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Processo nº 946/2019 Data: 31.10.2019
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Acidente de viação.
Crime de “ofensa grave à integridade física por negligência”.
Suspensão da execução da pena.
Indemnização civil.
Danos patrimoniais.
Danos não patrimoniais.



SUMÁRIO

1. O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. art. 40°), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.

2. A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu, sendo também que em matérias como as em questão, inadequados são “montantes simbólicos ou miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”, exigindo-se aos tribunais, com apelo a critérios de equidade, um permanente esforço de aperfeiçoamento atentas as circunstâncias (individuais) do caso.

3. Se a matéria de facto dada como provada permitir que, com a necessária segurança, se fixem os montantes indemnizatórios por despesas que a demandante irá ter que suportar, motivos não há para se condenar no que se vier a liquidar em sede de execução de sentença.

O relator,

______________________



Processo nº 946/2019
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguida com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenada como autora da prática de 1 crime de “ofensa grave à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 3 e 138°, al. d) do C.P.M. e art. 93°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por 3 anos, e na pena acessória de inibição de condução por 1 ano e 6 meses, assim como no pagamento de MOP$837.142,74 (e juros) como indemnização à demandante B; (cfr., fls. 1042 a 1050-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Do assim decidido recorreram o Ministério Público e a demandante.

O Ministério Público, pedindo a revogação da decretada “suspensão da execução da pena principal” ou a aplicação de um período de suspensão da execução da dita pena por 4 anos; (cfr., fls. 1068 a 1073).

A demandante, pedindo um aumento da referida indemnização por “danos patrimoniais” e “danos não patrimoniais”; (cfr., fls. 1074 a 1088).

*

Respondendo, diz a arguida que o recurso da demandante merece provimento, pugnando pelo não provimento do recurso do Ministério Público; (cfr., fls. 1115 a 1123 e 1124 a 1131).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.1068 a 1073 dos autos, a magistrada do M.º P.º requereu a revogação do Acórdão recorrido na parte respeitante à suspensão da execução da pena de dois anos de prisão por período de três anos, e a substituição dessa parte concretamente atacada pela decisão que determinará a efectiva execução da dita pena de prisão.
Sem embargo do elevado respeito pela opinião diferente, inclinamos a acompanhar a posição tentada pela ilustre colega no recurso.
*
O n.°1 do art.48° do CPM revela inequivocamente que a suspensão da execução de pena de prisão depende do preenchimento cumulativo de dois requisitos: o formal traduz em a pena aplicada não ser superior a 3 anos; e o material na razoável conclusão (do julgador) de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam, adequada e suficientemente, as finalidades da punição que, de acordo com a determinação no art.40° do CPM. Nos termos deste segmento legal, tal conclusão tem de angular-se em apreciação e valorização prévias, de índole prognóstico e prudente, de personalidade do agente, das condições da sua vida, da conduta anterior e posterior ao crime e das circunstâncias deste.
Importa realçar a sensata jurisprudência que inculca que mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão, não será decretada a suspensão se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime. (vide. Acórdãos do TSI nos Processos n.º242/2002, n.º190/2004 e n.º192/2004)
No vertente caso, parece-nos que tem toda a razão a ilustre colega quem apontou proficientemente que o arguido tinha negado dolosamente a prática do crime, sem mostrar sincero arrependimento, eram grosseira a negligência e grave a consequência do crime, e nomeadamente que “由此可見,嫌犯在犯錯後仍不知反省,其在庭上聲明旨在將交通意外的責任推卸被害人,試圖營造被害人亂過馬路及被害人自己跌倒導致受傷的形象!其言行難以使人認定嫌犯是真誠悔悟,加上嫌犯在犯罪後至庭審階段,亦未曾對被害人及其家屬進行任何金錢賠償或精神彌補,... 這均反映嫌犯妄顧真相,只求脫罪,這亦是衡量嫌犯人格之標準,試問僅以監禁作威嚇的緩刑就能使嫌犯悔過?” (vide. conclusões 4 a 9 da Motivação)
Tudo isto leva-nos a colher que a suspensão da execução da pena de dois anos de prisão é inadequada para a realização das finalidades da punição e, ao menos, o período de três anos em que se durará a suspensão da execução é insuficiente para se alcançar tal finalidade.
Daí decorre que, segundo nos se afigura, não se verifica in casu os pressupostos dos quais depende a suspensão da execução da pena, e a decisão de suspender a execução por período de três anos infringe o disposto no n.°1 (parte final) do art.48° do CPM, por isso tal decisão deverá ser substituída por acórdão que determinará a execução efectiva da pena de dois anos de prisão ou prorrogará o período da suspensão.
Por todo o expendido acima, pugnamos pela procedência do presente recurso”; (cfr., fls. 1154 a 1155).

*

Adequadamente processados os autos e nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 1043 a 1045-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vêm o Ministério Público e a demandante B recorrer do Acórdão do T.J.B. que, a final do julgamento, condenou a arguida como autora da prática de 1 crime de “ofensa grave à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 3 e 138°, al. d) do C.P.M. e art. 93°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por 3 anos, e na pena acessória de inibição de condução por 1 ano e 6 meses, assim como no pagamento de MOP$837.142,74 (e juros) como indemnização à demandante, ora recorrente.

Na opinião do Ministério Público, deve a decretada “suspensão da execução da pena” ser revogada ou decretado um período de suspensão da execução da pena por 4 anos.

Por sua vez, considera a demandante que se devia aumentar a referida indemnização por “danos patrimoniais” e “danos não patrimoniais”.

3.1 Sem demoras, comecemos pelo recurso do Ministério Público.

Nos termos do art. 48° do C.P.M.:

“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.

Sobre a matéria já teve este T.S.I. oportunidade de dizer que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime”; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 25.10.2018, Proc. n.° 570/2018, de 27.06.2019, Proc. n.° 518/2019 e de 10.10.2019, Proc. n.° 683/2019).

E, como temos também entendido, o instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo, posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 12.07.2018, Proc. n.° 534/2018, de 28.02.2019, Proc. n.° 61/2019 e de 27.06.2019, Proc. n.° 518/2019).

In casu, não se olvida que a “sinistralidade rodoviária” constitui um flagelo social e que, em face das suas consequências, muitas vezes mortais ou graves, como é o caso, (muito) fortes são as necessidades de prevenção criminal (geral), a reclamar alguma “dureza” na reacção penal.

Porém, tendo presente que a arguida, (nascida em 1973), é “primária”, (cfr., matéria de facto provada, a fls. 1045-v), e ponderando que em causa está um “crime negligente” – não se tratando de uma “negligência grosseira”, (cfr., art. 93°, n.° 3 da Lei n.° 3/2007), o que poderia levar a outro tipo de considerações – afigura-se-nos de admitir que a decretada pena de 2 anos de prisão, (cuja medida não vem contestada), se mantenha suspensa na execução, desde que condicionada ao efectivo pagamento da indemnização à ofendida, demandante.

E, nesta conformidade, atento o peticionado (em alternativa) e tendo presente o estatuído no art. 48°, n.° 5 e 49°, n.° 1, al. a) do C.P.M., apresenta-se-nos que motivos não existem para que o mesmo não seja acolhido, decretando-se a referida suspensão da execução da pena de 2 anos de prisão por 4 anos, na condição de a arguida pagar o total da indemnização (que lhe couber) à ofendida, demandante, no prazo e termos em que, após auscultadas as partes, se vier a decidir pelo T.J.B..

3.2 Continuemos, apreciando agora a pretensão da demandante civil.

Pois bem, como consignado está no Acórdão do T.J.B., à demandante foi fixada uma indemnização no valor total de MOP$1.587.142,74, no qual se incluía o quantum de MOP$1.000.000,00, a título de “danos não patrimoniais”, e o de MOP$587.142,74, fixado a título de “danos patrimoniais”, e, por a seguradora da arguida já ter pago o correspondente ao limite da sua responsabilidade, ou seja, MOP$750.000,00, à arguida competirá o pagamento do remanescente decretado, ou seja, de MOP$837.142,74.

Com o seu recurso pretende a demandante um acréscimo do quantum indemnizatório a título de “danos não patrimoniais”, pedindo também um aumento da indemnização pelos seus “danos patrimoniais (futuros)”?

Quid iuris?

–– Comecemos pela indemnização pelos “danos não patrimoniais”.

Pois bem, em sede de “danos não patrimoniais”, firme tem sido o entendimento deste T.S.I. no sentido de que “A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”, (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 20.04.2017, Proc. n.° 264/2017, de 26.07.2018, Proc. n.° 649/2018 e de 28.03.2019, Proc. n.° 35/2019), sendo também de considerar que em matérias como as em questão, inadequados são “montantes simbólicos ou miserabilistas”, (vd., M. Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, II, Direito das Obrigações, III, pág. 755, onde se afirma que “há que perder a timidez quanto às cifras…”), não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”, (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 23.03.2017, Proc. n.° 250/2017 e de 08.02.2018, Proc. n.° 64/2018), exigindo-se aos tribunais, com apelo a critérios de equidade, um permanente esforço de aperfeiçoamento atentas as circunstâncias (individuais) do caso.

Na verdade, a reparação dos “danos não patrimoniais” não visa uma “reparação directa” destes, pois que estes – “danos não patrimoniais” – são insusceptíveis de serem contabilizados em dinheiro, sendo pois que com o seu ressarcimento se visa tão só viabilizar um lenitivo ao lesado, (já que é impossível tirar-lhe o mal causado).

Trata-se de “pagar a dor com prazer”, através da satisfação de outras necessidades com o dinheiro atribuído para compensar aqueles danos não patrimoniais, compensando as dores, desgostos e contrariedades com o prazer derivado da satisfação das referidas necessidades.

Visa-se, no fundo, proporcionar à(s) pessoa(s) lesada(s) uma satisfação que, em certa medida possa contrabalançar o dano, devendo constituir verdadeiramente uma “possibilidade compensatória”, devendo o montante de indemnização ser proporcionado à gravidade do dano, ponderando-se na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 23.02.2017, Proc. n.° 118/2017, de 22.06.2017, Proc. n.° 515/2017 e de 28.02.2019, Proc. n.° 111/2019).

Ou, como no recente Ac. da Relação de Évora se consignou, “Em matéria de danos não patrimoniais, haverá que ter na sua justa consideração as lesões sofridas pela vítima, que determinaram um longo período de incapacidade, com demorado internamento, as dores e angústia sentidos aquando do acidente, dores sofridas, quantificadas de grau 5 numa escala progressiva até 7, a ansiedade provocada por saber o marido só e incapacitado, a perda de auto-estima, insónias e ansiedade de que continua a padecer e lhe causam sofrimento, tendo perdido a alegria de viver, sendo hoje uma “pessoa sofrida, triste e isolada””; (cfr., o Ac. de 31.01.2019, Proc. n.° 1069/14).

Porém, e como sabido é, o C.C.M., não enumera os “danos não patrimoniais”, confiando ao Tribunal o encargo de os apreciar no quadro das várias situações concretas e atento o estatuído nos seus art°s 489° e 487°; (em recente Ac. da Rel. de Guimarães de 19.02.2015, Proc. n.° 41/13, in “www.dgsi.pt”, consignou-se que “são de ponderar circunstâncias várias, como a natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas eventualmente sofridas e o grau de risco inerente, os internamentos e a sua duração, o quantum doloris, o dano estético, o período de doença, situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, apresentação e autoestima, alegria de viver, a idade, a esperança de vida e perspectivas para o futuro, entre outras …”).

Nos temos do n.° 3 do art. 489° do dito C.C.M.: “o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487.º; (…)”.

Outrossim, prescreve o art. 487° deste mesmo Código que: “quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, pode a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.

Aqui chegados, e (cremos nós), clarificada a natureza, sentido e alcance dos “danos não patrimoniais” assim como das razões para a sua “indemnização”, importa ter em conta que como igualmente temos entendido, “Quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, não deve caber ao Tribunal ad quem a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, devendo centrar a sua censura na verificação dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo de equidade tendo em conta o “caso concreto””; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 14.04.2016, Proc. n.° 238/2016, de 12.05.2016, Proc. n.° 326/2016, de 04.04.2018, Proc. n.° 53/2018 e de 24.01.2019, Proc. n.° 327/2018, podendo-se, sobre a questão, ver também os Acs. do S.T.J. e da Rel. de Coimbra de 22.02.2017 e 17.05.2017, Proc. n.° 5808/12 e Proc. n.° 310/13, respectivamente e da Rel. do Porto de 07.12.2018, Proc. n.° 23088/15).

Não se pode pois olvidar que (na ausência de uma definição legal) o “julgamento pela equidade” é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas, distinguindo-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição; (cfr., M. Cordeiro in, “O Direito”, pág. 272 e o Ac. da Rel. do Porto de 21.02.2017, Proc. n.° 2115/04, in “www.dgsi.pt”).

Por sua vez, e como recentemente decidiu a Rel. de Guimarães, importa ponderar também que “Na fixação da compensação por danos não patrimoniais, há que ter presentes os valores habitualmente atribuídos pela jurisprudência e em especial os atribuídos a situações de gravidade próxima nas decisões mais recentes e paradigmáticas, de forma a harmonizar os valores a arbitrar “com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, vêm sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis””; (cfr., o Ac. de 07.12.2017, Proc. n.° 70/14, in “www.dgsi.pt”).

Aqui chegados, ponderando na matéria de facto dada como provada e relevante para a decisão da questão em apreciação, e em especial, nas lesões pela demandante sofridas, que lhe demandaram cerca de 4 meses de internamento hospitalar, nas dores, sofrimentos e inconvenientes que padeceu, e tendo também presente que em consequência do acidente padece agora a mesma demandante de uma incapacidade parcial permanente de 62%, tendo que enfrentar as limitações e inconvenientes daí decorrentes para o resto da sua vida, afigura-se-nos adequado o quantum de MOP$1.300.000,00.

–– Em relação à indemnização por “danos patrimoniais”.

Como se viu, pelo Tribunal a quo, foi a indemnização por tais danos fixada em MOP$587.142,74, certo sendo que, admitindo outras despesas futuras, mas, considerando-as incertas, não deixou de condenar também no que se vier a liquidar em eventual execução da sentença; (cfr., fundamentação e dispositivo, a fls. 1049-v a 1050).

No seu recurso, considera a demandante, ora recorrente, que se deve desde já fixar mais uma parcela indemnizatória, correspondente às suas despesas até aos seus 77 anos de idade, e que contabiliza em MOP$509.760,00, a título de despesas futuras com os seus tratamentos, e MOP$82.694,40, a título de necessidades higiénicas, (fraldas).

Que dizer?

Pois bem, in casu, e como se referiu, está – infelizmente – provado que a demandante padece de 62% de incapacidade parcial permanente, estando igualmente assente que vai precisar de acompanhamento e tratamento especializado – em virtude de tal incapacidade – que custará cerca de MOP$3.000,00 por mês; (cfr., matéria de facto, a fls. 1044).

E provado estando também que gasta – necessita – de RMB¥480,00 por mês para fraldas, (cfr., matéria de facto, a fls. 1044-v), afigura-se-nos que se deve pois acolher a pretensão que se nos apresenta adequada e em conformidade com o estatuído nos art°s 477° e 560°, n.° 6 do C.C.M..

Porém, considerando que os montantes pelo T.J.B. atribuídos a título de indemnização de danos patrimoniais já incluem os gastos que a demandante suportou até 24.05.2019, não sendo assim de se contabilizar todo o período inicialmente pela demandante pretendido, (pois que para a mesma atingir 77 anos de idade faltam cerca de 10 anos, e não 12), há que proceder a um ajuste, julgando-se parcialmente procedente o recurso na parte em questão, e condenando-se a arguida a pagar à demandante as quantias de MOP$420.000,00 e MOP$67.000,00.

Dest’arte, nesta parte, o recurso procede parcialmente, ficando a arguida condenada a pagar à demandante o montante total de MOP$1.624.142,74, (MOP$837.142,74 + MOP$300.000,00 + MOP$420.000,00 + MOP$67.000,00).

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso do Ministério público, ficando a arguida condenada na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por 4 anos, na condição de pagar à demandante o total da indemnização decretada nos exactos termos em que se vier a decidir pelo T.J.B., julgando-se parcialmente procedente o recurso da demandante.

Custas pela arguida recorrida, com a taxa de justiça de 3 UCs.

Pelos seus decaimentos pagarão demandante e demandada civil as respectivas custas.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 31 de Outubro de 2019
_________________________
José Maria Dias Azedo
_________________________
Tam Hio Wa
_________________________
Chan Kuong Seng
(afigurando-se-me, porém, que este T.S.I. deveria fixar directamente o prazo de pagamento total da indemnização civil, em três meses, e não, pois, deveria remeter a fixação do prazo e dos termos do pagamento à nova decisão do Tribunal recorrido, pugnanto é de elementar justiça pagar a arguida a indemnização civil à pessoa lesada, a qual, tem sempre o direito de mover execução do julgado civil contra a arguida).


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