打印全文
Processo n.º 36/2017. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: A.
Recorrida: Companhia de Desenvolvimento B, Limitada.
Assunto: Usucapião. Edificações informais. Barracas. Decreto-Lei n.º 6/93/M, de 15 de Fevereiro.
Data do Acórdão: 29 de Novembro de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO
O Decreto-Lei n.º 6/93/M não impede a usucapião do direito de propriedade dos terrenos onde se construíram edificações informais, vulgarmente conhecidas por barracas.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
Companhia de Desenvolvimento B, Limitada, intentou acção declarativa com processo comum ordinário contra A, pedindo a sua condenação no reconhecimento da autora como proprietária da parcela de terreno com a área de 41 m2 (formada por duas sub-parcelas com as áreas de 37 m2 e 4 m2), sito na Taipa, parte do prédio descrito sob o n.º XXXXX, na Conservatória do Registo Predial de Macau e a abster-se de usar a mesma.
O réu A deduziu reconvenção, pedindo a declaração de que adquiriu a propriedade da parcela do terreno por usucapião e, subsidiariamente, por acessão industrial imobiliária e ainda subsidiariamente, a aquisição por usucapião dos direitos de superfície, de usufruto, uso e habitação.
Por sentença da Ex.ma Presidente do Tribunal Colectivo foi acção julgada improcedente e o réu absolvido do pedido e julgou o réu parte ilegítima para formular o pedido reconvencional, desacompanhado dos outros herdeiros de C e a autora absolvida da instância reconvencional1.
Recorreu a autora Companhia de Desenvolvimento B, Limitada para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) que concedeu provimento ao recurso, condenou o réu no reconhecimento da autora como proprietária da parcela de terreno e a abster-se de usar a mesma.
Recorre, agora, o réu A para este Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando a seguinte questão:
- O DL n.º 6/93/M tem por objetivo legislativo apenas a contenção e erradicação das edificações informais. Como os terrenos privados podem ser objecto das transacções de direitos, não existe qualquer motivo que obste e impeça os possuidores das barracas de invocar a usucapião quanto aos terrenos privados onde se situam as referidas barracas. O litígio de direito sobre terrenos privados não cai no âmbito de regulação do DL em causa.

II – Os factos
Estão provados os seguintes factos:
- A sociedade Autora é uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada que tem por objecto a compra e venda de imóveis e se encontra registada sob o n.º XXXXX (SO) na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau. (alínea A) dos factos assentes)
- A sociedade Autora é titular do direito de propriedade do terreno sito no tardoz dos prédios [Endereço (1)], descrito sob o n.º XXXXX, a fls. 5v. do Livro X-XX na Conservatória do Registo Predial de Macau. (alínea B) dos factos assentes)
- O Réu ocupa a habitação identificada no Instituto de Habitação de Macau sob o n.º XX-XX-XX-XXX-XXX, casa de madeira que na porta tem afixado o n.º XX, e que se encontra implantada no terreno referido no item anterior. (alínea C) dos factos assentes)
- Mais exactamente nas parcelas identificadas com “A12” e “C”, com as áreas respectivas de 37 m2 e 4 m2, da planta n.º 4630/1993 de 05/07/2013 emitida pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro. (alínea D) dos factos assentes)
- O Réu recusa desocupar a referida barraca. (alínea E) dos factos assentes)
- O Réu é o filho do pai C e da mãe D. (alínea F) dos factos assentes)
- Em 16 de Junho de 1991, a mãe D faleceu. (alínea G) dos factos assentes)
- Em 1 de Maio de 2004, o pai C faleceu. (alínea H) dos factos assentes)
- Durante o período em que o pai do Réu, C, residia na referida barraca, este requereu à Sociedade de Abastecimento de Águas de Macau a ligação de contador e celebrou com a referida Sociedade o contrato de abastecimento de água para tal barraca, pagando mensalmente as despesas com o consumo de água. (alínea I) dos factos assentes)
- Durante o período em que o pai do Réu C residia na referida barraca, este fez requisição de contador à Companhia de Electricidade de Macau e celebrou com a referida Companhia o contrato de fornecimento de electricidade para tal barraca, pagando mensalmente as despesas com o consumo de electricidade. (alínea J) dos factos assentes)
- Na década de 80 do século passado, devido à generalização da comunicação telefónica, o Réu solicitou, a pedido do pai C e em nome dele, à então Companhia de Telecomunicações de Macau a instalação de telefone na referida barraca para o uso familiar, pagando periodicamente as respectivas despesas com serviço. (alínea K) dos factos assentes)
- O facto de o pai do Réu C residir e viver com a família na barraca em causa era conhecido por todos, nomeadamente os vizinhos, parentes, amigos, colegas de trabalho e de escola, bem como as entidades públicas do Governo e entidades privadas. (alínea L) dos factos assentes)
- Após o falecimento do pai do Réu C, os irmãos e irmãs do Réu saíram da barraca em causa sucessivamente, enquanto o Réu continuava a residir e viver, ininterruptamente, na barraca até agora. (alínea M) dos factos assentes)
- Em 2013, o Réu pediu à Companhia de Telecomunicações de Macau o fornecimento dos serviços de Internet em banda larga na barraca em causa e pagou periodicamente as respectivas despesas. (alínea N) dos factos assentes)
- O facto de o Réu continuar a residir e viver na barraca em causa era conhecido por todos, nomeadamente os vizinhos, parentes, amigos, colegas de trabalho e de escola bem como as entidades públicas do Governo e entidades privadas. (alínea O) dos factos assentes)
- O direito de propriedade da Autora adveio de compra feita a “F Company Limited”, por escritura de fls. 24/01/2006, lavrada a fls. 130 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º XXX do Notário Privado E, aquisição registada a favor da sociedade Autora pela inscrição n.º XXXXXXX determinada pela Ap. XX de 02/02/2006. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- O Réu, com a referida ocupação, não permite que a sociedade Autora goze das faculdades de usar, fruir e edificar no terreno de que é titular. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
- A Autora pretende edificar em parte do terreno de que é titular. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- Se o terreno estivesse livre e desocupado poderia ai construir prédio. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- O pai do Réu C construiu a barraca no terreno referido na alínea D) dos Factos Assentes no meado dos anos 60 e considerou que o terreno lhe pertencia. (respostas aos quesitos 8º e 9º da base instrutória)
- Desde então, o pai do Réu, C e a mãe D bem como os seus seis filhos: G, H, A, I, J e K viviam juntos na referida barraca. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- Salvo a residência familiar, a barraca em causa também foi usada pelo pai do Réu, C como loja de ferreiro, tendo ele sido conhecido pela alcunha de “ferreiro C”. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- No período compreendido entre meado dos anos 60 e 16 de Junho de 1991, o pai do Réu, C e a sua esposa D e os seus seis filhos sempre viveram na referida barraca e nunca houve nenhuma interrupção. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
- No período compreendido entre meado dos anos 60 e 01 de Maio de 2004, o pai do Réu, C sempre viveu com os seus seis filhos na referida barraca e nunca houve nenhuma interrupção. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
- Durante aquele período o pai do Réu, C procedeu a vários trabalhos de manutenção, reparação e remodelação na barraca e no terreno onde esta estava edificada. (resposta ao quesito 15º da base instrutória)
- Durante o período acima referido, nenhuma pessoa ou entidade deduziu qualquer oposição ou protesto contra o facto de o pai do Réu, C e a família residirem na referida barraca e procederem à manutenção, gestão e utilização da barraca e do terreno onde esta se situa. (resposta ao quesito 16º da base instrutória)
- Após o falecimento do pai do Réu, este sempre se considerou como o dono do terreno e da barraca edificada nesse local. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- O Réu não sabia que o terreno onde se situa a barraca em causa pertencia a qualquer pessoa ou entidade, para não falar se este pertencia à Autora, apenas conhecendo que o terreno era a propriedade do seu pai C (resposta ao quesito 18º da base instrutória).
- Durante o período em que o Réu continuava a residir na barraca em causa, também não houve nenhuma pessoa ou entidade que deduzisse qualquer oposição ou protesto contra o facto de ele residir na barraca e utilizar o terreno onde esta se situa. (resposta ao quesito 19º da base instrutória)
Mais se provou:
- O terreno acima identificado já pertence à titularidade da propriedade privada antes do estabelecimento da RAEM, conforme consta da respectiva certidão do registo integral constante a fls. 199 e seguintes dos autos, sendo o registo da primeira aquisição ocorrido em 28/9/1928.


III – O Direito
1. Questões a apreciar
A autora tem a seu favor o registo definitivo de aquisição do prédio descrito sob o n.º XXXXX na Conservatória do Registo Predial de Macau.
O réu ocupa duas parcelas do mesmo terreno, com uma barraca informal.
Deu-se como provado que o pai do réu e depois, os filhos exerceram a posse pública e pacífica das parcelas durante mais de 30 anos, pelo que a sentença considerou que a acção não poderia ser procedente, dado que o direito do réu e dos seus irmãos à aquisição da parcela por usucapião, destruía a presunção de propriedade derivada do registo predial da parcela a favor da autora.
Já o acórdão recorrido decidiu que o Decreto-Lei n.º 6/93/M, de 15 de Fevereiro, impedia tal aquisição por usucapião.
O réu defende a tese que este Decreto-Lei não regula litígios privados, pelo que é estranho à solução do problema.
É o que se tem de resolver.



2. A aquisição por usucapião
O pai do réu, que faleceu em 2004 e seus sucessores tiveram ao longo de mais de 30 anos, desde meados dos anos 60 do século XX, a posse pública e pacífica sobre a parcela de terreno dos autos.
Na verdade:
- O pai do Réu C construiu a barraca no terreno referido na alínea D) dos Factos Assentes no meado dos anos 60 e considerou que o terreno lhe pertencia. (respostas aos quesitos 8º e 9º da base instrutória)
- Desde então, o pai do Réu, C e a mãe D bem como os seus seis filhos: G, H, A, I, J e K viviam juntos na referida barraca. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- Salvo a residência familiar, a barraca em causa também foi usada pelo pai do Réu, C como loja de ferreiro, tendo ele sido conhecido pela alcunha de “ferreiro C”. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- No período compreendido entre meado dos anos 60 e 16 de Junho de 1991, o pai do Réu, C e a sua esposa D e os seus seis filhos sempre viveram na referida barraca e nunca houve nenhuma interrupção. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
- No período compreendido entre meado dos anos 60 e 01 de Maio de 2004, o pai do Réu, C sempre viveu com os seus seis filhos na referida barraca e nunca houve nenhuma interrupção. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
- Durante aquele período o pai do Réu, C procedeu a vários trabalhos de manutenção, reparação e remodelação na barraca e no terreno onde esta estava edificada. (resposta ao quesito 15º da base instrutória)
- Durante o período acima referido, nenhuma pessoa ou entidade deduziu qualquer oposição ou protesto contra o facto de o pai do Réu, C e a família residirem na referida barraca e procederem à manutenção, gestão e utilização da barraca e do terreno onde esta se situa. (resposta ao quesito 16º da base instrutória)
- Após o falecimento do pai do Réu, este sempre se considerou como o dono do terreno e da barraca edificada nesse local. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- O Réu ocupa a habitação identificada no Instituto de Habitação de Macau sob o n.º XX-XX-XX-XXX-XXX, casa de madeira que na porta tem afixado o n.º XX, e que se encontra implantada no terreno referido no item anterior. (alínea C) dos factos assentes)
- Mais exactamente nas parcelas identificadas com “A12” e “C”, com as áreas respectivas de 37 m2 e 4 m2, da planta n.º 4630/1993 de 05/07/2013 emitida pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro. (alínea D) dos factos assentes)
- O Réu é o filho do pai C e da mãe D. (alínea F) dos factos assentes)
- Em 16 de Junho de 1991, a mãe D faleceu. (alínea G) dos factos assentes)
- Em 1 de Maio de 2004, o pai C faleceu. (alínea H) dos factos assentes)
- Durante o período em que a pai do Réu, C, residia na referida barraca, este requereu à Sociedade de Abastecimento de Águas de Macau a ligação de contador e celebrou com a referida Sociedade o contrato de abastecimento de água para tal barraca, pagando mensalmente as despesas com o consumo de água. (alínea I) dos factos assentes)
- Durante o período em que a pai do Réu C residia na referida barraca, este fez requisição de contador à Companhia de Electricidade de Macau e celebrou com a referida Companhia o contrato de fornecimento de electricidade para tal barraca, pagando mensalmente as despesas com o consumo de electricidade. (alínea J) dos factos assentes)
- Na década de 80 do século passado, devido à generalização da comunicação telefónica, o Réu solicitou, a pedido do pai C e em nome dele, à então Companhia de Telecomunicações de Macau a instalação de telefone na referida barraca para o uso familiar, pagando periodicamente as respectivas despesas com serviço. (alínea K) dos factos assentes)
- O facto de o pai do Réu C residir e viver com a família na barraca em causa era conhecido por todos, nomeadamente os vizinhos, parentes, amigos, colegas de trabalho e de escola, bem como as entidades públicas do Governo e entidades privadas. (alínea L) dos factos assentes)
- Após o falecimento do pai do Réu C, os irmãos e irmãs do Réu saíram da barraca em causa sucessivamente, enquanto o Réu continuava a residir e viver, ininterruptamente, na barraca até agora. (alínea M) dos factos assentes)
- Em 2013, o Réu pediu à Companhia de Telecomunicações de Macau o fornecimento dos serviços de Internet em banda larga na barraca em causa e pagou periodicamente as respectivas despesas. (alínea N) dos factos assentes)
- O facto de o Réu continuar a residir e viver na barraca em causa era conhecido por todos, nomeadamente os vizinhos, parentes, amigos, colegas de trabalho e de escola bem como as entidades públicas do Governo e entidades privadas. (alínea O) dos factos assentes).
Indiscutivelmente que os factos provados mostram que o pai do réu e família, incluindo o réu, tiveram a posse (artigo 1251.º do Código Civil de 1966, entrado em vigor em 1 de Junho de 1967, que será o doravante citado) e não a mera detenção do terreno e barraca aí edificada.
Tal posse foi sempre pública e pacífica (artigos 1262.º e 1261.º do Código Civil) porque exercida de modo a ser conhecida por todos, isto é, vizinhos, entidades fornecedoras de água, energia eléctrica, etc. e adquirida sem violência.
Logo, a propriedade do terreno e barraca foi adquirida no máximo, ao fim de 20 anos, mesmo que a posse tivesse sido de má fé, isto é, que o pai do réu soubesse que ao adquirir a posse lesava o direito de outrem (artigos 1296.º e 1260.º do Código Civil).
Deste modo, deu-se a aquisição por usucapião bem antes de 1993, sendo que esta pode ser invocada como excepção.

3. O Decreto-Lei n.º 6/93/M
O Decreto-Lei n.º 6/93/M veio estabelecer as medidas conducentes à contenção e erradicação das edificações informais, ou barracas, existentes em Macau à data da sua entrada em vigor, enquadrando as expectativas e define os deveres que cabem aos respectivos utilizadores (artigo 1.º).
Os artigos 3.º e 4.º deste diploma definiam o âmbito das operações relativas às edificações informais e os condicionalismos na sua utilização pelos seus utilizadores:
Artigo 3.º
(Operações relativas às edificações informais)
1. As edificações informais existentes no Território à data da entrada em vigor do presente diploma, e respectivos utilizadores, ficam sujeitos às seguintes operações:
a) Cadastro;
b) Recenseamento;
c) Fiscalização;
d) Controlo;
e) Desocupação;
f) Demolição.
2. As edificações informais referidas no número anterior são as constantes de inventário realizado pelo I.H.M., sendo em cada uma delas aposto, por meios não deterioráveis, um código identificativo.
3. Conjuntamente com o inventário das edificações informais são identificados e recenseados todos os seus utilizadores.
4. A atribuição do código referido no n.º 2 não confere qualquer direito, nomeadamente título ou licença de construção e utilização ou de ocupação do solo.

Artigo 4.º
(Condicionalismos nas edificações informais)
Nas edificações informais inventariadas não é permitido, sob pena de incorrerem os possuidores ou utilizadores nos procedimentos previstos no artigo 17.º
a) A realização de obras de modificação ou ampliação da edificação;
b) A alteração da finalidade de utilização;
c) A transmissão a qualquer título de direitos sobre a edificação;
d) A manutenção ou montagem de instalações, realização de actividades ou armazenamento de materiais que pela sua natureza ponham em perigo a saúde ou a segurança públicas.

Por outro lado, qualquer edificação informal não licenciada, iniciada ou construída após a entrada em vigor do diploma seria objecto de demolição nos termos legais (n.º 1 do artigo 5.º).
O artigo 8.º esclarecia que obras podiam ser efectuadas nas edificações:
Artigo 8.º
(Obras em edificações informais)
 1. Podem ser efectuadas obras de reparação ou conservação em edificações informais, mediante autorização do I.H.M., precedida de requerimento justificativo apresentado pelos interessados, desde que as mesmas se revelem imprescindíveis à sua manutenção e utilização e não alterem a sua configuração exterior.
 2. Se o I.H.M. verificar a existência de edificações informais cujo estado possa constituir perigo para a segurança e saúde públicas ou para os seus utilizadores, poderá ordenar a realização de obras de reparação ou de demolição, conforme for mais adequado.
 3. Salvo nos casos prescritos nos números anteriores, a realização de obras implicará a sua demolição imediata, com reposição da situação anteriormente existente.


A fiscalização e o controlo das edificações informais têm como objectivo a manutenção da situação inventariada e a verificação das condições de salubridade e segurança nelas existentes, traduzindo-se no acompanhamento da situação das edificações informais e o controlo na execução de acções que reponham a situação das edificações informais em conformidade com as informações constantes do cadastro (artigo 15.º).
Procurava-se proceder à desocupação das edificações informais, no encerramento dos estabelecimentos e remoção de todos os bens móveis neles existentes, de modo a permitir a sua demolição, com vista a libertar:
a) Terrenos necessários à execução de infra-estruturas urbanísticas ou à construção de edifícios de iniciativa pública ou privada, com interesse para o Território;
b) Terrenos sobre os quais recaiam compromissos assumidos pela Administração, nomeadamente os resultantes da sua concessão a particulares;
c) Terrenos cujo grau ou tipo de ocupação se revele causa de sérios riscos para a saúde pública, constitua factor de desagregação social ou afecte o equilíbrio urbano e paisagístico do Território (artigo 21.º, n. os 1 e 2).
As operações de desocupação e demolição de edificações informais serão promovidas pela Administração, ou, nos termos do artigo 29.º, por particulares (artigo 21.º, n.º 3):
Artigo 29.º
(Desocupação e demolição promovidas por particulares)
1. Nos empreendimentos de iniciativa de particulares, salvo disposição expressamente negociada com a Administração e incluída em contrato de concessão de terrenos, é do respectivo promotor a responsabilidade pelas operações de desocupação e demolição, bem como a totalidade dos respectivos encargos.
2. Na desocupação de terrenos por particulares, cabe ao respectivo promotor executar, com as devidas adaptações, os procedimentos referidos nos artigos 23.º, 27.º e 28.º, estabelecendo os prazos, métodos e acções necessários à realização das operações de desocupação e demolição.
3. Compete ao I.H.M., conjuntamente com as restantes entidades do processo, fiscalizar as condições de execução das operações de desocupação e demolição executadas por particulares, para impedir:
a) A transferência para outros locais das edificações informais desocupadas;
b) A ocupação de outras edificações informais por agregados familiares desalojados nestas operações.

Do texto do Decreto-Lei n.º 6/93/M podemos concluir que ele não rege sobre aquisição de propriedade nem impede qualquer aquisição da propriedade de terrenos por usucapião, ainda que nos mesmos estivessem erigidas edificações informais. O que o diploma pretende é a erradicação das barracas, não permitindo – como a lei geral já não permitia há algum tempo – a edificação sem licença administrativa.
A Administração pode impor, como impôs, a demolição de barracas em terrenos particulares e a proibição de novas edificações sem licença.
Mas o diploma legal em questão não impede a aquisição por usucapião do terreno onde se encontram as edificações informais.
A norma do artigo 4.º, alínea c), nos termos da qual nas edificações informais inventariadas não é permitido, sob pena de incorrerem os possuidores ou utilizadores nos procedimentos previstos no artigo 17.º, a transmissão a qualquer título de direitos sobre a edificação, tem em vista, manifestamente, impedir os negócios translativos da propriedade, como a compra e venda, tendo em vista o objecto de saúde pública de erradicação das barracas e de libertação de terrenos para construção e concessão por arrendamento.
Acresce, ainda, que em 1993 já tinha decorrido o prazo para a aquisição da propriedade por usucapião.
Procede o recurso e improcede a acção.

IV – Decisão
Face ao expendido, concede-se provimento ao recurso, revoga-se o acórdão recorrido para ficar a subsistir a sentença de 1.ª Instância que julgou a acção improcedente.
Custas pela recorrente.
Macau, 29 de Novembro de 2019.


Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai


     1 Desconhece-se se o Ex.moJuiz tentou sanar a excepção, como lhe competia, dado que o recurso subiu em separado.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

1
Processo n.º 36/2017

17
Processo n.º 36/2017