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Processo n.º 76/2017. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: A.
Recorrido: B.
Assunto: Dívidas comuns do casal. Exercício do comércio.
Data do Acórdão: 13 de Novembro de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
  As dívidas contraídas no exercício do comércio responsabilizam ambos os cônjuges casados num regime de comunhão, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal [alínea e) do n.º 1 do artigo 1558.º do Código Civil].
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório e factos relevantes
  No inventário para partilha dos bens de casal, formado por A e B, este interpôs recurso do despacho da Ex.ma Juíza, que decidiu manter as verbas 3 e 36 do passivo, apresentadas pela cabeça de casal A, que eram:
Verba 3 (revisão)
Srª D, sócia da C, recebeu dividendos na quantia de MOP$622,377.00.
Como A e B foram demandados pela E numa acção de cobrança de dívida, cujo número de processo é CV2-10-0019-CAO, finalmente, a conta da C pagou £200.000,00 (Euros) para chegar à transacção extrajudicial entre as duas partes, o valor equivalente foi de MOP$2.074.590,00 (cfr. documentos nºs 33-35), e acordo com a assembleia geral da C Limitada, utilizando o dinheiro referenciado aos lucros da sociedade e distribuindo-se aos três sócios como dividendos, e a sócia D possui uma quota do capital social de MOP$18.000,00, portanto, pela distribuição proporcional, ela obteria um dividendo de MOP$622.377,00 (34.576,50*18) (cfr. os documentos nº 33-35 a fls. 542 e ss do processo)- essa importância foi calculada de acordo com as quotas dos sócios da sociedade, MOP$2.074.590,00/60*18, ao B, então *24.

Verba 36
A e B foram demandados pela E numa acção de condenação, cujo número de processo é CV2-10-0019-CAO, finalmente, finalmente, a conta da C pagou £200.000,00 (Euros) para chegar a um acordo extrajudicial entre as partes, o valor equivale a MOP$2.074.590,00, e acordo com a assembleia geral da C, utilizando o dinheiro relevante dos lucros da sociedade e que se destina a ser distribuído aos três sócios como dividendos, não calculando a parte da sócia D, os dois ainda devem à C, a dívida de MOP$1.452.213,00 (cfr. docs. Nºs 33-36 a fls. 542-551).

O Tribunal de Segunda Instância (TSI) concedeu provimento ao recurso interposto por B, decidindo eliminar as mencionadas verbas, com os seguintes fundamentos:
“Salvo o devido respeito por melhor opinião, julgamos igualmente ter razão o recorrente.
Em primeiro lugar, no tocante à dívida de £200.000,00 (Euros), equivalente a MOP$2.074.590,00, a mesma resulta do acordo firmado entre A e a sociedade E (cfr. termo de transacção exarado no processo CV2-10-0019-CAO e constante de fls. 104 dos autos).
Não obstante o recorrente B ser um dos réus na referida acção, mas não interveio na transacção judicialmente homologada, daí que não está vinculado ao tal acordo.
A isto acresce o facto de que ainda não foi feito o julgamento nem apreciado o mérito daquela acção, isso significa que o Tribunal a quo não pode dar como provados os factos articulados por uma das partes (sociedade E), salvo havendo confissão do recorrente.
Em segundo lugar, também não se vislumbram elementos nos autos que permitam provar a existência de alguma deliberação dos sócios da C quanto à distribuição de lucros da sociedade.
Desta sorte, por não se ter logrado a prova da existência das dívidas descritas nas verbas 3 e 36 da relação de bens, as mesmas terão que ser eliminadas, sem prejuízo de as partes interessadas recorrerem aos meios comuns caso assim o entendam”.
Recorre, agora, A para este Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando as seguintes questões:
  - Quanto ao fundamento de que a transacção judicialmente homologada a fls. 550-551 do Apenso B (fls. 106 a 107 do I Volume do Processo n.º 76/2017) não vincula o B por nela ele não ter intervindo, o mesmo não se mostra exacto, nem decisivo.
  - Ao decidir em sentido contrário ao da presunção de comunicabilidade da dívida comercial do cônjuge comerciante apenas com base nos três argumentos expendidos a fls. 165v, sem invocar qualquer norma jurídica e sem que se tivesse provado que não foi contraída em proveito comum do casal, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 1557.º, n.º 2 (Código Civil), 81.º (Código Comercial) e 1558.º, n.º 1, alínea d) (Código Civil).


II – O Direito
1. Questões a apreciar
Há que decidir se as verbas 3 e 36 se devem manter.


2. Existência de dívida do casal
O Processo CV2-10-0019-CAO é uma acção declarativa com processo comum ordinário, proposta por E, contra as partes do presente inventário, A e B, na qual a autora pedia a condenação no pagamento de dívida contraída pela 1.ª ré A, no exercício de comércio, ao tempo casada com o 2.º réu B no regime de comunhão de bens.
Antes do julgamento, a autora e a 1.ª ré A puseram termo ao litígio, mediante transacção, pelo qual a 1.ª ré A pagou 200.000 euros à autora, considerando-se esta totalmente paga do pedido formulado.
O 2.º réu B não interveio na transacção, vindo a declarar no processo, por escrito, a fls. 361 a 363, que concordava com o montante pela qual aquela foi realizada, mas não sabia se os bens do estabelecimento eram suficientes para pagar a dívida e, consequentemente, se os seus bens próprios ou os comuns do casal teriam de responder pela dívida.
A acção veio a ser extinta quanto ao réu por inutilidade superveniente da lide.
Assim, o réu reconheceu a dívida expressamente e concordou com o pagamento feito de 200.000 euros.
As dívidas contraídas no exercício do comércio responsabilizam ambos os cônjuges casados num regime de comunhão, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal [alínea e) do n.º 1 do artigo 1558.º do Código Civil], o que o ora recorrido não fez.
Na transacção consta ter sido a 1.ª ré A a pagar a dívida, pelo que não há elementos para dizer que a C pagou tal dívida ou onde obteve a ré o dinheiro para pagar a dívida.
Assim, na Verba 3 deve constar:
A pagou 200.000 euros a E, por força de transacção efectuada por aquela, em acção declarativa com processo comum ordinário movida por esta contra A e B (Processo CV2-10-0019-CAO).
B não interveio na transacção, mas veio a declarar por escrito no processo que concordava com o montante pela qual aquela foi realizada, reconhecendo a dívida expressamente como dívida do casal e concordou com o pagamento feito de 200.000 euros.
A verba 36 deve ser suprimida, porque duplica a 3.
Estão prejudicadas as restantes questões.

IV – Decisão
Face ao expendido, concede-se provimento ao recurso, revoga-se o acórdão recorrido, devendo constar como dívida comum do casal o montante pago por A (200.000 euros) a E, por força de transacção efectuada por aquela, em acção declarativa com processo comum ordinário movida por esta contra A e B (Processo CV2-10-0019-CAO).
Custas pelo ora recorrido nas duas instâncias de recurso.

Macau, 13 de Novembro de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

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