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Processo n.º 98/2019. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: Secretário para a Economia e Finanças.
Recorrido: A.
Assunto: Médico. Alojamento. Internato geral. Arrendamento. Aquisição da situação de arrendatário.
Data da Sessão: 23 de Outubro de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
   I - Se a Administração, durante décadas, reconhece expressamente como arrendatário médico dos quadros dos Serviços de Saúde, que beneficiou de alojamento de moradia do Território de Macau para frequentar o internato geral em hospital de Macau, ao abrigo de Protocolo entre os Governos de Portugal e de Macau, a falta de celebração de contrato escrito não impede a consolidação da situação como arrendatário de moradia da Administração, para todos os efeitos legais.
   II - A situação descrita na conclusão anterior configura a aquisição da situação de arrendatário por decurso do tempo (mais de 30 anos) e do reconhecimento como tal pelo senhorio, a Administração, em termos semelhantes àqueles que a doutrina e a jurisprudência aceitam relativamente à aquisição da qualidade de funcionário pelo agente putativo, aquele que exerce funções administrativas de maneira a ser reputado como agente regular, apesar de não estar validamente provido no respectivo cargo.
  O Relator,
  Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A, médico do quadro do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 8 de Junho de 2017, do Secretário para a Economia e Finanças, que lhe indeferiu requerimento para aquisição de moradia do Estado.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão de 16 de Maio de 2019, concedeu provimento ao recurso e anulou o acto recorrido.
Inconformado, interpõe o Secretário para a Economia e Finanças recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), defendendo que o interessado não é arrendatário de moradia pública, permanecendo a usufruir uma casa por força de Protocolo entre a República Portuguesa e o Território de Macau, desde 1987, a título de frequentar o internato geral, pelo que não tem direito a adquirir moradia.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

II – Os factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
1. O Dr. A é natural de Macau e deslocou-se para Portugal para frequentar o curso de medicina, que concluiu na Universidade do Porto.
2. Após a conclusão do curso de medicina ingressou como Interno Geral no Hospital Geral de Santo António, na cidade do Porto, em 01.02.1986, mas foi autorizado a concluir esse mesmo internato geral em Macau no CHCSJ, com efeitos a partir de 22.06.1987.
3. Concluiu o internato em 16/11/1987 em Macau.
4. A execução do internato geral em Macau foi efectuada ao abrigo de “contrato além do quadro”, na sequência de Protocolo de Acordo celebrado entre os Governos de Macau e da República Portuguesa, publicado no BO nº 16, de 20 de Abril de 1987, tendo-lhe sido nesse mesmo contrato reconhecido o direito a casa mobilada nos termos do mesmo Protocolo (fls. 316. a 318 do p.a).
5. Então, por Despacho nº 96/Fin/87, de 28/10/1987, o director dos Serviços de Finanças, por sub-delegação do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos, atribuiu ao Dr. A, então médico interno da DSS, a moradia T1 do [Endereço (1)] (fls. 308- 309 do p.a.).
6. Desde 1/11/1987 foi descontado no vencimento salarial do Dr. A o montante devido a título de renda de casa, de acordo com os arts. 25º e 26º do DL nº 100/84/M, de 25 de Agosto1, diploma que actualizava e revia o regime dos abonos dos funcionários e agentes da Administração do território de Macau. (fls. 307-308).
7. Iniciou a sua carreira médica no CHCSJ como Clínico Geral, inicialmente em regime de eventual em 17.11.1987, posteriormente como contratado além do quadro em 25.03.1988 e, finalmente, em regime de nomeação definitiva integrado nos quadros de pessoal do CHCSJ desde 18.12.1990, na categoria de Clínico Geral, grau 1, 1.º escalão (fls. 306 do p.a.).
8. Com autorização, o Dr. A ausentou-se posteriormente de Macau para frequentar o Estágio do Internato Complementar de Dermatologia, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, no período compreendido entre 01.03.1992 e 30.04.1994 no âmbito do Internato Complementar de Dermatologia que iniciou no CHCSJ, em Macau, em 01.02.1990.
9. O Dr. A, para a frequência do Internato da especialidade em Portugal, requereu em 14/02/1992 (dando simultaneamente sem efeito um pedido anterior em que dava conta de entregar a moradia durante o período do internato em Portugal) a manutenção da moradia que utilizava ao abrigo do art. 9º, nº1, do DL nº 46/80/M, de 27/12 durante a sua ausência de Macau (fls. 298 do p.a.).
10. Este pedido foi deferido por despacho do Director dos SS de 9/03/1992 (fls. 299, vº, do p.a.).
11. Desde então, regressado a Macau, toda a carreira profissional do Dr. A foi feita em Macau no âmbito da sua especialidade médica, detendo desde 14.11.2005 a posição de Responsável do Serviço de Dermatologia do CHCSJ.
12. Em 19/06/2000 foi prestada a Informação Administrativa nº 30479/DACE/00, no âmbito da Direcção dos Serviços de Finanças, que concluiu pela existência de uma situação de arrendamento, embora nunca tenha sido lavrado nenhum contrato escrito entre a Administração e o ora recorrente (fls. 286 a 291 do p.a.).
13. No rosto da referida Informação 30479/DACE/00 a subdirectora da DSF, em 28/06/2000, considerou que era “de manter a situação presente” (fls. 286 do p.a.).
14. Em 14/11/2003, por despacho nº 36/M/Fin/2003, a mesma Subdirectora determinou que a moradia do [Endereço (2)] passasse a ficar atribuída ao Dr. A (fls. 275 do p.a.).
15. O Dr. A recebeu a referida casa no dia 13/01/2004, com os móveis e aparelhos nela existentes (fls. 274 do p.a.).
16. Em 9/05/2016, o Dr. A requereu à Direcção dos Serviços de Finanças, a compra de uma moradia da RAEM que estivesse disponível para alienação, por aquela onde reside ([Endereço (2)] pertencente à RAEM) não poder ser alienada. (fls. 256, do p.a.).
17. Em 2/06/2016 foi elaborada uma Proposta, a que foi dado o nº 30247/DGP/16, que concluiu pela seguinte forma:
“(…)6. Do exposto resulta que, à luz desta norma, destinada a salvaguardar direitos, o Dr. A, em 1996, à data da entrada em vigor do diploma, era funcionário de nomeação definitiva do quadro dos Serviços de Saúde e, por conseguinte, nos termos do mesmo artigo 37.º alínea b) reúne o mesmo as condições legalmente exigidas para a aquisição da moradia de que é arrendatário, previstos no nº 1 e nº 2 do artigo 1.º da Lei nº 4/83/M.
7. Deste modo, atendendo que as moradias do edifício Comforseg, por motivos e interesses da Administração não se podem alienar e, para que o Dr. A, possa usufruir do direito legal da compra de moradia da RAEM, sugere-se, salvo melhor entendimento, que lhe sejam facultadas algumas moradias para escolha e posterior transferência nos termos legais, consoante a tipologia actualmente atribuída, por uma questão de igualdade com aqueles que adquiriram as moradias da RAEM onde residem independentemente da composição do agregado familiar no momento da aquisição. (…)” (fls. 235-240 do p.a.).
18. Em 25/01/2011 foi elaborada a Informação nº 007/NAJ/DB/11, que concluiu que o Dr. A à data da entrada em vigor do DL nº 31/96/M não reunia os requisitos da Lei nº 4/83/M para aquisição de moradia da RAEM (fls. 225 a 229 do p.a.).
19. Em 26/01/2011 a Directora dos Serviços concordou com o teor da aludida Informação nº 007/NAJ/DB/11 (fls. 225 do p.a.).
20. Em 4/07/2016 foi elaborada a Informação Jurídica nº 023/DIR/AS/2016, que concluiu que o Dr. A não tinha direito à pretendida aquisição, nos seguintes termos:
(…) 7- Em face do que precede constata-se que o requerente, à data da entrada em vigor do Decreto-lei n.º 31/96/M, usufruía do direito ao alojamento em moradia da RAEM mediante o pagamento de uma contraprestação, beneficiando, no entanto, de uma situação especial inerente à sua condição de "contratado ao exterior" com direito ao alojamento, que lhe foi atribuída nessa qualidade ao abrigo do Protocolo do Acordo acima citado, até à sua entrada para o quadro da RAEM em 1990 e que se manteve, tendo sido posteriormente autorizada a formalização do contrato do arrendamento, mediante o despacho de 28/06/2000 da Senhora Subdirectora dos Serviços de Finanças, com base no disposto na alínea a) do artigo 37.° do Decreto-Lei n.º 31/96/M.
8- CONCLUSÕES
Nesta conformidade, a situação acima descrita do requerente como arrendatário de uma moradia da RAEM, apenas foi regularizada ao abrigo do despacho de 28/06/2000 da Senhora Subdirectora dos Serviços de Finanças, fundamentado na alínea a) do artigo 37.° do Decreto-Lei n.º 31/96/M, a qual não confere o direito à aquisição a que se reporta a alínea b) do artigo 37.° do supracitado Decreto-Lei n.º 31196/M, tendo presente a legislação vigente à data da entrada em vigor deste diploma.
Salvo melhor opinião, pela legislação vigente a que se refere a Informação/Proposta n.º 30247/DGP/16, os arrendatários com direito a aquisição da moradia da RAEM em que habitam, são os que celebraram os contratos de arrendamento nas condições previstas nos n.º 1 e n.º 2 do artigo 1.° da Lei n.º 4/83/M, o que, todavia, em nosso entendimento, em face do exposto, não ocorreu no caso presente.” (fls. 232-234 do p.a.).
21. Em 23/09/2016 foi elaborada a Informação Jurídica nº 032/DIR/AS/2016, reiterando a posição da Informação nº 023/DIR/AS/2016 (fls. 63-72 do p.a.).
22. Posteriormente foi emitida a Informação 30036/DGP/17, que conclui pela necessidade de notificar o Dr. A para se pronunciar em audiência de interessados sobre o teor da Informação 023/DIR/AS/2016 (fls. 58-62, do p.a.).
23. O Dr. A pronunciou-se em se de audiência de interessados através de advogado constituído (fls. 47 -49 do p.a.).
24. Em 15/03/2017 foi emitida a Informação Jurídica nº 004/DIR/AS/2017, que manteve a opinião anteriormente expendida no sentido do indeferimento da pretensão do interessado (fls. 41-44 do p.a.).
25. Em 24/04/2017 foi produzida uma outra (Proposta nº 3021/DGP/2017), com o seguinte teor:
“1. Por requerimento dado entrada nesta Direcção de Serviços a 09/05/2016, o Dr. A, médico consultor dos Serviços de Saúde, residente na moradia [Endereço (2)], solicitou a compra de uma moradia da RAEM, moradia que estivesse actualmente disponível e que pudesse ser vendida nos termos da legislação em vigor, dado que o apartamento onde reside não pode ser vendido.
2. Em 02/06/2016, submeteu-se à consideração superior a proposta n.º 30247/DGP/16, que se pronunciava, salvo melhor entendimento, no sentido de autorização do pedido de transferência de moradia para que, posteriormente, se pudesse candidatar à compra da mesma.
3. Em 20/06/2016, por despacho do Exmo. Senhor Director desta Direcção de Serviços, exarado na proposta n.º 30247/DGP/16, 02/06/2016, foi determinado que a situação fosse objecto de análise jurídica.
4. Em 07/07/2016, por despacho do Exmo. Senhor Director destes serviços exarado na informação nº 023/DIR/AS/2016, de 04/07/2016, que se pronuncia pelo indeferimento da pretensão do interessado, foi determinado a este Departamento para proceder ao levantamento de casos de atribuição de moradias similares à do requerente em questão.
5. Em cumprimento do despacho do Exmo. Senhor Director referido no parágrafo antecedente da presente informação, através da informação n.º 30393/DGP/16, de 17/08/2016, a qual mereceu despacho de visto e determinou que fosse remetida ao Dr. B para accionamento, comunicou-se dos casos arquivados neste departamento de situações de moradias atribuídas ao abrigo do artigo 6º do DL nº 46/80/M, de 27/12, e ainda de pedidos que foram objecto de análise jurídica, cujos pareceres se anexaram à citada informação.
6. Em 06/12/2016, na sequência do requerimento apresentado pelo Dr. A, em 29/11/2016, no qual solicitava informação sobre o seu pedido de compra de moradia da RAEM, submeteu-se à consideração superior a informação n.º 30597/DGP/16, na qual foi exarado parecer do Exmo. Senhor Chefe do DGP, Subst.º, de 07/12/2016, mas não obteve despacho.
7. Em 04/01/2017, por despacho do Exmo. Senhor Director desta Direcção de Serviços exarado na Informação nº 032/DIR/AS/2016, de 23/09/2016, de concordância, foi determinado que a mesma fosse remetida ao Departamento de Gestão Patrimonial que solicitou o mesmo parecer. Contudo, a emissão do parecer jurídico foi determinado por despacho do Exmo. Senhor Director conforme exarado na proposta nº 30247/DGP/16, 02/06/2016, já referida na presente informação.
A citada informação concluiu o seguinte teor que passo a transcrever:
“A propósito do pedido de aquisição de moradia formulado pelo Dr. A, mantemos o parecer emitido na informação nº 023/DIR/AS/2016, de 04/07/2016, considerando, como então expresso, que os funcionários arrendatários das moradias da RAEM com direito à aquisição da moradia em que habitam são, apenas, em face da legislação aplicável, os que reuniram as condições previstas nos n.ºs. l e 2 do artigo 1.º da Lei n.º 4/83/M e que celebraram os contratos de arrendamento conforme previsto no Decreto-Lei n.º 46/80/M, tal como decorre do acima exposto e não ocorreu no caso presente.”
8. Assim, em 12/01/2017, submeteu-se a informação nº 30036/DGP/17, que obteve despacho de concordância do Exmo. Sr. Director, de 19/01/2017, no sentido de notificar o requerente para que, querendo, nos termos do artigo 93.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro, se pronunciar quanto ao conteúdo do parecer emitido na informação nº 023/DIR/AS/2016, de 04/07/2016, que se pronuncia no sentido de indeferimento da sua pretensão pelos motivos de facto e de direito expostos na mesma.
9. Da análise jurídica constante da informação nº 023/DIR/AS/2016, de 04/07/2016, que se pronuncia pelo indeferimento da pretensão, e que mereceu despacho de concordância do Exmo. Senhor Director desta Direcção de Serviços exarado na informação n.º 032/DIR/AS/2016, de 23/09/2016, passo a transcrever o entendimento sustentado:
“Dando cumprimento ao despacho de V Ex.ª exarado na Proposta/Informação n.º 30247/DGP/16, de 02 de Junho, e considerando os pressupostos de facto nela expostos que fundamentam o pedido de aquisição de moradia da RAEM apresentado pelo médico-consultor do quadro dos Serviços de Saúde de Macau, Dr. A, expendemos os seguintes considerandos:
1- Dos factos descritos verifica-se, primeiramente, que foi atribuída ao requerente a moradia de tipologia T1, do [Endereço (1)], mediante o despacho nº 96/FIN/87, exarado em 28 de Outubro de 1987, ao abrigo do artigo 6.º do Decreto-Lei n. º46/80/M, de 27 de Dezembro, conforme previa o Protocolo do Acordo celebrado entre o Governo de Macau e a República Portuguesa, publicado no BO n.º 16, de 20 de Abril de 1987, a fim de que os médicos, durante a sua permanência em Macau para a realização do internato geral, fossem sujeitos à legislação vigente no Território em todas as situações em que esta lhes fosse aplicável.
2- Tendo terminado o internato geral, em 16/11/87, o Dr. A foi autorizado a deslocar-se à República Portuguesa para a frequência de um estágio de 20 meses (internato complementar) e solicitou que lhe fosse mantido na sua ausência o direito à manutenção da sua moradia ao abrigo do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 46/80/M (corrigindo um pedido inicial de devolução da mesma moradia), continuando a efectuar o pagamento da correspondente contraprestação, tendo sido admitido, em regime eventual, como médico de clínica geral, a partir de 17/11/87.
3- Foi contratado além do quadro, como médico de clínica geral, a partir de 25/03/1988.
4- Foi nomeado, provisoriamente, como clínico geral, a partir de 18/12/89.
5- Em 18 de Dezembro de 1990, conforme publicação em BO n.º 20, de 20 de Maio de 1991, o Dr. A ingressou no quadro do Centro Hospitalar Conde S. Januário, na categoria de clínico geral, grau 1, 1.º escalão, tendo sido nomeado definitivamente nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do ETAPM, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, sendo que, entretanto, continuava a usufruir do direito a alojamento e a pagar a citada contraprestação.
6- Em 28/06/2000, por despacho da Senhora Subdirectora dos Serviços de Finanças, exarado na Informação nº 30479/DGP/DACE/00 de 19/06, foi decidido manter a situação anterior e formalizar o contrato do arrendamento com o Dr. A, em moradia da RAEM, ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 31/96/M.
7- Em face do que precede constata-se que o requerente à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 31/96/M, usufruía do direito ao alojamento em moradia da RAEM mediante o pagamento de uma contraprestação, beneficiando, no entanto, de uma situação especial inerente à sua condição de “contratado ao exterior” com direito ao alojamento, que lhe foi atribuída nessa qualidade ao abrigo do Protocolo do Acordo acima citado, até à sua entrada para o quadro da RAEM em 1990 e que se manteve, tendo sido posteriormente autorizada a formalização do contrato do arrendamento, mediante o despacho de 28/06/2000 da Senhora Subdirectora dos Serviços de Finanças, com base no disposto na alínea a) do artigo 37.º do Decreto-Lei n. º31/96/M
8- CONCLUSÕES
Nesta conformidade, a situação acima descrita do requerente como arrendatário de uma moradia da RAEM, apenas foi regularizada ao abrigo do despacho de 28/06/2000 da Senhora Subdirectora dos Serviços de Finanças, fundamentado na alínea a) do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 31/96/M, a qual não confere o direito à aquisição a que se reporta a alínea b) do artigo 37.º do supracitado Decreto-Lei n.º 31/96/M, tendo presente a legislação vigente à data da entrada em vigor deste diploma.
Salvo melhor opinião, pela legislação vigente a que se refere a Informação/Proposta n.º 30247/DGP/16, os arrendatários com direito a aquisição da moradia da RAEM em que habitam são os que celebraram os contratos de arrendamento nas condições previstas nos n.º 1 e n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 4/83/M, o que, todavia, em nosso entendimento, em face do exposto, não ocorreu no caso presente.”
10. Em 20/01/2017, pelo ofício nº 10175/DGP/17, notificou-se o requerente para, querendo, nos termos e ao abrigo do artigo 93º, se pronunciar, por escrito, no prazo de 10 dias, quanto ao conteúdo da informação nº 023/DIR/AS/2016, de 04/07/2016, que informava do sentido provável da decisão no sentido de indeferimento da sua pretensão pelos motivos de facto e de direito acima expostos.

DA AUDIÊNCIA DO INTERESSADO
11. Na sequência do ofício acima referido, no dia 03/02/2017, a advogada do Dr. A veio a este Departamento e consultou o processo do citado interessado.
12. Em 06/02/2017, por requerimento dado entrada nesta Direcção dos Serviços, a citada advogada, veio manifestar a sua discordância respeitante às conclusões que lhe foram transmitidas.
Afirma, assim, no aludido requerimento que:
- Foi atribuída, inicialmente, ao interessado, por Despacho n.º 96/FIN/87, de 28 de Outubro de 1987, a moradia de tipologia TI, do [Endereço (1)], ao abrigo do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 46/80/M, de 27 de Dezembro;
- Sendo o interessado funcionário do quadro do Centro Hospitalar Conde S. Januário, adquiriu o direito de aquisição da moradia, aquando do seu ingresso, ou seja, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 31/96/M, de 17 de Junho;
- De acordo com a alínea b) do n~ do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 31/96/M, “Os trabalhadores que habitem moradias da propriedade do território podem candidatar-se à sua aquisição, desde que, á data da entrada em vigor do presente diploma, reúnam os requisitos para o efeito na legislação vigente.”

Reunindo os requisitos para a aquisição da moradia antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 31/96/M, duvidas não restam que esse direito do interessado se mantém;
- O interessado não é nem pode ser responsabilizado por não ter sido formalizado o contrato de arrendamento, aquando do seu ingresso no quadro do Centro Hospitalar Conde S. Januário e que o arrendamento sempre foi reconhecido pela administração como sendo um direito do interessado, tendo-lhe sido descontado no seu ordenado as rendas devidas, e;
- Por fim, refere que ao contrário do referido no ponto 7 do despacho o interessado nunca foi um “contratado ao exterior”. À data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 31/96/M, o interessado fazia parte do quadro do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, onde ingressou, na categoria de clinico-geral, grau 1, 1.º escalão, em 18 de Outubro de 1990.
13. Deste modo, para efeitos de apreciação da audiência de interessado, em 09/02/2017, submeteu-se à consideração superior a informação nº 30086/DGP/17, no sentido de se remeter o original do requerimento para apreciação do autor da informação nº 023/DIR/AS/2016, de 04/07/2016, que está na base da proposta de indeferimento notificado ao interessado.
14. Da apreciação constante na informação n.º 004/DIR/AS/2017, de 15/03/2017, que aqui dou por integralmente reproduzida concluiu que: “..., como anteriormente, que, pela legislação vigente a que se refere a informação/Proposta n.º 30247/DGP/16, os arrendatários com direito a aquisição da moradia da RAEM em que habitam são os que celebram os contratos de arrendamento após o preceituado no Decreto-Lei n.º 46/80/M e nas condições previstas nos n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 4/83, que expressamente excluía, na alínea d) do n.º 3 do mesmo artigo, as habitações sob reserva”.
Pelo exposto, julgo ser de submeter à presente informação à consideração superior do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças, propondo-se o indeferimento do pedido de compra de moradia da RAEM, nos termos propostos no parecer jurídico Constante da informação n.º 023/DIR/AS/2016, de 04/07/2016.”
Mais, comunica-se a V. Ex.ª que, nos termos do disposto na subalínea (2), da alínea 8) do artigo 36.º da Lei n.º 9/1999, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 9/2004, e da alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do Código de Processo Administrativo e Contencioso - aprovado pelo Decreto-Lei nº 110/99/M, de 13 de Dezembro - do acto administrativo em apreço cabe recurso contencioso a interpor, no prazo de 30 dias a contar da data da notificação, junto do Tribunal de Segunda Instância da Região Administrativa Especial de Macau.
26. O Secretário para a Economia e Finanças, em 8/06/2017, proferiu o seguinte despacho (fls. 31 do p.a.):
“Indefiro o pedido de compra de moradia” (a.a.).
Este é o acto recorrido.

III – O Direito
1. As questões a resolver
Trata-se de saber se o acórdão recorrido julgou mal ao entender que o acto recorrido violou a lei ao considerar que o interessado não era arrendatário de moradia do Estado, não podendo, por este motivo, requerer a aquisição de moradia pública.

2. Alojamento em moradias do Estado
Os servidores do Território de Macau podiam beneficiar de alojamento providenciado pela Administração, em várias circunstâncias.
Antes de mais, os funcionários e agentes que habitassem casa arrendada ou similar, tinham direito a subsídio de residência, desde que comprovassem a renda paga (artigo 203.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM).
O mesmo Estatuto previa a possibilidade de a Administração conceder aos seus trabalhadores abonos em espécie, designadamente alojamento, regulados em diplomas próprios (artigo 256.º do ETAPM).
O Decreto-Lei n.º 46/80/M, de 27 de Dezembro, previu a distribuição de moradias do Estado em regime de arrendamento, aos servidores do Estado em serviço em Macau, mediante concurso público a que poderiam concorrer os funcionários e agentes ao serviço do Território.
   O Decreto-Lei n.º 60/92/M, de 24.8, que estabeleceu um novo regime de recrutamento de pessoal recrutado no exterior para exercer funções nos serviços públicos de Macau, revogando o Decreto-Lei n.º 53/89/M, consagrou, em novos moldes, o direito a alojamento de tal pessoal, passando a prever, ao lado da possibilidade de alojamento em moradia fornecida pelo Território, a possibilidade de atribuição de um subsídio para arrendamento e de um subsídio para equipamento.
   O exercício do direito a alojamento em moradia do Território implicava o pagamento pelo trabalhador de uma contraprestação de valor equivalente ao da renda devida pelos trabalhadores da Administração Pública de Macau.
   Por sua vez, havia, pelo menos, uma outra situação, que foi a do interessado nos presentes autos, em que a Administração do Território de Macau, se obrigou a prestar alojamento aos licenciados em medicina em Portugal que se candidatassem e fossem aceites a realizar internato geral, a realizar em estabelecimento dos Serviços de Saúde de Macau, comprometendo-se o Governo português a considerar como válido o internato, para efeitos de carreira médica em Portugal. Tal obrigação de alojamento a esses médicos do internato geral foi assumida num Protocolo entre os Governos de Portugal e de Macau, celebrado em Lisboa, a 3 de Abril de 1987, publicado no Boletim Oficial, de 20 de Abril de 1987.
   Nas três situações descritas só na primeira o alojamento dos servidores públicos era em regime de arrendamento, pelo que o interessado nos presentes autos e ora recorrido, Dr. A, foi alojado em casa do Estado, como um abono em espécie, sem se ter constituído na situação de arrendatário.
   
   4. A situação do interessado
   O Dr. A concluiu o internato em 16/11/1987 em Macau e desde esta ocasião, formalmente, deixou de ter título para ocupar a moradia T1 do [Endereço (1)], que lhe foi concedida por Despacho nº 96/Fin/87, de 28/10/1987, do director dos Serviços de Finanças, ao abrigo do mencionado Protocolo.
   Não obstante, nenhuma alteração no alojamento se deu e o interessado continuou a habitar a casa, pagando o que os Serviços de Finanças designavam por renda.
   O Dr. A iniciou a sua carreira médica no CHCSJ como Clínico Geral, inicialmente em regime de eventual em 17.11.1987, posteriormente como contratado além do quadro em 25.03.1988 e, finalmente, em regime de nomeação definitiva integrado nos quadros de pessoal do CHCSJ desde 18.12.1990, na categoria de Clínico Geral, grau 1, 1.º escalão.
Com autorização, o Dr. A ausentou-se posteriormente de Macau para frequentar o Estágio do Internato Complementar de Dermatologia, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, no período compreendido entre 01.03.1992 e 30.04.1994 no âmbito do Internato Complementar de Dermatologia que iniciou no CHCSJ, em Macau, em 01.02.1990.
O Dr. A, para a frequência do Internato da especialidade em Portugal, requereu em 14/02/a manutenção da moradia que utilizava ao abrigo do art. 9º, nº1, do DL nº 46/80/M, de 27/12 durante a sua ausência de Macau, pedido que foi deferido por despacho do Director dos SS de 9/03/1992.
Este n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 46/80/M, dispunha que “Durante o tempo de ausência temporária do Território por motivo de serviço público, poderão os funcionários ou agentes continuar na posse das moradias que ocupem, desde que o requeiram e paguem pontualmente as respectivas rendas”, inserindo-se no capítulo respeitante ao arrendamento das moradias do Estado aos servidores do Estado em serviço em Macau.
Quer isto dizer que, bem ou mal, a Administração de Macau considerava que o interessado, agora como médico do quadro do Hospital público, usufruía da casa do Estado na qualidade de arrendatário. Recorde-se que o interessado deixou de ter o título, ao abrigo do qual lhe foi concedida a casa, quando terminou o internato geral em Novembro de 1987.
Só essa consideração, de que o interessado usava a casa como arrendatário do Território de Macau, permitiu que, não só continuasse a utilizar a casa, como mantivesse a sua posse quando foi para Portugal realizar o internato da especialidade, durante dois anos.
Regressado a Macau, de onde é natural, toda a carreira profissional do Dr. A foi feita em Macau no âmbito da sua especialidade médica no CHCSJ, continuando a habitar a casa.
Em 19/06/2000 foi prestada a Informação Administrativa nº 30479/DACE/00, no âmbito da Direcção dos Serviços de Finanças, que concluiu pela existência de uma situação de arrendamento, embora nunca tenha sido lavrado nenhum contrato escrito entre a Administração e o Dr. A. No rosto da referida Informação 30479/DACE/00 a subdirectora da DSF, em 28/06/2000, considerou que era “de manter a situação presente” e em 4/11/2003, por despacho nº 36/M/Fin/2003, a mesma Subdirectora determinou que a moradia do [Endereço (2)] passasse a ficar atribuída ao Dr. A. Que recebeu a referida casa no dia 13/01/2004, com os móveis e aparelhos nela existentes.
Só quando, em 2016, o Dr. A, invocando a sua qualidade de arrendatário, requereu à DSF, ao abrigo do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 4/83/M, de 11 de Junho (“As habitações arrendadas pelo Território a funcionários dos seus quadros próprios, no activo ou aposentados, podem ser vendidas nos termos desta lei”), a compra de uma moradia da RAEM que estivesse disponível para alienação, veio a DSF dizer que ele afinal não era arrendatário, pelo que não podia adquirir uma moradia.
Ora, a menos que vários funcionários e responsáveis da DSF, tivessem andado durante quase 30 anos, a tolerar que alguém, que não dispunha de título para ocupar moradia do Estado, não só a ocupasse, como tivesse mesmo mudado para outra moradia, como vimos, com gravíssima violação de deveres funcionais, temos de considerar que, para todos os efeitos, a situação do Dr. A se consolidou como arrendatário da moradia em causa, mesmo que não tivesse havido a celebração formal de um arrendamento, como não houve.
Recorde-se que, de acordo com o n.º 2 do artigo 8.º do Decreto n.º 43525, de 7 de Março de 1961 (Lei do Inquilinato do Ultramar), vigente em 1987, o arrendamento será reconhecido em juízo por qualquer meio de prova, quando se demonstre que a falta é imputável ao senhorio ou ao arrendatário. Identicamente, dispunha o n.º 2 do artigo 21.º do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 12/95/M, de 14 de Agosto, que revogou o Decreto n.º 43525. O mesmo se diga do n.º 2 do artigo 1032.º do Código Civil (Decreto-Lei n.º 39/99/M, de 3 de Agosto), que revogou o Regime do Arrendamento Urbano.
Finalmente, não se pode dizer que a situação do interessado quanto ao alojamento era de mera tolerância da Administração, como se se tivessem esquecido que ele ocupava uma casa da Administração. E não era assim já que:
- Em 1992 o interessado foi autorizado a permanecer na posse casa aquando da frequência do internato da especialidade em Portugal, o que foi feito ao abrigo do arrendamento das moradias do Estado;
- A subdirectora da DSF, em 28/06/2000, concordou com uma informação dos serviços, que concluiu pela existência de uma situação de arrendamento, embora nunca tenha sido lavrado nenhum contrato escrito entre a Administração;
- A DSF, ao autorizar a mudança de moradia em 2003, praticou um acto que revela reconhecimento expresso da qualidade de arrendatário, já que sem ela não poderia ter permitido a mudança.
Deu-se, assim, a aquisição da situação de arrendatário por decurso do tempo (mais de 30 anos) e da consideração como tal pelo senhorio, a Administração, em termos semelhantes àqueles que a doutrina e a jurisprudência aceitam relativamente à aquisição da qualidade de funcionário pelo agente putativo, aquele que exerce funções administrativas de maneira a ser reputado como agente regular, apesar de não estar validamente provido no respectivo cargo2.
Não merece, pois, censura o acórdão recorrido.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso jurisdicional.
Sem custas.
Macau, 23 de Outubro de 2019.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa

1 Diploma revogado pelo DL nº 87/89/M, que aprova o Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau
2 Sobre o agente putativo, MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Almedina, Coimbra, II volume, p. 644 e segs.
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Processo n.º 98/2019

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Processo n.º 98/2019