9