Processo n.º 58/2017. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrentes: C e D.
Recorridas: As mesmas.
Assunto: Dano excedente. N.º 4 do artigo 436.º do Código Civil. Contrato-promessa de cessão da posição contratual de contrato-promessa de compra e venda de imóvel. Sinal em dobro. Juros de mora. Momento da constituição em mora.
Data do Acórdão: 29 de Novembro de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO
I – O n.º 4 do artigo 436.º do Código Civil aplica-se aos contratos-promessa de cessão da posição contratual de contratos-promessa de compra e venda de imóvel.
II - O momento relevante para se aferir da indemnização pelo dano excedente a que se refere o n.º 4 do artigo 436.º do Código Civil, é a data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal, nos termos do n.º 5 do artigo 560.º do Código Civil, isto é, a data do encerramento da discussão em 1.ª instância e não o momento de incumprimento do contrato.
III - São devidos juros de mora sobre o sinal em dobro, quando há lugar a restituição deste, por incumprimento de contrato-promessa de compra e venda de imóvel, depois de o devedor ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, a menos que o próprio devedor tenha impedido a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
C intentou acção declarativa com processo comum ordinário contra D e marido E, pedindo:
- Se declare a resolução do contrato-promessa da cessão da posição contratual assinado em 1/4/2010 pelas partes, por incumprimento definitivo imputável à 1ª Ré, e se condenem os réus a pagar à Autora um montante de MOP2.963.315,80, a título de indemnização, quantia correspondente à soma do valor em dobro do sinal (MOP800.832,00), do valor de juros vencidos (HKD65,459,80), contado à taxa legal anual de 9,75%, desde 7/7/2010 até 9/5/2011, e da indemnização relativa ao valor em excesso do sinal (MOP2.097.024,00);
- À soma do valor em dobro do sinal (MOP800.832,00) e dos juros vencidos (HKD65,459,80), serão acrescidos os juros vincendos, contados à taxa legal anual desde 9/5/2011 até efectivo e integral pagamento;
- À quantia de MOP2.097.024,00, serão acrescidos os juros vincendos, contados à taxa legal anual desde 9/5/2011 até efectivo e integral pagamento1.
A Ex.ma Presidente do Tribunal Colectivo absolveu o 2.º réu E da instância, por ilegitimidade passiva e julgou improcedente a acção, absolvendo a 1.ª ré D do pedido.
Recorreu a autora C para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) que julgou parcialmente procedente o recurso e:
1 - Considerou provado:
A 1.ª ré, no dia 6 de Julho de 2010, mais uma vez não assinou o contrato prometido de cessão da posição contratual (resposta ao quesito 52.º da base instrutória, que dizia “Em resposta à intenção da Autora em cumprir as suas obrigações, a 1.ª ré mais uma vez não assinou o contrato prometido de cessão da posição contratual?”).
De novo o representante da G confirmou não serem tais despesas devidas, por se tratar da primeira cessão da posição contratual e não as ir cobrar (resposta ao quesito 56.º da base instrutória, que dizia “De novo, o representante da G confirmou não serem tais despesas devidas, por se tratar da primeira cessão da posição contratual e não as ir cobrar?”).
2. Julgou a acção parcialmente procedente e condenou a 1.ª ré D a pagar à autora a indemnização a liquidar em execução de sentença, consistente no valor do sinal (HKD 388.000,00) e o dano excedente correspondente ao aumento do valor da coisa ao tempo do incumprimento, 6 de Julho de 2010, relativamente ao preço acordado contratualmente.
Recorrem, agora, a autora e a 1.ª ré, para este Tribunal de Última Instância (TUI).
A 1.ª ré D suscita as seguintes questões:
I - O acórdão recorrido enferma de nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil, visto que afirmou que a 1.ª assinatura teria de ser da 1.ª ré, o que nunca poderia ser já que o cedente era F, pelo que a 1.ª assinatura deveria ser deste, sendo a da 1.ª ré a segunda (a cessionária);
II – A obrigação contratual da 1.ª ré cumpriu-se ao ter conseguido que o F e a 1.ª ré se sentassem à mesma mesa para celebrarem a cessão da posição contratual do contrato-promessa de compra e venda;
III - O acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento na interpretação das regras dos negócios jurídicos, previstas nos artigos 228.º e seguintes do Código Civil e em erro notório na apreciação da prova ao entender que a 1.ª ré tinha de ter assinado o contrato, visto que as partes do mesmo eram a autora e a 1.ª ré. O que se demonstrou foi que foi o F que se recusou a assinar, exigindo o pagamento das despesas e que foi a autora que se recusou a pagar estas despesas, depois de se ter comprometido a pagar;
IV - A autora devia ter proposto a acção contra F já que foi este que se recusou a assinar o contrato;
V - O acórdão recorrido interpretou bem o contrato assinado entre a 1.ª ré e a autora, um contrato-promessa de cessão da posição contratual, pelo que o resultado deste não seria que a autora teria o direito de adquirir o imóvel, mas antes o direito de celebrar o contrato de cessão da posição contratual, com vista afigurar como promitente-compradora. Assim, ainda que tivesse havido incumprimento por parte da 1.ª ré, nunca a autora teria direito ao pagamento de indemnização pelo valor excedente como se se tratasse de promitente-compradora.
A autora C suscitou as seguintes questões no seu recurso:
- O acórdão recorrido omitiu pronúncia sobre o pedido de juros;
- O acórdão recorrido interpretou mal os artigos 436.º, n.º 4 e 560.º, n.º 5, do Código Civil, já que valor da fracção a considerar para o dano excedente deve ser, não a data do incumprimento da 1.ª ré, mas a data do trânsito em julgado da sentença na acção declarativa.
A autora C suscitou as seguintes questões recurso da 1.ª ré, a título de recorrida, nos termos do artigo 590.º do Código de Processo Civil:
- Nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil, por parte da sentença de 1.ª Instância, por violar o princípio dispositivo;
- Nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil, por parte da sentença de 1.ª Instância, por violar o princípio do contraditório;
- Nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil, por parte da sentença de 1.ª Instância, por violar o princípio da iniciativa das partes;
- A autora não concorda com o que disse o acórdão recorrido a fls. 83;
- A sentença de 1.ª Instância violou os artigos 326.º, 788.º, 793.º, n.º 2, 794.º e 797.º, n.º 1 alínea b) do Código Civil ao afirmar que foi a autora que se recusou a cumprir a obrigação, fazendo com o negócio não pudesse ser concluído. O acórdão recorrido não concordou com isto;
- A autora entende que se deve interpretar a lei nos termos indicados na sua contra-alegação.
II – Os factos
A sentença de 1.ª Instância julgou provados os seguintes factos:
- Por acordo celebrado em 23 de Março de 2010, formalizado em modelo impresso em papel timbrado da agência imobiliária X Realty; sob o denominação de "contrato promessa de compra e venda preliminar", a 1a Ré prometeu vender à Autora, que prometeu comprar, a fracção autónoma identificada como X° andar "X", para habitação com a área de 118,92 metros quadrados, do Bloco X do prédio denominado Edifício - Fase X, sito no Quarteirão dos Novos Aterros da Areia Preta, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.° XXXXX-XX, que se encontrava a ser edificado em terreno concedido por arrendamento à G, conforme inscrição n. ° XXXXX, a fls. 135v, do Livro XXX, com o título constitutivo da propriedade horizontal registado, provisoriamente por natureza, na aludida Conservatória sob o inscrição n.° XXXXXX. (Facto provado A))
- À data, sobre o referido imóvel, incluindo a fracção "XX", incidiam três inscrições hipotecárias inscritas na Conservatória do Registo Predial de Macau, respectivamente, sob os n°s XXXXXX, XXXXXX e XXXXXX, todas em nome do [Banco (1)], para garantia do reembolso de três financiamentos, na modalidade de abertura de crédito em concessão de facilidades bancárias gerais, concedidos pelos mesmo sindicato bancário à G, nos montantes, respectivamente, de MOP696.900.000,00, MOP330.000.000,00 e MOP250.000.000,00 e das respectivas despesas e juros remuneratórios, respectivamente, às taxas de 6,5%, 7,25% e 4,75%, e de juros mora à taxa de 3%. (Facto provado B))
- No referido acordo, Autora e la Ré acordaram que a sobredita fracção autónoma seria vendida pelo preço de HKD3.880.000,00. (Facto provado C))
- Mais acordaram que a Autora pagaria à 1a Ré um sinal no valor de HKD388.000,00, em duas prestações, uma· de HKD100.000,00, entregue na data da assinatura do acordo, e outra, no montante de HKD288.000,00, a ser paga com a celebração, até ao dia 2 de Abril de 2010, do ( efectivo) contrato promessa, no escritório do advogado indicado pela Autora. (Facto provado D))
- Autora e 1 a Ré acordaram, ainda, que o contrato (definitivo) de Cessão da Posição Contratual seria celebrado até 7 de Maio de 2010, com a dita G. (Facto provado E))
- Na sequência da assinatura do 10 acordo referido em A), a Autora pagou à 1a Ré, a título de sinal e antecipação de pagamento, o monante de HKD100.000,00, através da ordem de caixa n° XXXXXXXXX do [Banco (2)], datada de 23 de Março de 2010, que aquela recebeu. (Facto provado F))
- A 1a Ré havia assumido a posição de promitente cessionária por via da tomada da posição contratual de outros promitentes cessionários, I e sua cônjuge L, por instrumento contratual tripartido celebrado, em 29 de Dezembro de 2009, com estes e os promitentes compradores iniciais da fracção "XX", F e H (Facto provado G))
- Os quais, por sua vez, tinha anteriormente prometido ceder a sua própria posição contratual de promitente comprador da referida fracção àquele (ao I) e mulher, por contrato promessa de 19 de Agosto de 2009. (Facto provado H))
- Por seu lado, os referido F e H tinham já adquirido o direito à compra da mencionada fracção autónoma por contrato promessa de compra e venda celebrado, em 10 de Março de 2008, com a titular do imóvel, a referida G, através do qual esta lhes prometeu vender a fracção "XX" pelo preço de MOP2.150.300,00. (Facto provado I))
- Neste contrato promessa, a referida G concedeu, desde logo, na alínea 1) da cláusula 10, autorização prévia à cessão da posição contratual dos promitentes compradores, o F e H, e eventual transmissão intercalar a terceiro, ali denominada de contrato de revenda. (Facto provado J))
- Bem como, aceitou, na alínea 2) da mesma cláusula, a obrigação de celebrar ou de testemunhar, consoante viesse a ser exigido pelos aludidos promitentes compradores, o ou os contratos de cessão de posição contratual ou de transmissão intercalar a favor de terceiro. (Facto provado K))
- Na alínea 3) da referida cláusula 10, as mesmas partes acordaram, ainda, a primeira cessão da posição contratual estaria isenta de despesas e que as cessões subsequentes ficariam sujeitas ao pagamento à promitente vendedora, a G de despesas com as formalidades da transferência no valor de 1% do preço estabelecido na cláusula 1 do contrato (i.e. MOP2.150.300,00). (Facto provado L))
- Por acordo celebrado entre a Autora e a 1a Ré, em 1 de Abril de 2010 e, no escritório do advogado J, as partes acordaram na cláusula 2 que o preço da cessão da posição contratual, i.e. HKD3.880.000,00, seria pago pela Autora de acordo com os seguintes termos, condições e prazos. (Facto provado M))
a. A quantia de HKD388.000,00, a ser paga à 1ª Ré, a título de sinal e antecipação de pagamento, com a assinatura do contrato promessa, deduzido da quantia de HKD100.000,00, entretanto entregue àquela em 23 de Março de 2010;
b. A quantia de HKD1.333.998,00, a ser paga à la Ré, com a assinatura do contrato prometido de Cessão da Posição Contratual, a celebrar até 7 de Maio de 2010, estando esta obrigada a promover a sua celebração e a obter o consentimento e assinatura da proprietária, a G, e dos promitentes compradores e cedentes, F e H, e respectivos cônjuges; e
c. O remanescente do preço, i.e. HKD2.158.002,00, a ser pago em confonuidade com os termos e condições acordados no contrato promessa de compra e venda celebrado, em 10 de Março de 2008, entre a G, F e H.
- E acordaram que a parte remanescente do preço, i.e. HKD2.158.002,00, a referida na alínea c) do artigo anterior, seria liquidada em duas prestações, uma de HKD696.633,07, a ser paga directamente ao F e H, na data da celebração do contrato prometido de Cessão da Posição Contratual referido na alínea b) supra, e, a outra, no montante, convertido em Patacas, de MOP1.505.210,00, a ser paga directamente à G, com a entrega da cópia da licença de utilização do novo edificio. (Facto provado N))
- Autora e 1ª Ré acordaram ainda, nas alíneas 3) e 4) da cláusula 1, respectivamente, que, não obstante o preço acordado para a Cessão da Posição Contratual, aquele que constaria da escritura de compra e venda da fracção autónoma seria o preço-base previsto no contrato promessa de compra e venda celebrado, em 10 de Março de 2008, entre a G, F e H. (Facto provado O))
- E, bem assim, que a Cessão da Posição Contratual incluiria todos os direitos e deveres resultantes do aludido contrato promessa de compra e venda. (Facto provado P))
- A cláusula 5 do referido acordo tem o seguinte teor: (Facto provado Q))
“As hipotecas ou disputas (caso haja) relacionadas com o imóvel antes da realização da transacção serão resolvidas pela Parte A, caso contrário, a Parte A indemnizará a Parte B pelos danos sofridos.”
- Na cláusula 6 do mesmo acordo, referido em M), as partes acordaram, ainda, que as despesas com as formalidades da transferência, e outras, ficavam, a cargo da ora Autora. (Facto provado R))
- Conforme acordado, na data e com a assinatura do contrato promessa de Cessão da Posição Contratual, em 1 de Abril de 2010, a Autora entregou à 1a Ré, a título de remanescente do sinal e antecipação de pagamento, o montante de HKD288.000,00, através da ordem de caixa n.º XXXXXXXXXX do [Banco (3)], datada de 31 de Março de 2010, que aquela recebeu. (Facto provado S))
- Na data e com a assinatura do contrato promessa, a Autora entregou à funcionária do escritório do advogado J o montante de MOP400,00 a título do custo do contrato promessa. (Facto provado T))
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Base instrutória:
- A Autora viu um anúncio num jornal de Macau onde se publicava a venda, pelo preço de HKD3.880.000,00, de uma fracção autónoma identificada como o X° andar "X", do Bloco X do prédio Edifício, em Macau, então em fase de construção. (Quesito 1º da base instrutória)
- Depois de ver o anúncio e a fim de obter informações sobre a fracção e condições da compra, a Autora telefonou para o número de contacto que constava do anúncio e falou com uma pessoa, chamada K, que se identificou como agente imobiliária da vendedora. (Quesito 2º da base instrutória)
- A Autora tentou negociar um desconto no preço da venda da fracção. (Quesito 3º da base instrutória)
- Depois de assinar o acordo referido na alínea A) dos factos assentes, a Autora entregou-o, juntamente com uma ordem de caixa no valor do sinal acordado, à agente imobiliária a fim de esta o levar à 1a Ré, obter a assinatura desta, entregar-lhe o sinal e devolver um exemplar à Autora - o que aquela fez. (Quesito 6º da base instrutória)
- Antes de a 1a Ré assinar a contrato, a agente imobiliária fez constar do contrato uma cláusula manuscrita estabelecendo que a Autora estaria isenta do imposto de selo. (Quesito 7º da base instrutória)
- Posteriormente à assinatura do contrato por parte da Autora e da entrega o sinal, mas antes de a 1a Ré o assinar, a referida cláusula foi riscada por esta ou por alguém a pedido desta e aditada uma outra, também manuscrita no mesmo documento, que dispunha ser a Autora a responsável pelo pagamento das despesas com as formalidades da cessão (do direito à aquisição da fracção), caso a este houvesse lugar. (Quesito 8º da base instrutória)
- A Autora aceitou essa alteração, apondo, tal como a 1a Ré, a sua rubrica junto das cláusulas manuscritas, a riscada e a nova. (Quesito 9º da base instrutória)
- Em 1 de Abril de 2010 e na sequência da assinatura deste primeiro acordo, a Autora entregou à agente imobiliária o montante de HKD8.000,00, correspondente a metade da comissão que tinha aceite pagar. (Quesito 10º da base instrutória)
- Posteriormente, conforme acordado, as mesmas partes, em substituição do acordo preliminar de 23 de Março de 2010, celebraram, em 1 de Abril de 2010, no escritório do Advogado indicado ela la Ré, Dr. J, um acordo, por via do qual ala Ré prometeu ceder à Autora, que prometeu tomar de cessão, a sua posição contratual como promitente cessionária da posição contratual dos efectivos promitentes compradores da sobredita fracção autónoma. (Quesito 11º da base instrutória)
- A cláusula 5a do acordo celebrado em 1 de Abril de 2010 tem o seguinte teor – “As hipotecas ou disputas (caso haja) relacionadas com o imóvel antes da realização da transacção serão resolvidas pela Parte A, caso contrário, a Parte A indemnizará a Parte B pelos danos sofridos.” (Quesito 12º da base instrutória)
- A cláusula 6a do acordo celebrado em 1 de Abril de 2010 tem o seguinte teor – “As despesas de transferência de nome e de ligação de cabos eléctricos e tubos de água relativas ao referido imóvel serão suportadas pela Parte A.” (Quesito 13º da base instrutória)
- A fim de garantir o financiamento do preço remanescente acordado, a Autora solicitou um empréstimo ao [Banco (2)], o qual foi aprovado em 8 de Abril de 2010, no montante de MOP$3.321.037,50, com prazo de reembolso de 30 anos. (Quesito 14º da base instrutória)
- Posteriormente, Autora ela Ré combinaram celebrar o contrato prometido de cessão da posição contratual no dia 7 de Maio de 2010, outra vez no escritório do advogado J, tendo ali comparecido nesta data a Autora e a 1a Ré. (Quesito 15º da base instrutória)
- Nesse dia e local, não compareceu ao acto de celebração da prometida cessão da posição contratual o promitente comprador e cedente H, nem compareceram ou se fizeram representar, o 2° Réu, marido da 1a Ré, e as cônjuges dos promitentes compradores e cedentes F e H. (Quesito 16º da base instrutória)
- Nem compareceu qualquer representante do Banco titular das hipotecas referidas na alínea B) dos factos assentes. (Quesito 17º da base instrutória)
- Nesse dia e local, a la Ré não assinou o contrato prometido de cessão da posição contratual. (Quesito 18º da base instrutória)
- Nesse dia e local, F recusou-se a assinar o referido contrato prometido de cessão da posição contratual do supra mencionado contrato-promessa de compra e venda, em que era, conjuntamente com H, promitente comprador. (Quesito 19º da base instrutória)
- Por não lhe ter sido entregue a quantia de MOP$21.503,00, a título das despesas com as formalidade da cessão, por si exigida. (Quesito 20º da base instrutória)
- O representante da G também não assinou o contrato de cessão da posição contratual do contrato-promessa de compra e venda por causa da recusa do F. (Quesito 21º da base instrutória)
- E na ocasião, aquele representante confirmou aos presentes que, por se tratar da primeira cessão da posição contratual a ser concretizada, não eram devidas despesas com as formalidades de transferência e, como tal, não iriam ser cobradas pela promitente vendedora. (Quesito 22º da base instrutória)
- Durante a reunião, a Autora mostrou-se disponível para pagar a prestação do preço acordado e assinar o contrato prometido de cessão da posição contratual. (Quesitos 23º e 27º da base instrutória)
- A Autora não aceitou pagar as referidas despesas com as formalidades da cessão ao F. (Quesito 24º da base instrutória)
- A cláusula 10ª do acordo celebrado entre F e H, e I e cônjuge, L, em 19 de Agosto de 2009, tem o seguinte teor – “1. Após da assinatura da declaração de cessão definitiva de posição contratual, a Parte B ainda pode ceder a posição contratual a terceiro. 2. Por cada assinatura do documento de cessão de posição contratual, o proprietário do imóvel cobrará um montante, a título de despesas de transferência de nome, correspondendo a 1% do preço do imóvel.” (Quesito 25º da base instrutória)
- A Autora recusou-se a pagar as despesas com as formalidades da cessão por entender que a primeira cessão de posição contratual estava isenta destas despesas, que o F não tinha direito a cobrá-las, nem a 1ª Ré O de as repercutir na Autora e que não se trata de uma obrigação sua. (Quesito 26º da base instrutória)
- No dia 7 de Maio de 2010, a 1a Ré não tentou convencer o F, com quem tinha celebrado, em 29 de Dezembro de 2009, o contrato de cessão da posição contratual dos I e L, de que não podia exigir aquele pagamento. (Quesito 28º da base instrutória)
- Preferiu pressionar e insistir com a Autora para esta pagar as despesas com as formalidades da transferência ao F. (Quesito 29º da base instrutória)
- A 1ª Ré, antes do dia 7 de Maio de 2010, nunca disse à Autora que F exigia o pagamento das referidas despesas. (Quesito 31º da base instrutória)
- Consta na resposta ao quesito 16°. (Quesito 36º da base instrutória)
- Em 7 de Maio de 2010, as três hipotecas referidas na alínea B) dos factos assentes, que incidiam também sobre a fracção "XX" ainda não foram canceladas. (Quesito 37º da base instrutória)
- F recusava-se a assinar o contrato prometido de cessão da posição contratual enquanto não lhe fossem pagas as referidas despesas, no montante de MOP$21.503,00. (Quesito 41º da base instrutória)
- Na sequência de recusa de F, o representante da G não assinou o contrato. (Quesito 42º da base instrutória)
- Em seguida, F e o representante da G saíram do referido escritório. (Quesito 43º da base instrutória)
- A reunião de 7 de Maio de 2010 terminou, assim sem que a Autora e a 1a Ré tivessem concretizado o contrato prometido. (Quesito 44º da base instrutória)
- Em 22 de Junho de 2010, a Autora remeteu uma carta registada com aviso de recepção à 1a Ré que a recebeu, notificando-a para comparecer no dia 6 de Julho de 2010, no escritório do advogado J, por forma a poder ser assinado o respectivo contrato prometido de cessão da posição contratual do contrato-promessa de compra e venda, sob pena de ser considerado como incumprimento definitivo culposo do contrato-promessa em causa cujo teor consta do documento junto a fls. 82 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (Quesito 45º da base instrutória)
- No dia 6 de Julho de 2010, apresentaram-se, de novo no escritório do advogado J, para além da Autora, a 1a Ré, F, o representante da G e empregados da agência imobiliária, do banco da Autora e do referido escritório. (Quesito 46º da base instrutória)
- Não compareceram o 2° Réu, a cônjuge do F, nem o outro promitente comprador e cedente, H e a sua cônjuge. (Quesito 47º da base instrutória)
- Nem qualquer representante do Banco titular das hipotecas. (Quesito 48º da base instrutória)
- Naquele dia e local, a Autora estava disposta a efectuar o pagamento do preço e assinar o contrato prometido. (Quesito 49º da base instrutória)
- Para tanto a Autora tinha à sua disposição três ordens de caixa, uma do [Banco (1)], no montante de HKD 1.064.000,00, outra do [Banco (2)], no montante de HKD269.998,00, que totalizavam HKD1.333.998,00, e ambas emitidas em nome de D. (Quesito 50º da base instrutória)
- E de uma outra, também do [Banco (1)], no montante de HKD696.633,07, emitida em nome de F e de H, todas para proceder aos pagamentos acordados. (Quesito 51º da base instrutória)
- A 1a Ré voltou a exigir à Autora o pagamento das despesas com as formalidades da cessão ao F, a fim de obter a sua assinatura para a cessão da posição contratual. (Quesito 53º da base instrutória)
- E a Autora voltou a recusar-se a pagá-las por entender que não eram devidas) dado tratar-se da primeira cessão da posição contratual, e muito menos a F. (Quesito 54º da base instrutória)
- De novo, o F recusou-se a assinar o contrato de Cessão da Posição Contratual do contrato promessa de compra e venda da fracção "XX", reafirmando que tinha direito a cobrar as referidas despesas e que ninguém lhas queria pagar. (Quesito 55º da base instrutória)
- Na sequência de recusa de F, o representante da G não assinou o contrato de cessão da posição contratual do contrato-promessa de compra e venda. (Quesito 57º da base instrutória)
- Neste quadro, F e o representante da G abandonaram a reunião, saindo do referido escritório sem assinar o contrato prometido. (Quesito 59º da base instrutória)
- Até ao termo dessa reunião, em 6 de Julho de 2010, as hipotecas supra referidas não foram canceladas. (Quesito 60º da base instrutória)
- A 7 de Julho de 2010, a Autora remeteu à P Ré uma carta registada com aviso de recepção, invocando incumprimento definitivo do contrato-promessa de cessão da posição contratual, datado de 1 de Abril de 2010, por causa imputável à 1a Ré, e interpelando esta a restituir à Autora, imediatamente e em dobro, todas as quantias por si pagas a título de sinal, e por ela recebidas, no montante de HKD776.000,00 cujo teor consta do documento junto a fls 87 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (Quesito 61º da base instrutória)
- A carta referida no artigo antecedente foi remetida para a morada da 1a Ré constante do contrato promessa de 1 de Abril de 2010 e onde a mesma havia recebido a carta enviada por aquela em 22 de Junho de 2010. (Quesito 62º da base instrutória)
- Em Agosto de 2010, a aludida carta foi devolvida à Autora pelos Correios de Macau, com a menção de não ter sido reclamada pelo destinatário, ou seja, a 1ª Ré. (Quesito 63º da base instrutória)
- Com a celebração do acordo de 1 de Abril de 2010, quiseram as partes substituir o acordo preliminar que tinham celebrado, em 23 de Março de 2010, qualificado de "contrato promessa de compra e venda". (Quesito 64º da base instrutória)
- As partes incluíram no contrato-promessa dos autos uma cláusula, a alínea 4) da cláusula 1, sujeitando a cessão da posição contratual aos direitos e deveres previstos no contrato-promessa de compra e venda inicial celebrado, em 10 de Março de 2008, entre a titular do imóvel, a G, e os promitentes compradores, F e H. (Quesito 65º da base instrutória)
- Por carta de 24 de Maio de 2010, a 1a Ré comunicou à Autora que, se a esta não concluísse a transacção no prazo indicado na notificação, tratar-se-ia de incumprimento da Autora, os Réus ficariam com o sinal de HK$388.000,00, cujo teor consta do documento junto a fls. 123 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (Quesito 74º da base instrutória)
- Por carta de 8 de Junho de 2010, a 1a Ré enviou novamente uma carta à Autora, manifestando que o prazo dado já se encontrava caducado, que considerava haver incumprimento da Autora e que os Réus ficavam com o sinal de HK$388.000,00, cujo teor consta do documento junto a fls. 126 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (Quesito 75º da base instrutória)
- O valor de mercado da fracção autónoma identificada em A) dos factos assentes, era, em 31 de Outubro de 2012 de HK$6.300.000,00. (Quesito 77º da base instrutória).
III - O Direito
1. As questões a apreciar
Trata-se de apreciar as questões suscitadas pelos recorrentes e, eventualmente, pela autora/recorrida.
2. Recurso da ré. Nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil
Tem precedência o recurso da ré pois, a ser procedente, prejudica o recurso da autora.
Antes de mais, descrevamos os 5 contratos, tal como o faz o acórdão recorrido:
1º Contrato – Em 10/03/2008 a construtora G prometeu vender a F e H uma fracção imobiliária (Factos G) e I) assentes);
Tratava-se de um contrato-promessa de compra e venda.
2º Contrato – Em 19/08/2009 F e H prometeram ceder a sua posição contratual a I e L (Facto H assente);
Tratava-se de um contrato-promessa de cessão de posição contratual.
3º Contrato – Em 29/12/2009 I e L prometeram ceder a sua posição contratual à 1ª ré, D (Facto G) assente);
Tratava-se de um contrato-promessa de cessão de posição contratual.
4º Contrato – Em 23/03/2010 a 1ª ré, D prometeu vender a fracção à autora C (Facto A assente);
Este contrato estava incorrecto quanto ao seu objecto e por isso foi parcialmente substituído pelo 5º.
Por outro lado, no 4º contrato, ficou acordado que o contrato definitivo de cessão seria realizado no dia 7/05/2010. Através dessa cessão definitiva, a autora adquiriria a posição de promitente compradora (que era a posição inicial de F).
5º Contrato – Em 1/04/2010 a 1ª ré, D prometeu ceder à autora a sua posição contratual (Facto 11º da BI);
Tratava-se de um contrato-promessa de cessão de posição contratual.
•
Considera a ré que o acórdão recorrido enferma de nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil, visto que afirmou que a 1.ª assinatura teria de ser da 1.ª ré, o que nunca poderia ser já que o cedente era F, pelo que a 1.ª assinatura deveria ser deste, sendo a da 1.ª ré a segunda (a cessionária).
O acórdão recorrido não afirmou isto. Disse que a transmissão definitiva da posição contratual de F concretizar-se-ia em 7 de Maio de 2010, pela transmissão da 1.ª ré à autora, que ficaria, então, com a qualidade de promitente-compradora.
Não se vislumbra qualquer contradição ou oposição entre estes fundamentos e a decisão. Mas que decisão, a de julgar a acção parcialmente procedente e condenar a 1.ª ré?
Improcede a questão suscitada.
3. Interpretação dos contratos
Entende a ré que a obrigação contratual da 1.ª ré cumpriu-se ao ter conseguido que o F e a 1.ª ré se sentassem à mesma mesa para celebrarem a cessão da posição contratual do contrato-promessa de compra e venda.
Alega, ainda, a ré que a autora sabia que iria celebrar o contrato definitivo de cessão da posição contratual com F e que lhe incumbia a ela o pagamento das despesas.
Na tese da ré o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento na interpretação das regras dos negócios jurídicos, previstas nos artigos 228.º e seguintes do Código Civil e em erro notório na apreciação da prova ao entender que a 1.ª ré tinha de ter assinado o contrato, visto que as partes do mesmo eram a autora e a 1.ª ré. E que o que se demonstrou foi que foi o F que se recusou a assinar, exigindo o pagamento das despesas e que foi a autora que se recusou a pagar estas despesas, depois de se ter comprometido a pagar.
Não é verdade que autora fosse celebrar o contrato definitivo de cessão da posição contratual com F. Ela iria celebrar esse contrato com a 1.ª ré. F e H iriam comparecer para autorizar a cessão da 1.ª ré à autora, para que esta ficasse investida na posição do F no contrato-promessa de compra e venda (1.º contrato).
Quanto à questão de saber se alguém deveria pagar as despesas, o acórdão recorrido interpretou os contratos como não havendo lugar a cobrança de despesas. E que a cláusula 10.ª do contrato, n.º 2, apenas previa a obrigação de pagamento ao proprietário e que este era a G e não F, como decidira a sentença de 1.ª Instância.
Logo, a obrigação contratual da 1.ª ré não se cumpriu ao ter conseguido que o F e a 1.ª ré se sentassem à mesma mesa para celebrarem a cessão da posição contratual do contrato-promessa de compra e venda.
A 1.ª ré obrigou-se a conseguir um resultado, que era a autorização do F e não conseguiu. Nem podia ser de outra maneira, já que a cessão da posição contratual só seria possível com o consentimento tanto do promitente-comprador como do promitente-vendedor (artigo 418.º). Sem o consentimento destes, a que título é que a autora se ia obrigar para com a ré e pagar-lhe parte do preço da fracção? A 1.ª ré não cumpriu o contrato.
Foi a 1.ª ré manifestamente imprudente. Se o F exigia o pagamento das despesas e a autora não as queria pagar teria sido bem mais prudente pagar ela as MOP$21.503,00.
Quanto aos poderes do TUI para sindicar a interpretação que o acórdão recorrido fez dos contratos, há que atentar que no recurso jurisdicional cível em 3.º grau de jurisdição o TUI não conhece de matéria de facto, pelo que as imputações que a ré faz de erros notórios na apreciação da prova, para além de desajustadas em processo civil, que tem institutos próprios para impugnação da matéria de facto (artigos 599.º, 629.º, 649.º e 650.º do Código de Processo Civil), são inócuas. O TUI não sindica a prova das 1.ª e 2.as instâncias.
Sobre interpretação do negócio jurídico dissemos no nosso acórdão de 14 de Junho de 2013, no Processo 7/2013, considerações que aqui reiteramos:
«Como se sabe, em recurso jurisdicional cível atinente a 3.º grau de jurisdição, ao TUI apenas compete conhecer de matéria de direito, embora com as seguintes duas excepções - mais aparentes que reais, porque mesmo elas apenas envolvem a aplicação da lei e não a censura das instâncias quanto à prova:
- Quando o tribunal recorrido tenha dado como provado um facto sem que se tenha produzido a prova que, segundo a lei, é indispensável para demonstrar a sua existência;
- Quando se tenham desrespeitado normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos na lei.2
Isto resulta basicamente do disposto nos artigos 639.º e 649.º do Código de Processo Civil. Sobre estas questões já nos pronunciámos várias vezes neste sentido.
Tem-se posto a questão de saber se a interpretação da vontade contratual é questão de facto ou questão de direito.
Recorda ALBERTO DOS REIS3que na vigência do Código de Processo Civil de 1876 estava fixada a jurisprudência no sentido de que era matéria de direito, da competência do Supremo, determinar a intenção ou vontade das partes nos contratos. Bem como que, nas primeiras décadas da vigência do Código de 1939, o Supremo tomou posição oposta, decidindo que a questão era de facto.
Nesta matéria ALBERTO DOS REIS4entende que “… a questão é essencialmente de facto, e portanto da competência exclusiva dos tribunais de instância, a não ser que, na determinação da vontade das partes ou na enunciação das consequências jurídicas, esses tribunais tenham violado a lei”.
Posteriormente, foi-se firmando a orientação jurisprudencial de que o apuramento da vontade das partes e a interpretação em geral dos negócios jurídicos é uma questão de facto. Mas saber se os tribunais de 1.ª e 2.ª instâncias fizeram uma aplicação correcta dos critérios interpretativos fixados na lei (artigos 228.º e 230.º do Código Civil de Macau, entre outros) já constitui questão de direito. 5 6
LEBRE DE FREITAS7 dá conta que “Embora tenda hoje a ser aceite entre nós, esta última orientação está longe de ser pacífica.
Quer na doutrina alemã, quer na doutrina italiana, dominantemente se entende como pertencendo à esfera dos factos, não só a existência da declaração em si, mas também o seu teor e interpretação, pertencendo, ao invés, à esfera do direito as questões de qualificação e de eficácia jurídicas do que se prove ter sido declarado. A violação das normas de interpretação pode, tal como o erro de qualificação ou o erro sobre os efeitos, fundar o recurso de revista (ou o ricorso in cassazione); mas o tribunal de revista (ou de cassação) não pode substituir a interpretação do tribunal de instância por outra mais exacta quando o resultado a que se tenha chegado, embora não seja o que melhor corresponde à vontade contratual, não tenha derivado da violação la lei”.
Não inteiramente coincidente com a actual posição maioritária da doutrina portuguesa e mais próximos das posições das doutrinas alemã e italiana, acima referidas, estão OLIVEIRA ASCENSÃO e CARVALHO FERNANDES.
Explica OLIVEIRA ASCENSÃO8 que “Há que distinguir. Quando está em causa o entendimento do caso singular, a questão é de facto. Não pode ser objecto de recurso para o Supremo.
Porém, quando está em causa o entendimento das regras sobre interpretação, ou a própria escolha destas, o problema é de direito. É então admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.
Também CARVALHO FERNANDES9 chega ao mesmo resultado quando afirma: “A questão é de direito quando esteja em causa a selecção, interpretação ou aplicação de normas sobre a interpretação. Consequentemente, só quanto a essa matéria é admissível, em sede de interpretação, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça10. O apuramento da vontade das partes, em si mesmo, envolve, em geral, uma questão de facto”.
Que dizer?
Sem dúvida que o apuramento da vontade real das partes constitui questão de facto. Nisto há concordância geral.
Quanto à interpretação do negócio, afigura-se ser questão de direito averiguar se os tribunais inferiores “fizeram correcta aplicação dos critérios interpretativos fixados na lei”11. Já se tratará de matéria de facto quando na interpretação da vontade negocial não estiverem em causa os critérios legais de interpretação do negócio jurídico.
É o que mostra PAULO MOTA PINTO12, quando, referindo-se à interpretação dos negócios jurídicos, afirma:
“A determinação, por interpretação, do sentido do acto, precede, portanto, a fixação dos seus efeitos. Contudo, aquela determinação não consiste numa actividade hermenêutica meramente cognitiva, ou reconstrutiva de uma intenção. Antes há que afirmar a sua natureza de descoberta de um significado para fins normativos. Trata-se, na conhecida distinção funcional de Betti, de interpretação em função normativa, e não meramente recognitiva, como na leitura, reprodutiva ou representativa (por exemplo, de uma fonte histórica ou de um comportamento passado). A interpretação jurídica em geral, incluindo a dos negócios jurídicos, visa apreensão de um sentido pelo qual se vai pautar a conduta de certas pessoas, aspecto que a distingue de outras formas de interpretação não jurídica. Aliás, sabe-se que toda a interpretação jurídica tem uma função constitutiva de juridicidade e uma índole normativa incompatíveis com a sua caracterização como uma pura hermenêutica (diferente, portanto, da dimensão concretizadora da applicatio hermenêutica), razão este que, como salienta Castanheira Neves, exclui também a procedência de uma caracterização da racionalidade jurídica como fundamentalmente hermenêutica”.
…
Interpretação dos negócios jurídicos. Os artigos 228.º e 230.º do Código Civil.
Vejamos o que dizem os artigos 228.º e 230.º do Código Civil. Estes artigos correspondem, ponto por ponto, respectivamente, aos artigos 236.º e 238.º do Código Civil português de 1966.
Convém conhecê-los:
“Artigo 228.º
(Sentido normal da declaração)
1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.
“Artigo 230.º
(Negócios formais)
1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
2. Esse sentido pode, todavia, valer se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade”.
PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, referindo-se ao artigo 236.º, n. os 1 e 2 do Código Civil português - que corresponde exactamente ao artigo 228.º do Código Civil de Macau -13ensinam que “A regra estabelecida no n.º 1, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (n.º 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (n.º 2).
A primeira restrição é directamente importada da fórmula proposta por Larenz (Allegemeiner Teil, ed. Cit., §19, II) e que Ferrer Correia também subscrevia (Erro e interpretação na teoria do negócio jurídico, 2ª. Ed., Coimbra, 1968, pág. 200), antes mesmo da vigência do Código actual.
O objectivo da solução aceite na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir.
2. Consagra-se assim uma doutrina objectivista da interpretação, em que o objectivismo é, no entanto, temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista”.
As primeira (primeira parte do n.º 1) e terceira (n.º 2) regras não suscitam grandes dúvidas.
A maior dúvida deste conjunto de comandos refere-se à restrição da segunda parte do n.º 1.
Sobre a matéria pronunciou-se CARLOS MOTA PINTO14, nos seguintes termos:
“Num livro clássico sobre a matéria da autoria de Ferrer Correia – Erro e interpretação na teoria do negócio jurídico, Coimbra, 1939 -, escreve-se a este respeito: «o declarante responde pelo sentido que a outra parte quer atribuir à sua declaração, enquanto esse seja o sentido que ele próprio devia considerar acessível à compreensão dela» (cfr. pág. 200). Esta posição de Ferrer Correia era a adopção da doutrina de Larenz, exposta, p. ex., no livro Methode der Auslegung des Rechtsgeschafts, pág. 72 e segs.: «Compreende-se que só seja justificado fazer responder o declarante por um sentido que não deu à declaração, se este sentido lhe era imputável.» Esta limitação subjectivista do critério objectivista consagrado no artigo 236.º é, no entanto, de alcance muito escasso, como o próprio Larenz (Allegemeiner Teil (...), §19, a)) esclarece. O significado que o receptor da declaração atribui a esta, procedendo com a diligência adequada, é praticamente sempre imputável ao declarante, se este tinha a consciência de estar a emitir uma declaração negocial. Na verdade ele tinha, nesse caso, o ónus indeclinável de se exprimir de uma forma compreensível para outrem; se se exprimiu de tal modo que a outra parte deva compreender algo diverso do pretendido, o declarante tem de suportar esse risco, pois não cumpriu aquele ónus. Só «excepcionalmente, em casos raríssimos», como Flume (ob. cit., §16. 3c)) também aponta, a compreensão do receptor, terá sido decisivamente determinada através de uma circunstância só por ele reconhecível e insusceptível de ser tomada em consideração pelo declarante. Por isso, como escreve Larenz, pode prescindir-se, se houve consciência da declaração, de um exame caso a caso sobre se o declarante podia razoavelmente contar com o significado que, segundo o critério legal, deve ser entendido pelo declaratário. Quando houver um desses casos excepcionais, assim o terá de provar quem o considere tal”.
Também A. MENEZES CORDEIRO15 se pronuncia pela excepcionalidade da restrição, dizendo que “Mantemos, pois, que o final do artigo 236.º/1 só não é contraditório com o seu início se for entendido como uma ressalva destinada a resolver, por via interpretativa, o erro evidente ou a incapacidade acidental ou falta de consciência da declaração patentes; de outro modo, apenas o regime dessas figuras poderá valer ao declarante”».
Não detectamos nenhuma violação legal na interpretação dos contratos pelo acórdão recorrido.
4. Acção contra terceiro, F
A ré alega que a autora devia ter proposto a acção contra F já que foi este que se recusou a assinar o contrato.
Sem razão. A autora não celebrou nenhum contrato com F. Não tinha base para o accionar.
5. Indemnização pelo dano excedente
Decidido que a 1.ª ré está obrigada a indemnizar a autora, vejamos em que termos.
O acórdão recorrido condenou a 1.ª ré D a pagar à autora a indemnização a liquidar em execução de sentença, consistente no valor do sinal (HKD 388.000,00) e o dano excedente correspondente ao aumento do valor da coisa ao tempo do incumprimento, 6 de Julho de 2010, relativamente ao preço acordado contratualmente, nos termos do n.º do artigo 436.º do Código Civil.
Já para a 1.ª ré o contrato assinado entre a 1.ª ré e a autora foi um contrato-promessa de cessão da posição contratual, pelo que o resultado deste não seria que a autora teria o direito de adquirir o imóvel, mas antes o direito de celebrar o contrato de cessão da posição contratual, com vista afigurar como promitente-compradora. Assim, ainda que tivesse havido incumprimento por parte da 1.ª ré, nunca a autora teria direito ao pagamento de indemnização pelo valor excedente como se se tratasse de promitente-compradora.
Vejamos o que dispõe a Subsecção VIII, da Secção I Contratos, onde se insere o artigo 436.º do Código Civil, cuja interpretação se discute:
SUBSECÇÃO VIII
Antecipação do cumprimento. Sinal
Artigo 434.º
(Antecipação do cumprimento)
Se, ao celebrar-se o contrato ou em momento posterior, um dos contraentes entregar ao outro coisa que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que fica adstrito, é a entrega havida como antecipação total ou parcial do cumprimento, salvo se as partes quiserem atribuir à coisa entregue o carácter de sinal.
Artigo 435.º
(Contrato-promessa de compra e venda)
No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.
Artigo 436.º
(Sinal)
1. Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível.
2. Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado.
3. A parte que não tenha dado causa ao incumprimento poderá, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, quando esse poder lhe seja atribuído nos termos gerais.
4. Na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
5. É igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 801.º
O contrato dos autos era um contrato-promessa de cessão da posição contratual de um contrato-promessa de compra e venda de imóvel.
O artigo 434.º, pela sua letra e espírito, aplica-se a quaisquer contratos sejam contratos-promessa ou não.
O artigo 435.º, pela sua letra, aplica-se apenas a contratos-promessa de compra e venda. Não cabe aqui decidir se é aplicável a outros contratos-promessa.
O artigo 436.º aplica-se a todos os contratos em que haja sinal, seja por presunção (artigo 435.º), seja porque se convencionou tal regime, sem prejuízo de o n.º 3 parecer específico de contratos-promessa (artigo 820.º).
Seja como for, o contrato dos autos é um contrato-promessa, pelo que a norma do n.º 4 do artigo 436.º é de se aplicar, por concorrerem aqui as razões que fundamentam este regime.
Não se vislumbra qualquer abuso de direito da autora, já que este regime é o que lhe permite ser reparada das consequências do acto ilícito da 1.ª ré.
Improcede o recurso da 1.ª ré.
Estão prejudicadas as questões suscitadas pela recorrida.
6. Recurso da autora. Juros de mora sobre o dobro do sinal e sobre o dano excedente
A autora alega que o acórdão recorrido omitiu pronúncia sobre o pedido de juros.
Tem razão. Fez a autora tal pedido e a sua apreciação não estava prejudicada pela solução dada a outras questões (n.º 2 do artigo 563.º do Código Civil).
Já vimos que a 1.ª ré não cumpriu o contrato, devendo ter-se por data do incumprimento a de 6 de Julho de 2010.
Sobre a questão de saber se sobre o dobro do sinal incidem juros de mora, reproduzimos o nosso acórdão de 10 de Julho de 2019, no Processo n.º 55/2019, onde dissemos:
«Trata-se, como se disse, de saber se são devidos juros de mora sobre o sinal em dobro, quando há lugar a restituição deste sinal em dobro, por incumprimento de contrato-promessa de compra e venda de imóvel. E, a serem devidos, desde quando.
A questão nunca foi objecto de decisão por este Tribunal e não é pacífica, podendo considerar-se maioritária na jurisprudência e na doutrina a tese da exigibilidade dos juros moratórios.
Como se sabe, em matéria de mora do devedor, os princípios gerais estão previstos no artigo 793.º do Código Civil, inserido na Divisão III Mora do devedor, da Subsecção II, da Secção II, do Capítulo VII, do Título I, do Livro II Direito das Obrigações.
Dispõe o artigo 793.º:
Artigo 793.º
(Princípios gerais)
1. A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.
2. O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.
Quanto ao momento da mora, rege o artigo 794.º:
Artigo 794.º
(Momento da constituição em mora)
1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:
a) Se a obrigação tiver prazo certo;
b) Se a obrigação provier de facto ilícito; ou
c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.
3. No caso da alínea a) do número anterior, devendo a prestação ser cumprida no domicílio do devedor, só há mora se o credor a reclamar aí.
4. Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor.
Relativamente às obrigações pecuniárias, o artigo 795.º esclarece qual a indemnização devida em caso de mora:
Artigo 795.º
(Obrigações pecuniárias)
1. Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.
2. Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal.
3. Pode, no entanto, o credor provar que a mora lhe causou dano consideravelmente superior aos juros referidos no número anterior e exigir a indemnização suplementar correspondente.
Quer isto dizer que, nas obrigações pecuniárias, em princípio:
- A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.
- O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.
- Em regra (que tem excepções), o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
- A indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora, que, em regra, são os legais.
Vejamos, agora se o regime de indemnização pelo incumprimento contratual quando haja sinal, afasta as normas acabadas de citar.
Estatui sobre a matéria o artigo 436.º do Código Civil:
Artigo 436.º
(Sinal)
1. Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível.
2. Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado.
3. A parte que não tenha dado causa ao incumprimento poderá, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, quando esse poder lhe seja atribuído nos termos gerais.
4. Na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
5. É igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 801.º
A tese da recorrente é a de que o n.º 4 do artigo 436.º impede outra indemnização, que não o dano excedente, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
Mas não é assim.
O que o n.º 4 do artigo 436.º impede é outra indemnização pelo não cumprimento do contrato, que não o dano excedente, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
Como vimos, a indemnização a que se referem os artigos 793.º, 794.º e 795.º é pela mora, isto é, pelo atraso no cumprimento e não pelo incumprimento.
Podemos concluir que o n.º 4 do artigo 436.º não preclude a indemnização pela mora na restituição do sinal em dobro16.
4. Momento da constituição em mora
Dado que a obrigação não tinha prazo certo, o momento da constituição em mora só se dá, de acordo com o artigo 794.º, depois o devedor ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, a menos que a obrigação provier de facto ilícito ou se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.
Como a obrigação não provem de facto ilícito extracontratual17e o autor não alegou que devedor tenha impedido a interpelação, a mora deu-se com a citação para a acção18.
O acórdão de uniformização de jurisprudência de 2 de Março de 2011 não se aplica à situação dos autos, pois estava em causa um ilícito extracontratual. Dissemos nesse acórdão:
«Há casos, no entanto, em que a interpelação não é necessária para que o devedor fique constituído em mora e, assim, obrigado a indemnizar os danos causados por esta.
Um destes casos, em que há mora do devedor independentemente de interpelação para cumprir, é o de a obrigação provir de facto ilícito [artigo 794.º, n.º 2, alínea b) do Código Civil].
Desta norma, com origem no Direito Romano, resulta que quando a obrigação provem de facto ilícito extracontratual a mora conta-se a partir do facto ilícito19.
Contudo, mesmo que a obrigação provenha de facto ilícito, “Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor” (artigo 794.º, n.º 4 do Código Civil).
Ora, conjugando este preceito com aquele outro, atrás mencionado, segundo o qual “... a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos” (n.º 5 do artigo 560.º do Código Civil), temos que, em caso de litígio judicial quanto ao valor dos danos, o crédito só se torna líquido quando o juiz o fixa, seja na sentença em 1.ª instância, seja na decisão em recurso, quando o valor fixado anteriormente é alterado ou quando em 1.ª instância, por uma razão ou por outra, nenhum valor foi fixado. Podendo mesmo acontecer que o devedor só entre em mora na execução, se o montante dos danos só nesta fase for liquidado (artigo 564.º, n.º 2 do Código de Processo Civil)».
No nosso caso, está em causa, por um lado, a responsabilidade contratual e, por outro, o crédito era líquido.
Logo, não tem aplicação o acórdão de uniformização de jurisprudência».
Aplicando a mesma doutrina ao caso dos autos temos que são devidos juros de mora legais a partir da data da interpelação (n.º 1 do artigo 794.º do Código Civil), para a restituição do dobro do sinal, ou seja, três dias após o envio da carta para tal, a 7 de Julho de 2010, nos termos do artigo 795.º do Código Civil.
Sobre que valor?
Não o dobro do sinal, mas o deste em singelo, já que o acórdão recorrido decidiu que, tendo a autora direito ao dano excedente, que é o valor entre o preço contratual da fracção e o seu valor em data a apurar, a autora só teria direito ao sinal em singelo.
A autora não impugnou este valor mas apenas o momento a considerar para efeitos do valor de aquisição da fracção.
Logo, os juros incidem sobre HKD$388.000,00.
A autora só tem direito a juros de mora sobre o valor do dano excedente, a partir da data do presente acórdão, face ao disposto no n.º 4 do artigo 794.º do Código Civil.
7. Recurso da autora. Momento a considerar para efeitos do valor de aquisição da fracção pelo dano excedente
Sobre esta questão já o TUI teve oportunidade de se pronunciar no seu acórdão de 30 de Março de 2017, no Processo n.º 5/2017.
Aí se decidiu que o momento relevante para se aferir da indemnização pelo dano excedente a que se refere o n.º 4 do artigo 436.º do Código Civil, é a data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal, nos termos do n.º 5 do artigo 560.º do Código Civil e não o momento de incumprimento do contrato. E que a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, sendo a indemnização liquidada por via judicial, é a do encerramento da discussão em 1.ª instância20.
Só que, a autora, no seu pedido de ampliação, não pediu que fosse considerado o preço da fracção no futuro, designadamente, na data do encerramento da discussão em 1.ª instância. Manifestamente, fez o pedido limitando-se à data da ampliação, que ocorreu em 12 de Novembro de 2012.
Ainda que assim não fosse e pudesse ser considerado um valor da fracção posterior, como a do encerramento da discussão em 1.ª instância, dado que o valor da condenação nunca poderia ser superior ao valor do pedido (n.º 1 do artigo 564.º do Código de Processo Civil), a autora também não poderia beneficiar deste último valor, se este fosse superior, como se supõe.
Tendo ficado provado o valor da fracção em 31 de Outubro de 2012, HK$6.300.000,00 (resposta ao quesito 77.º) é esse o valor a considerar, não se justificando nova acção declarativa de liquidação, em processo executivo, para determinar o valor 12 dias depois.
O dano excedente, segundo os critérios fixados pelo acórdão recorrido, não impugnados pela autora e baseados no pedido desta, será, assim, de HK$2.420.000,00.
IV – Decisão
Face ao expendido:
A) Negam provimento ao recurso da 1.ª ré D;
B) Concedem parcial provimento ao recurso da autora C, condenando a 1.ª ré D a pagar à autora C HKD$2.808.000,00 (dois milhões e oitocentos e oito mil dólares de Hong Kong), juros de mora legais sobre HKD$388.000,00,a partir de 10 de Julho de 2010 e sobre HKD$2.420.000,00 a partir da presente data.
C) No mais, vai absolvida a 1.ª ré.
Custas do recurso da 1.ª ré a cargo desta.
Custa do recurso da autora, de 1/5 para a autora e 4/5 para a 1.ª ré.
Macau, 29 de Novembro de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
1 Omitem-se os pedidos subsidiários.
2 RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, Lisboa, 2001, 3.ª edição, Volume III, p. 277 e 278.
3 ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, reimpressão, Volume VI, p. 56 a 58.
4 ALBERTO DOS REIS, Código.., Volume VI, p. 58.
5 RODRIGUES BASTOS, Notas…, Volume III, p. 285, ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, Coimbra, Almedina, 3.ª edição, 2010, p. 426 e segs., M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 2.ª edição, 1997, p. 437 e 438 e F. AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 9.ª edição, 2009, p. 268 e segs.
6 Sobre a evolução histórica da jurisprudência portuguesa, cfr. A. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte geral, Tomo I, Coimbra, Almedina, 1999, p. 469 e segs.
7 LEBRE DE FREITAS, O Ónus de Denunciar o Defeito da Empreitada no Artigo 1225.º do Código Civil: O Facto e o Direito na Interpretação dos Documentos, parecer publicado em O Direito, 1999, I-II, p. 231 a 281 e republicado em Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, Coimbra Editora, Volume I, 2.ª edição, 2009, p. 458 a 461. Suprimiram-se as notas de rodapé.
8 OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil Teoria Geral, Coimbra Editora, Volume II, 1999, p. 160.
9 CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, Lisboa, Universidade Católica Editora, 3.ª edição, II volume, 2001, p. 411.
10 Cfr., a este respeito, Oliveira Ascensão, Teoria Geral, Vol. II, Pág. 160; para maior desenvolvimento, vd. Menezes Cordeiro, Tratado, I, T. I, págs. 537 e segs.
11 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 4.ª ed., volume I,1987, p. 224.
12 PAULO MOTA PINTO, Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, Coimbra, Almedina, 1995, p. 198 a 200. Suprimiram-se as notas de rodapé.
13 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código…, volume I, p. 223.
14 CARLOS MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 3.ª edição, reimpressão de 1993, p. 448, nota (1)
15 A. MENEZES CORDEIRO, Tratado…, I, Parte geral, Tomo I, p. 485.
16 Por todos, para o Direito português, JOSÉ CARLOS BRANDÃO PROENÇA, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, Coimbra Editora, 1.ª edição, 2011, p. 341 e 342.
17 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Coimbra, Almedina, II vol., 9.ª edição, p. 119.
18 Neste sentido, JOSÉ CARLOS BRANDÃO PROENÇA, Lições…, p. 342.
19 ANTUNES VARELA, Das Obrigações..., Volume II, reimpressão da 7.ª edição, 2001, p. 119.
20 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código ..., 1987, 4.ª ed., Volume I, p. 583 e 584.
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