Processo nº 730/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 17 de Outubro de 2019
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio
- Regulação do poder paternal
SUMÁRIO:
I. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
II. Quanto aos requisitos relativos à competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do nº1, do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.
Proc. nº 730/2018
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
A, do sexo feminino, divorciada, da nacionalidade chinesa, portadora do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau n.º 7******(7), emitido pela Direcção dos Serviços de Identificação em 21 de Julho de 2016, endereço de contacto: Flat ..., ...th Floor, ...... Mansion ...... Wan, Sai Wan Ho, Hong Kong, ---
Instaurou neste TSI acção de revisão e confirmação de sentença proferida por tribunal do exterior de Macau contra: ---
B, actualmente chama-se B1, do sexo masculino, divorciado, da nacionalidade chinesa, portador do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Hong Kong n.º E******(9), emitido pela autoridade competente de Hong Kong em 7 de Novembro de 2013, endereço de contacto: ...... House ......, ...... Estate, Kowloon, Hong Kong.
O Réu não contestou.
O Digno Magistrado do MP não se opôs ao deferimento do pedido.
Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão bem representadas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
***
III – Os Factos
1. A requerente e o requerido contraíram o casamento civil em Macau em 30 de Outubro de 1986.
2. Posteriormente, em 7 de Março de 2013, a requerente e o requerido apresentaram conjuntamente um pedido de dissolução do casamento ao tribunal distrital da Região Administrativa Especial de Hong Kong. (Doc. 2)
3. Na mesma data, no Tribunal Distrital da RAEHK foi proferida a seguinte sentença provisória de divórcio:
FCJA****/2012
Região Administrativa Especial de Hong Kong
Tribunal Distrital
Requerimento conjunto do ano 2012 n.º ****
B 1.º requerente
e
X A, 2.ª requerente
anteriormente denominada A
requerem conjuntamente junto do Juízo, perante o Mm.º Juiz do Tribunal Distrital, S. ##, uma decisão provisória de divórcio.
Em 7 de Março de 2013, o Mm.º Juiz entende que as partes,
B 1.º requerente
e
X A, 2.ª requerente
anteriormente denominada A
têm vivido em separação há pelo menos um ano consecutivo antes da apresentação do requerimento conjunto de divórcio; e, confirma que o casamento contraído entre as partes, em 30 de Outubro de 1986, na 2.ª Conservatória do Registo Civil de Macau, é irremediavelmente quebrado, assim, profere que o supra casamento pode ser dissolvido, a menos que se possa invocar ao tribunal motivos suficientes no prazo de 6 semanas contados a partir da prolação desta decisão, pelos quais a presente decisão não se pode converter em absoluta.
Data: 7 de Março de 2013.
Juiz
4. No dia 29/04/2013 a decisão provisória foi convertida em definitiva, nos seguintes termos,
Formulário 7B
Certificado de Conversão da Decisão Provisória em Absoluta (Acção de Divórcio)
Pedido Conjunto n.º FCJA****/2012
Pedido Conjunto
B 1.º requerente
e
X A, nome original A 2.ª requerente
Por decisão proferida na presente acção em 7 de Março de 2013, foi decidida a dissolução do casamento contraído entre
B 1.º requerente
e
X A, nome original A 2.ª requerente
na 2.ª Conservatória de Registo Civil de Macau em 30 de Outubro de 1986, a não ser que fossem invocados ao tribunal motivos suficientes para não converter a decisão acima referida em absoluta no prazo de 6 semanas contadas a partir da prolação da decisão acima referida. Dado que nenhum motivo foi invocado, certifica-se que a aludida decisão transitou em decisão final e absoluta em 26 de Abril de 2013 e o aludido casamento foi pela qual dissolvido.
Data: 29 de Abril de 2013.
O oficial de registo
@@@
29 de Abril de 2013
***
IV – O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida; 342/2009 28/34
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação de divórcio entre os requerentes, que foi decretada por decisão do tribunal competente da RAEHK.
Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decretou o divórcio entre os requerentes.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (cfr. art. 20º e 273º do C.C.).
Assim, cremos estarem reunidos os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos. Na verdade, o trânsito da decisão já ocorreu em 26/04/2013. A decisão foi proferida por entidade competente e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cód. Proc. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Distrital da RAEHK acima transcrita.
Custas pela autora
T.S.I., 17 de Outubro de 2019
(Relator)
José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong
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