打印全文
Processo n.º 95/2019
Recurso penal
Recorrente: A
Recorrida: B
Data da conferência: 29 de Novembro de 2019
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Acidente de viação
- Nexo de causalidade
- Indemnização por perda de salário
- Indemnização por danos não patrimoniais
- Equidade

SUMÁRIO
1. O art.º 557.º do Código Civil consagra a teoria da causalidade adequada entre os factos e os danos, segundo o qual a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse lesado.
2. Se a ofendida do acidente de viação ficou ferida e tinha de ficar em casa, conforme o conselho médico, até uma determinada data, tem direito a receber indemnização por perda de salário que deixou de auferir até essa data, mesmo que o seu contrato de trabalho com o ex-empregador se encontre cessado antes daquela data e independentemente do motivo da cessação do contrato (se se deveu ao acidente de viação), dado que, mesmo não ocorrendo a cessação do contrato de trabalho, certo é que a ofendida não podia continuar a trabalhar, por causa do acidente de viação. Daí que o nexo de causalidade adequada entre o dano por perda do salário e o acidente de viação.
3. O montante da indemnização por danos não patrimoniais é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso concreto.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, o arguido A foi condenado pela prática de um crime de ofensa grave à integridade física por negligência p.p. pelo art.º 142.º n.º 3 do Código Penal, conjugado com o art.º 138.º, al. c) do mesmo diploma e com o art.º 93.º n.º 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de 2 ano de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, e na pena acessória de inibição de condução por 1 ano.
Em relação ao pedido civil deduzido por B contra C (Seguradora) (1.ª ré) e o arguido (2.º réu), o Tribunal decidiu condenar:
- A primeira ré no pagamento de indemnização na quantia de MOP$1,500,000.00, acrescida de juros legais a contar da prolação da sentença até ao integral pagamento de indemnização; e
- O segundo réu no pagamento de indemnização no montante de MOP$48,335.30, acrescido de juros legais a contar da prolação da sentença até ao integral pagamento de indemnização, bem como no pagamento das despesas médicas e de medicamento no futuro, cujo montante concreto será liquidado em execução da sentença.
Inconformada com a decisão, recorreu a demandante civil B para o Tribunal de Segunda Instância, pretendendo o pagamento de indemnização, pela perda de salário durante 754 dias e pelos danos não patrimoniais, nos montantes de MOP$453,657.00 e MOP$1,200,000.00, respectivamente.
O Tribunal de Segunda Instância julgou parcialmente procedente o recurso, fixando as indemnizações nos montantes de MOP$314,310.67 pela perda de salário durante 653 dias (de 16 de Dezembro de 2014 a 29 de Setembro de 2016) e de MOP$800,000.00 pelos danos não patrimoniais.
Vem agora o arguido A recorrer para o Tribunal de Última Instância, formulando na sua motivação do recurso as seguintes conclusões:
1. O recorrente não concorda com a convicção do TSI, de que a perda do salário sofrida pela autora cível durante os 653 dias no total entre 16 de Dezembro de 2014 e 29 de Setembro de 2016 totaliza MOP$314.310,67, nem concorda com a decisão proferida pelo TSI, que elevou o montante da indemnização por danos morais sofridos pela autora cível das MOP$600.000,00 às MOP$800.000,00.
2. No presente processo, está provado que o ex-empregador da autora extinguiu a relação de contrato laboral com a autora em 15 de Dezembro de 2014, não está provado que o motivo pelo qual a relação laboral acima mencionada foi extinta tenha sido a impossibilidade da autora de trabalhar em consequência do ferimento.
3. De acordo com isso, com base nos factos provados, o tribunal colectivo do TJB já rejeitou o requerimento apresentado pela autora cível, da indemnização pela perda do salário sofrida pela autora entre 16 de Dezembro de 2014 e 29 de Setembro de 2016. Eis porque já em 15 de Dezembro de 2014, o ex-empregador extinguiu a relação de contrato laboral com a autora. Portanto, mesmo se a autora não tivesse ficado ferida por causa do presente acidente, a partir daquela data, sempre não teria tido qualquer salário. Então obviamente não existiu a perda do salário!
4. No presente processo não está provado que o motivo pelo qual a relação laboral entre a autora e o ex-empregador foi extinta tenha sido a impossibilidade da autora de trabalhar em consequência do ferimento, portanto, o acórdão do TJB é suficientemente fundamentado; enquanto com base nos mesmos fundamentos factuais, o TSI proferiu um acórdão em sentido contrário. Trata-se de um vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, pelo que deve ser anulado.
5. Eis a argumentação precisa realizada pelo TUI expressa no acórdão proferido em 15 de Dezembro de 2016 nos autos de recurso penal n.º 41/2016, "O art.º 557.º do Código Civil consagra a teoria da causalidade adequada entre o facto e o dano, segundo a qual não há que ressarcir todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão só aqueles que tenham sido causados pelo facto que se mostre adequado a produzi-los."
6. Muito embora do facto de que do ponto de vista naturalista, a causalidade pertence ao âmbito da matéria de factos, pelo que não se encontra na jurisprudência do TUI; no entanto, do ponto de vista geral ou abstracto, pertence à matéria de direito. Eis porque está em causa a interpretação do art.º 557.º do Código Civil, pelo que pode ser apreciada pelo TUI.
7. Não existe a devida causalidade directa e necessária entre a colisão no acidente de viação aqui em discussão e a extinção da relação laboral entre a autora cível e o ex-empregador.
8. Nos termos explícitos do art.º 114.º do CPP, "a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente." Para descobrir a verdade e proferir uma boa decisão, a apreciação do valor probatório tem como pressuposto o princípio do ser directo. Portanto, com toda a certeza o tribunal da 1.ª instância tem condições melhores para avaliar justa e razoavelmente as provas produzidas durante a audiência de julgamento.
9. Portanto, o TJB tem toda a razão em dar como não provado o facto de que “o motivo pelo qual a relação laboral entre a autora e o ex-empregador foi extinta tenha sido a impossibilidade da autora de trabalhar em consequência do ferimento”.
10. Também o acórdão recorrido indicou, “… é-nos difícil determinar que exista a devida causalidade. O motivo é, … o aviso da extinção do contrato dado pelo ex-empregador não especificou o motivo para a extinção do contrato; … nem a autora cível apresentou mais alegações sobre os factos neste aspecto, para que o tribunal recorrido pudesse ter a convicção de que podia dar como assente a causalidade.”
11. Na realidade, a partir dos factos provados, não nos é possível saber se a autora cível ainda estava disposta a continuar a trabalhar, ou ainda se foi por um outro factor externo (e.g. se a autora ainda conseguia exercer as funções, se já tinha planeado extinguir a relação laboral então, ou se existiam outras razões) é que o ex-empregador decidiu extinguir a relação laboral.
12. Portanto, o acórdão recorrido também enferma do vício de violação das regras da experiência comum e de erro na aplicação da lei (o art.º 557.º do CC), pelo que deve ser anulado.
13. Sobre a indemnização por danos morais, concordamos com o que foi indicado no acórdão recorrido, “a determinação do montante da indemnização pelos danos morais ou imateriais causados por negligência é feita pelo juiz de acordo com os princípios de imparcialidade e de justiça; e o juiz deve tirar o juízo apenas caso a caso conforme os factos provados e a situação concreta em cada caso específico” e “no caso da determinação do montante da indemnização de acordo com o princípio de equidade, apenas quando surge a situação de manifesta injustiça ou de improporcionalidade à culpa e a indemnização é que o tribunal de recurso pode intervir.”
14. Ao proferir a sentença na primeira instância, o Mm.º Juiz do TJB já considerou suficientemente o ferimento da autora, as dores, o período de recuperação, as inconveniências sofridas e o mal-estar durante o período de recuperação, as mágoas mentais, a taxa de invalidade da autora, de acordo com todos os factos privados, e assim é que fixou o montante da indemnização pelos danos morais em MOP$600.000,00.
15. Então na determinação do montante não surgiu qualquer situação de manifesta injustiça ou de improporcionalidade à culpa; então o tribunal de recurso (ou seja, o TSI) não pode intervir.
16. Mesmo analisando o caso com todos os factos provados, já é muito suficiente o montante da indemnização pelos danos morais de MOP$600.000,00, sem nenhuma necessidade de aumentá-lo. Em aumentar o montante da indemnização pelos danos morais a pagar à autora cível das MOP$600.000,00 às MOP$800.000,00, o tribunal recorrido violou obviamente o princípio de equidade previsto pelo art.º 560.º, n.º 6 do CC.
17. Por isso, o acórdão recorrido enferma de tais vícios como a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a violação das regras da experiência comum e erro na aplicação da lei, entre outros, pelo que deve ser anulado.

Respondeu a demandante civil B, formulando as seguintes conclusões:
- Sobre a parte da perda do salário dentro da indemnização por danos patrimoniais
1. Salvo o devido respeito, a recorrida não concorda com o recorrente.
2. Em primeiro lugar, na motivação de recurso apresentada pela recorrida ao TSI, esta já alegou que na parte da decisão recorrida na qual tinha sido rejeitada a perda do salário sofrida pela recorrida, realmente existia o vício do erro notório na apreciação da prova previsto pelo art.º 400.º, n.º 2, alínea c) do CPP (vd. em melhores detalhes os autos a fls. 352 a 360, dados por integralmente transcritos aqui).
3. Segundo o acórdão recorrido, foram provados os factos importantes sobretudo para a decisão sobre o pedido cível (vd. o acórdão proferido pelo tribunal recorrido em 13 de Janeiro de 2017 a fls. 7, dado por integralmente transcrito aqui). Está provado que a recorrida devia, seguindo o conselho do médico, ficar em casa a recuperar-se de 08 de Setembro de 2014 a 29 de Setembro de 2016; e até mais tarde a recorrida sempre devia ficar em casa a recuperar-se seguindo o conselho do médico. Portanto, o motivo da perda do salário sofrida pela recorrida foi o presente acidente de viação, não foi por causa da extinção da relação de contrato laboral entre a recorrida e o ex-empregador. Ao mesmo tempo, a razão pela qual a recorrida nunca conseguiu encontrar um novo emprego foi porque ainda não estava recuperada, porque devia continuar os tratamentos em consequência do acidente de viação acima mencionado.
4. Portanto, ao determinar a causalidade requerida para determinar a indemnização cível no presente processo, o acidente de viação foi a única razão pela qual a recorrida perdeu o seu salário, em vez da extinção da relação de contrato laboral entre a recorrida e o ex-empregador ou ainda do facto de que a recorrida nunca conseguiu encontrar um novo emprego. Portanto, deve-se ter por assente que a razão pela perda do salário foi o 2.º réu cível (ou seja, o recorrente); pelo que deve ser apoiada a indemnização em causa.
5. Além disso, a razão pela qual a recorrida foi despedida pelo ex-empregador foi porque sofria sempre do ferimento; e não estando ainda certo quando é que pudesse ficar recuperada para poder trabalhar é que o ex-empregador extinguiu o contrato laboral com a recorrida. Pode-se chegar à causalidade tanto segundo as declarações feitas pela testemunha D no juízo quanto a lei de experiência comum. Se a recorrida não tivesse tido o acidente de viação e não tivesse sido influenciada por causa disso, então teria podido ir trabalhar normalmente, o ex-empregador dela não lhe teria extinguido o contrato laboral entre as duas partes.
6. Tendo em conta a causalidade directa e estreita entre a perda de salário sofrida pela recorrida e o presente acidente viação, nos termos do art.º 558.º, n.º 1 do CC, é justo que a recorrida obtenha a indemnização pela perda do salário sofrida durante os 653 dias no total entre 16 de Dezembro de 2016 (sic - nota da tradutora) e 29 de Setembro de 2016.
7. Por outro lado, a recorrida concorda com o TSI, que julgou procedente a parte do recurso sobre o montante da indemnização pela perda do salário no presente processo, e que fixou a indemnização pela perda do salário sofrida entre 16 de Dezembro de 2016 (sic - nota da tradutora) e 29 de Setembro de 2016 em MOP$314.310,67 (vd. o acórdão proferido pelo TSI em 30 de Maio de 2019 a fls. 15-20, dado por integralmente transcrito aqui).
8. Quanto ao motivo, tal como argumentou o acórdão, “… independentemente de o ex-empregador extinguir-lhe o contrato ou não, a recorrente não conseguia continuar a trabalhar; ou seja, desde a data da extinção da relação de contrato laboral (15 de Dezembro de 2014), a recorrente não podia trabalhar. Obviamente existe a devida causalidade entre isto e o facto do seu ferimento…”
9. Na argumentação, não existem os vícios da violação das regras da experiência comum e do erro na aplicação da lei cometidos pelo TSI aquando da determinação do montante em discussão, como foram indicados pelo recorrente. Portanto, pede-se ao TUI sustentar a decisão do TSI.
- Sobre a indemnização por danos morais
10. Salvo o devido respeito, a recorrida não concorda com o recorrente.
11. Em primeiro lugar, quanto à decisão proferida pelo tribunal recorrido, que determinou a indemnização pelos danos não patrimoniais em MOP$600.000,00, na presente resposta, a recorrida mantém a sua motivação da petição de recurso apresentada pela recorrida ao TSI (vd. os autos a fls. 352 a 360, dados por integralmente transcritos aqui).
12. Ao fixar o montante acima mencionado, o tribunal recorrido não considerou, por omissão, a circunstância de que o 2.º réu cível (i.e. o recorrente) devia assumir toda a responsabilidade de indemnização pelo presente acidente de viação, e o grau de culpa exerce influência sobre o cálculo do montante da indemnização pelos danos não patrimoniais (cf. o art.º 489.º, n.º 3 do CC, que cita o art.º 487.º do mesmo Código); os factos provados mostram claramente que o arguido (i.e. o recorrente) deve assumir toda a responsabilidade pela culpa dele no presente acidente de viação.
13. Além disso, nos termos do art.º 489.º do CC, é aplicável o princípio de equidade. Segundo a recorrida, ao fixar o montante pelos danos não patrimoniais, também se deve considerar factores tais como a idade da recorrida, o estado de saúdo antes do ferimento, as condições económicas e da vida originais, as dificuldades causadas à saúde da recorrida, os danos corporais e mentais, e a vida restante dela.
14. Segundo o acórdão recorrido, foram provados os factos importantes sobretudo para a decisão sobre o pedido cível (vd. o acórdão proferido pelo tribunal recorrido em 13 de Janeiro de 2017 a fls. 7 a 9, dado por integralmente transcrito aqui). Pode-se ver que as feridas causadas pelo presente acidente de viação vão acompanhar a recorrida a vida inteira, sobretudo a taxa de invalidade de 18% no total originada pelo acidente de viação; além disso, ao apresentar o pedido cível, a recorrida tinha 44 anos de idade. Tendo como base a idade máxima da vida activa dos residentes de Macau médios – 65 anos – e a perspectiva da vida do sexo feminino – 85,5 anos (para as estatísticas, cf. o conteúdo relacionado da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos da RAEM sobre as previsões da população de Macau 2011-2036), a recorrida teria podido continuar a trabalhar por 21 anos e viver por 41 sem qualquer ferimento; ou seja, o ferimento causado no presente processo vai acompanhar e afligir a recorrida durante os 21 anos do trabalho continuado e os 41 anos de vida.
15. Além disso, antes de ficar ferida no presente acidente de viação, a recorrida era caixa na [Resorts]. Quando o caso aconteceu, auferia mensalmente em média MOP$18.500,00 (MOP$18.050,00) (sic - nota da tradutora). Disso pode-se ver que a condição da vida da recorrida estava bastante boa antes do ferimento. No entanto, depois de ter ficado ferida por causa do presente acidente de viação, a recorrida não conseguia continuar a viver como antes. Isso fez com que a qualidade de vida, que tinha sido boa, não parasse a diminuir. Isso deve-se completamente ao presente acidente de viação. Portanto, ao considerar a indemnização pelos danos não patrimoniais, também se deve levar em conta as condições de vida da recorrida.
16. Nos termos do art.º 489.º do CC, o montante da indeminização pelos danos deve ser proporcional à gravidade dos danos; enquanto os factos acima mencionados demonstram completamente a gravidade dos danos sofridos pela recorrida.
17. Por fim, merece ser mencionado que com a inflação contínua na RAEM nos últimos anos, o poder de compra da moeda diminui como resultado directo. Este factor também deve ser considerado ao fixar o montante da indemnização pelos danos não patrimoniais.
18. No presente processo, são indubitáveis seja as dores corporais, o mal-estar mental, seja as angústias e dores emocionais, estes provocarão todos impactos profundos à recorrida. Um dos objectivos do pagamento da indemnização pelos danos não patrimoniais à recorrida é precisamente o de indemnizar a recorrida e para que a recorrida possa esquecer-se quanto mais os danos graves sofridos por causa do presente acidente de viação.
19. Portanto, obviamente é inapropriado o montante da indemnização pelos danos não patrimoniais fixado pelo tribunal recorrido. Segundo a recorrida, o montante da indemnização pelos danos não patrimoniais fixado pelo tribunal recorrido em MOP$600.000,00 não respeitou o princípio de equidade previsto pelo art.º 489.º, art.º 487.º e art.º 560.º do CC.
20. Por outro lado, a recorrida concorda com o TSI, que mudou o montante da indemnização pelos danos não patrimoniais para MOP$800.000,00 (vd. o acórdão proferido pelo TSI em 30 de Maio de 2019 a fls. 20-25, dado por integralmente transcrito aqui).
21. Tal como argumentou o acórdão, ao fixar o montante acima mencionado, o TSI já considerou suficientemente os factos de que o ferimento corporal da recorrida já lhe tinha causado riscos de vida, o período dos tratamentos, o processo, a medida em que a vida e o trabalho dela estão a ser influenciados pela taxa de invalidade no pulso esquerdo e no cérebro; está naturalmente incluída a situação da atenuação relativa da responsabilidade cível de indemnização pela falta de negligência. Assim nem existe o vício da violação do princípio de equidade previsto pelo art.º 560.º, n.º 6 do CC, que segundo o recorrente, o TSI terá tido na determinação do montante ora em discussão.
22. Portanto, tendo em conta o grau de ferimento sofrido pela recorrida e a taxa de inflação da RAEM, segundo a recorrida, é antes apropriado julgar que o montante da indemnização pelos danos não patrimoniais a pagar à recorrida não deva ser inferior às MOP$800.000,00; pelo que pede ao TUI sustentar a decisão do TSI.

2. Factos
2.1. Foram provados os seguintes factos constantes da acusação:
- No dia 8 de Setembro de 2014, pelas 07h30, o arguido A conduzia um automóvel ligeiro (de matrícula MR-XX-XX) circulando pela faixa de rodagem central da Avenida do Nordeste, em direcção à Rua Nova da Areia Preta.
- Ao mesmo tempo, a ofendida B conduzia um ciclomotor (de matrícula CMXXXXX) no mesmo sentido e à frente do veículo do arguido.
- Quando B chegou à intersecção com a Estrada Marginal da Areia Preta e avençou conforme a luz verde da sinalização luminosa, viu que uma ambulância saía do lado direito (Rua de Má Káu Séak), pelo que reduziu imediatamente a velocidade e parou o ciclomotor, cedendo a passagem à ambulância.
- Na altura, o arguido não manteve entre o seu automóvel ligeiro (de matrícula MR-XX-XX) e o ciclomotor que o precedeu uma distância de segurança suficiente, não conseguiu reduzir a velocidade e parar atempadamente o veículo, e embateu na parte traseira do ciclomotor (de matrícula CMXXXXX) da ofendida, causando-a a cair no chão junto com o ciclomotor.
- O supracitado embate causou directa e necessariamente a B fracturas da parte distal do rádio esquerdo e do esterno, concussão e contusões dos tecidos moles do corpo do lado esquerdo, cujas características corresponderam às das lesões resultantes de instrumento contundente ou objecto semelhante (acidente de viação), estando previsto que B podia ser recuperada durante 9 a 12 meses sem que existisse qualquer complicação. As lesões causaram-lhe doença permanente com ofensa grave à sua integridade física (vide o parecer clínico médico-legal constante das fls. 48 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
- O arguido violou o dever de condução com prudência previsto pelo art.º 21.º, n.º 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, resultando na ocorrência do acidente de viação em causa e lesões físicas alheias.
- O arguido agiu de forma voluntária e consciente ao praticar as supracitadas condutas, sabendo bem que tais condutas eram proibidas pela lei.
2.2. Foram provados os seguintes factos constantes do pedido de indemnização cível:
- Após o acidente, por ficar ferida na cabeça, no peito e na mão esquerda, a demandante foi levada ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário para o tratamento, e depois de ter tratado das formalidades de transferência no dia 10 de Setembro de 2014, continuou a receber tratamento no Hospital Kiang Wu (vide os documentos 2 e 3, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
- De acordo com o relatório médico elaborado pelo Hospital Kiang Wu em 15 de Junho de 2015, a demandante consultou o médico no dia 10 de Setembro de 2014, e alegou que devido ao acidente de viação, sofreu de trauma na cabeça, no pulso esquerdo e no peito esquerdo por mais de 2 dias. A demandante recebeu tratamento na Urgência do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, e através do exame de tomografia computorizada do cérebro, foram verificadas a concussão e a hematoma no couro cabeludo, e segundo o raio X, foi verificada a fractura do pulso esquerdo (vide o “relatório médico” constante das fls. 50 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
- De acordo com o supracitado relatório médico elaborado pelo Hospital Kiang Wu, a demandante sofreu de 1. lesão leve no crânio-cerebral; 2. fractura do rádio esquerdo; 3. fractura incompleta, 1/3 do meio e da parte inferior do esterno (vide o “relatório médico” constante das fls. 50 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
- Durante o internamento hospitalar, a demandante submeteu-se à fixação externa para redução do rádio esquerdo, ao tratamento análgico e outros, teve alta em 28 de Setembro de 2014, e depois, no período entre 6 de Outubro de 2014 e 15 de Maio de 2015, dirigiu-se à consulta externa para acompanhamento e tratamento por várias vezes (vide os documentos 4 a 9, e o “relatório médico” constante das fls. 50 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
- Segundo a perícia feita pelo médico-legal em 8 de Junho de 2015, o embate acima referido causou directamente à demandante fracturas da parte distal do rádio esquerdo e do esterno, concussão e contusões dos tecidos moles do corpo do lado esquerdo. E quando a demandante foi submetida ao exame clínico médico-legal em 2 de Dezembro de 2014 (fls. 38), ainda não foi curada, sofreu de dores à pressão do esterno e rigidez do pulso esquerdo, bem como sentiu dores ao movimentar o mesmo; ademais, a demandante alegou que após o acidente em causa, ainda sentiu dores na cabeça às vezes. As lesões da demandante corresponderam às características das lesões resultantes de instrumento contundente ou objecto semelhante (acidente de viação), estando previsto que a demandante podia ser recuperada durante 9 a 12 meses sem que existisse qualquer complicação (prevalece o parecer do seu médico responsável quanto ao período de recuperação); as lesões causaram ofensa grave à integridade física da demandante, e são correspondentes à doença permanente mencionada no art.º 138.º, al. c) do CPM vigente (vide o parecer clínico médico-legal constante das fls. 48 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
- No dia 19 de Outubro de 2015, a médica E do Hospital Kiang Wu emitiu a certidão de doença sobre a lesão da demandante, indicando que a demandante ficou ferida em 8 de Setembro de 2014, foi internada na Neurologia na altura, e segundo o raio X, verificou-se a fractura por avulsão da parte distal do rádio esquerdo, e procedeu-se à fixação. Foi exigida a avaliação das funções do pulso esquerdo, e verificou-se que foi parcialmente limitada a flexão palmar, mas não foi obviamente limitada a rodagem. Foi a demandante diagnosticada com fractura da parte distal do rádio esquerdo. (vide o documento 10, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
- No dia 22 de Outubro de 2015, o médico F do Hospital Kiang Wu emitiu a certidão de doença sobre a lesão da demandante, indicando que a demandante ficou ferida em 8 de Setembro de 2014, foi internada na Neurologia na altura, e segundo o raio X, verificou-se a fractura incompleta, 1/3 do meio e da parte inferior do esterno. Foi exigida a avaliação, e após o exame de raio X, verificou-se que a fractura do esterno já foi recuperada. Foi a demandante diagnosticada com fractura incompleta, 1/3 do meio e da parte inferior do esterno. (vide o documento 11, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
- No dia 24 de Outubro de 2015, o médico G do Hospital Kiang Wu emitiu a certidão de doença sobre a lesão da demandante, indicando que a demandante ficou ferida na cabeça, no pulso esquerdo e no peito esquerdo por causa do acidente de viação de 8 de Setembro de 2014, e foi internada no Hospital Kiang Wu no dia 10 de Setembro. Através do exame de tomografia computorizada do cérebro, “não se verificou anormalidade manifesta no cérebro”, e durante o internamento, a demandante submeteu-se ao tratamento anti-vertigem e análgico. Foi realizada a junta médica, e a Medicina Tradicional Chinesa procedeu à fixação externa para redução. Após o exame de raio X, verificou-se que a redução era ideal, e os sintomas melhoraram, sendo necessária a observação contínua. A demandante também submeteu-se à oxigenoterapia hiperbárica, a sua condição era estável e foi autorizada a alta. A demandante precisou ir periodicamente ao hospital para seguintes consultas, tomar medicamento e descansar em casa. Actualmente, a demandante ainda sente dores na cabeça, tontura e náusea, e é diagnosticada com 1. lesão leve no crânio-cerebral; 2. fractura do rádio esquerdo; 3. fractura incompleta, 1/3 do meio e da parte inferior do esterno. (vide o documento 12, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
- No dia 30 de Outubro de 2015, o médico H do Hospital Kiang Wu emitiu a certidão de doença sobre a lesão da demandante, indicando que a demandante ficou ferida e sentiu dores na cabeça, no pulso esquerdo e no peito esquerdo por causa do acidente de viação de 8 de Setembro de 2014, foi internada no hospital desde 10 de Setembro até 28 de Setembro, e depois de ser estável a sua condição, continuou a receber tratamento na consulta externa. Actualmente, a demandante ainda sente dores na cabeça, tontura e náusea, não dorme bem, fica constipada facilmente e sente-se aperta no peito. É diagnosticada com 1) síndroma de concussão; 2) fractura da extremidade inferior do rádio. (vide o documento 13, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
- Conforme o relatório da inspecção do veículo, o automóvel ligeiro de matrícula MR-XX-XX conduzido pelo 2º demandado foi danificado (vide a “lista de verificação de veículo” emitida pelo Comissariado de Trânsito do CPSP, constante das fls. 23 dos autos, e as “fotos digitais das danificações do veículo” constantes das fls. 27 a 28 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
- O acidente também causou danificações ao ciclomotor de matrícula CMXXXXX conduzido pela demandante (vide a “lista de verificação de veículo” emitida pelo Comissariado de Trânsito do CPSP, constante das fls. 24 dos autos, e as “fotos digitais das danificações do veículo” constantes das fls. 29 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
- Primeiro, devido ao acidente de viação em causa, a demandante submeteu-se ao tratamento médico respectivamente no Centro Hospitalar Conde de S. Januário e no Hospital Kiang Wu, tendo pago as despesas médicas, de medicamento, de exame de imagiologia, de exame laboratorial, de operação cirúrgica e de internamento no valor total de MOP$54.619,00 (vide os documentos 14 e 15, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
- Posteriormente, devido ao trauma no pulso esquerdo e às tontura e dores na cabeça resultantes da concussão, a demandante submeteu-se ao tratamento e exame de raio X respectivamente na Clínica Ortopédica I, na Companhia de Exame de Raio X J, na Clínica Ortopédica K, na Clínica L, na Clínica do Mestre de Medicina Tradicional Chinesa M e na Clínica do Mestre de Medicina Tradicional Chinesa N, tendo pago as despesas médicas e de medicamento no valor total de MOP$2.800,00 (vide os documentos 16 a 22, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
- O acidente de viação em causa provocou o internamento da demandante no período entre os dias 8 a 28 de Setembro de 2014. Depois de ter alta, a demandante descansou em casa segundo o conselho médico desde 29 de Setembro de 2014 até 12 de Novembro de 2015 (por 431 dias em total), e necessitou de continuar a receber tratamento (vide os documentos 4 e 23, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
- Antes da ocorrência do acidente, a demandante exerceu a função de tesoureira na [Resorts], auferindo mensalmente MOP$18.050,00 (vide o documento 24, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
- No dia 15 de Dezembro de 2014, a [Resorts] cessou a relação laboral com a demandante (vide os documentos 24 e 25, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
- Por causa das suas lesões, a demandante tinha que pedir licenças sem vencimentos desde 8 de Setembro até 15 de Dezembro de 2014.
- O acidente de viação em questão causou directamente à demandante lesão leve no crânio-cerebral, fractura do rádio esquerdo e fractura incompleta, 1/3 do meio e da parte inferior do esterno. Não conseguiu a demandante tomar cuidado de si própria por mais de um mês depois de ter alta, e até ao presente, a demandante ainda tem de submeter-se ao tratamento de longo prazo.
- Depois do acidente, de vez em quando, a demandante ainda sente dores nas partes feridas e tontura. Segundo o conselho médico, a demandante tem que submeter-se continuamente ao tratamento para melhorar a condição.
- Além disso, na data do acidente, os objectos na posse da demandante, incluindo as chaves, o cortador de unha e o capacete, não foram encontrados no local do acidente (vide o documento 26, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
- O acidente de viação causou directamente à demandante lesão leve no crânio-cerebral, fractura do rádio esquerdo e fractura incompleta, 1/3 do meio e da parte inferior do esterno. Na altura, quando a demandante foi transportada para o Centro Hospitalar Conde de S. Januário para tratamento, ela sentiu dores imensas nas partes feridas e não podia movimentar o seu corpo.
- Para realizar o tratamento, o pessoal de enfermagem do Centro Hospitalar Conde de S. Januário cortou e deitou as roupas e a capa de chuva vestidas pela demandante na altura, bem como cortou a pulseira de jade na mão esquerda dela. Em 29 de Dezembro de 2014, tal pulseira de jade cortada foi entregue à 1ª demandada para guarda (vide o documento 26, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
- Todos os objectos pessoais da demandante perdidos no referido acidente de viação têm valor para a demandante, nomeadamente a pulseira de jade que a demandante tinha usado por vários anos.
- Durante o internamento, a demandante não conseguiu tomar cuidado de si própria, e necessitou de pessoal de enfermagem e membros familiares para cuidar da sua vida quotidiana, tais como limpar o corpo, urinar e defecar, que precisou fazer na cama.
- A fractura do esterno da demandante só pode ser naturalmente curada, pelo que conforme o conselho médico, a demandante submeteu-se aos tratamentos tais como descanso na cama, aplicação a quente e tomar medicamentos análgicos.
- Ao ter alta do hospital, a demandante ficou com a mão esquerda engessada por mais de 1 mês, e mesmo após a remoção do engesso, até à apresentação do pedido de indemnização civil, a demandante ainda tem de usar protecção para o pulso esquerdo conforme o conselho médico.
- Por causa do uso de protecção para o pulso por longo tempo, a demandante sentiu-se apertada e desconfortável, bem como cócegas e alergia da pele.
- Nos primeiros dias após a ocorrência do acidente, a demandante tinha dificuldade em adormecer e mesmo que adormecesse, iria acordar do sonho. Até à instauração do presente processo civil, a demandante ainda sofre de insónia grave, e precisa tomar hipnóticos para adormecer. Daí que o acidente em causa trouxe grande estresse para a demandante.
- Devido às lesões no pulso esquerdo e às tontura e dores na cabeça resultantes da concussão, a demandante submeteu-se, por várias vezes, aos tratamentos de acupunctura e fisioterapia no Hospital Kiang Wu, na Clínica Ortopédica I, na Clínica Ortopédica K, na Clínica L, na Clínica do Mestre de Medicina Tradicional Chinesa M e na Clínica do Mestre de Medicina Tradicional Chinesa N.
- Actualmente, a demandante fica sem força na mão esquerda, e quando pretende levar objectos pesados ou fechar a mão com força, a sua mão irá vibrar. Segundo a avaliação do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, é deficiente a função do pulso esquerdo da demandante.
- Após a ocorrência do acidente de viação, conforme a avaliação do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, a demandante sofre 12% de incapacidade (dores na cabeça 5%; tontura 2%; fraqueza física e mental 5%). Agora a demandante também sente dores na cabeça, tontura e náusea por vezes, e não adormece bem, pelo que ainda recebe tratamento no Hospital Kiang Wu.
- Segundo a perícia feita pelo médico-legal em 8 de Junho de 2015, o acidente de viação em causa provocou à demandante doença permanente, e em consequência, grande perturbação psicológica.
- O respectivo acidente de viação também fez com que a demandante ficasse impressionada com os automóveis na rua, não se atrevesse de conduzir, sentisse-se insegura, e tivesse medo grande.
- A demandante tem 44 anos de idade, e tem pensado se pode ser completamente curada ou não no futuro, como vai enfrentar a vida se não pudesse ser curada, que é muito provável não poder cuidar de si própria ou voltar ao posto de trabalho, e que será um encargo da família. Assim, foi causada grande estresse mental à demandante.
- Após a apresentação do pedido de indemnização civil, a demandante ainda precisa receber tratamento. Desde 13 de Novembro de 2015 até 7 de Março de 2016, a demandante ainda pagou ao Hospital Kiang Wu MOP$6.282,00 (vide o documento 15A).
- No período entre 13 de Novembro de 2015 e 21 de Março de 2016 (130 dias em total), a demandante descansou em casa segundo o conselho médico (vide o documento 23A).
- Após a apresentação do pedido de indemnização civil, a demandante ainda precisa receber tratamento. Desde 21 de Março até 18 de Maio de 2016, a demandante ainda pagou ao Hospital Kiang Wu e aos Serviços de Saúde as despesas médicas e de medicamento no valor global de MOP$3.000,00 (vide o documento 15B).
- No período entre 22 de Março e 31 de Maio de 2016 (71 dias em total), a demandante descansou em casa segundo o conselho médico (vide o documento 23B).
- Após a apresentação do pedido de indemnização civil, a demandante ainda precisa receber tratamento. Desde 1 de Junho até 14 de Setembro de 2016, a demandante ainda pagou ao Hospital Kiang Wu e aos Serviços de Saúde MOP$3.923,00 (vide os documentos 14A e 15C).
- No período entre 1 de Junho e 29 de Setembro de 2016, a demandante descansou em casa segundo o conselho médico (vide o documento 23C).
2.3. Foram provados os seguintes factos constantes da contestação cível da 1ª demandada:
- A 1ª Demandada Seguradora aceita e reconhece que a responsabilidade civil pelos danos provados pelo veículo MR-XX-XX,
- de que é proprietário o 2º Demandado A, e respectivo condutor aquando da ocorrência do acidente dos autos,
- se encontrava para si transferida nos precisos termos da apólice n.º XXXXXXXX DMO, de que ora se junta cópia e se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais. – DOC.1.
2.4. Mais se provou:
- De acordo com o CRC, o arguido é delinquente primário.
- O arguido confessou voluntariamente a prática dos factos criminosos lhe imputados.
- O arguido tem as seguintes situações pessoal e familiar:
- O arguido é electricista, auferindo mensalmente cerca de MOP$15.000,00.
- O arguido tem a seu cargo os pais e 2 filhos menores.
- Tem como habilitação académica o ensino secundário.

3. Direito
Impugna o recorrente as quantias indemnizatórias fixadas no acórdão recorrido, tanto pela perda de salário como por danos não patrimoniais.

3.1. Da indemnização pela perda de salário
Imputando os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de aplicação errada de lei (art.º 557.º do Código Civil), alega o recorrente que nos autos não ficou provado que a cessação em 15 de Dezembro de 2014 da relação laboral entre a demandante civil e o seu ex-empregador se deveu ao acidente de viação de que aquela é ofendida, pelo que, mesmo que a demandante civil não tivesse ficado ferida por causa do acidente, ela não teria tido qualquer salário a partir de 16 de Dezembro de 2014, daí que não teria tido direito à indemnização pela perda do salário no período de 16 de Dezembro de 2014 a 29 de Setembro de 2016.
Na tese do recorrente, não existindo o nexo de causalidade entre o acidente de viação e a extinção da relação laboral, e consequentemente os danos sofridos pela ofendida por deixar de poder auferir salário desde 16 de Dezembro de 2014.
Como se sabe, este Tribunal de Última Instância tem entendido que, para que se verifique o vício em causa, “é necessário que a matéria de facto provada se apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada”.1
Ora, basta uma leitura simples do acórdão recorrido para concluir que não se verifica o vício imputado pelo recorrente.
Constata-se no acórdão recorrido o seguinte:
《O Tribunal a quo reconheceu que existiu causalidade entre o acidente de viação e a perda de salário da recorrente resultante do gozo forçado de férias sem vencimentos, condenando os demandados na indemnização, cujo montante é calculado até à data da cessação do contrato de trabalho por parte do anterior empregador.
Compreende-se bem este ponto, quer dizer, a recorrente ficou ferida no acidente de viação, não podia trabalhar e tinha de gozar de férias sem vencimentos, o que constitui uma causalidade manifesta e adequada, ou seja que as lesões da recorrente produziram adequadamente o resultado de não conseguir trabalhar.
Porém, o recorrente não podia trabalhar porque o seu anterior empregador cessou o contrato de trabalho com ela, sendo assim introduzida uma outra causa, e temos dificuldade em determinar se existe a causalidade adequada. Por um lado, a notificação da cessação do trabalho feita pelo anterior empregador não indicou expressamente as causas da resolução do contrato, e por outro lado, a demandante não alegou mais factos neste aspecto que permitiram ao tribunal a quo reconhecer a existência da causalidade. Parece que é de sufragar o entendimento do tribunal a quo.
No entanto, afigura-se-nos que já não é relevante o facto de que o anterior empregador resolveu o contrato, porque não podemos ignorar que a recorrente tinha ficado sempre numa situação de necessitar de descansar em casa até ao dia 29 de Setembro de 2016, indicado nos factos provados:
……
Assim, independentemente da resolução do contrato, a recorrente não podia continuar a trabalhar. Quer dizer, pelo menos a partir da data da resolução do contrato de trabalho (15 de Dezembro de 2014), a recorrente não podia trabalhar, o que, obviamente, tem nexo de causalidade adequado com o facto de ficar ferida.
Como a recorrente deixou efectivamente de ter trabalho, a indemnização devida tornou-se num prejuízo indeterminado, relativo e futuro, que tem de ser fixada equitativamente pelo tribunal, e não simplesmente com base no anterior salário, que por sua vez, apenas serve de referência.
Por isso, no respectivo período (de 16 de Dezembro de 2014 até 29 de Setembro de 2016, 653 dias em total), atendendo ao anterior salário básico de MOP$18.050 e à taxa de incapacidade da recorrente, entendemos que é razoável multiplicar o montante da indemnização por uma taxa de 80%, ou seja 18.050/30 x 653 x 80% = MOP$314.310,67.》
Ora, decorre do acórdão recorrido que, quando falou do nexo de causalidade e mesmo reconhecendo a dificuldade em determinar se existe a causalidade adequada entre a cessação do contrato de trabalho e o acidente de viação, o Tribunal recorrido considerou irrelevante o facto respeitante à cessação do contrato de trabalho bem como o seu motivo, pois entendeu que por causa do acidente de viação a ofendida tinha de ficar obrigatoriamente em casa para descansar, até ao dia 29 de Setembro de 2016, não podendo continuar a trabalhar, pelo que existiu nexo de causalidade adequada entre a impossibilidade de trabalhar e o acidente de viação, o que justificou a fixação de indemnização pela perda de salário também no período de 16 de Dezembro de 2014 a 29 de Setembro de 2016.
Afigura-se-nos correcto tal entendimento.
Na realidade, a factualidade assente nos autos revela que:
- O acidente de viação em causa provocou o internamento da ofendida no período entre os dias 8 a 28 de Setembro de 2014. Depois de ter alta, a ofendida descansou em casa segundo o conselho médico desde 29 de Setembro de 2014 até 12 de Novembro de 2015 (por 431 dias em total), e necessitou de continuar a receber tratamento (vide os documentos 4 e 23, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
- No período entre 13 de Novembro de 2015 e 21 de Março de 2016 (130 dias em total), a ofendida descansou em casa segundo o conselho médico (vide o documento 23A).
- No período entre 22 de Março e 31 de Maio de 2016 (71 dias em total), a ofendida descansou em casa segundo o conselho médico (vide o documento 23B).
- No período entre 1 de Junho e 29 de Setembro de 2016, a ofendida descansou em casa segundo o conselho médico (vide o documento 23C).
Ora, a ofendida ora recorrida ficou ferida e tinha de receber tratamento contínuo e ficar em casa segundo o conselho médico, até 29 de Setembro de 2016.
Mesmo não ocorrendo a cessação do contrato de trabalho entre o ex-empregador e a ofendida, certo é que esta não podia continuar a trabalhar, por causa do acidente de viação.
E independentemente da cessação do contrato de trabalho, a ofendida deixou de poder trabalhar, auferindo salário durante o período em que ficava em casa a descansar, pois nem sequer podia arranjar novo emprego, por falta de condições físicas provocadas pelo acidente de viação, após a cessação da anterior relação laboral.
Daí que o nexo de causalidade adequada entre o dano por perda do salário e o acidente de viação.
Sobre o nexo de causalidade, dispõe o art.º 557.º do Código Civil o seguinte: “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse lesado”.
Ora, se não houvesse o acidente de viação reportado nos presentes autos, a ofendida não teria de ficar numa situação de não poder trabalhar e deixar de poder ganhar salário, que muito provavelmente conseguia auferir com novo emprego, mesmo após a cessação da relação laboral anterior.
Por outro lado, tal como afirma o acórdão recorrido, para determinar o prejuízo que a ofendida sofreu por deixar de poder ganhar no referido período, há de socorrer ao critério de equidade, servindo de referência o salário anteriormente auferido pela ofendida.
Assim, não merece censura a decisão do Tribunal recorrido, que fixou a indemnização pela perda de salário no montante de MOP$314.310,67 (18.050/30 x 653 x 80%), tendo em consideração o salário básico anterior da ofendida e a taxa de sua incapacidade.
Improcede o recurso, nesta parte, não se vislumbrando os vícios imputados pelo recorrente.

3.2. Da indemnização por danos não patrimoniais
Pretende o recorrente a manutenção da quantia de MOP$600.000,00 fixada pelo Tribunal de 1.ª instância, que foi depois elevada para MOP$800.000,00 pelo Tribunal de Segunda Instância.
Invoca o recorrente a violação do princípio de equidade.

Sobre danos não patrimoniais, dispõe o art.º 489.º do Código Civil o seguinte:
“Artigo 489.º
(Danos não patrimoniais)
1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de facto e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, ao unido de facto e aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3. O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior.”
Por sua vez, estabelece o art.º 487.º que, quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, pode a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.
Daí que, deve o tribunal atender ao grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

Ora, os danos não patrimoniais são os prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado, mas que podem ser compensados com uma obrigação pecuniária imposta ao lesante, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.
A lei limita os danos não patrimoniais àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
E a reparação obedecerá ao critério de equidade, tendo em conta as circunstâncias concretas de cada caso, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, aos patrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, etc..2

No caso em apreciação, resulta dos elementos apurados o seguinte:
- A ofendida tinha 42 anos à data do acidente de viação e antes disso exercia a função de tesoureira na [Resorts], auferindo mensalmente MOP$18.050,00;
- O embate causou-lhe directa e necessariamente fracturas da parte distal do rádio esquerdo e do esterno, concussão e contusões dos tecidos moles do corpo do lado esquerdo, lesões estas que lhe provocaram doença permanente com ofensa grave à sua integridade física;
- O acidente de viação causou directamente à ofendida lesão leve no crânio-cerebral, fractura do rádio esquerdo e fractura incompleta, 1/3 do meio e da parte inferior do esterno. Quando foi transportada para o hospital, a ofendida sentiu dores imensas nas partes feridas e não podia movimentar o seu corpo;
- A ofendida ficou internada no hospital durante o período de 8 a 28 de Setembro de 2014 e submeteu-se à fixação externa para redução do rádio esquerdo, ao tratamento análgico e outros;
- Durante o internamento, a ofendida não conseguiu tomar cuidado de si própria, e necessitou de pessoal de enfermagem e membros familiares para cuidar da vida quotidiana, tais como limpar o corpo, urinar e defecar, que precisou fazer na cama;
- Não conseguiu a ofendida tomar cuidado de si própria por mais de um mês depois de ter alta;
- A ofendida tinha de submeter-se a mais exames e tratamentos contínuos;
- Depois do acidente, de vez em quando, a ofendida ainda sente dores nas partes feridas e tontura. Segundo o conselho médico, a demandante tem que submeter-se continuamente ao tratamento para melhorar a condição;
- A fractura do esterno da ofendida só pode ser naturalmente curada, pelo que conforme o conselho médico, a ofendida submeteu-se aos tratamentos tais como descanso na cama, aplicação a quente e tomar medicamentos análgicos;
- Ao ter alta do hospital, a ofendida ficou com a mão esquerda engessada por mais de 1 mês, e mesmo após a remoção do engesso, até à apresentação do pedido civil, a ofendida ainda tem de usar protecção para o pulso esquerdo conforme o conselho médico;
- Por causa do uso de protecção para o pulso por longo tempo, a ofendida sentiu-se apertada e desconfortável, bem como cócegas e alergia da pele;
- Nos primeiros dias após a ocorrência do acidente, a ofendida tinha dificuldade em adormecer e mesmo que adormecesse, iria acordar do sonho. Até à apresentação do pedido de indemnização civil, a demandante ainda sofre de insónia grave, e precisa tomar hipnóticos para adormecer. Daí que o acidente em causa trouxe grande estresse para a demandante;
- Devido às lesões no pulso esquerdo e às tontura e dores na cabeça resultantes da concussão, a ofendida submeteu-se, por várias vezes, aos tratamentos de acupunctura e fisioterapia no hospital e nas clínicas;
- Actualmente, a ofendida fica sem força na mão esquerda, e quando pretende levar objectos pesados ou fechar a mão com força, a sua mão irá vibrar. Segundo a avaliação do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, é deficiente a função do pulso esquerdo da ofendida;
- Após a ocorrência do acidente de viação, conforme a avaliação do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, a ofendida sofre 12% de incapacidade (dores na cabeça 5%; tontura 2%; fraqueza física e mental 5%). Agora a ofendida sente ainda por vezes dores na cabeça, tontura e náusea e não adormece bem, pelo que ainda recebe tratamento no Hospital Kiang Wu;
- Segundo a perícia feita pelo médico-legal em 8 de Junho de 2015, o acidente de viação em causa provocou à ofendida doença permanente, e em consequência, grande perturbação psicológica;
- O acidente de viação também fez com que a ofendida ficasse impressionada com os automóveis na rua, não se atrevesse de conduzir, sentisse-se insegura, e tivesse medo grande;
- A ofendida tem pensado se pode ou não ser completamente curada no futuro, como vai enfrentar a vida se não pudesse ser curada, que é muito provável, não podia cuidar de si própria ou voltar ao posto de trabalho, e que será um encargo da família. Assim, foi causada grande estresse mental à ofendida;
- O ora recorrente é electricista, auferindo mensalmente cerca de MOP$15.000,00, e tem a seu cargo os pais e 2 filhos menores.
Ora, atenta a factualidade assente nos autos, respeitante nomeadamente à idade da ofendida, às lesões sofridas pela ofendida, à gravidade dessas lesões, à duração dos períodos de internamento e de recuperação, às consequências provocadas pelo acidente de viação, tanto na integridade física como no estado psíquico da ofendida, à percentagem da incapacidade atribuída, etc., bem como o grau de culpabilidade do recorrente, a situação económica deste e da ofendida, todos ponderados ao abrigo do disposto nos art.ºs 489.º e 487.º do Código Civil, afigura-se equitativa a quantia de MOP$800,000.00 fixada pelo TSI a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Não se vê como foi violado o princípio da equidade.
Improcede o recurso, também nesta parte.

4. Decisão
Face ao expendido, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.

Macau, 29 de Novembro de 2019

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

1 Ac.s do TUI, de 22-11-2000, Proc. n.º 17/2000, de 7-2-2001, Proc. n.º 14/2000, de 16-3-2001, Proc. n.º 16/2000 e de 20-3-2002, Proc. n.º 3/2002.
2 Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almeida, 10.ª edição, revista e actualizada, vol. I, p. 600 e seguintes.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




35
Processo n.º 95/2019