Processo nº 725/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 31 de Outubro de 2019
Recorrente: A (Embargante)
Recorridos: B有限公司(1ª Embargada)
C (2º Embargado)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por despacho saneador de 09/01/2018, decidiu-se o estado do processo não permite o conhecimento imediato do mérito da causa.
Dessa decisão vem recorrer a Embargante A, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
I. O objecto da sentença transitada em julgado nos autos CV2-16-0077-CAO constitui questão prejudicial nos presentes embargos da acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que neles há-de ser proferida.
II. Tal sentença não causa nenhum prejuízo jurídico ao Recorrido porque não afecta a existência ou validade do seu direito de crédito, podendo apenas afectar a sua consistência pratica ou económica por implicar a delimitação do património do devedor.
III. Isto porque o direito de crédito continua o mesmo, com o mesmo conteúdo, sendo que a maior ou menor dificuldade da sua boa cobrança não representa um prejuízo de natureza jurídica, mas tão só um eventual prejuízo de ordem económica, na medida em que o património do devedor pode não chegar para o credor se pagar.
IV. A Exequente, aqui 1.ª Embargada é, pois, um terceiro juridicamente indiferente em relação à sentença transitada em julgado nos autos CV2-16-0077-CAO, a qual lhe é, por isso, oponível por força de eficácia reflexa do caso julgado.
V. Nada obsta assim a que o tribunal de primeira instância conheça do mérito da causa em função do decidido quanto à relação litigada entre o devedor e a Embargante tal como ela foi definida na sentença transitada em julgado nos autos CV2-16-0077-CAO.
VI. O despacho de fls. 63 contende com a força vinculativa da autoridade de caso julgado formado pela sentença de fls. 8 a 16, pelo que, sem quebra do respeito sempre devido por entendimento contrário, deverá o mesmo ser revogado, com as legais consequências.
*
Por sentença de 31/01/2019, julgou-se improcedentes os embargos de terceiros deduzidos pela Embargante.
Dessa decisão vem recorrer a Embargante, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
a) Da impugnação da matéria de facto - Ao responder deficientemente à matéria dos quesitos 1.º a 12.º da Base Instrutória o Tribunal a quo violou a autoridade do caso julgado da decisão tomada na sentença de fls. 8 a 16 dos autos, bem como incorreu em erro na apreciação da matéria de facto, designadamente das passagens dos depoimentos da testemunha Sio Rio I gravadas ao minuto 11:40 a 12:37 do Translator 02 - Recorded on 03-Dec-2018 at 10.58.11 (2K()QZA102720319)_join e os documentos de fls. fls. 119 a 132 e fls. 557 a 568.
b) Ao responder não provado à matéria do quesito 13.º da Base Instrutória o Tribunal a quo violou a autoridade do caso julgado da decisão tomada na sentença de fls. 8 a 16 dos autos, bem como incorreu em erro na apreciação da matéria de facto, designadamente das passagens do depoimento da testemunha D gravadas ao minuto 12:37 a 14:06,18:59 a 19:09 e 21:41 a 22:05 do Translator02 - Recorded on 03-Dec-2018 at 10.58.11 (2K()QZA102720319)_join, bem como os documentos de fls. 119 a 132 e os documentos n.º 1 a 14 juntos a estas alegacões.
c) Ao responder não provado à matéria do quesito 14.º da Base Instrutória o Tribunal a quo incorreu em erro na apreciação da matéria de facto, designadamente das passagens dos depoimentos da testemunha D gravadas ao minuto 28:04 a 30:24 do Translator 02 - Recorded on 03-Dec-2018 at 10.58.11 (2K()QZA102720319)_join, bem como a certidão do casamento de fls. 157 e 157v do processo principal e os documentos de fls. 133 a 134v.
d) O depoimento da D não foi assim infirmado por nada nem por ninguém, nem objecto de qualquer contraprova, pelo que face ao disposto no art.º 339.º do CC, não podia a questão ter sido decidida contra a parte onerada com a prova, ou seja, a ora Recorrente.
e) Trata-se de uma questão que, aliás, não resiste ao padrão de prova do processo civil, i.e., o da "preponderância de prova" ou "balanço de probabilidades", o qual, no caso em apreço, consiste em saber o que é que é mais provável: (i) se o remanescente do preço continuará a ser pago com dinheiro próprio da ora Recorrente como resulta das autorizações bancárias de fls. 133 - 133v e de fls. 134 - 134v ou (ii) se passará a ser pago pelo marido da Recorrente por este ter conseguido pagar totalidade da dívida exequenda e lhe sobrar dinheiro para dar à mulher?
f) Por isso, segundo o padrão de prova do processo civil, i.e., o da "preponderância de prova" ou "balanço de probabilidades", os recibos de quitação de fls. 119, 122 a 126 e 129 a 132 e as autorizações bancárias de fls. 133 - 133v e de fls. 134 - 134v não impugnados pela Embargada, conjugados com o depoimento da D impunham uma resposta afirmativa aos quesitos 1.º a 14.º da Base Instrutória.
g) Acresce que que impendia sobre o Tribunal o poder-dever de promover a inquirição de quem emitira tais recibos para se inteirar da verdade se sobre a veracidade dos factos neles representados não tivesse a suficiente certeza.
h) Não fez, pelo que a sentença violou também o disposto no art.º 548/1 do CPC aplicável por força do disposto no art.º 6/3 do CPC.
i) Houve, portanto, erro no julgamento dos referidos pontos concretos da matéria de facto, devendo, por conseguinte, face ao disposto nos art.ºs 556/2 (análise crítica das provas), 562/3 (exame crítico das provas) e 558/1, todos do CPC, ser alterada a matéria de facto e revogada a sentença recorrida, com as legais consequências.
j) Na sentença proferida no Processo CV2-16-0077-CAO, de fls. 8 a 16 dos autos, ficou decidido que a Recorrente pagou com dinheiro exclusivamente próprio as cinco primeiras prestações dos contratos-promessa de compra e venda das fracções autónomas designadas por H26, F30 e G30.
k) Por força desta decisão, os direitos de aquisição da ora Recorrente que foram penhorados conservam a natureza de bens próprios da Embargante por força do disposto nos art.ºs 1587.º, alínea c), e 1604.º, n.º 1 do CC.
l) O Tribunal a quo decidiu que a sentença proferida naquela acção não era oponível à 1ª Embargada, visto que tal faria com que esta deixasse de se poder fazer pagar com o bem penhorado, perdendo a garantia que a penhora que oferecia e que perspectivando a situação dos autos dessa forma, nunca se pode dizer que a 1ª Embargada é um sujeito juridicamente indiferente face ao que foi decidido na acção ordinária CV2-16-0077-CAO e que essa decisão não lhe causa prejuízos jurídicos.
m) Este entendimento do Tribunal recorrido contrária, salvo o devido respeito, a jurisprudência dominante, desde há muito, sobre a eficácia do caso julgado material e em particular sobre a sua função positiva, designada por autoridade do caso julgado.
n) Relativamente à extensão do caso julgado a terceiros, a doutrina prevalecente tem entendido que é admissível a sua eficácia relativamente aos terceiros juridicamente indiferentes: aqueles a quem a decisão não produz nenhum prejuízo jurídico, não interferindo com a existência e validade do seu direito, embora podendo afectar a sua consistência prática ou económica.
o) Neste sentido, veja-se Ac. do TRG, 17.05.2018, Proc. n.º 215/16.0T8VPA.G1 [José Moreira Dias]; Ac. do STRJ de 30.03.2017, Processo n.º 1375/06.3TBSTR.E1.S1 [Tomé Gomes], in www.dgsi.pt/jstj.nsf; e Ac. do TSI de 12.05.2005, Processo n.º 51/2005 [Chan Kuok Seng].
p) A sentença recorrida laborou numa confusão entre a figura do "prejuízo jurídico" e a do "prejuízo económico".
q) O direito de crédito da 1.ª Embargada mantém-se independentemente do levantamento da penhora sobre o bem, mesmo que dai resulte uma redução do património do devedor (o 2.º embargado) e até a sua solvabilidade (prejuízo meramente económico).
r) Se a penhora está dirigida à posterior transferência, para o adquirente dos bens posteriormente vendidos em processo executivo, dos direitos do executado sobre os mesmos, no caso concreto tal é impossível do ponto de vista de facto e jurídico.
s) De facto, porque constituindo os bens penhorados bem próprios da ora Recorrente, era impossível transmitir ao futuro adquirente dos bens "vendidos" no processo executivo" um direito que não pertencia ao executado e 2.º Embargado.
t) De direito, porque tal configuraria uma violação do princípio da autoridade do caso julgado, na medida em que um Tribunal já reconhecera por decisão transitada quem era o titular desse direito (a ora Recorrente, por haver pago com dinheiro próprio as prestações do preço) e tal atentaria contra o sistema jurídico no seu todo, sob pena de terceiros, que não podem ignorar as sentenças proferidas e transitadas nas diferentes acções, actuem como se elas não existissem na esfera das realidades jurídicas.
u) Acresce que, na fundamentação da sentença recorrida também foi aduzido o argumento de que não é permitida a alteração unilateral do estado das pessoas com reflexos nos direitos e deveres daí decorrentes sem qualquer apoio factual ou legal, como seria o caso nos presentes autos em que o adquirente declara estar casado no regime de separação quando na verdade está casado no regime de comunhão.
v) Conclui ainda o Tribunal a quo que a solução não seria permitida ser totalmente contrária ao espírito da lei para os casos em que o casal adquirente está sujeito ao princípio da imutabilidade do regime de bens como acontecia anteriormente em Macau.
w) Não há relação entre o "princípio da imutabilidade do regime de bens" e a circunstância da Embargante ter declarado, para efeitos do registo de aquisição do direito de aquisição, que estava casada no regime da separação de bens, quando era casada no regime da comunhão de adquiridos.
x) Um erro na menção do regime de casamento da Embargante não configurava, por si só, qualquer convenção pós-nupcial para alteração do regime de casamento.
y) Todavia, o princípio da imutabilidade do regime de bens no casamento no ordenamento jurídico da RAEM deixou de ter a relevância de outrora, precisamente pela introdução da possibilidade dos cônjuges requererem o registo de convenções pós-nupciais relativas ao regime de bens, durante o casamento, para alterarem a convenção antenupcial, para celebrarem pela primeira vez uma convenção matrimonial, ou para modificarem uma anterior convenção pós-nupcial - cfr. art.º 1578/1, do CC.
z) Claramente o legislador de Macau, inspirado nos ordenamentos jurídicos de alguns países europeus, entendeu permitir a celebração de convenções pós-nupciais, esvaziando, na práctica, o princípio da imutabilidade do regime de bens após o casamento.
aa) Durante a vigência do casamento da ora Recorrente e do 2.º Embargado não se verificou qualquer violação do princípio da imutabilidade do regime matrimonial de bens, precisamente porque a celebração da convenção pós-nupcial se encontra autorizada pelo art.º 1578 do CC.
bb) A circunstância dos direitos de aquisição penhorados constituírem bens próprios da Embargante e ora Recorrente não resulta da celebração da convenção pós-nupcial com o 2.º Embargado, mas sim da declaração (por sentença) de que foram adquiridos na constância do matrimónio com dinheiro próprio da Embargante.
cc) Esta declaração não tem nenhuma relação com o princípio da imutabilidade do regime de bens na constância do casamento, mas sim com o regime dos bens sub-rogados no lugar de bens excluídos da comunhão - art.º 1587.º, alínea c), ex vi art.º 1604, n.º 1, ambos do CC.
dd) Também improcede o fundamento aduzido pelo Tribunal a quo de que a menção relativa ao regime de bens constante do registo predial não é exacta porque os direitos penhorados foram adquiridos quando a Embargante e o 2º Embargado ainda estavam casados no regime de comunhão de adquiridos.
ee) A sentença proferida no Processo n.º CV2-16-0077-CAO, reconhecendo que a Embargante havia pago as prestações do preço com o recurso a dinheiro próprio, só poderia ter conferido a natureza de bem próprio da Embargante aos direitos entretanto penhorados.
ff) A decisão recorrida cometeu um erro de interpretação jurídica em tomo da figura do direito de aquisição emergente do contrato-promessa de compra e venda, julgando o Tribunal a quo a questão como se de um direito real se tratasse.
gg) O direito de aquisição emergente do contrato-promessa de compra e venda é um direito de crédito e não um direito real.
hh) O direito penhorado na execução é um direito de crédito, cujo conteúdo obrigacional é aquele resulta do contrato-promessa celebrado.
ii) No caso concreto os contratos-promessa de compra e venda não foram celebrados pelo 2.º Embargado (pois não os assinou) e as prestações do preço foram pagas com recurso a dinheiro próprio da Embargante, então só a ela assistia o direito de proceder ao pagamento do remanescente do preço (70%) e de exigir da promitente vendedora o cumprimento do contrato-promessa (direito à prestação), precisamente porque foi aquela que se vinculou contratualmente à promessa e pagou as prestações por conta do preço com dinheiro próprio.
jj) Concomitantemente, a presunção de comunicabilidade dos bens decorrente do facto, de no momento de aquisição a Embargante e o 2.º Embargado se encontrarem casados no regime da comunhão de adquiridos, de que se socorre a decisão recorrida, estava afastada e os direitos de aquisição só podiam ser considerados como bens próprios da Embargante.
kk) Ademais, vindo provado que em 07 de 06 de 2013, a Embargante e o Executado, celebraram uma convenção pós-nupcial na Conservatória do Registo Civil de Macau, mudando o regime matrimonial de bens de "comunhão de adquiridos" para "separação de bens" (cfr. fls.7 dos autos) (alínea H) dos factos assentes), necessariamente que o pagamento das demais prestações do preço (feitas por quem detinha o direito de aquisição), seriam feitas pela Embargante já na vigência do regime da separação de bens, pelo que, até por aí, não poderia subsistir qualquer dúvida sobre a natureza de bem próprio da Embargante.
ll) A decisão recorrida fez uma errada aplicação do Direito aos factos, conquanto a natureza de bem próprio da Embargante dos direitos penhorados não decorreu da convenção pós-nupcial celebrada entre a Embargante e o 2.º Embargado, e muito menos por via da violação de um caduco princípio da imutabilidade do regime de bens, mas sim por força do regime dos bens sub-rogados no lugar de bens excluídos da comunhão - art.º 1587.º, alínea c), ex vi art.º 1604, n.º 1, ambos do CC.
mm) De outra banda, em face do reconhecimento de que os direitos emergentes dos contrato-promessa de compra e venda constituíam bens próprios da Recorrente no caso concreto também se toma irrelevante a conclusão tirada na decisão ora sobre recurso no sentido de que a menção relativa ao regime de bens constante do registo predial não é exacta porque os direitos penhorados foram adquiridos quando a Embargante e o 2º Embargado ainda estavam casados no regime de comunhão de adquiridos.
nn) O registo provisório de aquisição a favor da Recorrente foi apresentado em 27.03.2014 - alíneas e) e f) dos Factos Assentes - ou seja, já depois da convenção pós-nupcial, celebrada em 07.06.2013 - alínea h) dos factos assentes - e, portanto, naquela data o regime matrimonial de bens da embargante era o da separação de bens.
oo) A penhora sobre os direitos de aquisição foi registada em 14.03.2017 - alínea b) dos factos assentes - ou seja, depois da convenção pós-nupcial e depois do registo provisório de aquisição dos direitos penhorados.
pp) Ora, da conjugação do princípio da prioridade do registo plasmado no art.º 6.º do Código do Registo Predial com a previsão do art.º 7.º do mesmo diploma, o Tribunal a quo a não podia questionar a exactidão da menção relativa ao regime de bens constante do registo predial.
qq) Com efeito, decorre do art.º 7.º do Código do Registo Predial que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define."
rr) Trata-se de uma presunção ilidível, juris tantum, mas, como presunção legal, apenas nos termos e segundo os pressupostos regulados na lei.
ss) Nos termos do art.º 8/1 do Código do Registo Predial, "os factos comprovados pelo registo não podem ser impugnados em juízo sem que simultaneamente seja pedido o cancelamento do registo" - o que só pode acontecer nos casos directamente previstos na lei.
tt) Ora, não tendo sido pedido o cancelamento ou rectificação da inscrição XXXXXXG não foi elidida a presunção legal de verdade e de exactidão do registo.
uu) Tratando-se de uma presunção legal, quem dela beneficia "escusa de provar o facto a que ela conduz" - n.º 1 do art.º 343.º do CC; sendo consabido que as presunções legais só cedem perante "prova em contrário" - n.º 2 do art.º 343.º do mesmo diploma.
vv) Tal presunção não pode ser substituída por um juízo de dúvida quanto à natureza própria dos referidos direitos obrigacionais de aquisição, sob pena de violação do disposto no art.º 343/2 do CC ex vi do art.º 7/1 e art.º 8/1, ambos do C Código do Registo Predial.
ww) Tais direitos de crédito à celebração dos contratos definitivos, porque exclusivamente titulados pela Embargante, são subjectivamente impenhoráveis por força do deposto no art.º 704.º, a contrário, do CPC.
xx) Ao ter julgado improcedentes os embargos, a decisão recorrida violou o disposto no art.º 1587.º, alínea c), ex vi art.º 1604, n.º 1, ambos do CC; art.º 343/2 do CC ex vi do art.º 7/1 e art.º 8/1, ambos do Código do Registo Predial; e no art.º 704.° (a contrário) do CPC.
yy) Da anulação da sentença e do reenvio do processo à primeira instância - Caso, porventura, assim não se entenda, sempre seria de anular a sentença recorrida e de reenviar o processo à primeira instância.
zz) Isto porque as respostas dadas aos quesitos 1.º a 12.º da Base Instrutória mostram-se "deficientes" e "obscuras", por se ficar sem saber se a Embargante pagou (ou não) as quantias em causa.
aaa) Assim sendo, e tendo-se presente o preceituado no n.º 4 do art.º 629.º do CPC, impõe-se a anulação do julgamento efectuado para, em novo julgamento, se suprir as apontadas deficiências, podendo o T.J.B. ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto com o fim de evitar contradições na decisão.
bbb) Da renovação dos meios de prova - Sem conceder, caso assim não se entenda, poderá ainda determinar-se a renovação dos meios de prova produzidos em primeira instância, designadamente do depoimento da testemunha D identificada a fls. 137v (acta da audiência), ordenando-se, se possível, a sua comparência pessoal, por face à fundamentação do acórdão de fls. 139 e ss., tal se mostrar absolutamente indispensável ao apuramento da verdade (art.º 629/3 do CPC).
*
A 1ª Embargada B有限公司respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 226 a 237 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- Foram penhorados nos autos principais os seguintes (alínea A) dos factos assentes):
a. metade do direito de aquisição resultante do contrato-promessa de compra e venda, celebrado em 11 de 07 de 2012, da fracção do 30.° andar “G” da XXXX sito no XXXX, Ilha de Coloane, designada por Lote 6, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX-II (fls. 430 a 453 e 487 dos autos principais); e
b. o direito de aquisição resultante do contrato-promessa de compra e venda, celebrado em 11 de 07 de 2012, da fracção do 26.° andar “H” XXXX sito no XXXX, Ilha de Coloane, designada por Lote 6, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX-II (fls. 454 a 477 e 487 dos autos principais).
- A penhora dos bens referidos na al. A. foi registada como provisória por natureza na Conservatória do Registo Predial de Macau em 14 de 03 de 2017 sob o n.º da inscrição XXXXXF e XXXXXF (fls. 523 e 526 dos autos principais) (alínea B) dos factos assentes).
- Conforme resulta do contrato-promessa de compra e venda celebrado em 11 de 07 de 2012 (fls. 474 a 477 dos autos principais, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), a Embargante prometeu comprar à “E, S.A.” a fracção atrás identificada (H26), pelo preço de HKD 5.030.000,00, equivalente a MOP 5.190.960,00 (alínea C) dos factos assentes).
- Conforme resulta do contrato-promessa de compra e venda celebrado em 11 de 07 de 2012 (fls. 450 a 453 dos autos principais, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), a Embargante e D prometeram comprar à “E, S.A.” a fracção atrás identificada (G30), pelo preço de HKD 7.315.000,00, equivalente a MOP 7.549.080,00 (alínea D) dos factos assentes).
- O registo do direito de aquisição da fracção 26º andar “H” a favor da Embargante foi efectuado na Conservatória do Registo Predial de Macau sob a inscrição, provisória por natureza, n.º XXXXXXG (fls. 473 dos autos principais) (alínea E) dos factos assentes).
- O registo do direito de aquisição da fracção 30º andar “G” a favor da Embargante e de D, na proporção de metade para cada uma, foi efectuado na Conservatória do Registo Predial de Macau sob a inscrição, provisória por natureza, n.º XXXXXXG (fls. 449 dos autos principais) (alínea F) dos factos assentes).
- A Embargante e o Executado casaram-se em 22 de 03 de 2010, sob o regime da comunhão de adquiridos (alínea G) dos factos assentes).
- Em 07 de 06 de 2013, a Embargante e o Executado celebraram uma convenção pós-nupcial na Conservatória do Registo Civil de Macau, mudando o regime matrimonial de bens de “comunhão de adquiridos” para “separação de bens” (cfr. fls.7 dos autos) (alínea H) dos factos assentes).
- Relativamente à fracção 26º “H” foi paga à promitente vendedora, em 07 de Julho de 2012, como sinal, a quantia a esse título previsto no contrato, ou seja, HKD 251.500,00 (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
- Em 11 de Julho de 2012, foi paga a 1ª prestação do preço da fracção 26º “H”, no montante HKD 251.500,00 (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
- Em 08 de Outubro de 2012, foi paga a 2ª prestação do preço da fracção 26º “H”, no montante HKD 251.500,00 (resposta ao quesito 3º da base instrutória).
- Em 05 de Julho de 2013, foi paga a 3ª prestação do preço da fracção 26º “H”, no montante HKD 251.500,00 (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
- Em 02 de Janeiro de 2014, foi paga a 4ª prestação do preço da fracção 26º “H”, no montante HKD 251.500,00 (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
- Em 02 de Julho de 2014, foi paga a 5ª prestação do preço da fracção 26º “H”, no montante HKD 251.500,00 (resposta ao quesito 6º da base instrutória).
- Relativamente à fracção 30º andar “G”, foi paga à promitente vendedora, em 07 de Julho de 2012, como sinal, metade da quantia a esse título previsto no contrato, ou seja, HKD 182.875,00, tendo a outra metade também sido paga (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
- Em 11 de Julho de 2012, foi paga metade da 1ª prestação do preço da fracção 30º “G”, no montante HKD 182.875,00, tendo a outra metade também sido paga (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
- Em 08 de Outubro de 2012, foi paga metade da 2ª prestação do preço da fracção 30º “G”, no montante HKD 182.875,00, tendo a outra metade também sido paga (resposta ao quesito 9º da base instrutória).
- Em 05 de Julho de 2013, foi paga metade da 3ª prestação do preço da fracção 30º “G”, no montante HKD 182.875,00, tendo a outra metade também sido paga (resposta ao quesito 10º da base instrutória).
- Em 02 de Janeiro de 2014, foi paga metade da 4ª prestação do preço da fracção 30º “G”, no montante HKD 182.875,00, tendo a outra metade também sido paga (resposta ao quesito 11º da base instrutória).
- Em 02 de Julho de 2014, foi paga metade da 5ª prestação do preço da fracção 30º “G”, no montante HKD 182.875,00, tendo a outra metade também sido paga (resposta ao quesito 12º da base instrutória).
Factos assentes com base na prova documental junta aos autos:
- Por sentença proferida na acção ordinária sob o nº CV2-16-0077-CAO, transitada em julgado em 02/03/2017, se declarou que os direitos de aquisição em referência eram bens próprios da Embargante.
*
III – Fundamentação
1. Do recurso final:
A sentença recorrida tem o seguinte teor:
“…
Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
Pelos presentes embargos, pretende a Embargante que lhe seja reconhecida a titularidade sobre os direitos de aquisição penhorados nos autos de execução de que os presentes embargos são apensos por alegadamente os ter adquirido com dinheiro exclusivamente seu.
Para o efeito, alega que contraiu casamento com o 2º Embargado em 22 de Março de 2010, no regime de comunhão de adquiridos, regime este alterado para o de separação de bens através de convenção pós-nupcial celebrado em 7 de Junho de 2013; que adquiriu os bens penhorados parte contra o pagamento de parte do preço acordado (30%) com o produto de venda de um imóvel adquirido antes do casamento e parte com dinheiro dado pela mãe da Embargante; e que irá pagar o remanescente preço acordado (70%) também com meios próprios.
Contestando os embargos, a 1ª Embargada impugna o defendido pela Embargante de que os bens penhorados foram adquiridos por esta com meios exclusivamente seus.
Da resenha acima feita, vê-se que o que urge aqui apurar é se os bens pertencem exclusivamente à Embargante porque os direitos de aquisição penhorados nos autos de execução foram adquiridos com meios exclusivamente seus.
*
Resulta da matéria assente que os bens penhorados correspondem a 50% do direito de aquisição da fracção autónoma designada por 30G da XXXX sito no XXXX descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº XXXXX-II e a 100% do direito de aquisição da fracção autónoma designada por 26H da mesma Torre, para a aquisição dos quais foram pagos 30% do preço acordado.
Apesar do defendido pela Embargante no requerimento de embargos, a mesma não logrou demonstrar que as quantias correspondentes a esses 30% foram por si pagas, com o produto de venda de bem próprio adquirido antes do casamento com o 2º Embargado e dinheiro doado pela sua mãe nem que iria pagar o remanescente 70% do preço com meios exclusivamente seus.
Nos termos do artigo 1603º do CC “1. Se o regime de bens adoptado pelos cônjuges for o da comunhão de adquiridos, cada cônjuge conserva o domínio e fruição dos bens que lhe pertenciam à data do casamento ou da adopção superveniente desse regime de bens e passa a ser titular em comunhão com o outro cônjuge dos bens adquiridos por qualquer dos cônjuges na constância desse regime, que não sejam exceptuados por lei, nos termos dos artigos seguintes. 2. Os bens que nos termos do número anterior integrem a comunhão são qualificados como bens comuns e os restantes como bens próprios.”
Por sua vez, dispõe o artigo 1604º, nº 1, do CC que “Não fazem parte da comunhão os bens que nos termos dos artigos 1584º a 1590º, aplicáveis com as devidas adaptações, sejam considerados excluídos do património em participação, bem como os demais bens indicados no artigo 1610.º”
Segundo o artigo 1584º, nº 1, a) e b) do CC, “Estão excluídos do património em participação os bens ou valores do cônjuge, adquiridos na constância do regime da participação nos adquiridos, que lhe advierem: a) Por sucessão ou doação, salvas as excepções admitidas por lei; b) Por virtude de direito próprio anterior ao casamento ou à adopção do regime de bens da participação.”
Da articulação das normas dos artigos 1604º, nº 1, e 1584º, nº 1, a) e b), do CC conclui-se que, a ter-se dado como provado o alegado pela Embargante de que o dinheiro aplicado para o pagamento dos 30% dos bens penhorados era proveniente do produto de venda de um outro imóvel seu e da doação feita pela sua mãe, os bens penhorados são efectivamente bens próprios.
Como foi já referido acima, a Embargante não conseguiu carrear aos autos a prova necessária para o demonstrar.
Consequentemente, não se pode qualificar os bens em questão como bens próprios da Embargante.
Por os bens em questão não serem bens próprios da Embargante e por constar dos contratos-promessa celebrados para a aquisição dos direitos penhorados que a aquisição foi feita pela Embargante, os bens são bens comuns desta e do 2º Embargado nos termos do artigo 1603º do CC acima transcrito.
*
Nas alegações de direito, veio a Embargante reiterar o já defendido nos articulados acerca da força do caso julgado da sentença proferida na acção ordinária nº CV2-16-0077-CAO, a fim de afastar o entendimento acima sufragado.
Segundo a Embargante, essa sentença, que reconheceu que os bens penhorados eram bens próprios da mesma, é oponível à 1ª Embargada porque, apesar de esta não ter sido parte na citação acção, a sentença não lhe provoca qualquer prejuízo jurídico, critério a partir do qual se determina a amplitude do caso julgado, como decidiu o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, de 12 de Maio de 2005, proferido no recurso nº 51/2005.
Analisado o douto Acórdão acima referido, constata-se que o que estava aí em causa era a oponibilidade de uma sentença em que foi reconhecido o direito de retenção sobre determinado imóvel no qual fora anteriormente constituída uma hipoteca a favor de um terceiro, não parte nesta acção.
Nesse Acórdão, entendeu o Tribunal de Segunda Instância que o terceiro credor hipotecário não estava sujeito à força de caso julgado porque a posição jurídica deste é incompatível com a posição jurídica do titular do direito de retenção não porque o caso julgado pusesse em causa a consistência do direito de se fazer pagar com o bem penhorado mas sim porque a tutela do credor hipotecário ficaria enfraquecida pela prevalência do direito de retenção.
Vê-se, de facto, que o que se deve atender é, como bem salienta a Embargante, se a sujeição da 1ª Embargada ao que foi julgado na acção ordinária CV2-16-0077-CAO em que não participara causa a esta algum prejuízo jurídico.
Se assim for, é manifesto que a decisão proferida naquela acção não é oponível à 1ª Embargada visto que esta ficaria numa situação jurídica até pior a que estaria o credor hipotecário a que se refere o citado Acórdão do Tribunal de Segunda Instância.
É que, enquanto que o aludido credor hipotecário ficaria apenas graduado em segundo lugar mantendo-se intocada a garantia hipotecária que gozava sobre o bem, a oponibilidade da decisão proferida na acção ordinária CV2-16-0077-CAO à 1ª Embargada faria com que esta deixasse de poder fazer pagar com o bem penhorado perdendo a garantia que a penhora que oferecia.
Perspectivando a situação dos autos dessa forma, nunca se pode dizer que a 1ª Embargante é um sujeito juridicamente indiferente face ao que foi decidido na acção ordinária CV2-16-0077-CAO e que essa decisão não lhe causa prejuízos jurídicos.
Pelo que, a decisão proferida na acção ordinária CV2-16-0077-CAO, não sendo oponível à 1ª Embargada, não pode afastar o acima entendido de que os bens são bens comuns da Embargante e do 2º Embargado.
*
Para o mesmo efeito, veio a Embargante, também em sede de alegações de direito, invocar a presunção prevista no artigo 7º do Código de Registo Predial e a proibição constante do artigo 8º do mesmo Código.
Ora, dispõe o artigo 7º do Código de Registo Predial que “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.”
Por sua vez, estipula o artigo 8º do mesmo Código que “1. Os factos comprovados pelo registo não podem ser impugnados em tribunal sem que simultaneamente seja pedido o cancelamento do registo; 2. Não terão seguimento, após os articulados, as acções em que não seja formulado o pedido de cancelamento previsto no número anterior.”
Alega a Embargante que consta do registo de aquisição dos direitos penhorados que a mesma, sujeita activa da aquisição, estava casada com o 2º Embargado no regime de separação, razão por que se presume que a mesma e o 2º Embargado estavam casados no regime de separação o que faz com que os bens penhorados sejam bens próprios da Embargante. Ainda segundo a Embargante, por força do disposto no artigo 8º, nº 1, do Código do Registo Predial, a presunção em questão não pode ser impugnada sem que esteja pedido o cancelamento desse registo o que nunca ocorreu nos presentes autos.
*
Está assente que os direitos penhorados foram adquiridos em 11 de Julho de 2012 e tendo o facto aquisitivo sido registado junto da Conservatória do Registo Predial em 27 de Março de 2014.
Resulta das certidões do registo predial juntas a fls 503 a 526 dos autos de execução de que os presentes autos são apenso que a Embargante é a sujeita activa da aquisição e está casada com o 2º Embargado no regime de separação de bens.
Consta também da matéria provada que, à data da aquisição dos direitos penhorados, a Embargante estava casada com o 2º Embargado no regime de comunhão de adquiridos, regime este alterado em 7 de Junho de 2013.
Portanto, é manifesto que a menção relativa ao regime de bens constante do registo predial não é exacta porque os direitos penhorados foram adquiridos quando a Embargante e o 2º Embargado ainda estavam casados no regime de comunhão de adquiridos.
Até à fase das alegações de direito, nenhuma das partes questionou o teor da citada inscrição predial nem nada foi requerido a este propósito. Ou seja, é facto que nenhum pedido de cancelamento da citada inscrição, ainda que parcial, foi formulado nestes autos.
*
Será, então, que a mencionada inexactidão não pode ser invocada porque o regime de bens constante do registo não pode ser impugnada nestes autos?
Trata-se de uma questão já debruçada no Acórdão do Tribunal de Última Instância, de 10 de Junho de 2011, proferido no processo nº 19/2011, a propósito de um pedido de arrolamento de bens registados a favor do recorrido na qualidade de casado com a recorrente no regime de separação de bens.
Nesse Acórdão começou-se por salientar que “O que o artigo 7.º nos diz são duas coisas:
1.ª - O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe;
2.ª - O registo definitivo constitui presunção de que o direito pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
Logo, o registo a favor do ora recorrido faz presumir que ele é o proprietário do imóvel e que esse direito existe nos termos definidos no registo, com os ónus e encargos dele constantes.
Mas o que o registo predial não faz presumir, manifestamente, é o regime de bens do casamento do adquirente, levado ao registo por constar da escritura pública de compra e venda.
Como explica VICENTE JOÃO MONTEIRO1, referindo-se à presunção que no actual Código consta do artigo 7.º, “Esta presunção derivada do registo, apesar de elidível por prova em contrário (iuris tantum), actua no sentido de que, até essa prova, existe um direito que emerge do facto inscrito, que o mesmo pertence ao respectivo titular, e que esse direito incide sobre um objecto determinado: o prédio tal como se acha identificado na respectiva descrição”.
O mesmo opina ISABEL PEREIRA MENDES:
“A presunção registral, elidível por prova em contrário, actua no sentido de que o direito registado:
a) Existe e emerge do facto inscrito;
b) Pertence ao titular inscrito;
c) A sua inscrição tem determinada substância (objecto e conteúdo dos direitos ou ónus ou encargos nela definidos”.
O casamento prova-se pela certidão respectiva e o regime de bens constante de convenção antenupcial, em contrário do regime supletivo de bens, comprova-se com certidão do respectivo documento.
Nesse Acórdão acabou-se por concluir que “Por conseguinte, estaria fora de causa a necessidade do pedido de cancelamento de tal parte do registo, nos termos do artigo 8.º do Código do Registo Predial.”
*
Pelos doutos argumentos aduzidos é de aderir na íntegra o entendimento sufragado nesse Acórdão sob pena de permitir a alteração unilateral do estado das pessoas com reflexos nos direitos e deveres daí decorrentes sem qualquer apoio factual ou legal.
Pensa-se nos casos em que, no acto de aquisição, o adquirente declara ser solteiro quando na realidade está casado com alguém ou, como no presente caso, no qual o adquirente declara estar casado no regime de separação quando na verdade está casado no regime de comunhão com o consequente afastamento do seu cônjuge dos eventuais direitos que lhe assiste no direito adquirido e a impossibilidade de os credores deste último de lançarem mãos destes direitos para ver satisfeitos os seus créditos.
É manifesto que isso não pode ser permitido para os casais que nunca alteraram o regime de bens através da celebração de uma convenção pós-nupcial ou não o alteraram antes da aquisição dos direitos registados, com a agravante de isso ser totalmente contrária ao espírito da lei para os casos em que o casal adquirente está sujeito ao princípio da imutabilidade do regime de bens como acontecia anteriormente em Macau.
Pelo que, nada adianta invocar os dados constantes do registo de aquisição dos direitos penhorados para fazer prevalecer o defendido pela Embargante ao longo dos presentes autos de que os citados direitos são bens próprios seus.
*
Não tendo o Embargante conseguido demonstrar que é titular exclusivo dos direitos de aquisição penhorados nos autos de execução, os presentes embargos não podem deixar de improceder.
***
IV – Decisão:
Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga improcedentes os embargos de terceiros deduzidos pelo embargante A e absolve os embargados, B有限公司 e C, do pedido…”.
Salvo o devido respeito, não podemos sufragar a posição da sentença recorrida.
Para nós, verifica-se aqui a vertente positiva do caso julgado, isto é, a autoridade do caso julgado.
Sem dúvida de que a Exequente não é parte da acção ordinária sob o nº CV2-16-0077-CAO, na qual se declarou, por sentença já transitada em julgado em 02/03/2017, que os direitos de aquisição em referência eram bens próprios da Embargante.
Também é certo que em princípio, o caso julgado só produz efeitos em relação às partes do processo.
Contudo, há situações em que os terceiros podem ficar vinculados ao caso julgado, de forma directa ou meramente reflexa.
No caso em apreço, não entendemos que o direito da Exequente é incompatível com o direito da Embargante reconhecido judicialmente, pois o reconhecimento dos direitos de aquisição em referência como bens próprios da Embargante por sentença transitada em julgado não põe em causa o direito de crédito da Exequente sobre o Executado (cônjuge da Embargante), daí que a Exequente é um terceiro juridicamente indiferente, embora possa sofrer prejuízos económicos causados pela sentença, nomeadamente a diminuição da garantia do pagamento da dívida.
Sendo um terceiro juridicamente indiferente, o caso julgado pode lhe produzir efeitos.
No mesmo sentido, veja-se MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL – Acção Declarativa Comum, Viriato Manuel Pinheiro de Lima, 3ª edição, pág. 586.
Na obra citada, foi dado o seguinte exemplo, que é algo semelhante do caso sub justice:
“É o caso do credor perante a sentença proferida num pleito em que seja parte o devedor. Tal sentença não prejudica o seu direito de crédito, mas pode lesar na prática o credor, visto que, se for desfavorável, pode importar uma diminuição do seu património e, portanto, da garantia do pagamento da dívida.
A sentença tem eficácia em relação ao credor, embora este seja terceiro.”
No mesmo sentido e a título do estudo do direito comparado, temos o Ac. do STJ, de 16/03/1999, proferido no Proc. nº 99B084 (in www.dgsi.pt).
Aliás, o credor, mesmo perante a autoridade do caso julgado, não significa que não tem meio legal de impugnação, já que o legislador prevê meio próprio de impugnação caso entenda que a sentença resulta de um acto simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artº 568º do CPC, por não se ter apercebido da fraude, que é justamente o recurso de oposição de terceiro previsto no artº 664º do mesmo Código.
Ou seja, a Exequente, como credor do Réu da acção ordinária sob o nº CV2-16-0077-CAO, pode interpor o recurso de oposição de terceiro e só com provimento do mesmo é que pode afastar a autoridade do caso julgado da sentença proferida naquele processo.
*
2. Do recurso interlocutório:
Com o provimento do recurso final, torna-se inútil apreciar o recurso interlocutório interposto, uma vez que já não interessa saber se deve ou não conhecer do mérito da causa logo no despacho saneador.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- conceder provimento ao recurso final, revogando a sentença recorrida, julgando procedentes os embargos de terceiro deduzidos e determinando o levantamento da penhora sobre os direitos de aquisição em referência; e
- não conhecer do recurso interlocutório interposto pela Embargante.
*
Custas pela Exequente em ambas as instâncias.
Sem custas do recurso interlocutório.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 31 de Outubro de 2019.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
14
725/2019