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Processo nº 658/2019/A
(Autos de Suspensão de Eficácia)

Data: 07 de Novembro de 2019

ASSUNTO:
- Suspensão de eficácia
- Requisitos legais
- Prejuízo de difícil reparação

SUMÁRIOS:
- Para a procedência do pedido da suspensão, é necessário verificar-se, cumulativamente, os seguintes requisitos:
“a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.” (nº 1 do artº 121º do CPAC).
- A perda de lucros comerciais não constitui prejuízo de difícil reparação.
O Relator,
Ho Wai Neng



Processo nº 658/2019/A
(Autos de Suspensão de Eficácia)

Data: 07 de Novembro de 2019
Requerente: A Limited
Entidade Requerida: Secretário Para os Transportes e Obras Públicas

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – RELATÓRIO
A Limited, melhor identificada nos autos, vem requerer a suspensão da eficácia do despacho do Senhor Secretário Para os Transportes e Obras Públicas, de 10/05/2019, pelo qual se determinou a desocupação do terreno situado junto da intersecção da Estrada de Seac Pai Van, da Estrada do Alto de Coloane e da Estrada Militar, no prazo de 30 dias.
Alega para tanto, no essencial, que a execução destes actos lhe causará prejuízos de difícil reparação; a suspensão da execução não acarreta qualquer prejuízo para o interesse público; e inexistem indícios de ilegalidade na interposição do recurso.
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    O Senhor Secretário Para os Transportes e Obras Públicas vem opor à pretensão da Requerente, por entender o pedido não preencher os requisitos legais previstos no nº 1 do artº 121º do CPAC.
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O Mº Pº é de parecer pela improcedência do pedido.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há nulidades ou outras excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
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III - FACTOS PROVADOS
Com base nos documentos juntos aos autos, considera-se assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. O terreno descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 6150, em regime de propriedade privada, com uma área de 56,592m2, encontra-se registado em nome da Requerente.
2. No âmbito da licença n.º 659/2012, que lhe foi concedida pela Administração, a Requerente vedou o terreno situado junto da intersecção da Estrada de Seac Pai Van, da Estrada do Alto de Coloane e da Estrada Militar com tapumes e rede metálica e nele instalou ainda diversos contentores e depositou vários materiais.
3. Esses materiais destinaram-se a preparar o desenvolvimento do terreno para a construção de prédios para habitação, depois da autorização da Administração.

4. Por despacho do Senhor Secretário Para os Transportes e Obras Públicas, de 10/05/2019, pelo qual se ordenou a desocupação do terreno em causa no prazo de 30 dias.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
Dispõe o artº 120º do CPAC que só há lugar a suspensão de eficácia quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresenta uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.
Não temos qualquer dúvida de que se trata de um acto positivo, já que se traduz numa ordem de facere.
Para a procedência do pedido, não basta ser um acto positivo, ou sendo negativo, com conteúdo positivo.
É ainda necessário ainda reunir outros requisitos legais, a saber:
    “a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
    b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
    c) Do processo não resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso.” (nº 1 do artº 121º do CPAC).
Tais requisitos devem verificar-se, em regra, cumulativamente para que o requerimento seja procedente (Acórdãos do Tribunal de Última Instância, de 25.4.2001, recurso 6/2001, do Tribunal de Segunda Instância, de 22.2.2001, recurso 30-A/2001, e do Supremo Tribunal Administrativo de Portugal, de 1.7.2003, recurso 975/03).
Em relação ao requisito da inexistência de fortes indícios de ilegalidade do recurso, entendemos que está verificado, na medida em que a interposição do recurso contencioso por parte da Requerente contra o acto em crise é uma actuação legal e legítima, consistindo no exercício de um direito fundamental previsto no artº 36º da Lei Básica da RAEM.
Quanto ao requisito previsto na al. b) do nº 1 do artº 121º do CPAC, o Senhor Secretário Para os Transportes e Obras Públicas vem alegar que a suspensão da eficácia do acto determina a grave lesão para o interesse público.
Trata-se duma alegação genérica e conclusiva sem acompanhar factos concretos para o efeito, pelo que nos termos do nº 1 do artº 129º do CPAC, considera-se também verificado o requisito da inexistência da lesão grave do interesse público.
No que respeita ao requisito constante da citada alínea a) do nº 1 do artº 121º do CPAC, a Requerente, para sustentar a sua posição, alegou essencialmente o seguinte:
- No âmbito da licença n.º 659/2012, que lhe foi concedida pela Administração, a Requerente vedou o Terreno com tapumes e rede metálica e nele instalou ainda diversos contentores e depositou vários materiais.
- Esses materiais destinaram-se a preparar o desenvolvimento do Terreno para a construção de prédios para habitação, depois da autorização da Administração.
- Com a execução da ordem de despejo, na pendência do recurso contencioso de anulação, existe o risco de a Administração, uma vez na posse do terreno, concessionar o mesmo a terceiros.
- Caso tal venha a ocorrer, e o Tribunal, mais tarde, venha a dar provimento ao recurso interposto, torna-se impossível repor a situação que teria ocorrido caso a ilicitude do Acto Recorrido não se tivesse verificado, restando apenas a reparação pecuniária.
Salvo o devido respeito, o supra alegado nunca preenche o conceito indeterminado de “prejuízo de difícil reparação” legalmente previsto.
Vejamos.
Em primeiro lugar, não há factos concretos que permitem afirmar que a Administração uma vez na posse do terreno, iria concessionar a terceiro a curto prazo. Aliás, tendo em conta a área do terreno em causa, a eventual concessão do terreno tem de ser feita por 3 vezes (artº 23º da Lei de Terras) e carece sempre do concurso público (artº 53º da Lei de Terras), o que precisa de tempo para o fazer, caso a Administração tiver efectivamente esta intenção.
Quanto à remoção dos contentores e dos tapumes, esta nada é difícil de reparação, já que pode repor de novo facilmente.
Por fim, tal como admite a Requerente, o terreno em causa visa construir prédios para habitação, ou seja, a finalidade principal do desenvolvimento do terreno consiste em construir fracção autónomas para vender de forma a obter lucros.
Ora, os lucros comerciais são sempre reparáveis.
O TUI, nos acórdãos proferidos nos Procs. nºs 33/2009, 4/2016 e 35/2016, fixou a seguinte jurisprudência:
“Mesmo que o interessado sofra danos com a execução de um acto administrativo, se lograr obter a anulação do acto no respectivo processo, pode, em execução de sentença, ser indemnizado dos prejuízos sofridos. E se esta via não for suficiente pode, ainda, intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Por isso, só se os prejuízos forem de difícil reparação, isto é, que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais, é que a lei admite a suspensão da eficácia do acto.
E nem se diga que será impossível calcular o montante exacto dos lucros cessantes, danos emergentes e quaisquer outros prejuízos que venha a sofrer. De duas, nesse caso, ou acorda com a Administração num montante indemnizatório ou, não sendo o caso, instaura acção judicial em que terá oportunidade de contabilizar os prejuízos e serão decididos pelo Tribunal, que não pode escusar-se a fazê-lo, ainda que tenha alguma complexidade tal cômputo. Mas isso não significa que os prejuízos sejam de difícil reparação, para efeitos do disposto no artigo 121.º, n.º 1, alínea a), do CPAC. É possível estabelecer critérios para determinar a rentabilidade da construção e os lucros que o empreendedor teria se tivesse podido concluir a exploração”.
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V – DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam, em conferência, em indeferir o pedido de suspensão da eficácia do despacho do Senhor Secretário Para os Transportes e Obras Públicas, de 10/05/2019.
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Custas pela Requerente com 8UC de taxa de justiça.
Registe e notifique.
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RAEM, aos 07 de Novembro de 2019.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong

Mai Man Ieng



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