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Processo nº 422/2019
Data do Acórdão: 17OUT2019


Assuntos:

Embargos de executado
Título executivo
Força probatório do escrito particular


SUMÁRIO

O escrito particular assinado onde foi documentada uma declaração recognitiva de uma dívida ou uma promessa unilateral de uma prestação tem a força probatória fixada no artº 452º do CC, à luz do qual se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.

Não obstante poder beneficiar da presunção estabelecida a seu favor nos termos do artº 452º do CC, o credor munido do documento particular reconhecido como título executivo pode vir a ser confrontado, na execução, com a oposição do executado.

Apesar da rigorosa exigência quanto às suas formalidades, o título executivo consistente no escrito particular assinado onde foi documentada uma declaração recognitiva de uma dívida ou uma promessa unilateral de uma prestação, pela sua força probatória especial, faz inclinar para o lado do credor a balança da justiça, o que torna necessário e justifica a existência de um mecanismo de oposição estabelecido em prol do devedor para restaurar o equilíbrio da balança.

A oposição mediante embargos de executado é uma verdadeira acção declarativa inserida na execução, e através da qual se assegura ao executado o pleno contraditório, para contestar o pedido de execução, negando, contrariando, desdizendo, regateando ou discutindo em tudo quanto relacionado com a alegada dívida exequenda, nomeadamente a autenticidade do título executivo, a exigibilidade da dívida exequenda, a verificação das eventuais causas extintivas da dívida exequenda.

A força probatória plena a que se refere o artº 370º/1 do CC diz apenas respeito à materialidade das declarações, ou seja, não vai além da existência da declaração nele contida, e não também à veracidade do facto declarado que, enquanto tal, é apenas presumida e fica sujeita à impugnação pela parte contra quem o documento é apresentado.

Não tendo sido impugnada com êxito pela parte contra quem o documento é apresentado, não podem deixar de ser dados por provados os factos constantes das declarações tidas por assentes por força probatória plena dos documentos prescrita no artº 370º do CC.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 422/2019


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I
Por apenso à execução ordinária nº CV2-16-0026-CEO que lhe move a B, veio A deduzir os embargos de executado, dizendo que, para além de não ter assinado o documento que se serviu de título executivo, não lhe emprestou dinheiro algum e portanto nada lhe deve.

A final veio a ser proferida a seguinte sentença julgando improcedentes os embargos:

I – Relatório:
  A, masculino, titular do BIR n.º ..., residente em Macau…;
  veio deduzir os presentes
  Embargos
  à execução contra si intentada por
  B, casado, de nacionalidade chinesa, residente na China…;
  com os fundamentos apresentados constantes do requerimento de embargos de fls 7 a 9.
  Concluiu pedindo que fossem julgados procedentes os presentes embargos e, em consequência, declarada extinta a execução embargada.
***
  O Embargado contestou os embargos com os fundamentos constantes de fls 15 a 16v dos autos.
  Concluiu pedindo que fossem julgados improcedentes os embargos deduzidos pelo Embargante.
***
  Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
  As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade "ad causam".
  O processo é o próprio.
  Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem à apreciação "de meritis".
***
  Procedeu-se a julgamento com observância do devido formalismo.

***


II – Factos:
  Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
  Da Base Instrutória:
- O executado apôs a sua assinatura nos documentos cuja cópia se mostra junta a fls. 5 e 7 dos autos de execução apensos, em circunstâncias não apuradas, designadamente se, aquando da assinatura, o restante conteúdo dos documentos já aí constava (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
- O executado não entregou qualquer quantia ao exequente nos termos referidos nesses documentos (resposta aos quesitos das 8º e 9º da base instrutória).
- O que consta da resposta ao quesito 7º (resposta ao quesito da 12º da base instrutória).
***
III – Fundamentos:
  Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
  Para fundamentar a sua pretensão, alega o Embargante que apenas assinou um dos títulos executivos a fim de garantir um empréstimo a contrair por um terceiro junto do Embargado, empréstimo este que nunca se concretizou. Mais sustenta que nunca recebeu qualquer das quantias indicas nos dois títulos executivos um dos quais nem sequer assinado por si.
  Contestando, o Embargado refuta o alegado pelo Embargante reiterando que concedeu a este dois empréstimos, cada um no valor de HK$10.000,000,00, tendo o Embargante assinado os títulos executivos alguns meses depois.
*
  Flui do acima exposto que são dois os fundamentos invocados pelo Embargante: (1) que nunca assinou o título executivo junto a fls 7 dos autos de execução (cujo original se encontra junto a fls 38 dos presentes autos); e (2) que este nunca contraiu os empréstimos nem concordado com os termos de restituição indicados nos títulos executivos.
  Feito o julgamento da matéria de facto, ficou provado que o Embargante assinara ambos os títulos executivos.
  Portanto, a primeira objecção apresentada pelo Embargante de que não assinou o título executivo junto a fls 7 dos autos de execução não procede.
*
  Resta assim aquilatar se o Embargante contraiu os dois empréstimos indicados nos títulos executivos.
  Segundo a matéria assente, as assinaturas do Embargante foram apostas em circunstâncias não apuradas, designadamente se, aquando da assinatura, o restante conteúdo dos documentos já aí constava.
  Assente que o Embargante assinou os títulos executivos nessas condições, duas seguintes hipóteses se equacionam: (1) o Embargante assinou os títulos executivos depois de o seu teor ter sido nele introduzido ou (2) o Embargante assinou os mesmos em branco.
*
  Ora, se se provar a primeira situação, dispõe o artigo 370º, nºs 1 e 2, do CC que “1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento. 2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.”
  Nesse cenário, por nada constar dos factos provados acerca da falsidade dos títulos executivos, não se pode deixar de concluir pela existência dos empréstimos com os termos indicados nestes títulos.
*
  Se se demonstrar que os títulos executivos foram assinados em branco, estipula o artigo 372º do CC que “Se o documento tiver sido assinado em branco, total ou parcialmente, o seu valor probatório pode ser ilidido, mostrando-se que nele se inseriram declarações divergentes do ajustado com o signatário ou que o documento lhe foi subtraído.”
  Assim, cabe ao Embargante provar que o teor deles constantes é divergente do que ficou ajustado.
  Relativamente ao título executivo junto a fls 5 dos autos de execução (cujo original se encontra junto a fls 37 dos presentes autos), o Embargante alega que, conforme o estabelecido com o Embargado, o documento serviria tão-só de garantia a um empréstimo que, aliás, nunca se concretizou.
  Contudo, não logrou o Embargante demonstrar o por si alegado.
  Portanto, o conteúdo do título executivo junto a fls 5 que é contrários aos interesses do Embargante vale contra o mesmo.
  Em relação ao título executivo junto a fls 7 dos autos de execução, por nada ter sido alegado para demonstrar a violação de qualquer acordo de preenchimento, também o Embargado está vinculado ao teor que lhe é desfavorável.
*
  Flui do acima exposto que, em qualquer das duas hipóteses acima equacionadas, se deve considerar demonstrado que o Embargado contraiu os empréstimos cujos termos constam dos dois títulos executivos juntos.
  Assim sendo, improcede também a segunda objecção do Embargante com o que se devem julgar os presentes embargos improcedentes.
***
IV – Decisão (裁 決):
  Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga improcedentes os embargos deduzidos pelo Embargante A.
  Custas pelo embargante.
  Registe e notifique.
*
  據上論結,本法庭裁定異議人A提出之異議理由不成立。
  訴訟費用由異議人承擔。
  依法作出通知及登錄本判決。


Não se conformando com essa sentença, vem agora o Embargante A recorrer dela para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo e pedindo:

(a) Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 144 e segs. que julgou improcedentes os embargos de executado deduzidos pelo executado e ora recorrente, A.
b) Em execução que lhe foi movida pelo embargado e exequente, B, com base em dois documentos particulares, alegadamente titulando uma dívida do executado, ora recorrente, veio o exequente requerer o pagamento da quantia de MOP$21,270,426.23, acrescida de juros calculados à taxa legal, até integral pagamento.
c) Opondo-se à execução, por meio de embargos, veio o ora recorrente basicamente referir que:
* nunca solicitou ao exequente as quantias tituladas pelos alegados títulos;
* consequentemente, nunca recebeu do exequente as quantias que os alegados títulos referem;
* assinou um dos documentos "em branco" e, o outro, nem sequer foi assinado por si; e
* como tal, não foi ele quem "escreveu" a declaração constante de ambos documentos
d) Tendo-se procedido à audiência do julgamento, não ficou provado, com interesse para a causa, que:
Nos princípios de Janeiro de 2015, o executado A, por dificuldades económicas, pediu emprestado ao exequente a quantia de dez milhões dólares de Hong Kong (HKD$10.000.000,00), tendo o exequente entregue ao executado, no mesmo dia, a dita quantia em Macau.
O executado prometeu pagar ao exequente, a partir de 01 de Junho de 2015, o empréstimo em prestações mensais de quinhentos mil dólares de Hong Kong (HKD500.000,00).
Em meados de Fevereiro de 2015, o executado pediu ao exequente, pelo mesmo motivo de dificuldades económicas, outro empréstimo de dez milhões dólares de Hong Kong (HKD10.000.000,00), tendo o exequente entregue ao executado, no mesmo dia, a dita quantia em Macau.
  Por outro lado,
e) Provou-se que foi o executado - o embargente e ora recorrente - que apôs a sua assinatura nos documentos em causa na execução, mas não se apurou em que circunstâncias, " ... designadamente se, aquando da assinatura, o restante conteúdo dos documentos já aí constava. "
f) Os documentos em causa são documentos particulares (art.º 367º do C.C.).
  Ora,
g) Entende o recorrente, com o devido respeito, que não obstante o supra referido na decisão recorrida, não ficou provado que o embargante tenha recebido do embargado as quantias a que se alude nos alegados títulos executivos.
h) Alegou o recorrente, e provou, que nunca recebeu do embargado as quantias em causa.
  Isto é, que o conteúdo dos documentos não corresponde à verdade.
i) Afirmou o recorrente que a letra e assinatura dos documentos não era autêntica e, assim sendo, incumbia ao embargado, nos termos do art.º 368°, nº 2 do C.C., a prova da respectiva veracidade, devendo o juiz fazer a "...apreciação da prova segundo o seu bom senso e livre convicção." ("Código Civil de Macau, Anotado e comentado" - Gil de Oliveira e Cândido Pinho)
j) Ora, estamos na presença de contratos de mútuo, segundo os quais "...uma parte empresta à outra dinheiro ... ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto ..." (art.º 1070º do C.C.).
k) Trata-se de um negócio que só se completa pela entrega ("empréstimo") - no caso, de dinheiro - sendo que, não tendo havido entrega de dinheiro, não poderá estar-se na presença de um mútuo.
l) Ora, como se disse, o embargante não provou que, em Janeiro e Fevereiro de 2015, o embargante lhe pediu emprestadas as quantias constantes dos alegados titulos executivos, bem como não provou que, nesses mesmos dias, entregou ao embargante aquelas quantias.
m) Não se tendo provado a entrega destas quantias ao embargante, então, os documentos em causa não constituem contratos de mútuo, não se devendo ter considerado, com o devido respeito, que o embargante contraíu os empréstimos em causa nos presente autos.
n) Na verdade, nestes documentos consta que o embargado deu ao embargante as quantias em causa; quando assim não foi.
Os factos divergem do que consta da declaração e a resposta negativa aos quesitos 1º e 3º deveriam ter permitido ao Tribunal "a quo" esclarecer o conteúdo dos documentos, alegadamente títulos executivos.
o) O embargante fundamentou os embargos nos termos do art.º 699º, de que consta precisamente que tais fundamentos serão "... quaisquer outros que lhe seria permitido deduzir como defesa no processo declarativo. "
p) E, exactamente, alegou e provou que, não obstante o teor dos documentos dos autos, nunca solicitou empréstimos ao embargado, nem este, alguma vez, lhe entregou as quantias aí referidas.
q) No caso "subjudice" o que sucedeu é que não houve mútuo algum entre o embargado e o embargante; aquele não emprestou dinheiro algum a este; e este nada recebeu daquele.
As declarações que são imputadas ao embargante, em documento que ele afirma não ter redigido, não produziram, pois, quaisquer efeitos.
Termos em que, pela procedência do presente recurso, deverão julgar-se procedentes os embargos oportunamente deduzidos e extinta a execução em causa.
 Assim se fazendo JUSTIÇA!

O embargado contra-alegou defendendo a improcedência do recurso (fls. 176 a 180 dos p. autos).

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Conforme se vê na sentença recorrida, foi essencialmente com fundamento na presunção, não ilidida pelo Embargante, da existência dos factos objecto das declarações da autoria imputada ao Executado, ora Embargante, contidas nos documentos que serviram de título executivo, que julgou improcedentes os embargos.

O embargante, ora recorrente, em sede de recurso, veio reiterar a impugnação da veracidade das assinaturas apostas e defender que os documentos que serviram de título executivo não têm a força probatória para comprovar que ele, Executado, ora Embargante, recebeu do embargado as quantias exequendas.

Assim, constituem objecto do presente recurso as questões da veracidade das assinaturas apostas nos documentos que se serviram de título executivo e do alcance da força probatória dos tais documentos.

Então vejamos.

1. Da veracidade das assinaturas

Os documentos que serviram de base ao processo executivo principal são dois documentos particulares, ora constantes das fls. 37 e 38 do presente apenso e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

Citado para a execução, o Executado, ora recorrente deduziu os embargos, tendo para o efeito alegado que nunca assinou o doc. nº 2 da execução, alegadamente, também um outro título executivo – vide o artº 10º do requerimento dos embargos.

Na contestação aos embargos, o Embargado requereu a realização da perícia pela Polícia Judiciária a fim de comprovar a imputação ao Embargante da autoria das assinaturas apostas nos documentos que serviram de título executivo.

Foi ordenada a realização dessa diligência probatória e foi justamente com base nessa prova pericial que o Tribunal deu provado que o Executado apôs a sua assinatura nos documentos.

Agora, em sede de recurso, diz o recorrente que afirmou o recorrente que a letra e assinatura dos documentos não era autêntica e, assim sendo, incumbia ao embargado, nos termos do art.º 368°, nº 2 do C.C., a prova da respectiva veracidade, devendo o juiz fazer a "...apreciação da prova segundo o seu bom senso e livre convicção." ("Código Civil de Macau, Anotado e comentado" - Gil de Oliveira e Cândido Pinho).

Ora, o Colectivo de 1ª Instância formou a sua convicção com base na prova pericial produzida.

Ao passo que o recorrente se limitou a dizer qual é a regra de valoração de provas, sem que haja identificado qualquer erro na apreciação desta prova ou em que termos a valoração dessa prova pericial foi feita sem a devida observância do direito probatório.

Não tendo assim cumprido o ónus de impugnar a matéria de facto, é de rejeitar esta parte do recurso nos termos prescritos no artº 599º do CPC.

2. Do alcance da força probatória dos documentos

Aqui, o recorrente limitou-se a reiterar a versão dos factos por ele alegados nos embargos, já julgados não provados na primeira instância.

No fundo, está a não reconhecer os factos objecto das declarações contidas nos documentos que serviram de título executivo à execução.

A propósito de título executivo, ensina o Prof. Antunes Varela que:

Essencial para que possa instaurar-se a execução é que haja um título executivo.
……
…… dir-se-á que títulos executivos são os documentos (escritos) constitutivos ou certificativos de obrigações que, mercê da força probatória especial de que estão munidos, tornam dispensável o processo declaratório (ou novo processo declaratório) para certificar a existência do direito do portador.

O título executivo reside no documento e não no acto documentado, por ser na força probatória do escrito atentas as formalidades para ele exigidas, que radica a eficácia executiva do título (quer o acto documentado subsiste, quer não) – in Manual de Processo Civil, 2ª ed. revista e actualizada, pág. 77 e s.s.

Beneficiando da força probatória especial inerente aos documentos por lei reconhecidos como título executivo que faz presumir a existência do crédito exequendo, ao seu portador é legítimo desenrolar a acção executiva quando munido de um título executivo.

In casu, foi dado à execução dois escritos particulares, comprovadamente assinados pelo executado, ora Embargante, ambos consubstanciados no reconhecimento, em cada um dos escritos, de uma dívida resultante do empréstimo contraído ao Exequente no valor de HKD$10.000.000,00, e na promessa de a devolver nas condições mencionadas nos documentos.

Trata-se de um acto recognitivo de uma dívida ou uma promessa unilateral de uma prestação, cujos efeitos se encontram regulados no artº 452º do CC, à luz do qual se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.

Não obstante poder beneficiar da presunção estabelecida a seu favor, o credor munido do documento particular reconhecido como título executivo pode vir a ser confrontado, na execução, com a oposição do executado. É aliás justamente o que in casu sucede.

Na verdade, apesar da rigorosa exigência quanto às suas formalidades, o título executivo, pela sua força probatória especial, faz inclinar para o lado do credor a balança da justiça, o que torna necessário e justifica a existência de um mecanismo de oposição estabelecido em prol do devedor para restaurar o equilíbrio da balança (neste sentido, cf. Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, 2005, 8ª ed., pág. 153).

A oposição mediante embargos de executado é uma verdadeira acção declarativa inserida na execução, e através da qual se assegura ao executado o pleno contraditório, para contestar o pedido de execução, negando, contrariando, desdizendo, regateando ou discutindo em tudo quanto relacionado com a alegada dívida exequenda, nomeadamente a autenticidade do título executivo, a exigibilidade da dívida exequenda, a verificação das eventuais causas extintivas da dívida exequenda.

Voltemos ao caso sub judice.

Ora, confrontando a base instrutória do saneador à matéria tida por assente no Acórdão do julgamento de facto, verificamos que não ficou provado tudo quanto alegado pelo Embargante para negar os factos objecto das declarações contidas em ambos os escritos particulares cuja autoria e assinatura lhe foram imputadas.

Na óptica do Tribunal a quo, não obstante o não apuramento das circunstâncias, designadamente se, aquando da assinatura, o restante conteúdo dos documentos já ai constava, no caso sub judice, duas seguintes hipóteses podem equacionar-se: (1) o Embargante assinou os títulos executivos depois de o seu teor ter sido nele introduzido ou (2) o Embargante assinou os mesmos em branco.

Para o Tribunal a quo, enquanto não tiver sido demonstrada, na primeira hipótese a falsidade do documento e na segunda hipótese a violação do acordo de preenchimento, o Embargante fica já vinculado ao teor das declarações contidas nos documentos que lhe é desfavorável.

Para nós, ao dar como não provada toda a matéria alegada pelo Embargante para negar a veracidade dos factos objecto das declarações contida nos documentos e levada à base instrutória, o Tribunal a quo bem andou, pois foi observado o disposto nos artºs 368º/1, 370º/1 e 387º/2, todos do CC, que em termos conjugados, conferem força probatória plena ao escrito particular quanto às declarações e força probatória normal, quanto aos factos objecto das declarações neles contidas.

Estes artigos têm a seguinte redacção:

Artigo 368.º
(Autoria da letra e da assinatura)
1. A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras.
2. Se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade.
Artigo 370.º
(Força probatória)
1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.
3. Se o documento contiver notas marginais, palavras entrelinhadas, rasuras, emendas ou outros vícios externos, sem a devida ressalva, cabe ao julgador fixar livremente a medida em que esses vícios excluem ou reduzem a força probatória do documento.
Artigo 387.º
(Inadmissibilidade da prova testemunhal)
1. Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal.
2. Também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena.
3. As regras dos números anteriores não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento.
Face à conjugação dessas normas ora citadas, os documentos que serviram de título executivo demonstram plenamente que foram feitas pelo Embargante as declarações dele constantes.

É verdade, o que significa apenas que o Embargante fez aquelas declarações.

Pois, a propósito do alcance da força probatória de um escrito particular cuja assinatura é reconhecida por não ter sido impugnada com êxito pela parte contra quem o documento é apresentado, diz Vaz Serra que:

Uma vez determinado que o documento particular é da autoria da pessoa ou pessoas a quem se refere, provado fica que estas fizeram as declarações que nele lhes são atribuídas (Cód. Proc. Civil de 1961, art. 538º, nº 1; novo Cód.Civil, art. 376º, nº 1), e os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante (Cód. Proc. Civil de 1961, art. 538º, nº 2; novo Cód.Civil, art. 376º, nº 2).

Isto só quer dizer que os factos que são objecto da declaração (……) se consideram provados quando contrários aos interesses do declarante, não excluindo a possibilidade de o interessado se valer dos meios gerais de impugnação da declaração documentada. Trata-se ali apenas de uma presunção derivada da regra de experiência de que quem afirma factos contrários aos seus interesses o faz por saber que são verdadeiros: ora essa regra não tem valor absoluto, bem podendo acontecer que alguém afirme factos opostos aos seus interesses apesar de eles não serem verdadeiros, e que tal afirmação não concorde com a sua vontade ou se ache afectada por algum vício do consentimento (o facto declarado no documento considera-se verdadeiro, embora não o seja, por aplicação das regras da confissão, mas também de harmonia com as regras desta, pode o declarante valer-se dos meios de impugnação respectivos).

Não está, por isso, o interessado inibido de provar que a declaração constante do documento não correspondeu à sua vontade ou que esta foi afectada por algum vício do consentimento. – in RLJ, ano 101º, págs. 269 e s.s..

Segundo esse douto Ensinamento de Vaz Serra, aqui citado como doutrina no direito comparado, uma coisa é a materialidade das declarações, outra é a veracidade dos factos contidos nas declarações.

Na esteira desse ensinamento doutrinário acima citado, que para nós continua válido, a força probatória plena a que se refere o artº 370º/1 do CC diz respeito à materialidade das declarações, ou seja, não vai além da existência da declaração nele contida, já a presumida veracidade do facto declarado fica sujeita à prova em contrário.

Assim sendo, não tendo todavia impugnada pelo Embargante com êxito a veracidade dos factos constantes das declarações exaradas nos dois escritos particulares, estes provam in casu tanto as declarações como os factos nelas declarados, ou seja, o facto de o Embargante ter reconhecido as dívidas resultantes dos dois empréstimos contraídos ao Embargado e o de se comprometer a pagar as dívidas nas condições ai mencionadas.

Aliás, todas estas questões já foram apreciadas e decididas nos mesmos termos em que ora apreciámos supra, portanto, não podemos deixar de concluir que bem andou o Tribunal a quo e não se nos afigura outra solução melhor do que a de louvar aqui a sentença recorrida e, nos termos autorizados pelo artº 631º/5 do CPC, remetendo para os Doutos fundamentos invocados na decisão recorrida e julgando improcedente o recurso do requerente e confirmando a sentença recorrida.

Em conclusão:

1. O escrito particular assinado onde foi documentada uma declaração recognitiva de uma dívida ou uma promessa unilateral de uma prestação tem a força probatória fixada no artº 452º do CC, à luz do qual se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.

2. Não obstante poder beneficiar da presunção estabelecida a seu favor nos termos do artº 452º do CC, o credor munido do documento particular reconhecido como título executivo pode vir a ser confrontado, na execução, com a oposição do executado.

3. Apesar da rigorosa exigência quanto às suas formalidades, o título executivo consistente no escrito particular assinado onde foi documentada uma declaração recognitiva de uma dívida ou uma promessa unilateral de uma prestação, pela sua força probatória especial, faz inclinar para o lado do credor a balança da justiça, o que torna necessário e justifica a existência de um mecanismo de oposição estabelecido em prol do devedor para restaurar o equilíbrio da balança.

4. A oposição mediante embargos de executado é uma verdadeira acção declarativa inserida na execução, e através da qual se assegura ao executado o pleno contraditório, para contestar o pedido de execução, negando, contrariando, desdizendo, regateando ou discutindo em tudo quanto relacionado com a alegada dívida exequenda, nomeadamente a autenticidade do título executivo, a exigibilidade da dívida exequenda, a verificação das eventuais causas extintivas da dívida exequenda.

5. A força probatória plena a que se refere o artº 370º/1 do CC diz apenas respeito à materialidade das declarações, ou seja, não vai além da existência da declaração nele contida, e não também à veracidade do facto declarado que, enquanto tal, é apenas presumida e fica sujeita à impugnação pela parte contra quem o documento é apresentado.

6. Não tendo sido impugnada com êxito pela parte contra quem o documento é apresentado, não podem deixar de ser dados por provados os factos constantes das declarações tidas por assentes por força probatória plena dos documentos prescrita no artº 370º do CC.

Tudo visto resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente o recurso, mantendo na íntegra a decisão recorrida que julgou improcedentes os embargos deduzidos pelo executado.

Custas do recurso pelo recorrente.

Registe e notifique.

RAEM, 17OUT2019

Lai Kin Hong

Fong Man Chong

Ho Wai Neng
422/2019-23