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Processo n.º 83/2019. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: Chefe do Executivo.
Recorrido: A.
Assunto: Princípio dispositivo. Excesso de pronúncia. Conhecimento de vício não suscitado pelo que interpôs recurso contencioso ou pelo Ministério Público.
Data da Sessão: 8 de Novembro de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
O Tribunal não pode conhecer de vício não suscitado pelo que interpôs recurso contencioso ou pelo Ministério Público, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 69.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 74.º do mesmo diploma, incorrendo em violação do princípio dispositivo e em excesso de pronúncia, se o fizer.
  O Relator,
  Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 29 de Dezembro de 2017, do Chefe do Executivo, que indeferiu o pedido de autorização de residência temporária do recorrente em Macau.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão de 4 de Abril de 2019, anulou o acto recorrido.
Inconformado, interpõe o Chefe do Executivo recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando as seguintes questões:
O acórdão recorrido conheceu de vício do acto administrativo recorrido (falta de fundamentação), que não foi suscitado no recurso contencioso pelo interessado e não o poderia fazer porque o vício não é de conhecimento oficioso.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso por violação do disposto no n.º 6 do artigo 74.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, devendo o processo ser remetido ao TSI para conhecimento dos vícios invocados pelo recorrente.

II – Os factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
1. O Recorrente apresentou a 22 de Julho de 2016 junto do IPIM um pedido de autorização de residência temporária na RAEM.
2. A 07 de Julho de 2017, o Recorrente foi notificado através do ofício n.º XXXXX/GJFR/2017 do sentido provável de indeferimento do seu pedido, nos termos e para os efeitos dos arts. 93.º e 94.º do Código de Procedimento Administrativo.
3. Da análise preliminar conduzida pelo IPIM, concluiu aquele instituto que:
“1) Conforme as informações da procura de emprego online, divulgadas pelo Departamento de Emprego da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, existem 68 candidatos com as qualificações académicas similares à de V. Ex.ª, e os candidatos à procura de trabalho de ramo idêntico totalizam 1;
2) Além disso, de acordo com as informações do Gabinete de Apoio ao Ensino Superior do ano lectivo 2014/2015, existem 2,294 graduados na categoria de Gestão Empresarial, dos quais existe um número considerável de profissionais com grau académico de mestrado ou superior;
3) Pelo exposto, tendo em conta o seu tipo de actividade, habilitações académicas e experiência profissional, não é considerado de particular interesse para a Região Administrativa Especial de Macau;
4) Nesta conformidade, a situação poderá ser desfavorável ao pedido de V. Exa. e, nos termos do Artigo 94.º do «Código de Procedimento Administrativo», venho por este meio notificar V. Exa. para, no prazo de 10 dias, pronunciar-se, por escrito, sobre o assunto supracitado, nos termos do no 3 do mesmo artigo.”
4. No exercício do direito de audiência que lhe assistia, o Recorrente apresentou a 17 de Julho de 2017 uma exposição cujo teor é o seguinte:
“…
O requerente A apresentou pedido de fixação de residência em Macau para si e para o seu agregado familiar no passado dia 22 de Julho de 2016.
Da análise preliminar conduzida pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, a que V. Ex.ª preside, concluiu-se, de acordo com o ofício n.º XXXXX/GJFR/2017, que:
“1) Conforme as informações da procura de emprego online, divulgadas pelo Departamento de Emprego da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, existem 68 candidatos com as qualificações académicas similares à de V. Ex.ª, e os candidatos à procura de trabalho de ramo idêntico totalizam 1;
2) Além disso, de acordo com as informações do Gabinete de Apoio ao Ensino Superior do ano lectivo 2014/2015, existem 2,294 graduados na categoria de Gestão Empresarial, dos quais existe um número considerável de profissionais com grau académico de mestrado ou superior;
3) Pelo exposto, tendo em conta o seu tipo de actividade, habilitações académicas e experiência profissional, não é considerado de particular interesse para a Região Administrativa Especial de Macau;
4) Nesta conformidade, a situação poderá ser desfavorável ao pedido de V. Exa. e, nos termos do Artigo 94.º do «Código de Procedimento Administrativo», venho por este meio notificar V. Exa. para, no prazo de 10 dias, pronunciar-se, por escrito, sobre o assunto supracitado, nos termos do no 3 do mesmo artigo.”
(sublinhado nosso)
A sua cônjuge, B, foi também notificada, através do ofício n.º XXXXX/GJFR/2017, do provável indeferimento do seu pedido, uma vez que a procedência do seu pedido depende da aprovação do pedido do seu cônjuge.
Os interessados apresentam conjuntamente a sua pronúncia por escrito, visto que a procedência do pedido de ambos dependerá da apreciação do pedido do requerente principal, A (doravante, "o Requerente").
II - DAS FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELO REQUERENTE
O Requerente, como de resto consta de toda a documentação que instrui o seu processo administrativo, é titular do Bilhete de Identidade de Residente de Hong Kong n.º XXXXXXX(X) e do Título de Identificação de Trabalhador Não-Residente de Macau n.º XXXXXXXX.
O Requerente exerce desde o ano de 2013 as funções de Business Development Manager junto da Sucursal de Macau da seguradora C.
A seguradora C faz parte do grupo B Holdings (Asia) Pte. Ltd., que tem uma forte presença na Ásia, onde oferece diversas soluções a nível de produtos de seguros há mais de cem anos.
Em Macau, a sucursal da empresa, cuja exploração da actividade seguradora foi autorizada através da Ordem Executiva n.º 22/2005, tem uma presença estável e duradoura, tendo sucedido na sua actividade à F, cuja presença no território remontava a 1982 (cf. Portaria n.º 186/82/M).
A C explora em Macau os seguintes ramos gerais de seguros: Acidentes de trabalho; Incêndio; Automóvel; Marítimo-carga; Acidentes pessoais; Doença; Quebra de vidros; Marítimo-cascos; Viagens; Furto ou roubo; Responsabilidade civil geral; Valores em trânsito; Fianças; Multi-riscos (habitação); Avaria de máquinas; Construções; Lucros cessantes; Equipamento electrónico; Crédito (riscos comerciais); Aéreo-cascos e Responsabilidade civil de aviões.
O total do passivo e da situação líquida da empresa cifrava-se no final de 2016 em MOP$247,427,547.55 (duzentos e quarenta e sete milhões, quatrocentas e vinte e sete mil, quinhentas e quarenta e sete patacas e cinquenta e cinco avos), de acordo com as contas de exploração do exercício de 2016, publicadas no Boletim Oficial de Macau n.º 28, II Série, no passado dia 12 de Julho de 2017.
Entre as funções que estão acometidas ao Requerente, enquanto Business Development Manager da C, destacam-se as seguintes:
1. Atingir os objectivos de receitas e lucro para a Sucursal de Macau.
2. Manter a qualidade de serviço e uma boa relação com os intermediários designados.
3. Assistir no planeamento estratégico e implementar o plano de negócios da Sucursal de Macau.
4. Providenciar suporte operacional e na avaliação de riscos na renovação cíclica das apólices e também no desenvolvimento de novos negócios.
5. Manter eficiente a execução do processo negocial (do início ao fim) nos termos das orientações e procedimentos da C.
6. Gerir e monitorizar o sistema e a equipa para assegurar a eficácia e a eficiência das operações diárias.
7. Assistir o Gerente de Macau para atingir um crescimento lucrativo, o controlo de crédito e o respeito pelas obrigações.
Entre as responsabilidades da sua posição, destacam-se as seguintes:
A nível de Desenvolvimento de Negócios:
1. Manter um contacto frequente com os intermediários, para explorar oportunidades de negócio.
2. Estabelecer e manter uma relação próxima com os principais parceiros de negócio e providenciar serviços de apoio oportunamente e com qualidade.
3. Apoiar a Sucursal de Macau no desenvolvimento de negócios, organizando eventos sociais e de promoção da marca.
4. Gerir o portefólio de negócios e resolver litígios com intermediários.
A nível de Gestão Operacional e Administrativa:
1. Monitorizar os membros da equipa para verificar, processar e implementar políticas em conformidade com os padrões da B no que concerne à execução e precisão das tarefas.
2. Manter o controlo para atingir apoio atempado na renovação das apólices, incluindo reavaliações, actualizações e notificações dos termos de validade.
3. Assegurar a integridade dos dados do sistema e a qualidade dos dados introduzidos, incluindo o ajuste de códigos de localidade, manutenção da localidade e revisão e ajustes de compromissos a nível de incêndio.
4. Providenciar apoio no serviço ao cliente e nas funções administrativas das apólices.
5. Identificar e resolver problemas relacionados com o sistema (quer seja o P400 ou o GenLink) para assegurar que os padrões de emissão de apólice são cumpridos.
6. Actualizar estatísticas diárias individuais incluindo produtividade, ciclos dê produção, precisão e outras medições.
7. Quando necessário, providenciar apoio de salvaguarda a outras equipas da Sucursal de Macau, conforme for decido pelo Gerente Responsável.
A nível de serviços e de avaliação de riscos:
1. Assegurar que todas as transacções estão de acordo com as Personal Acceptance Authority (PAA) e apoio adequado e encaminhamento para resseguro sempre que o risco exceda as PAA.
2. Assegurar que se mantêm os padrões de serviços de acordo com o estipulado entre a B e os intermediários.
3. Iniciar e manter uma relação laboral eficiente com o pessoal em todos os níveis de intermediários para contribuir para um crescimento de negócios lucrativo.
4. Frequentar cursos de formação interna e externamente, consoante decidido pelo Gerente Responsável.
5. Providenciar orientação e formar os subordinados.
6. Executar quaisquer tarefas determinadas pelo Gerente Responsável.
A nível de Controlo de Crédito:
1. Identificar e perseguir quaisquer prémios em atraso por parte dos intermediários, de acordo com a política de crédito da C.
2. Relatar e registar quaisquer prémios em dívida no Relatório de Extensão de Crédito, para aprovação.
Como é de conhecimento de V. Ex.ª, a actividade seguradora na RAEM está dependente de autorização prévia por parte do Chefe do Executivo, estando sujeita a um escrutínio apertado e permanente por parte da Autoridade Monetária de Macau (AMCM), nos termos melhor previstos no Decreto-Lei n.º 27/97/M, que estabelece o regime jurídico do acesso e exercício à actividade seguradora no território de Macau.
O exercício da actividade seguradora, como é sabido, tem implicações profundas e pode ter consequências repercussivas não só na economia regional e internacional como sobretudo, e antes de mais, no próprio tecido social da RAEM, pois através da avaliação, gestão e assunção de riscos se contrabalançam interesses tão sérios e díspares como a gestão de fundos de poupança dos particulares, a protecção em caso de acidentes sofridos por terceiros ou a liberação das actividades empresariais dos riscos a ela inerentes, por exemplo.
A C está sujeita, pois, a uma superintendência, coordenação e fiscalização da competência do Chefe do Executivo de Macau, executadas por intermédio da AMCM (cf. arts. 9.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 27/97/M), sendo que no âmbito deste controlo se presta especial atenção à idoneidade, qualificação e experiência profissionais das pessoas que efectivamente detêm a gestão da seguradora, nos termos do art. 19.º, n.º 2, al. c) do Decreto-Lei n.º 27/97/M.
Daí que a C requeira para o exercício das funções acima descritas, para satisfazer os requisitos estritos de supervisão da actividade, não apenas um candidato licenciado, mas alguém apetrechado das necessárias qualificações no ramo dos seguros, com o mínimo de oito anos de experiência na área.
O candidato deve ser portador de um perfil íntegro e inatacável, comprovado pelo seu currículo, experiência e progresso a nível de carreira no ramo da indústria seguradora.
O Requerente enquadra-se perfeitamente no perfil desejado para ocupar a posição de relevo, sendo uma escolha natural para desempenhar tais funções no seio da C, consoante a opinião, política e escolha da própria empresa (cf. doc. n.º 1).
Na verdade, as funções exercidas pelo Requerente dentro da estrutura organizacional da C colocam-no, dentro da gestão do negócio desenvolvido na RAEM, no segundo patamar hierárquico do pessoal, conforme se comprova pelo documento que se anexa como doc. n.º 2.
Efectivamente, acima do seu posto, na hierarquia empresarial no que respeita à actividade desenvolvida na RAEM, encontra-se apenas o Senior Manager da região, estando sob o seu pelouro, por exemplo, a supervisão dos Senior Executives nas áreas financeira e de negócios.
III - DO PARTICULAR INTERESSE DO REQUERENTE PARA O TERRITÓRIO
Como acima se viu, as funções desempenhadas pelo Requerente na C, uma seguradora reconhecida internacionalmente e com presença de renome na RAEM que remonta a 1982 (se tivermos em conta que sucedeu no negócio da anterior F), equivalem à posição de n.º 2 na estrutura empresarial, no que concerne à actividade desenvolvida na RAEM.
O Requerente ocupa uma posição de alto risco e de enorme responsabilidade que exigem dele uma experiência vasta e multiforme na área, que efectivamente possui.
O Requerente não só detém formação académica superior em Marketing, como também possui um mestrado especializado em Gestão de Riscos e Seguros, que frequentou e completou na Universidade de Deakin, na Austrália.
O Requerente trabalhou no ramo da indústria seguradora durante cinco anos, tendo adquirido uma versatilidade invejável, antes de assumir as funções de Assistant Business Development Manager na Sucursal de Hong Kong da seguradora C, no ano de 2006.
Após um percurso louvável no seio da empresa, foi promovido internamente no ano de 2013 para assumir as funções de Business Development Manager na sucursal de Macau, posição que hoje em dia ainda ocupa.
Durante a sua actividade em Macau, tem demonstrado repetidamente um vasto conhecimento acerca das operações e gestão de uma companhia seguradora a nível de optimização dos recursos e de resultados, demonstrando uma visão compreensiva no ramo, calculando sopesadamente os riscos inerentes à actividade e as políticas de assunção de risco, assim como controlando os serviços de apoio à cliente no sentido de obter respostas céleres e satisfatórias.
Ao longo dos anos, em particular desde 2006 na C, o Requerente fomentou relações privilegiadas as seguradoras mais credenciadas, não se limitando aos principais parceiros de negócios e correctores de seguros, sendo a sua experiência valiosa na actividade, designadamente, do resseguro, tão importante para o funcionamento e viabilidade do exercício da actividade seguradora no território.
A sua experiência e know-how dotam-no de todos os elementos necessários para ser, de resto, um óptimo formador e orientador dos quadros formados localmente, possuindo um conhecimento invejável do funcionamento dos mercados e produtos de seguros.
A posição que o Requerente hoje ocupa na Sucursal da RAEM é a de vice do mandatário geral da companhia (cf. doc. n.º 1), sabendo-se que a lei exige para este uma residência permanente no território.
Ao contrário do que transparece da notificação sobre a qual o requerente ora se pronuncia, não existe no mercado de Macau actualmente ninguém disponível para exercer as suas funções, como no capítulo seguinte melhor se explanará.
A concessão de autorização de residência ao Requerente beneficiará a RAEM sobremaneira, pois ficará dotada com mais um membro de uma pequena elite regional que conhece profundamente a indústria, sendo de resto a pessoa ideal para formar os quadros que pretendem crescer no ramo localmente.
O Requerente, tendo aqui crescido e progredido profissionalmente, pretende, de resto, aqui integrar-se definitivamente, acolhendo a terra que o catapultou e devolvendo ao território a oportunidade que lhe foi concedida, deixando uma marca premente na elevação dos padrões da actividade seguradora e partilhando o seu conhecimento com os mais jovens.
A fixação de residência no território, de resto, permitirá ao núcleo familiar do Requerente enraizar-se estavelmente em Macau, podendo os seus filhos " gradecer no meio ambiente que o Requerente adoptou como próprio, ainda que, por ora, apenas provisoriamente.
IV - DOS CANDIDATOS REFERENCIADOS
V. Ex.ª referiu, no ofício a que ora se responde, que "[c]onforme as informações da procura de emprego online, divulgadas pelo Departamento de Emprego da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, existem 68 candidatos com as qualificações académicas similares à de V. Ex.ª, e os candidatos à procura de trabalho de ramo idêntico totalizam 1".
Ressalvado o tido e devido respeito, que é muito, tal afirmação não poderia estar mais desfasada da realidade, carecendo tais dados da devida contextualização, para uma melhor e mais compreensiva percepção dos mesmos.
O Requerente pretende fixar a sua residência em Macau, não por estar apetrechado com um curso de Gestão de Empresas, mas por ser um quadro especializadíssimo contratado por empregador local, com formação académica, qualificações e sobretudo experiência profissional na área dos seguros, em particular a adquirida ao longo dos anos na companhia, que o destacam no exercício da sua profissão.
Nenhum dos candidatos cujas informações foram facultadas pelo Departamento de Emprego da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais reúne minimamente as condições necessárias para exercer as funções de Business Development Manager na empresa seguradora que hoje em dia emprega o Requerente, de tal modo que a própria seguradora, contratando-os, possa cumprir as exigências rigorosas da AMCM.
Tanto assim é que o Requerente desempenha desde 2013 as suas funções na C, ao abrigo da Autorização de Contratação de Trabalhador Não-Residente de Macau n.º XXXXXXXX, nos termos da qual foi contactada a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, ao longo dos anos, no sentido de auscultar a oferta local de quadros para a sua posição.
A Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, ao longo dos anos, tem informado a sua entidade empregadora de que não existem no território quadros qualificados para exercer tais funções, anexando-se a título de exemplo comunicações daquela entidade datadas de 2014 (doc. n.º 3), 2015 (doc. n.º 4) e, mais recentemente, de 3 Julho de 2017 (doc. n.º 5).
A inexistência de quaisquer quadros locais qualificados tem consubstanciado desde 2013 a autorização para contratação do Requerente enquanto trabalhador não-residente especializado.
Efectivamente, apenas 4 (quatro) dos candidatos referenciados a fls. 27-32 do processo administrativo à margem epigrafado possuem alguma experiência no ramo de seguros, pelo que sobre aqueles se focará inicialmente o presente escrutínio.
Os restantes estão manifestamente impreparados para exercer as funções desempenhadas pelo Requerente, que requerem um conhecimento muito profundo e consolidado da actividade seguradora.
Nenhum dos 68 candidatos, aliás, pretende trabalhar no ramo dos seguros, o que revela desde logo a sua falta de vocação para desempenhar o cargo do Requerente.
Procederemos à análise dos currículos dos quatro candidatos com alguma experiência na área de seguros e, seguidamente, analisaremos o currículo destacado pelo IPIM a fls. 35 do processo administrativo. Por mero exercício de exaustão, avaliar-se-ão, a final, os currículos de outros dois candidatos com mais anos de actividade profissional.
i) Do candidato n.º 041037 (a fls. 29 do processo administrativo)
O candidato possui experiência de 2 anos de trabalho enquanto agente de seguros, 2 anos de trabalho na área de relações públicas e 2 anos de trabalho enquanto escriturário, pretendendo exercer as funções de escriturário, auferindo um salário de MOP$10,000.00 (dez mil patacas).
É manifesto que a experiência do candidato é insuficiente para o exercício das funções acometidas ao Requerente e acima melhor explanadas.
O trabalho de um agente de seguros equipara-se mais ao de um salesman do que propriamente a alguém dotado de conhecimento para calcular, avalizar e contrair os riscos imanentes aos seguros, para desenvolver os negócios da seguradora ou para ser útil no manejamento do seu escritório local.
O nível de inglês do candidato é insatisfatório para a posição de Business Development Manager, cargo que exige o contacto permanente com colegas da área, nomeadamente para efeitos de captação de negócio, para a contratação de resseguros e para o desenvolvimento do negócio regional, que implica um domínio profícuo da língua inglesa, pois esta é notoriamente a linguagem veicular no ramo.
ii) Do candidato n.º 030628 (a fls. 31 do processo administrativo)
O candidato possui experiência de 3 anos de trabalho enquanto agente de seguros, 3 anos de trabalho enquanto relações públicas e 1 ano de trabalho enquanto operador telefónico, pretendendo exercer as funções de escriturário, auferindo um salário de MOP$12,000.00 (doze mil patacas), ou de operador, auferindo um salário de MOP$16,000.00 (dezasseis mil patacas).
É manifesto que a experiência do candidato é insuficiente para o exercício das funções acometidas ao Requerente e acima melhor explanadas.
O trabalho de um agente de seguros, como acima se referiu para o candidato anterior, equipara-se mais ao de um salesman do que propriamente a alguém dotado de conhecimento para calcular, avalizar e contrair os riscos imanentes aos seguros, para desenvolver os negócios da seguradora ou para ser útil no manejamento do seu escritório local.
O nível de inglês do candidato é insatisfatório para a posição de Business Development Manager, cargo que exige o contacto permanente com colegas da área, nomeadamente para efeitos de captação de negócio, para a contratação de resseguros e para o desenvolvimento do negócio regional, que implica um domínio profícuo da língua inglesa, pois esta é notoriamente a linguagem veicular no ramo.
iii) Do candidato n.º 030368 (a fls. 31 do processo administrativo)
A candidata possui experiência de 1 ano de trabalho enquanto agente de seguros e de 3 anos e 2 meses de trabalho enquanto empregada de mesa, pretendendo exercer as funções de escriturário, auferindo um salário de MOP$10,000.00 (dez mil patacas).
É manifesto que a experiência da candidata é insuficiente para o exercício das funções acometidas ao Requerente e acima melhor explanadas.
O trabalho de um agente de seguros, como acima se referiu, equipara-se mais ao de um salesman do que propriamente a alguém dotado de conhecimento para calcular, avalizar e contrair os riscos imanentes aos seguros, para desenvolver os negócios da seguradora ou para ser útil no manejamento do seu escritório local.
O nível de inglês do candidato é insatisfatório para a posição de Business Development Manager, cargo que exige o contacto permanente com colegas da área, nomeadamente para efeitos de captação de negócio, para a contratação de resseguros e para o desenvolvimento do negócio regional, que implica um domínio profícuo da língua inglesa, pois esta é notoriamente a linguagem veicular no ramo.
iv) Do candidato n.º 020705 (a fls. 32 do processo administrativo)
O candidato possui experiência de 1 ano e três meses de trabalho enquanto consultor de seguros, de 2 meses de trabalho enquanto técnico de informática e de um ano e dois meses enquanto operador de telebet, pretendendo exercer funções de housekeeping, auferindo um salário de MOP$9,000.00 (nove mil patacas), de escriturário, auferindo um salário de MOP$20,000.00 (vinte mil patacas), ou de recepcionista de hotel, auferindo um salário de MOP$15,000.00 (quinze mil patacas).
É manifesto que a experiência do candidato é insuficiente para o exercício das funções acometidas ao Requerente e acima melhor explanadas.
Desconhece-se em que capacidade exerceu o candidato as funções de consultor de seguros, nem tampouco que tipo de actividade desenvolve um consultor de seguros, pois tal profissão não é sequer contemplada na lista de profissões mediadoras facultada pela AMCM.
O que transparece do seu currículo, porém, é que foi uma actividade desempenhada esporadicamente, ao lado de outras experiências fugazes na área da informática e enquanto operador de telebet.
Não ressalta do seu currículo a experiência necessária para exercer funções com responsabilidade equivalente à do Requerente, não estando dotado de experiência comprovada para assumir o papel de n.º 2 numa seguradora em actividade na RAEM.
Seria impensável para qualquer dos quatro candidatos acima descritos exercer as funções do Requerente, pois apenas exerceram esporadicamente, como se viu, algumas funções relacionadas com a actividade seguradora - três dos quais num papel que se assemelha mais à de um vendedor, que poderia trabalhar tanto com seguros como com outro produto ou mercadoria - e que carecem das qualificações ou experiência necessárias para assumir uma posição de relevância suprema na gestão de um escritório vocacionado para a actividade seguradora.
De resto, as habilitações, experiência e ambições dos quatro candidatos revelam a completa incapacidade para assumir as funções desempenhadas pelo Requerente na empresa seguradora, acima melhor explanadas.
Tendo em conta as funções e responsabilidade da profissão do Requerente, por um lado, e o escrutínio exercido pelo Governo da RAEM sobre a actividade seguradora e o controlo a nível de idoneidade profissional e moral sobre os seus quadros mais elevados, por outro, é manifesto que tais candidatos não podem exercer as funções do Requerente, equiparável à de n.º 2 na gestão da Sucursal.
Procederemos seguidamente à análise do currículo do candidato n.º 031458, destacado a fls. 35 do processo administrativo à margem epigrafado, sendo este aliás o único que pretende exercer funções enquanto na área de Business Development dentro dos quadros referenciados no ofício a que se responde.
v) Do candidato n.º 031458 (a fls. 35 do processo administrativo)
O candidato possui experiência de três meses de trabalho enquanto assistente de planeamento de Business Development, de 2 anos e seis meses de trabalho enquanto assistente de direcção e de 2 anos e seis meses enquanto gerente de apoio ao cliente, pretendendo exercer funções de funcionário administrativo, de funcionário de apoio ao cliente ou de funcionário de Business Development, auferindo um salário de MOP$20,000.00 (vinte mil patacas).
Deve-se começar por salientar o óbvio: o candidato não possui qualquer experiência na área da actividade seguradora, factor que o exclui automaticamente da consideração para o posto ocupado pelo Requerente e que denota uma fragilidade no que respeita a ocupar uma posição de topo numa empresa seguradora.
De resto, o candidato possui uma experiência de apenas três meses enquanto assistente de Business Development, o que o torna manifestamente incapaz para exercer as funções acometidas ao requerente.
Em termo de comparação, pode-se referir que o Requerente, antes de ser considerado para e assumir as funções que lhe estão acometidas na RAEM, desempenhou as funções de Assistant Business Development Manager na vizinha Região Administrativa Especial de Hong Kong pelo período de sete anos, à parte de todo o currículo que já possuía na área, designadamente de cinco anos ao serviço de outras seguradoras.
Por mero exercício de exaustão da análise dos currículos providenciados minimamente comparáveis aos do Requerente, tecer-se-ão ainda algumas acerca do currículo dos candidatos n.º 040570 e 21211, que são os que de longe os que detêm maior experiência dentro do elenco facultado:
vi) Do candidato n.º 040570 (a fls. 30 do processo administrativo)
O candidato possui experiência de 30 anos e nove meses enquanto vice-presidente de uma sucursal e pretende exercer as funções de balconista ou de funcionário ou gerente bancário, auferindo um salário de MOP$15,000.00 (quinze mil patacas).
Não se pode deixar de salientar o facto óbvio, de que o candidato não possui qualquer experiência no ramo da actividade seguradora.
De resto, é de estranhar que após um período de actividade tão constante e tão duradouro, o candidato venha agora prestar-se a ocupar posições de menor relevância, ou até que esteja desempregado, o que revela ou que está numa fase decadente da carreira, o que não se coaduna com o exercício nem responsabilidade das funções do Requerente.
O nível de inglês do candidato é insatisfatório para a posição de Business Development Manager, cargo que exige o contacto permanente com colegas da área, nomeadamente para efeitos de captação de negócio, para a contratação de resseguros e para o desenvolvimento do negócio regional, que implica um domínio profícuo da língua inglesa, pois esta é notoriamente a linguagem veicular no ramo.
vii) Do candidato n.º 021211 (a fls. 32 do processo administrativo) O candidato possui experiência de 31 anos e nove meses enquanto director (desconhecendo-se de quê) e pretende exercer as funções de director bancário, auferindo um salário de MOP$50,000.00 (cinquenta mil patacas).
Não se pode deixar de salientar o facto óbvio, de que o candidato não possui qualquer experiência no ramo da actividade seguradora.
De resto, é de estranhar que após um período de actividade tão constante e tão duradouro, o candidato esteja agora desempregado, o que não abona a seu favor, visto que na RAEM, como se sabe, o desemprego é um problema inexistente, especialmente para mão-de-obra residente qualificada.
O nível de inglês do candidato é insatisfatório para a posição de Business Development Manager, cargo que exige o contacto permanente com colegas da área, nomeadamente para efeitos de captação de negócio, para a contratação de resseguros e para o desenvolvimento do negócio regional, que implica um domínio profícuo da língua inglesa, pois esta é notoriamente a linguagem veicular no ramo.
V - DA EXISTÊNCIA DE GRADUADOS EM MACAU
A posição do Requerente envolve diversas responsabilidades que não se coadunam, manifestamente, com a falta de experiência profissional de um recém-graduado.
A indicação no ofício a que se responde de que "(...) de acordo com as informações do Gabinete de Apoio ao Ensino Superior do ano lectivo 2014/2015, existem 2,294 graduados na categoria de Gestão Empresarial, dos quais existe um número considerável de profissionais com grau académico de mestrado ou superior" é, portanto, totalmente inconsequente na avaliação das qualificações e sobretudo experiência comprovada do Requerente.
Como acima se referiu, o exercício de funções de topo numa empresa do ramo segurador no território requer uma idoneidade exemplar condizente com os riscos e responsabilidades inerentes à profissão, que se comprova desde logo pela experiência profissional, e que não se coaduna, seguramente, com a preparação que detém um recém-licenciado.
A mais-valia do Requerente baseia-se, de facto, na sua vasta e compreensiva experiência multiforme no ramo dos seguros, ao longo de mais de 16 anos de uma carreira na área que tem progredido constantemente.
Por tudo o exposto, a autorização para o Requerente e sua família aqui fixarem residência fortalecerá o território com um quadro especializado dotado de conhecimento e experiências profundas e consolidadas que serão, de reste essenciais na formação e elevação dos mencionados recém-graduados locais...”.
O IPIM lavrou a proposta n.º 0206/2016, cujo conteúdo é seguinte:
“…
I. Fundamentos do pedido
O requerente A requere, nos termos do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, a autorização de residência temporária com base na contratação pela C na posição de Business Development Manager, com extensão para cônjuge B, descendente D e descendente E.
II. Análise
(1) O Regulamento Administrativo n.º 3/2005 fixa o pressuposto do direito de residência em que o recorrente tem que ser de particular interesse para a RAEM. Por isso, não se considera todos os trabalhadores não residentes autorizados para trabalhar em Macau são de particular interesse para a autorização de fixação de residência temporária.
(2) O requerente tem a licenciatura de gestão empresarial e o mestrado de gestão de seguro e de risco, bem como a experiência profissional de gestão não inferior a 16 anos na área de seguro e de serviço de cliente. Mas, de acordo com as informações da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, do Gabinete de Apoio ao Ensino Superior e da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, devido à acumulação do recurso humano, não carece de empregados e graduados com o grau académico, experiência e natureza de trabalho. Por isso, não se revela o particular interesse para a RAEM.
(3) As universidades em Macau têm disciplina com a mesma natureza do cargo do requerente, o qual é substituível no fornecimento de mercado.
Em termos da análise supracitada, esta Direcção realizou a audiência escrita com o requerente, o qual, apesar de ter apresentado a resposta escrita, não verificou que ele era de particular interesse para a RAEM.
III. Proposta
Nos termos do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, propõe a não considerar o requerente A de particular interesse para a RAEM e não deferir o pedido de autorização de residente temporária.
À consideração superior …”
O Chefe do Executivo da RAEM proferiu em 2017.12.29 o despacho seguinte:
“…
O interessado seguinte requere, nos termos do art.º 1.º, al. 3) do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, a autorização de residência temporária dele próprio e do agregado familiar com base em quadros dirigentes. O interessado tem a licenciatura de gestão empresarial e o mestrado de gestão de seguro e de risco, bem como a experiência profissional de gestão não inferior a 16 anos na área de seguro e de serviço de cliente. Mas, atento o facto de que o cargo do interessado não exige qualificação profissional e não carece na RAEM de residentes com grau académico de negócio e gestão, conclui-se que o interessado não deve ser considerado como quadro dirigente favorável à RAEM e, por isso, não defere o pedido de autorização de residência temporária.
Número
Nome
Relação
1
A
Requerente
2
B
Cônjuge
3
D
Descendente
4
E
Descendente
…”

III – O Direito
1. Questões a apreciar
Trata-se de saber se o acórdão recorrido conheceu de vício do acto administrativo recorrido, que não foi suscitado no recurso contencioso pelo interessado e, sendo o caso, se o poderia fazer.

2. Interpretação da petição de recurso contencioso
O ora recorrente considera que o acórdão recorrido conheceu de vício do acto administrativo recorrido, que não foi suscitado no recurso contencioso pelo interessado, dado que anulou o acto com fundamento em falta de fundamentação e o recorrente não invocou no recurso contencioso este vício, mas um outro, completamente diverso, que foi o de violação do princípio da participação, por terem sido completamente ignoradas as questões que suscitou aquando da audiência prévia, por escrito.
O acórdão recorrido entendeu que o vício suscitado não foi o da violação do princípio da participação, mas o da falta de fundamentação. E que a circunstância de o vício ter sido erradamente qualificado, não impede o seu conhecimento e o seu provimento com base na qualificação que o tribunal considere correcta.
E conhecendo de tal vício supostamente arguido, entendeu o acórdão recorrido o seguinte:
“Na superfície, parece que o acto recorrido cumpre o dever de fundamentação, indeferindo o pedido de autorização de residência temporária apresentado pelo recorrente com base no facto de que o grau académico e a experiência profissional não são considerados favoráveis à RAEM.
No entanto, salvo o devido respeito, não se nos afigura suficiente a fundamentação do acto recorrido, porque este não explica concretamente por que razão o grau académico e a experiência profissional do recorrente não são considerados favoráveis à RAEM, limitando-se a fazer alegação conclusiva.
O recorrente alegou por escrito que a experiência profissional dele é favorável e contribuinte a Macau, o que se consta no artigo 4 dos factos provados. Mas o acto recorrido não respondeu sobre isso”.
Ora, o que, a propósito o recorrente havia dito na petição de recurso contencioso foi o seguinte:
“15. Não tendo sido o teor do despacho recorrido minimamente esclarecedor sobre as razões que determinaram o indeferimento da pretensão do recorrente, o recorrente requereu a consulta do seu processo administrativo.
16. Foi então que o recorrente tomou conhecimento do parecer que conduziu à decisão final, que permite compreender tanto o procedimento administrativo que a despoletou como também, em retrospectiva, as razões que a fundamentaram.
17. A primeira conclusão que ressalta da análise de tal parecer é que a pronúncia apresentada pelo ora recorrente na sua audiência escrita não foi pura e simplesmente apreciada.

19. Noutras palavras, o recorrente foi convidado a inverter uma decisão, mas ao mesmo tempo ignorado por completo no seu percurso, o que revela que a sua audiência não passou de uma mera formalidade, transformando-se o direito a ser ouvido num mero direito a falar.
20. Por isso, mantiveram-se exactamente as mesmíssimas razões de fundo de indeferimento que haviam sido adiantadas, o que também confirma, de outra perspectiva, a total desconsideração a que foram votados os argumentos cuidadosamente escalpelizados pelo recorrente.
21. Na óptica do recorrente, tal comportamento por parte da entidade recorrida revela uma violação do seu direito de audiência porque, no final de contas, ter dito alguma coisa foi igual a ter ficado calado.
22. Desse prisma, resultou violado, na sua materialidade, o preceituado nos arts. 94.º e 95.º do CPA, que não são nem mais nem menos do que uma manifestação do princípio da participação.
23. O princípio da participação, plasmado no art. 10.º do CPA, é um princípio que deve pautar a actividade administrativa, devendo ser assegurada - não só formalmente - a audiência dos interessados.
24. A decisão final que se tomou não reflecte nem directa nem indirectamente quaisquer dos pontos de vista suscitados pelo recorrente, votando-os a um completo desprezo.
25. A violação do princípio da participação redunda, no final de contas, numa distanciação desaconselhável entre a Administração e os particulares administrados.
26. A violação do princípio da participação implica a anulabilidade do acto administrativo, nos termos do art. 124.º do CPA, a qual desde já se invoca”.
Afigura-se-nos que o ora recorrente tem razão.
O recorrente do recurso contencioso afirmou expressamente que ficou a saber pelo parecer que antecedeu o acto administrativo as razões que levaram ao indeferimento do seu requerimento de autorização de residência temporária (“Foi então que o recorrente tomou conhecimento do parecer que conduziu à decisão final, que permite compreender tanto o procedimento administrativo que a despoletou como também, em retrospectiva, as razões que a fundamentaram”).
Por isso, o recorrente do recurso contencioso não invocou o vício da falta de fundamentação.
O que o recorrente do recurso contencioso alegou foi que houve violação do direito de audiência, porque tendo sido formalmente ouvido antes da decisão sobre o sentido provável desta, os factos e circunstâncias que invocou foram completamente ignorados, “… no final de contas, ter dito alguma coisa foi igual a ter ficado calado” (artigo 21), “… o que revela que a sua audiência não passou de uma mera formalidade, transformando-se o direito a ser ouvido num mero direito a falar” (artigo 19).
Ou seja, o recorrente do recurso contencioso percebeu porque é que seu requerimento foi indeferido, pelo que não suscitou falta de fundamentação. O que ele diz é que a Administração ouviu-o formalmente, mas não substancialmente, que é como quem diz, “deixou-o a falar sozinho”.
Em suma, é exacto que o acórdão recorrido conheceu de vício não arguido e, por outro lado, não conheceu de vício arguido.

3. Violação do princípio dispositivo
Trata-se, agora, de saber se o acórdão recorrido conheceu de vício não arguido, violando o princípio dispositivo e se enferma de excesso de pronúncia.
Já vimos que o acórdão recorrido não se limitou a fazer uso dos poderes previstos no n.º 6 do artigo 74.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, segundo o qual “A errada qualificação pelo recorrente dos fundamentos do recurso não impede o seu provimento com base na qualificação que o tribunal considere adequada”.
Conheceu de vício não suscitado pelo recorrente, o que equivale a ter conhecido de causa de pedir não invocada pelo interessado (artigo 5.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente), bem como conheceu de questão não suscitada, incorrendo em excesso de pronúncia, o que acarreta nulidade do acórdão [n.º 3 do artigo 563.º e parte final da alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º, ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis subsidiariamente].
Cabe ao Tribunal recorrido suprir a nulidade, nos termos do n.º 2 do artigo 159.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.

IV – Decisão
Face ao expendido, concedem provimento ao recurso, revogam o acórdão recorrido, anulando-o na parte que conheceu do vício de falta de fundamentação, para que conheça dos vícios suscitados pelo recorrente, se nada a isso obstar.
Sem custas, atento o disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 2.º do Regime das Custas nos Tribunais.
Macau, 8 de Novembro de 2019.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa



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Processo n.º 83/2019

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Processo n.º 83/2019