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Processo nº 961/2018
Data do Acórdão: 24OUT2019


Assuntos:

Propriedade industrial
Registo de marca
Legitimidade activa para o recurso judicial
Marca notória
Capacidade distintiva
Imitação da marca notória


SUMÁRIO

1. As disposições dos artºs 210º, 211º, 213º e 214º do «Regime Jurídico da Propriedade Industrial» demonstram bem que o legislador teve todo o cuidado de assegurar, na medida do possível, que ao pedido do registo de marca formulado por um particular seja dada a máxima publicidade e que a decisão pela entidade administrativa decisora de conceder ou recusar o pedido de registo da marca seja sempre precedida da audição de todos os potenciais interessados, por forma a proporcionar a quaisquer potenciais interessados a oportunidade de vir ao procedimento administrativo defender os seus direitos passíveis de serem postos em causa pela decisão favorável ao pedido de registo e manter a entidade administrativa decisora suficientemente informada sobre todas as circunstâncias relevantes à tomada de uma decisão correcta;

2. Não obstante a sua natureza híbrida, o recurso judicial previsto no RJPI, tem por função indeclinável sindicar a decisão administrativa e corrigir eventuais erros nela cometida, com vista à reposição da justiça;

3. Na matéria do registo da marca regulada no «Regime Jurídico da Propriedade Industrial», deve ser liminarmente indeferido ou rejeitado, por falta da legitimidade activa, o recurso judicial da decisão administrativa, que concedeu o registo da marca, interposto por quem não tiver apresentado reclamações no procedimento administrativo para defender o seu direito nos termos prescritos no artº 211º do mesmo RJPI.

4. A marca nominativa consistente em XXX não se pode confundir com a marca mista que consiste em:

não obstante ter a mesma componente nominativa XXX, que não é susceptível de protecção por ser meramente descritiva do efeito curativo ou utilidade curativa do produto que visa marcar.


O relator

Lai Kin Hong

Processo nº 961/2018


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

A Trading Company Limited, devidamente identificada nos autos, interpôs o recurso judicial da decisão do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia que deferiu o pedido do registo da marca N/... à Companhia de Farmacêutica B Lda., devidamente identificada nos autos.

No âmbito dos autos desse recurso judicial na matéria de propriedade industrial, que foi registado sob o nº CV3-17-0058-CRJ, e corre os seus termos no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi a final proferida a seguinte sentença julgando procedente o recurso, revogando a decisão administrativa recorrida e determinado o indeferimento do pedido do registo da marca registanda:

  I – RELATÓRIO
  
  A TRADING COMPANY LIMITED, melhor id. nos autos
  
  interpôs o presente recurso
  
  inconformada com a decisão da Direcção dos Serviços de Economia que deferiu a concessão da marca N/... à parte contrária - Cª Farmacêutica B Ldª.
  
  Conclui nos seguintes termos:
  
  1. De acordo com o artigo 214º nº 1 da alínea b) do «Regime Jurídico da Propriedade Industrial»: “1. O registo de marca é recusado quando: (…) b) A marca constitua, no todo em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória;”
  2. No caso em apreço, a marca “” da recorrente, após promoção em Macau durante muitos anos, no sector de Macau quando é mencionado “XXX”de marca “C”, é imediatamente associada à marca da recorrente, devendo, por isso, ser considerada notoriamente conhecida. Enquanto a marca da requerente, “XXX”, é reprodução parcial da marca da recorrente.
  3. Aliás, de acordo com o artigo 9º nº 1 da alínea c) da mesma lei: “1. São fundamentos de recusa da concessão dos direitos de propriedade industrial: (…) c) O reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção;”
  4. A requerente, com custos mínimos de publicidade e por meio da violação da marca notoriamente conhecida da recorrente, tentou fazer acreditar erroneamente os consumidores e o sector de que estivessem a adquirir produto da recorrente, mas, de facto, tratava-se de um produto da requerente.
  5. A recorrente entende não existir fundamentos para o deferimento do registo de marca “XXX”, devendo ser rejeitado o referido pedido.
  .
  
  
  Foi citada a Direcção dos Serviços de Economia e a parte contrária, ambas apresentando a respectiva resposta.


  II - SANEAMENTO

  
  O recurso é tempestivo e legal.
  
  O Tribunal é competente em razão da matéria, territorial e hierarquia.
  
  O processo é o próprio.
  
  As partes têm legitimidade e são dotados de personalidade e capacidade judiciária.
  
  Não existem excepções ou questões prévias que obstam ao conhecimento do mérito da causa.


  III - MOTIVAÇÃO
  
  
  A. DE FACTO

  Em 16 de Fevereiro de 2017, a Companhia Farmacêutica “B”, Limitada, apresentou junto da Direcção dos Serviços de Economia o pedido de registo da marca nº N/... destinada a assinalar produtos de classe 5 – substâncias farmacêuticas, substâncias medicinais herbáceas, fórmulas de medicina chinesa, óleos medicinais, pomadas medicinais, substâncias medicinais para seres humanos, bebidas medicinais, drogas medicinais, comprimidos medicinais para o cérebro, cápsulas medicinais, medicamentos farmacêuticos de medicina chinesa, produtos nutricionais médicos, alimentos nutritivos, cujo modelo é “XXX”.
  No âmbito do processo administrativo, em face deste pedido, a parte contrária não apresentou qualquer reclamação.
  Na sequência daquele pedido a Direcção dos Serviços de Economia deferiu o pedido de registo da marca nº N/... e publicou tal decisão no Boletim Oficial nº 36, série II, de 06 de Setembro de 2017
  Vindo após isso a recorrente solicitar o pedido de registo da marca N/...
  O pedido de registo da marca “ …”, com o nº N/..., diz respeito a produtos que pertencem à classe 5: Substâncias farmacêuticas, substânias medicinais herbáceas, fórmulas de medicina chinesa, óleos medicinais, pomadas medicinais, substâncias medicinais para seres humnos, bebidas medicinais, drogas medicinais, comprimidos medicinais para o cérebro, cápsulas medicinais, medicamentos farmacêuticos de medicina chinesa, produtos nutricionais médicos, produtos nutritivos e suplementos e alimentos nutritivos.
  A marca registanda é formada apenas por dizeres, redigidos nas línguas inglesa e chinesa, “XXX”, respectivamente.
  A marca da recorrente é mista, destacando-se na gravura a forma de um nariz e a designação “XX牌XXX” (tratamento de sinusite “C”) os três caracteres chineses “XXX”.
  A recorrente foi criada em 1992, dedicando-se principalmente à comercialização de produtos medicinais e de cuidados de saúde de vários países.
  A recorrente é atacadista de medicamentos ocidentais e tradicionais chineses, operando vários tipos de importação e exportação. No sector de cuidados de saúde criou uma forma inovadora de venda e comercialização que mereceu suporte da indústria.
  Os produtos das marcas da Recorrente já entraram nos mercados de Hong Kong, Macau e regiões de sudeste asiático, colaborando esta com grande número de farmácias e drogarias, bem como, várias cadeias de reputação, fazendo com que produtos atinjam todas as fracções do mercado, em prol do mais número de utentes. A diversidade dos medicamentos farmacêuticos ocidentais e tradicionais chineses, tais como dos produtos de cuidados de saúde contribuiu para o aumento constante do reconhecimento da empresa, cujos produtos estão agrupados em “série” e são vastamente conhecidos, de forma que possam ser prescritos correctamente e os produtos de cuidados de saúde seleccionados de acordo com próprias necessidades - http://www.hungwin.hk/index_topic.php?did=9&didpath=/9
  Entre os produtos representados pela recorrente está incluída a série de produtos da marca “XX牌優質產品系列” (C Brand)
  A recorrente registou a marca do produto em Hong Kong.
  A recorrente promove e por diferentes canais os seus produtos, e em Macau também é comercializado o produto “XXX” da marca “C” por diversas representantes.
  As farmácias de Macau têm à venda o produto “…” da recorrente, como a Farmácia “...”, Farmácia “...”, Farmácia “...”, Farmácia “...”, Farmácia de “...”, Farmácia de “...” e Farmácia “...”.
  Os operadores sabem que “XXX” da marca “C” é representada pela recorrente e que a sua marca é “…” e não a da requerente “BXXX”, sendo a marca da Recorrente conhecida pelos operadores de Macau.
  A requerente da marca registanda é uma empresa de Macau, que se dedica à representação de medicamentos e exploração de farmácias.
  É do conhecimento da parte contrária que o produto “…”, representada pela Recorrente, é comercializado nas farmácias de Macau.
  Como representante da “XXX” da marca “C”, a recorrente começou a vender em farmácias de Macau o referido produto desde 2012.


B. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

  No alinhamento dos factos provados relevantes para a decisão de mérito, o tribunal socorreu-se do suporte documental existente, como não podia deixar de ser em face do tipo de processo em causa.
  
  O tribunal socorreu-se igualmente à internet para ver esclarecidos e ou confirmados alguns aspectos que foram assentes, alguns deles indiciariamente documentados.
  
  Em relação à reputação, conhecimento e comercialização dos produtos da recorrente, o conteúdo dos documentos foram conjugados com as regras da experiência e do conhecimento comum.
  
  Na medida do esforço possível, tentou o tribunal colocar-se no lugar de um consumidor médio dos produtos específicos objecto do comércio da recorrente, perscrutando (com os conhecimentos que tem e coadjuvados pela prognose que se operou do “sentir” das pessoas da comunidade), se, efectivamente, se tratam de produtos do conhecimento geral ou de sector específico em Macau, relevando para o efeito a respectiva natureza.



C. DE DIREITO

  O conjunto de argumentos da recorrente reporta-se ao facto de entender que a marca registanda imitar e/ou concorrer deslealmente com uma marca que é sua, ainda que não registada em Macau.
  
  Tal marca N/... foi, em relação à registanda, objecto de pedido de registo posterior.
  
  Por a sua marca não ter prioridade de registo no concurso com a registanda, pertencendo a mesma à parte contrária nos termos do artº15ºnº1 do RJPI, pretende a recorrente que se reconheça aquela como notoriamente conhecida em Macau nos termos e para os efeitos do disposto no artº214ºnº1 b) daquele diploma e com vista a contornar a supra citada prioridade.
   
  Não obstante, tivesse a recorrente querido que a DSE denegasse o pedido de regista da marca registanda ao abrigo do artº214 nº1 al.b citado, deveria ter, em momento próprio, comprovado no processo administrativo o pedido de registo da marca cuja protecção pretende e nos termos do artº214ºnº4 do RJPI.
  
  
  Não obstante está agora comprovado esse pedido de registo.
  
  Este facto, cremos, tanto basta para legitimar a pretensão da recorrente em ver apreciado os fundamentos do seu recurso e no que concerne a invocada notoriedade da sua marca registada em HK.
  
  Na verdade, se, não obstante o registo de marca “infractora”, portanto sem oposição e ou recurso na fase da concessão, pode ela ser “atacada” através de acção de declaração de invalidade nos termos do artº230º nº1 al.b) do RJPI (e com base em imitação de marca notória não registada em Macau e desde que se prove o pedido de registo da marca a proteger – nº2 do preceito citado), por maioria de razão não será por o pedido de registo da alegada marca notória só ter ocorrido nesta fase de recurso que está inviabilizado aquela predita pretensão.
  
  
  Isto posto, com vista a conhecer ou não da notoriedade da marca da recorrente, vejamos o que diz a lei e a doutrina.
  
  Nas palavras de Coutinho de Abreu “as marcas são signos (ou sinais) susceptíveis de representação gráfica destinados sobretudo a distinguir certos produtos de outros produtos idênticos ou afins” – Cfr. A. cit. in Curso de Direito Comercial, VI., 4ª ed., pag.348
  
  Esta noção reconduz-se, ao fim ao resto, à noção de marca que se pode retirar do enunciado artº197 do RJPI.
  
  Dispõe este preceito que “só podem ser objecto de registo ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou a respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
  
  Emerge destes enunciados, doutrinário e legal, pois, que a marca deve, sendo a “pedra de toque” da mesma, por definição e no cumprimento do seu escopo, na expressão de Couto Gonçalves, ter relevantes capacidades distintivas, deve ser idónea, per si, de individualizar uma espécie de produtos ou serviços.
  
  E será com esse fito (distinção e garantia de que os produtos ou serviços se reportam a uma pessoa que assume em relação aos mesmos o ónus pelo seu uso não enganoso – Cfr. Couto Gonçalves, in Manual de Direito Industrial, 4º ed- p.161 e ss) que as entidades e pessoas procurarão conformar as marcas que pretendem registar. E para isso são livres, vigorando no âmbito do direito das marcas o princípio da liberdade.
  
  Todavia este princípio, como em quase tudo, além da já referida limitação - exigência de capacidade ou eficácia distintiva -, está também “comprimido” pela (e em função deles) tutela de outros princípios, quer no que concerne à composição das marcas, quer no que concerne a outros valores.
  
  Releva o princípio da novidade ou da exclusividade da marca, traduzido, numa formulação positiva, que ela seja nova, e numa formulação negativa, no seguinte: será recusado o registo das marcas que sejam, diz a al.b do nº2 do artº214º do RJPI, “reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou compreenda o risco de associação com a marca registada”.
  
  No caso em apreço, a marca que a recorrente pretende “ultrapassar”, visto o disposto no artº15 do RJPI, tem registo anterior em Macau face à marca supra id. que a recorrente pretende registar, logo não tendo esta protecção directa no quadro deste último normativo citado.
  
  Exactamente perante a impossibilidade de se invocar a prioridade de registo, invoca a recorrente que a sua marca, não obstante pedido de registo posterior em Macau, é notoriamente conhecida nos termos e para os efeitos do artº214ºnº1 al.b) do RJPI
  
  “Com efeito, quanto ao regime de protecção das marcas, há que distinguir as marcas registadas das não registadas, de facto ou livres, sendo que devendo ainda acrescentar-se que as marcas notórias e as de prestígio, mesmo não registadas, gozam de protecção especial” – Cfr. Coutinho de Abreu, in Curso de Direito Comercial, I, 4º ed. Almedina, pag354.
  
  Refere mais adiante este autor que “as marcas de facto, além de poderem gozar do já referido direito de prioridade para o registo, nos termos do artº227 do CPI (artº202 do RJPI), podem ser também protegidas por efeito do disposto no artº24º nº1 al. d) do CPI (artº9, al.c) do RJPI): deve ser recusado o registo de marca idêntica ou confundível com marca de facto quando se reconheça que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou que esta é possível independentemente da sua intenção.
  
  De igual protecção especial gozam as marcas de facto notoriamente conhecidas.
  
  Diz o artº241 º nº1 do CPI: É recusado o registo de marca que, no todo ou em parte essencial, constitua reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida (….) se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se ou se, dessa aplicação, for possível estabelecer uma associação com o titular da marca notória” - Op. cit. pag.386.
  
  Este preceito corresponde ao estabelecido no RJPI no artº214º nº1 al.b) do RJPI, nos termos do qual se estabelece que “O registo de marca é recusado quando a marca constitua, no todo ou em parte, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória”
  
  Em duas palavras, como diz o referido A.: a entidade responsável (em Macau a DSE e ou o Tribunal) deve recusar o registo de marca que reproduza, imita ou traduza marca notoriamente conhecida nos termos do nº1 artº214 citado.
  
  Pode-se dizer que subjaz deste preceito, referente à marca notória, uma excepção ao princípio do registo constitutivo do direito à marca, cremos que previsto no nosso ordenamento jurídico (no CPI Português está previsto expressamente no artº224º) através da conjugação do artº5º e 15ºdo RJPI (este consagrando expressamente o princípio da prioridade do registo), uma vez que é protegida independentemente de registo e porque a recusa de marca conflituante é obrigatória e vinculada para a DSE. De igual modo, tal circunstância é também uma excepção ao princípio da prioridade do registo, este, de certa forma, absorvido pelo princípio anteriormente referido.
  
  Esta classe de marca, notória, e as de prestígio, conferem ao respectivo titular a atribuição de direitos exclusivos de uso, arguíveis, defensáveis e reconhecidos pela OJ independentemente da prévia concessão definitiva de registo.
  
  O primeiro passo na abordagem concreta do caso em apreço prender-se-ia com a reprodução ou imitação da marca da recorrente.
  
  “Damos de barato” pela evidência que ela existe, e que existe igualmente aqueloutro requisito previsto na al.,b) do nº1 do artº214 citado, ou seja, a identidade identificados pelas marcas concorrentes.
  
  Questiona-se de seguida se a marca imitada corresponde efectivamente a uma marca notória nos termos e para efeitos da sua protecção no quadro dos normativos citados.
  
  Na  base  da  classificação  de  uma  marca  como  notória está um critério quantitativo.
  
  Entende-se, generalizadamente, que a marca notória tem de ser conhecida de uma parte significativa do público relevante.
  
  No entanto, enquanto parte da doutrina entende como público relevante para o efeito o público em geral, outros entendem que basta apenas o público do circuito mercantil (fornecedores, produtores, distribuidores e consumidores) do produto ou serviço comercializado sob determinado sinal distintivo. – Cfr. Neste último sentido, Américo da Silva Carvalho, Direito de Marcas, Coimbra, 2004, p. 356. No primeiro sentido, Luís Couto Gonçalves, Direito de Marcas, Coimbra, 2003, p. 146. (Veja-se, ainda, o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06 de Maio de 2003, no qual se reconhece a marca TOYS’R’US como notória, podendo, para tanto, ser conhecida apenas junto dos seus consumidores, entendendo-se que só a marca de prestígio precisa de ser conhecida do público em geral.)
  
  Não obstante estas doutas posições doutrinárias, como em regra em tudo, cremos que a melhor posição será aquela que se encontra no “caminho” entre as duas, ou seja, uma posição ecléctica ou mitigada.
  
  Reza esta posição que deve considerar-se que o público relevante varia consoante o tipo de produto ou serviço em causa. Se estivermos perante um tipo de produto ou serviço de grande consumo, devemos apurar se a marca é conhecida de parte significativa do grande público. Se o produto ou serviço atinge, pela sua funcionalidade, apenas uma parte do sector da sociedade, então teremos de perscrutar o grau de conhecimento junto do público com acesso expectável àqueles produtos e ou serviços
  
  Apesar da natureza de “mera” recomendação, pela importância da sua origem institucional, outrossim relevando que os critérios que dela emergem, não sendo decisivos e dogmáticos, servirão, no entanto, como indicadores do que se deve ter em conta para se aferir da qualidade de marca notória, parece-nos interessante chamar à colação o que dispõe a Recomendação Conjunta da Assembleia da União de Paris e da Assembleia Geral da OMPI – Joint Recommendation Concerning Provisions on the Protection of Well-Known Marks, Geneva, 2000, a saber:
 
a) - O grau de conhecimento da marca no sector do público relevante:
b) - A duração, extensão e área geográfica de uso da marca;
c) - A duração, extensão e área geográfica de promoção da marca, incluindo publicidade e apresentação em feiras e exposições dos produtos e ou serviços a que a marca se aplica;
d) - A duração e área geográfica de quaisquer registos, e ou pedidos de registo da marca, na medida em que reflectem o uso ou o conhecimento da marca – Cfr. in http://www.wipo.int/about-ip/en/development_iplaw/pub833-toc.htm#TopOfPage

  
  Importa ainda referir que, através do article 2 (2) da Recomendação aqui referida, se opera com um conceito de sector relevante do público, indicando, como tal: i) os actuais ou potenciais consumidores do tipo de bens e/ou serviços a que a marca se aplica; ii) pessoas envolvidas em canais de distribuição do tipo de bens e/ou serviços a que a marca se aplica; iii) círculos de negócio ou comerciais que lidam com o tipo de bens e/ou serviços a que a marca se aplica.
  
  Acrescenta a mesma Recomendação, neste mesmo preceito e na sua subalínea (2) (b), que a marca que seja bem conhecida de pelo menos um dos sectores relevantes do público antes referidos, num determinado território nacional, deve ser considerada notória nesse Estado Membro.
   
  Isto posto, definido o quadro legal e doutrinário, cremos nós de forma suficiente para balizar a decisão que se impõe, o que temos de relevante assente, o que de facto deve ser atendido para o efeito e que se seleccionou com alguma prudência e nos termos que atrás se mencionou sob a epigrafe “fundamentação da matéria de facto”, tudo sem prejuízo do que noutra instância mais se puder retirar dos autos, é o seguinte: “A recorrente foi criada em 1992, dedicando-se principalmente à comercialização de produtos medicinais e de cuidados de saúde de vários países. / A recorrente é atacadista de medicamentos ocidentais e tradicionais chineses, operando vários tipos de importação e exportação. No sector de cuidados de saúde criou uma forma inovadora de venda e comercialização que mereceu suporte da indústria. /Os produtos das marcas da Recorrente já entraram nos mercados de Hong Kong, Macau e regiões de sudeste asiático, colaborando esta com grande número de farmácias e drogarias, bem como, várias cadeias de reputação, fazendo com que produtos atinjam todas as fracções do mercado, em prol do mais número de utentes. A diversidade dos medicamentos farmacêuticos ocidentais e tradicionais chineses, tais como dos produtos de cuidados de saúde contribuiu para o aumento constante do reconhecimento da empresa, cujos produtos estão agrupados em “série” e são vastamente conhecidos, de forma que possam ser prescritos correctamente e os produtos de cuidados de saúde seleccionados de acordo com próprias necessidades - http://www.hungwin.hk/index_topic.php?did=9&didpath=/9 /Entre os produtos representados pela recorrente está incluída a série de produtos da marca “XX牌優質產品系列” (C Brand)/A recorrente registou a marca do produto em Hong Kong./A recorrente promove e por diferentes canais os seus produtos, e em Macau também é comercializado o produto “XXX” da marca “C” por diversas representantes./As farmácias de Macau têm à venda o produto “…” da recorrente, como a Farmácia “...”, Farmácia “...”, Farmácia “...”, Farmácia “...”, Farmácia de “...”, Farmácia de “...” e Farmácia “...”./ Os operadores sabem que “XXX” da marca “C” é representada pela recorrente e que a sua marca é “…” e não a da requerente “XXX”, sendo a marca da Recorrente conhecida pelos operadores de Macau. / A requerente da marca registanda é uma empresa de Macau, que se dedica à representação de medicamentos e exploração de farmácias. / É do conhecimento da parte contrária que o produto “…”, representada pela Recorrente, é comercializado nas farmácias de Macau. / Como representante da “XXX” da marca “C”, a recorrente começou a vender em farmácias de Macau o referido produto desde 2012.
  
  Com estes dados, visto os produtos da marca da recorrente, não registada em Macau, diremos, seguindo os critérios aventados para encontrar o público relevante e, por via disso, a conclusão quanto a notoriedade da marca, que o mesmo é em relação aos citados produtos que comercializa (espécie de produtos específicos, que pela sua funcionalidade, atinge apenas uma parte do sector da sociedade) um público concreto, especial.
  
  Como conclusão imediata e lógica apenas vislumbramos uma: estamos perante uma marca notória nos termos e para os efeitos do artº214º nº1 alb) do RJPI.
  
  E para isso convoca-se o conhecimento do tal público relevante, que nem precisa de ser todo ele, outrossim o que provado a propósito se considerou, ou seja, que a marca da recorrente é conhecida em Macau.
  
  Àquela conclusão aglutinamos uma outra: no mínimo, da utilização da marca registanda existe uma segura, real e consistente possibilidade de associação dos seus produtos com a proprietária da marca notória (última parte do artº214 nº1 al. b) do RJPI)).

  Desta sorte, cremos que é de direito qualificar a marca em causa como notória.
  
  Concluindo-se que existe reprodução de marca notória, haverá também de concluir-se que a marca registanda seria susceptível de gerar actos de concorrência desleal nos termos e para os efeitos do artº9 nº1 al.c) do RJPI.
  
  Com efeito, para ser recusado o registo com este fundamento é necessário que se reconheça que a requerente do registo pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção (art. 9º, nº 1, al. c) do RJPI).
  
  Esta norma abrange duas situações: a contrariedade objectiva intencional e a contrariedade objectiva não intencional às normas de concorrência desleal.
  
  Nestas duas situações, em rigor, não se trata de apreciar de um acto consumado de concorrência desleal. Pelo contrário, procura-se prevenir a atribuição de um direito privativo a um concorrente que, de modo esclarecido ou deliberado, ou não, desencadeia ou pode desencadear com a sua pretensão uma situação objectivamente desleal.
  
  O acto de concorrência desleal é o acto de disputa de clientela que é contrário às normas e usos honestos da actividade económica, designadamente o que seja idóneo a criar confusão entre produtos ou serviços de diferentes agentes económicos - Cfr. arts. 158º e 159º do Código Comercial.
  
  É comum na doutrina a indicação de 5 tipos de actos de concorrência desleal: actos de confusão, actos de descrédito, actos de apropriação, actos de desorganização e actos de concorrência parasitária.
  
  Nos termos do artº159 do CComM considera-se desleal todo o acto idóneo a criar confusão com a empresa ou com os produtos, dos concorrentes, sendo suficiente o risco de associação dos consumidores relativamente à origem comercial dos produtos.

  Em face disto, visto os produtos colocados à disposição no mercado pela recorrente a coberto de marca sua ainda não registada em Macau mas registada noutra jurisdição, considerando os produtos que a parte contrária presuntivamente pretende comercializar em Macau através da marca registanda, afigura-se indubitável que o uso desta no exercício da concorrência determinará necessariamente, no mínimo, confusão em relação à predita marca notória.
  
  Desta sorte, a concorrência na disputa de clientela através do uso futuro da marca registanda deve ser considerada desleal por levar a desvios de clientela à margem dos usos honestos da actividade económica.
  
  Conclui-se assim que se verifica no caso em apreço o motivo de recusa de registo, que, cremos, só não ocorreu antes pela acção tardia da recorrente ao não o reclamar oportunamente.

   
   IV - DECISÃO

  Pelo exposto, decide-se julgar procedente o recurso interposto e em consequência, revogando a decisão, determina-se o indeferimento do pedido de registo da marca registanda.
  
  Custas a cargo da parte contrária.
  Registe e notifique.
  Oportunamente cumpra o disposto no art. 283º do RJPI.


Não se conformando com o decidido, vem a Companhia de Farmacêutica B Lda., requerente da marca registanda recorrer para este TSI e motivar o seu recurso concluindo e pedindo que:
1. Vem o presente recurso da sentença do TJB que revogou a decisão da DSE de registo da marca n.º N/... (“XXX”).
2. Contextualizando, no seguimento do pedido de registo da marca n.º N/... apresentado pela ora Recorrente, a DSE, verificados os pressupostos formais constantes da lei, procedeu à publicação referida no art. 210.º do RJPI.
3. Durante o período (de 2 meses) para que qualquer interessado apresente a respectiva reclamação, a ora Recorrida nada fez.
4. Posteriormente, a DSE, recorrendo à base de dados de que dispõe, verificou e considerou que não existia qualquer confusão com outras marcas, pelo que decidiu favoravelmente ao pedido de registo da marca n.º N/... da Recorrente.
5. Os autos de recurso judicial que deram origem à decisão ora recorrida (art. 275.° e ss. do RJPI) destinam-se a analisar a correctividade da decisão da DSE, ou seja, se a entidade, face ao elementos que dispunha, procedeu correctamente na decisão que tomou.
6. Aquando da tomada de decisão de registo da marca pela DSE, a Recorrida não havia peticionado o registo da suposta marca notória e que pretensamente se confunde com a da Recorrente, conforme dita o art. 214.º n.º 4 do RJPI, pelo que é inevitável concluir que a DSE decidiu bem.
7. Assim, e desde logo, a Recorrida não tinha legitimidade para agora vir impugnar judicialmente e por meio do recurso judicial (art. 275.° e ss. do RJPI) a decisão de registo da marca, uma vez que não apresentou oportunamente a devida reclamação.
8. O legislador teve um objectivo claro em determinar a publicação tanto do pedido do registo de marca (em que a DSE ainda não tomou qualquer decisão que não a de verificação de que se encontram reunidos os requisitos formais para o registo) como da actual decisão de registo da marca. Destina-se a primeira a dar a conhecer simplesmente o pedido de registo enquanto a segunda visa dar conhecimento da actual decisão.
9. Não se pretende, nem faria qualquer sentido (pois que bastaria sim estender o prazo de recurso da decisão de registo da marca, eliminando o do pedido de registo), conferir uma dupla oportunidade aos interessados para se oporem ao registo da marca.
10. Não poderia o Tribunal a quo aliceçar a legitimidade da Recorrida com base num argumento de maioria de razão com base no disposto no art. 230.º n.º 1 al. b) do RJPI, normativo que se refere à acção de anulação do registo de marca, e a que subjazem pressupostos distintos (não só a nível de prazo, mas, por exemplo, a nível dos prazos).
11. À cautela, nos termos do art. 214.º n.º 1 al. b) do RJPI, para que se considere haver reprodução das marcas, é necessário, caso seja uma reprodução meramente parcial, que se verifique numa parte essencial da marca.
12. A parte essencial da marca da Recorrida são os caracteres “XX牌” (“C”), que se tratam de uma designação de fantasia e que visam identificar a marca (aliás, tanto assim o é que são precisamente esses caracteres que dão nome à série / gama de produtos).
13. Já os caracteres “XXX” visam identificar a que é que o produto se destina, in casu, ao tratamento da sinusite. Assim, sem a conjugação da designação de fantasia “XX牌” (“C”), os caracteres “XXX” referem-se apenas a um tipo de produtos (susceptíveis de serem produzidos por qualquer marca).
14. Ou seja, não sendo a reprodução em parte essencial, não se pode considerar verificado o disposto no art. 214.º n.º 1 al b) do RJPI.
15. À cautela, apesar das marcas concorrentes partilharem os caracteres “XXX” (tratamento de sinusite), ambas incluem outras expressões: (a) “XX牌” no caso da Recorrida e “…” no caso da Recorrente. No caso da Recorrida, a marca é ainda composta por uma “gravura [com] forma de um nariz”.
16. Face a estas destrinças, na qual apenas os caracteres “XXX” se apresentam como único elemento comum (sem carácter distintivo ou que se associe exclusivamente à Recorrente ou Recorrida), salvo melhor opinião, não há qualquer susceptibilidade de confusão.
17. Admitir essa confusão, seria o mesmo que referir que há confusão entre os medicamentos com vista a “aliviar as dores”, como o “Ibuprofen” ou a “Paracetamol”.
18. Não resulta provado, de forma alguma, que o consumidor final possa entrar em erro ou confusão relativamente às marcas concorrentes.
19. O consumidor final, leia-se aquele que compra o produto dos retalhistas que o comercializam (após o adquirem dos fabricantes), é o indivíduo, sem prejuízo de outros, que a lei visa salvaguardar com as regras da propriedade industrial.
20. O Tribunal a quo limitou-se a substituir-se ao consumidor médio dos produtos específicos para concluir pela confusão, quando não podia fazê-lo, devendo antes retirar elementos dos autos que permitissem concluir inequivocamente nesse sentido (ou sequer com o mínimo grau de certeza).
21. À cautela, novamente tendo em conta a importância que a jurisprudência e a doutrina têm dado à posição do consumidor final especial relevância quando se pretende aferir da potencial confusão das marcas concorrentes e da notoriedade de qualquer marca no mercado.
22. Mais uma vez, nada consta dos autos que permita concluir que a marca da Recorrida é conhecida perante o consumidor final, não se podendo concluir nesse sentido simplesmente pelo facto da marca ser conhecida pelos retalhistas.
23. É evidente que as farmácias têm conhecimento (até profundo) de todos os produtos que vendem. Isso decorre do interesse das farmácias na venda ao consumidor final dos produtos (tendo portanto de conhecer as suas características), como ainda na margem de lucro que os mesmos geram (e que vai portanto influir nos resultados da própria farmácia). Isso não significa que o consumidor final o conheça.
24. Face ao exposto, a decisão recorrida viola desde logo o arts. 276.º, 214.º n.º 1 al. b) e n.º 4 do RJPI e art. 5.º do CPC.
Nestes termos, ou seja, com base em qualquer um dos fundamentos supra referidos, e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e a sentença ora recorrida ser revogada.

Notificadas a Direcção dos Serviços de Economia e a A Trading Company Limited, ora recorrida, da interposição do recurso e das motivações do recurso, veio apenas esta última a responder pugnando pela improcedência do recurso – vide as fls. 165 a 169 dos p. autos.

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do disposto no artº 282º do «Regime Jurídico da Propriedade Industrial», doravante abreviadamente denominado RJPI, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

De acordo com o alegado nas conclusões dos recursos, as várias questões, suscitadas numa relação de subsidiariedade, que delimitam o thema decidendum na presente lide recursória podem ser reduzidas às questões de saber:

1. se A Trading Company Limited, recorrente do recurso judicial, ora recorrida, tem legitimidade, por argumento de maioria de razão com base no disposto no artº 230º/1-b) do RJPI, para vir, só na fase de recurso judicial, a opor à concessão de registo nos termos do disposto no artº 214º/1-b) do RJPI, em vez de apresentar reclamações no momento próprio do processo administrativo nos termos do disposto no artº 214º/4 do RJPI; e

2. se ocorre in casu o fundamento de recusa do registo da marca registanda, ou seja, se a marca registanda contem reprodução ou imitação parcial de uma outra marca, não registada em Macau mas alegadamente notória, reivindicada pela ora recorrida, face ao disposto nos artºs 214º/1-b) e 215º do RJPI.

Apreciemos.

1. Da legitimidade da A Trading Co. Ltd.

A matéria de registo da marca encontra-se exaustivamente regulada no RJPI.

A fim de facilitar a nossa apreciação, é de citar os artºs 210º e 214º do RJPI com relevância à solução a dar à questão em apreço

Artigo 210.º
(Publicação do pedido de registo)
Mostrando-se o pedido completo, ou depois de efectuada a sua regularização, nos termos do artigo anterior, a DSE promove a publicação no Boletim Oficial do respectivo aviso, que contém os elementos necessários à completa identificação do requerente e do objecto do pedido, incluindo, conforme o caso:
a) A reprodução tipográfica da marca e indicação das classes e dos produtos ou serviços a que a mesma se destina, com referência expressa às cores, se estas fizerem parte da reivindicação;
b) A representação gráfica por frases musicais dos sons que entrem na composição da marca.

Artigo 211.º
(Reclamação e contestação)
1. O prazo para apresentar reclamações é de 2 meses a contar da data da publicação do pedido no Boletim Oficial.
2. Às reclamações e demais peças processuais pode o requerente responder na contestação, dentro do prazo de 1 mês a contar da respectiva notificação.
3. A requerimento do interessado, apresentado dentro dos prazos estabelecidos nos números anteriores, pode ser autorizada a apresentação de exposições suplementares sempre que tal se mostre necessário para melhor esclarecimento do processo e quando a complexidade da matéria o justifique.
4. As exposições suplementares referidas no número anterior, quando autorizadas, devem ser apresentadas no prazo referido pela DSE ou, não sendo este fixado, no prazo máximo de 1 mês a contar do termo dos prazos referidos nos n.os 1 e 2.
5. A requerimento do interessado e com o acordo da parte contrária, o estudo do processo pode ser suspenso por período não superior a 6 meses.
6. Oficiosamente, pela DSE, ou a requerimento do interessado, o estudo do processo pode ser suspenso pela DSE pelo período em que se verifique causa prejudicial susceptível de afectar a decisão sobre o mesmo.
7. Do despacho de não recebimento de reclamação ou contestação não cabe recurso autónomo, podendo o reclamante recorrer do despacho que conceda o direito à marca, nos termos do título IV do presente diploma.

Artigo 213.º
(Decisão)
1. O registo é concedido se não tiver sido revelado fundamento de recusa e as reclamações, se as houver, forem consideradas improcedentes.
2. O despacho de concessão ou recusa é proferido no prazo máximo de 6 meses a contar da data da publicação do Boletim Oficial que contém o aviso do pedido.

Artigo 214.º
(Fundamentos de recusa do registo de marca)
1. O registo de marca é recusado quando:
a) Se verifique qualquer dos fundamentos gerais de recusa da concessão de direitos de propriedade industrial previstos no n.º 1 do artigo 9.º;
b) A marca constitua, no todo em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória;
c) A marca, ainda que destinada a produtos ou serviços sem afinidade, constitua reprodução, imitação ou tradução de uma marca anterior que goze de prestígio em Macau, e sempre que a utilização da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou possa prejudicá-los.
2. O pedido de registo também é recusado sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha:
a) Sinais que sejam susceptíveis de induzir em erro o público, nomeadamente sobre a natureza, qualidades, utilidade ou proveniência geográfica do produto ou serviço a que a marca se destina;
b) Reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda o risco de associação com a marca registada;
c) Medalhas de fantasia ou desenhos susceptíveis de confusão com as condecorações oficiais ou com as medalhas e recompensas concedidas em concursos e exposições oficiais;
d) Brasões ou insígnias heráldicas, medalhas, condecorações, apelidos, títulos e distinções honoríficas a que o requerente não tenha direito, ou, quando o tenha, se daí resultar o desrespeito e o desprestígio de semelhante sinal;
e) A firma, nome ou insígnia de estabelecimento, ou apenas parte característica dos mesmos, que não pertençam ao requerente ou que o mesmo não esteja autorizado a utilizar, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão;
f) Sinais que constituam infracção de direitos de autor ou de propriedade industrial.
3. O facto de a marca ser constituída exclusivamente por sinais ou indicações referidos nas alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 199.º não constitui fundamento de recusa se aquela tiver adquirido carácter distintivo.
4. O interessado na recusa do registo da marca a que se refere a alínea b) do n.º 1 só pode intervir no respectivo processo quando prove já ter requerido em Macau o respectivo registo ou o faça simultaneamente com o pedido de recusa.
5. O interessado na recusa do registo da marca a que se refere a alínea c) do n.º 1 só pode intervir no respectivo processo quando prove já ter requerido em Macau o respectivo registo para os produtos ou serviços que lhe deram grande prestígio, ou o faça simultaneamente com a reclamação.
Ora, da leitura desses artigos resulta que o nosso legislador teve todo o cuidado de assegurar, na medida do possível, que seja ao pedido do registo de marca formulado por um particular dada a máxima publicidade e que seja a decisão pela entidade administrativa decisora de conceder ou recusar o pedido de registo da marca seja sempre precedida da audição de todos os potenciais interessados, por forma a permitir a quaisquer potenciais interessados a oportunidade de vir ao procedimento defender os seus direitos susceptível de serem postos em causa pela decisão favorável ao pedido de registo e tornar a entidade administrativa decisora suficientemente informada sobre todas as circunstâncias relevantes à tomada de uma decisão.

In casu, em vez de vir reclamar nos termos prescritos no artº 211º/1 do RJPI, a ora recorrida A só interveio após o decurso de todo o procedimento administrativo que culminou com a decisão administrativa de conceder o registo da marca à ora recorrente B, mediante a interposição de recurso judicial para o Tribunal, defendendo que o pedido de registo deveria ter sido recusado com o fundamento na imitação de uma marca notória a ela pertencente e na concorrência desleal.

A propósito da natureza e da finalidade do recurso judicial previsto nos artº 275º e s.s do RJPI, este TSI chegou a ditar que “o recurso de recusa de registo de marca tem a natureza de acção com similitude ao recurso contencioso de anulação. Apenas se vêm três, únicos, importantes desvios: o primeiro em sede de competência, que é do foro comum; o segundo por se tratar de um contencioso de jurisdição, que não de mera anulação; finalmente, são aplicáveis as normas adjectivas comuns, não o Código de Processo Administrativo Contencioso – vide Acordão do TSI datado de 07MAR2002, no processo nº 230/2001.

A propósito da razão de ser do recurso judicial propriamente dito, Amâncio Ferreria ensina que a admissibilidade dos meios de impugnação, incluindo o recurso ordinário, funda-se na falibilidade humana e na possibilidade de erro por parte dos juízes.

O recurso ordinário visa atacar a decisão judicial por ser errada ou injusta.

A decisão é errada ou por padecer de error in procedendo, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento, ou de error in iudicando, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e à aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado.

A decisão é injusta quando resulta duma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos – in Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª edição, pág. 69 e s.s..

Não obstante a natureza híbrida do recurso judicial previsto no RJPI, cremos que essa doutrina se aplica mutatis mudantis ao este tipo de recurso judicial previsto no RJPI que tem por objecto uma decisão administrativa e por função indeclinável a correcção de eventuais erros com vista à reposição da justiça.

Na verdade, para acusar com êxito a entidade administrativa de ter cometido erro por não ter levado em conta determinados factos na sua decisão, é preciso que esses factos tenham sido levados ao seu conhecimento no procedimento administrativo em que se ia formando a sua decisão.

In casu, a ora recorrida A, em vez de intervir no momento próprio trazendo ao procedimento administrativo elementos necessários à defesa do direito que se reclama, mas só após a decisão é que vem reagir contra a mesma invocando fundamentos que nunca passaram pela cabeça da entidade decisora.

Claro que não é justo para entidade administrativa decisora, pois não se pode responsabilizar esta por ignorância de determinados factos que não sabia ou que nunca foram levados ao seu conhecimento nem tem obrigação oficiosa de os averiguar.

Portanto, não deve ser reconhecida à ora recorrida A a legitimidade activa de reagir contra a decisão administrativa, de cujo recurso resultou a sentença ora recorrida.

Assim sendo, a ora recorrida A carece da legitimidade activa para interpor o recurso judicial da decisão administrativa tomada no procedimento administrativo, o recurso judicial por ele interposto deveria ter sido liminarmente indeferido e rejeitado.

Todavia, o que não quer dizer que a ora recorrida A, se for realmente titular de uma marca notória, fique de todo em todo desamparada, pois há sempre outro meio idóneo que é justamente a acção de anulação do a que se refere o artº 230º do RJPI.

2. Da imitação e da notoriedade da marca da A Trading Co. Ltd.

De acordo com o decidido no sentido de falta da legitimidade activa da ora recorrida A para a interposição do recurso judicial, ficamos em princípio dispensados de conhecer a restante questão suscitada.

Só por mero gosto de fazer exercício académico passemo-nos a debruçar, ex abundantia, sobre esta questão suscitada a título subsidiário.

Antes de mais, não nos vamos debruçar sobre a notoriedade ou não da marca reivindicada pela ora recorrida A, vamos logo analisar se a marca registanda da ora recorrente B pode ser considerada como uma reprodução ou imitação da marca alegadamente notória invocada pela ora recorrida A Trading, pois em caso negativo, cessará a necessidade de ver se é notória essa última marca.

Face ao disposto nos artºs 214º/1-b) e 215º/1 do RJPI, para funcionar como fundamento de recusa do registo de uma marca, é preciso que esta constitua, no todo ou em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra marca alegadamente notória em Macau e que se destine a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins aos produtos ou serviços a que se destina a marca notória.

Eis a excepção ao princípio da prioridade e o princípio da especialidade.

Na óptica do Tribunal a quo, este entende que a marca registanda constitui uma imitação daquela alegadamente notória.

Todavia, salvo o devido respeito, não podemos acompanhar esse entendimento por razões que passemos a expor.

Assim, está apenas em causa a questão de saber se, quando confrontadas a marca registanda e a marca reivindicada pela ora recorrida, existe a tal semelhança que impõe a recusa do registo da marca registanda.

A propósito de conceito de marcas, o Prof. Ferrer Correia ensina que se trata de um sinal destinado a individualizar produtos ou mercadorias e a permitir a diferenciação de outros da mesma espécie e que a marca é um sinal distintivo de mercadorias ou produtos – in Lições de Direito Comercial, Vol. I, 312 a 313.

Quanto à constituição de marcas, diz o mesmo Mestre que “Os interessados gozam de grande liberdade na escolha dos sinais distintivos que hão-de constituir a marca. Prevalece aqui em grande escala a imaginação e a fantasia. A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais nominativos (marca nominativa), figurativos ou emblemáticos (marca figurativa ou emblemática), ou por uma e outra coisa conjuntamente (marca mista ……)” – ibidem, 321 a 322.

In casu, a marca registanda é uma marca nominativa e consiste em
  XXX

Ao passo que a marca alegadamente notória pertencente à ora recorrida são uma marca mista, isto é, constituídas por um conjunto de sinais nominativos e figurativos, e consistem em:

  …
Ambas marcas contêm em comum três caracteres chineses, quais são: XXX

Significam estes caracteres chineses medicamento para rinite.

Trata-se de uma expressão meramente descritiva do efeito curativo ou utilidade curativa que tem o produto que as marcas que visam marcar.

Uma tal expressão não é susceptível da protecção por via do registo da marca, face ao disposto no artº 199º/1-b) do RJPI, à luz do qual não são susceptíveis de protecção os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos.

Melhor analisadas as duas marcas, verificamos que cada uma tem uma parte componente bem distintiva de uma da outra.

Na marca registanda temos a componente nominativa …, ao passo que na marca alegadamente notória e imitada pertencente à ora recorrida existe uma componente mista, figurativa e nominativa, em chinês e em inglês XX牌C Brand que para nós se apresenta nitidamente como o verdadeiro nome de marca, isto é, em inglês o brand name, elemento realmente distintivo do seu produto, e não os três caracteres chinesesXXX que significa medicamento para rinite.

Infelizmente o Tribunal a quo passou por acima estes pormenores existentes na marca alegadamente notória reivindicada pela A, e limitou-se a dizer que “Damos de barato” pela evidência que ela existe, e que existe igualmente aqueloutro requisito previsto na al. b) do nº 1 do artº 214 citado, ou seja, a identidade identificados pelas marcas concorrentes.

A concluir assim pela imitação existente entre as componentes consistentes na expressãoXXX(medicamento para rinite), que não tem qualquer valor distintivo sendo insusceptível da protecção, significa que a parte componente com capacidade distintiva foi totalmente desprezada.

Portanto, não se pode manter a decisão nessa parte e temos de afastar a imitação e a reprodução da marca reivindicada pela ora recorrida.

E fica necessariamente prejudicado o conhecimento das questões da notoriedade da marca reivindicada pela ora recorrida e da concorrência desleal.

Em conclusão:

1. As disposições dos artºs 210º, 211º, 213º e 214º do «Regime Jurídico da Propriedade Industrial» demonstram bem que o legislador teve todo o cuidado de assegurar, na medida do possível, que ao pedido do registo de marca formulado por um particular seja dada a máxima publicidade e que a decisão pela entidade administrativa decisora de conceder ou recusar o pedido de registo da marca seja sempre precedida da audição de todos os potenciais interessados, por forma a proporcionar a quaisquer potenciais interessados a oportunidade de vir ao procedimento administrativo defender os seus direitos passíveis de serem postos em causa pela decisão favorável ao pedido de registo e manter a entidade administrativa decisora suficientemente informada sobre todas as circunstâncias relevantes à tomada de uma decisão correcta;

2. Não obstante a sua natureza híbrida, o recurso judicial previsto no RJPI, tem por função indeclinável sindicar a decisão administrativa e corrigir eventuais erros nela cometida, com vista à reposição da justiça;

3. Na matéria do registo da marca regulada no «Regime Jurídico da Propriedade Industrial», deve ser liminarmente indeferido ou rejeitado, por falta da legitimidade activa, o recurso judicial da decisão administrativa, que concedeu o registo da marca, interposto por quem não tiver apresentado reclamações no procedimento administrativo para defender o seu direito nos termos prescritos no artº 211º do mesmo RJPI.

4. A marca nominativa consistente em XXX não se pode confundir com a marca mista que consiste em:



não obstante ter a mesma componente nominativa XXX, que não é susceptível de protecção por ser meramente descritiva do efeito curativo ou utilidade curativa do produto que visa marcar.

Tudo visto, resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar procedente o recurso, revogando a sentença recorrida, em substituição indeferindo o recurso judicial e mantendo a decisão da DSE que concedeu o registo à marca XXX.

Custas em ambas as instâncias pela ora recorrida A Trading Company Limited.

Cumpre o disposto no artº 283º do RJPI.

Registe e notifique.

RAEM 24OUT2019

Lai Kin Hong

Fong Man Chong

Ho Wai Neng
Ac. 961/2018-35