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Proc. nº 790/2019
Recurso jurisdicional em matéria cível
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 24 de Outubro de 2019
Descritores:
- Responsabilidade solidária das concessionárias de jogo
- Artºs 29º e 30º do Regulamento Administrativo nº 6/2002

SUMÁRIO:

I - O espírito normativo dos artºs 29º e 30º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 é no sentido de atribuir responsabilidade às concessionárias no controlo das actividades desenvolvidas nos seus casinos pelos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, pois sendo beneficiárias das actividades dos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, é razoável e lógico exigir-lhes o dever de fiscalização dessas actividades, bem como assumir, em solidariedade com os promotores de jogo e administradores e colaboradores destes as responsabilidades decorrentes das mesmas.

II - Nesta conformidade, ainda que um promotor de jogo obtenha de forma ilegal financiamento para manter o funcionamento da sala de VIP de jogo, esta actividade tem reflexo directo na actividade da exploração de jogo da concessionária.

III - Se a concessionária não cumprir o seu dever de fiscalização, permitindo ou tolerando o promotor de jogo desenvolver este tipo actividade no seu casino, não deixará de ser considerada como responsável solidário pelos prejuízos decorrentes daquela actividade, nos termos do artº 29º do citado Regulamento Administrativo.

Proc. nº 790/2019

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, do sexo masculino, maior, de nacionalidade chinesa, titular do BIR Permanente de Macau nº 5******(0) emitido pela Direcção dos Serviços de Identificação de Macau, ---
Instaurou no TJB (Proc. nº CV3-17-0028-CAO) contra: ---
- “B ENTRETENIMENTO SOCIEDADE UNIPESSOAL LIMITADA”, com o registo comercial sob o nº 2**** SO, pessoa jurídica sita na Alameda ...... nº ...-... Centro Comercial ...... ...º andar ... em Macau; e ---
- CX (MACAU) S.A., com o registo comercial sob o nº 1****SO, pessoa jurídica sita na Rua ......, NAPE, Hotel ......, em Macau ---
Pedindo a condenação solidária destas no pagamento da quantia de MOP$1.030.000,00 (equivalente a HKD$ 1.000.000,00) e juros moratórios respectivos.
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Na oportunidade, foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou apenas a 1ª ré no pagamento da quantia peticionada.
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Contra tal sentença foi interposto recurso jurisdicional pelo autor, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. Entende o recorrente que a sentença padece de pelo menos dois vícios: 1. O Tribunal a quo falta a considerar todos os factos provados ao proferir a sentença recorrida; 2. Erro na interpretação da lei.
2. Entende o tribunal a quo que as “actividades desenvolvidas nos casinos” referidas no art.º 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 devem ser aquelas destinadas à promoção de jogo ou com conexão com a promoção de jogo.
3. Sobre a questão de se existir no presente caso facto provado a verificar em que circunstância o recorrente depositou a quantia em causa, parece que o tribunal a quo ignora a resposta ao quesito 3º da base instrutória.
4. É seguinte o conteúdo concreto da resposta ao quesito: “O objectivo do Autor na abertura da conta acima referida era para que este pudesse dedicar-se ao trabalho de bate-fichas no futuro”.
5. De acordo com o facto acima referido, sem dúvida, o recorrente depositou a quantia em causa da sala de VIP explorada pela B, visando a dedicar-se ao trabalho de bate-fichas no futuro.
6. A expressão “no futuro” apenas implica o trabalhador de bate fichas, esperando por cliente para jogar em Macau, deposita previamente na sala o capital de jogo ou a garantia, de forma a trocá-los no futuro directamente em fichas ou obter um certo montante de crédito.
7. Por isso, o depósito em causa serve de facto para o trabalho de bate-fichas.
8. De acordo com os usos profissionais nos casinos de Macau, a maioria dos clientes nas salas de VIP só vão jogar em salas de VIP determinadas por introdução feita pelos trabalhadores de bate-fichas (colaboradores).
9. O trabalhador de bate-fichas ajuda o cliente a trocar constantemente fichas de jogo e fichas vivas. Por meio da troca constante, o trabalhador de bate-fichas pode adquirir comissão.
10. Se o cliente não pode transferir grande capital de jogo ao território de Macau, o trabalhador de bate-fichas presta geralmente garantia à sala de VIP para o cliente poder pedir fichas de jogo emprestadas junto da sala de VIP. Ou quando o cliente dá directamente o capital de jogo ao trabalhador de bate-fichas, este compra fichas de jogo directamente com numerário para o cliente jogar.
11. In casu, o recorrente deposita a quantia em causa na sala de VIP da B como garantia e, quando o cliente vem jogar em Macau, usa a garantia para o cliente pedir fichas de jogo emprestadas directamente junto da sala de VIP.
12. Nestes termos, tendo analisado o trabalho dos trabalhadores de bate-fichas, parece que o trabalho deles ajuda efectivamente a promoção de jogo em Macau.
13. Da resposta ao quesito 3º da base instrutória, resulta que é satisfeito o critério do tribunal a quo, devendo considerar a quantia relativa à promoção de jogo.
14. Por isso, a sentença recorrida viola manifestamente o disposto do art.º 562.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
15. Caso não ser aceite a opinião em cima, entende o recorrente que o acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 2008.10.11, processo n.º 475/2018 nos ajuda a julgar se a quantia em causa tem relação com a promoção de jogo.
16. In casu, não havendo qualquer facto provado a verificar a quantia em causa é destinada a uso fora de jogo, parece que, de acordo com o entendimento do acórdão acima referido, a quantia ajuda a B a ter capital mais suficiente para funcionamento e ajuda indirectamente o desenvolvimento do negócio da C, por isso, a quantia em causa tem ligação com a promoção de jogo.
17. Por outro lado, não há qualquer facto nos factos provados a verificar que a C já cumpre o dever de fiscalização. Pelo contrário, dos factos provados resulta que depois de receber o depósito do recorrente, a B, tendo sido exigida a devolver a quantia, ainda não devolver qualquer quantia ao recorrente. Estes factos bastam revelar que a C não cumpre o dever de fiscalização ao promotor de jogo.
18. De acordo com o art.º 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, a C obriga-se a cumprir solidariamente com a B a responsabilidade de devolver a quantia ao recorrente.
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Com base em todos os fundamentos de facto e de direito acima referidos, pede os Mm.º Juízes do Tribunal de Segunda Instância a conceder provimento ao recurso, revogar a sentença do tribunal a quo na parte de absolver a C do pedido apresentado pelo recorrente e, por consequência, passar a condenar a C no pagamento solidário com a B do montante de MOP1.030.000,00 e os juros de mora contados a partir da citação ao recorrente.”.
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Respondeu ao recurso a 2ª ré, tendo formulado as seguintes conclusões alegatórias:
“(i) O Tribunal Judicial de Base condenou a B no pedido em sede de responsabilidade meramente contratual;

(ii) A Sentença recorrida deu como não provada qualquer factualidade que permitisse relacionar o depósito do Recorrente junto da B com a actividade de promoção de jogo;
(iii) Não é verdade que se tendo provado que o Recorrente pretendia desenvolver no futuro a actividade de “bate-fichas” isso seja suficiente para relacionar o seu depósito com a actividade de promoção de jogo, até porque o dinheiro que depositou nunca foi movimentado da conta que este tinha na B;
(iv) O artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 não enuncia um princípio de responsabilidade das concessionárias de jogo perante terceiros por actos dos promotores de jogo;
(v) O Regulamento Administrativo n.º 6/2002 é um regulamento complementar;
(vi) O seu artigo 29.º regulamenta o n.º 3 do artigo 23.º da Lei n.º 16/2001 e consequentemente só trata da responsabilidade das concessionárias perante o Governo, por actos praticados por promotores de jogo com os quais tem relação;
(vii) Interpretação diversa do referido artigo 29.º importa que as concessionárias respondam objectivamente perante terceiros por obrigações contratuais dos promotores de jogo, por estes contraídas no exercício da própria empresa, como se aquelas fossem suas fiadoras ope legis;
(viii) Isso representaria um risco extremo e injustificado, não explicado por qualquer circunstância especial da relação que se estabelece entre concessionárias e promotores;
(ix) Os promotores de jogo são entidades autónomas, actuam em concorrência virtual com as concessionárias e estão sujeitos a licenciamento, exames à escrita e auditorias do regulador, corporizado na DICJ;
(x) Por conseguinte, o artigo 29.º não responsabiliza as concessionárias perante terceiros por obrigações contratuais dos promotores, contraídas no exercício da própria empresa;
(xi) Se o legislador tivesse querido instilar-lhe esse sentido, tê-lo-ia expressado em termos inequívocos;

(xii) O Tribunal a quo não teve de citar a norma contida na alínea 5) do artigo 30.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, para concluir pela absolvição da Recorrida, porque a mesma só poderia ser aplicada com apoio em matéria de facto que não se provou por não ter sido quesitada, pelo que a sua invocação pelo Recorrente é desajustada e incurial.
PELO EXPOSTO, e com douto suprimento
Deverá julgar-se absolutamente improcedente o recurso, mantendo-se na íntegra a douta Sentença do Tribunal Judicial de Base, assim se fazendo Justiça!”.
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Também a 1ª ré interpôs recurso jurisdicional, tendo concluído a sua alegação da seguinte maneira:
“1) O presente recurso tem por objecto o acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo sobre a matéria de facto, no que se refere às respostas dadas aos quesitos 7.º e 8.º da base instrutória e sobre a douta sentença que deu provimento ao pedido formulado pelo Autor contra a 1ª Ré, ao pagamento do montante de HKD$1,000,000.00, acrescida de juros de mora.
2) A acção que deu origem ao presente recurso, fundou-se num depósito realizado em 2 de Abril de 2014, num total de HKD$1,000,000.00 (um milhão de dólares de Hong Kong).
3) De forma a provar que os quesitos 7.º e 8.º da base instrutória deveriam ter sido dado como não provados ou “provados antes que” no sentido do levantamento do montante em questão, a Recorrente lançou mão dos seguintes meios que, a seu ver, impunham um julgamento diferente daquele que foi proferido pelo Tribunal Colectivo, i.e., prova testemunhal produzida pela testemunha D e para contra-prova, F. No que concerne à prova documental, a Recorrente baseou-se na certidão extraída do processo de inquérito com o n.º 10653/2015 junta aos autos pelo autor, onde estão descritos os movimentos de conta em nome do Autor aberta junto da ora Ré.
4) Os quesitos 7.º e 8.º foram quesitados da seguinte maneira: “7. A 1.ª Ré proibiu unilateralmente o autor de levantar a referida quantia de um milhão de dólares de Hong Kong (HKD$1,000.000.00) depositada na conta?
8. Depois o autor dirigiu-se por diversas vezes à sala VIP BX (leia-se B) a pedir para levantar a quantia de um milhão de dólares de Hong Kong (HKD$1,000.000.00) mas o funcionário recusou?”, tendo ambos sido dados como provados.
6) A convicção do tribunal baseou-se no depoimento das testemunhas do Autor, nomeadamente da 1.ª testemunha para provar o alegado depósito realizado junto da ora Recorrente, assim como, para provar a impossibilidade de levantamento daquele depósito, quesitos 7.º e 8.º da base instrutória, assim como da prova documental oferecida aos autos.

7) A condenação da ora Recorrente assentou num depósito realizado pelo Autor junto da tesouraria da mesma, e da impossibilidade e consequentemente proibição de levantamento daquela quantia.
8) Sucede que, a proibição de levantamento, ou bem que é uma proibição que advém do facto de se tratar do depósito de uma quantia que continua depositada junto da ora Recorrente, ou duma proibição fundada no facto de a quantia não se encontrar no poder da ora Recorrente, i.e., ter sido levantada pelo Autor.
9) Situações distintas e sobre as quais o tribunal a quo teve a oportunidade de se pronunciar face à prova testemunhal e documental produzida nos presentes autos.
10) Razão pela qual a ora Recorrente lança mão da prova testemunhal e documental, de modo a provar que os quesitos 7.º e 8.º da base instrutória deveriam ter sido dados como provados ou “provado antes que” tal proibição derivava do facto de o montante já ter sido levantado.
11) Do depoimento prestado pela testemunhas da Recorrente, funcionário da tesouraria, com ampla experiência na indústria do jogo, resultou o seguinte: (i) quando confrontada a testemunha com o sistema informático em que eram lançados os depósitos e levantamentos nas contas cliente, mormente, na do Autor, que havia sido realizado um depósito e um levantamento relativamente ao talão de depósito com o n.º DA08762 no montante de HKD$1,000,000.00; (ii) confirmado que os movimentos constantes do sistema informático eram os respeitantes ao talão de depósito constante dos autos e junto como documento n.º 9 da p.i.; (iii) que face àquele registo informático, o balanço da conta estava a zeros, e inexistia, assim, qualquer dívida da Ré, ora Recorrente, perante o Autor, ora Recorrido; (iv) de acordo com a experiência profissional, os movimentos constantes na referida certidão correspondiam à maneira como se controlavam os movimentos das contas cliente; (v) que era necessário entregar ao cliente o original do talão de depósito aquando do depósito de qualquer montante, para que posteriormente, pudesse o cliente proceder ao levantamento, cruzando tal informação com o registo no sistema informático e duplicados dos talões.

12) Da conjugação da prova testemunhal com a prova documental constante dos autos, nomeadamente, a certidão a fls. 161 a 166, verifica-se que a quantia conforme depositada foi também levantada, ainda que em circunstâncias não apuradas.
13) Parece-nos, com o devido respeito que é muito, que a condenação da ora Recorrente, não corresponder às regras de lógica e experiência e senso comum, e não atende à prova produzida nos autos e sua conjugação. Pelo que, entendemos, salvo o devido respeito, que o acórdão de matéria de facto e a final, a sentença, padece, assim, do vício de contradição e falta de fundamentação, na parte em que dá como provado a proibição unilateral de levantamento do montante de um milhão de dólares de Hong Kong, quesitos 7.º e 8.º da base instrutória, tudo nos termos dos artigos 370.º e 386 e ss do Código Civil e do n.º 5 do artigo 556.º do Código de Processo Civil.
14) Contrapondo o depoimento da supra melhor referida testemunha, com a da testemunha F, retira-se que o Autor estava apenas na posse de uma fotocópia do talão, alegadamente tendo sido este o único documento que lhe foi entregue aquando de depósito, o que não se concede, e que tal documento era branco.
15) Contra esta fotocópia de talão de depósito, temos um registo informático relativo ao talão d depósito n.º DA008762 de levantamento do montante em crise nos presentes autos, a 14 de Maio de 2014, patente a fls. 165 dos presentes autos.
16) Não nos parece plausível, pese embora o princípio da livre apreciação de prova impere, que não se veja a prova documental conjugada com a testemunhal num todo. E, que se aceite, assim, que foi feito um depósito mas que não foi feito um levantamento!
17) De acordo com o preceituado no artigo 437.º do Código de Processo Civil, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.
18) No caso em apreço, com o devido respeito, terão que haver fundadas dúvidas sobre o facto de o montante não ter sido levantado, e não aceitar tão só o depósito e desconsiderar liminaramente o levantamento que foi realizado.
19) Indo tal conduta contra todas as regras e experiência comum, pois, não se concede que se possa provar um depósito, suportando-se num documento, em que também atesta o seu levantamento.

20) O ónus da prova recaía necessariamente sobre o Autor, e foi o Autor que ofereceu tal prova aos autos, e tal documento se é bom para provar um depósito terá, necessariamente, que ser bom para provar um levantamento!
21) Pelo que, ao dar como provados os quesitos 7.º e 8.º da base instrutória nos termos em que o fez, o acórdão de matéria de facto e sentença final, incorreram em erro de julgamento, por a decisão ter incorrido no vício de contradição, deficiência, falta de fundamentação tudo nos termos dos artigos 370.º e 386 e ss do Código Civil e do n.º 5 do artigo 556.º do Código de Processo Civil. (sublinhado e negrito nosso)
22) O tribunal a quo fundou a sua convicção no depósito de um milhão de dólares de Hong Kong junto da ora Ré, e que a Ré, ora Recorrente como tinha sido interpelada para restituir aquele montante depositado e não o fez, assiste-lhe a obrigação de o fazer.
23) Muito mal andou o tribunal a quo, pois, a relação de depósito pressupõe que haja uma obrigação de entrega e uma obrigação de restituição, tudo nos termos do artigo 1111.º do Código Civil.
24) A ora Recorrente, não pode devolver aquilo que não tem consigo, sob pena de estarmos perante uma situação de enriquecimento sem causa.
25) Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de Fevereiro de 2010, reza o seguinte: “I - O enriquecimento sem causa constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia.
II - A obrigação de restituir/indemnizar fundada no instituto do enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos quatro seguintes requisitos: a) a existência de um enriquecimento; b) que ele careça de causa justificativa; c) que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição; d) que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado.”
26) A ora Recorrente não se encontra numa situação de enriquecimento sem causa, por não preenchimento cumulativo dos quatro requisitos, i.e., não há um enriquecimento, sem razão atendível, à custa do empobrecimento de outrém, e quanto à questão de outro mecanismo da lei, facto é que não se pode indemnizar aquilo que já foi restituído.
27) Não pode a ora Recorrente devolver aquilo que não está em seu poder, não porque se tenha locupletado de tal quantia, mas porque tal quantia foi levantada conforme decorre de informação colhida no sistema informático.
28) Decaindo a obrigação de restituição, terá que decair a responsabilização da 1.ª Ré, porque não estão reunidas as condições para que a ora Recorrente seja obrigada a restituir qualquer valor ao autor, ora Recorrido.
29) No que aos juros de mora concerne, semelhante raciocínio se impõe, i.e., por se entender que a obrigação de restituição não existe, não poderia a Recorrente ter sido condenada ao pagamento de juros a contar a partir da citação.
Face ao exposto, requer, muito respeitosamente, finalmente a V. Exa. se digne dar provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra em que: (i) sejam alterados as resposta aos quesitos 7.º e 8.º da base instrutória no sentido de serem dados como não provados, ou “provado antes que” o montante de HKD$1,000,000.00 foi levantado; (ii) subsidiariamente, seja anulado o julgamento de matéria de facto nos autos, ordenando-se a repetição dos mesmos; e que seja revogada a sentença recorrida, determinando a improcedência do pedido da condenação da Recorrente.”.
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Respondeu a este recurso o autor da acção, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“1. A B indica nas alegações do recurso que esta quer impugnar as respostas aos quesitos 7º e 8º da base instrutória, pois entendendo que o depósito em causa já tinha sido levantado pelo autor antes de o autor exigir o levantamento, por isso, o facto em causa deve ser julgado como não provado.
2. Antes de analisar se é correcto o juízo feito pelo tribunal a quo sobre os dois factos na base instrutória, o autor quer indicar que a B quer provar com os dados a fls. 160 a 166 dos autos o facto “Em 2014.05.14, a quantia no certificado de depósito n.º SA008762 já foi levantada pelo autor”.
3. Os factos supracitados são excepcionais, porque estes produzem o efeito jurídico da extinção completa do direito invocado pelo autor.
4. Os factos são essenciais para a excepção, mas não meramente complementares ou instrumentais, porque a falta destes leva directamente à improcedência da excepção.
5. Dispõe o art.º 335.º, n.º 2 do Código Civil, “A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.” Isto é, deve ser a B que assume o ónus de afirmação e prova relativamente ao facto de o autor já ter levantado o depósito.
6. Dispõe o art.º 567.º do Código de Processo Civil, “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 5.º”.
7. Ao abrigo do art.º 5.º do Código de Processo Civil, o facto de o autor já ter levantado o depósito, o qual a B quer provar, constitui facto essencial para a excepção. Por isso, embora o facto é descoberto na fase de investigação e de julgamento e, finalmente, dado como provado, o tribunal não pode considerar oficiosamente o facto, porque só é a B que assume o ónus da prova do facto.
8. Pelo exposto, o facto excepcional acima referido não pode ser considerado oficiosamente pelo tribunal, por isso, ao apreciar os quesitos 7º e 8º da base instrutória, o tribunal não pode considerar o registo de levantamento na conta do autor, apesar de o tribunal concluir que o facto é excepcional.
9. Por outro lado, como se refere em cima, alega a B que o facto de o autor já ter levantado por si próprio a quantia em causa se baseia nos dados informáticos a fls. 160 a 166 dos autos e no depoimento da testemunha.
10. No entanto, analisando detalhadamente os dados em causa, podemos concluímos pelo mais que a quantia foi levantada por alguém. Mas parece que não é possível provarmos por meio dos dados informáticos quem levantou a quantia.
11. Como refere a testemunha da B, se o cliente quer levantar o depósito, este tem que mostrar o documento de identificação e o original do certificado de depósito e, posteriormente, pode levantar o depósito depois de o funcionário da contabilidade da B verificar os dados informáticos.
12. Conforme esta lógica, se a B quer provar que o autor já levantou a quantia em causa, esta deve ter prestado ao tribunal o original do certificado de depósito assinado pelo autor para provar o levantamento. Mas de facto, a B não assim fez.
13. A B falta a cumprir a obrigação de provar o facto excepcional, por isso, não é nada inadequado o tribunal não ter este facto como fundamento da decisão. Ou seja, não é nada inadequado o tribunal verificar por livre apreciação que corresponde à verdade o depoimento da testemunha do autor e, por consequência, julgar provados os quesitos 7º e 8º da base instrutória.
14. Então, inalterado o pressuposto de facto, de acordo com todos os factos provados, o autor depositou com efeito a quantia em causa na sala de VIP explorada pela B e, posteriormente, exigiu da B a restituição da quantia, a qual, porém, foi recusada.
15. Com base nisso, entende o autor que não é inadequado o tribunal a quo exigir, por factos provados e aplicando a lei, a B a restituir ao autor o depósito em causa e pagar juros de mora para indemnização, ou que não existir qualquer erro na aplicação da lei.
16. Por isso, deve ser improcedente o recurso nesta parte.
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Com base em todos os fundamentos de facto e de direito, pede o Mm.º Juiz a negar provimento o recurso interposto pela B ENTRETENIMENTO Soc. Unipessoal Lda.”.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
“Da Matéria de Facto Assente:
- A 1ª Ré foi criada no dia 12 de Julho de 2006 em Macau e registada na Conservatória de Registo Comercial e de Bens Móveis de Macau sob o nº2****(SO). (alínea A) dos factos assentes)
- Esta Sociedade dedica-se à promoção de jogos de fortuna e azar em casino e de outras apostas em jogo. (alínea B) dos factos assentes)
- A 2ª Ré foi criada em 17 de Outubro de 2001 e registada no mesmo dia na Conservatória de Registo Comercial e de Bens Móveis sob o nº1****(SO) (anexo 3). (alínea C) dos factos assentes)
- Esta Sociedade dedica-se à promoção de jogos de fortuna e azar em casino e de outras apostas em jogo (anexo 3). (alínea D) dos factos assentes)
- No dia 24 de Junho de 2002, a 2ª Ré celebrou com a Região Administrativa Especial de Macau um “Contrato de Concessão para Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar em Casino ou Outros Jogos em Casino com a Região Administrativa Especial de Macau” que começou a produzir efeitos no dia 27 de Junho de 2002. (alínea E) dos factos assentes)
- No dia 8 de Setembro de 2006, a 2ª Ré assinou a “Primeira Alteração ao Contrato de Concessão para a Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar ou Outros Jogos em Casino” celebrado entre a 2ª Ré e a Região Administrativa Especial de Macau (anexo 5). (alínea F) dos factos assentes)
- A partir de 2005, a 1ª Ré é uma promotora de jogo e com a licença nºE*** (anexo 6). (alínea G) dos factos assentes)
- Considerando que a 1ª Ré celebrou com a 2ª Ré o “Contrato de Promotor de Jogo” e o “Acordo de Concessão de Crédito” pelo que a 2ª Ré autorizou a 1ª Ré a exercer a actividade de promotor de jogo e a actividade de concessão de crédito para jogo no seu casino. (alínea H) dos factos assentes)
- A 1ª Ré abriu a Sala VIP BX no casino da 2º Ré. (alínea I) dos factos assentes)
Da Base Instrutória:
- O Autor é cliente da Sala VIP B explorada pela 1ª Ré. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- O Autor abriu a conta nº80440064 em seu nome na Sala VIP BX. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
- O objectivo do Autor na abertura da conta acima referida era para que este pudesse dedicar-se ao trabalho de bate-fichas no futuro. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- No dia 2 de Abril de 2014, o Autor depositou a quantia de setecentos mil dólares de Hong Kong (HKD$700.000,00) mais o valor de trezentos mil dólares de Hong Kong (HKD$300.000,00) na conta nº80440064 da Sala VIP BX. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- Depois de ter feito o depósito, a 1ª Ré emitiu o “Guia de depósito de fichas” nº008762 ao Autor e que “servia para provar que A (o depositante) depositou às 15:45 a quantia de uma milhão de dólares de Hong Kong (HKD$1.000.000,00) na conata nº80440064”. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- No dia 9 de Setembro de 2015, o Autor pediu à 1ª Ré que lhe devolvesse a quantia de um milhão de dólares de Hong Kong. (resposta ao quesito 6 da base instrutória)
- A Ré não deixou ao Autor levantar a referida quantia de um milhão de dólares de Hong Kong (HKD$1.000.000,00) depositada na conta. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- Depois o Autor dirigiu-se por diversas vezes à Sala VIP BX a pedir para levantar a quantia de um milhão de dólares de Hong Kong (HKD$1.000.000,00) mas o funcionário da Sala VIP recusou. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)”.
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III – O Direito
Introdução
Pese embora o facto de ter sido primeiramente apresentado o recurso do autor da acção, haverá que começar por conhecer o recurso interposto pela ré “B” (assim a trataremos doravante), visto que também impugna a matéria de facto, o que a bem suceder poderá ter reflexo no próprio recurso de A.
*
1 - Do recurso da 1ª ré “B”
1.1 – Da matéria de facto
Considera a recorrente terem sido incorrectamente julgados os factos constantes dos art.ºs 7º e 8º da BI.
No primeiro (7º) perguntava-se:
“A 1ª ré proibiu o autor de levantar a referida quantia de um milhão de dólares de Hong Kong (HKD$1.000.000,00) depositada na conta?”
E a resposta foi:
“Provado que a ré não deixou o autor levantar a referida quantia de um milhão de dólares de Hong Kong (HKD$1.000.000,00) depositada na conta”
E no segundo (8º) quesitava-se:
“Depois o autor dirigiu-se por diversas vezes à Sala VIP BX a pedir para levantar a quantia de um milhão de dólares de Hong Kong (HKD$1.000.000,00), mas o funcionário da Sala VIP recusou?”
A resposta foi “Provado”.
A recorrente “B” acha que “muito mal” andou o tribunal “a quo” em dar como provada aquela factualidade.
Isto porque entende que nenhum deles poderia ser dado como provado, pela simples razão de que a quantia depositada pelo A. já tinha sido levantada.
Compreendemos, em parte, a indignação da recorrente, mas a sua justificação para o provimento do recurso deve ser considerada improcedente. Expliquemos.
A recorrente apela ao depoimento da 2ª testemunha F em conjugação com a documentação existente nos autos a fls. 163-166. EM sua opinião o tribunal dispunha de elementos bastantes para dar como não provados aqueles dois artigos da BI ou então dar uma resposta justificativa, que esclarecesse que a B não procedeu à restituição do valor do depósito de um milhão de dólares de Hong Kong porque essa quantia já tinha sido levantada.
No entanto, se o depósito está documentado através dos docs. de fls. 163 e 164, os quais serviram para dar por provado o art. 4º da BI, a verdade é que já o doc. de fls. 165 e 166 não passa de um documento interno da própria ré, que não é necessariamente a reprodução fiel dos movimentos efectuados nas relações entre si e o autor. O tribunal “a quo”, no quadro da análise holística que fez dos elementos recolhidos no processo, com relevo para o princípio da imediação e da livre convicção que pôde alcançar, não lhe atribuiu valor probatório e este TSI também não tem melhores motivos para lho conferir.
Improcede, pois, o recurso quanto a esta questão.
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1.2 – Da bondade jurídica da sentença
Ultrapassada a 1ª questão, logo a recorrente se apressa em insurgir-se contra a sua condenação, considerando pela segunda vez ter o tribunal “a quo” andado “muito mal” (sic) na solução que encontrou. Em sua opinião, não pode ser condenada a restituir o que não possui, face ao levantamento da quantia referida.
A verdade é que houve um contrato de depósito (art. 1111º do CC), que, nos termos do art. 1113º, al. c), do CC, obriga o depositário a restituir ao depositante.
A coisa já não existia na sua esfera de poder, por a quantia ter sido levantada?
Essa é uma questão que deveria ter merecido outra atenção e diligência por parte da “B”. Com efeito, o desaparecimento, extravio ou dissipação da coisa só desonera o depositário se provar que não houve qualquer culpa nesse desaparecimento, já que contratual e legalmente lhe cabe guardar a coisa com diligência e zelo (em sentido semelhante, em direito comparado, da RC, de 4/04/1995, in BMJ nº 446, pág. 365 e STJ, de 18/04/2006, Proc. nº 06A724, in CJ, 2006, II, pág. 48).
Neste caso concreto, se, tal como afirmou a testemunha da ré ouvida em audiência, F, aquando do levantamento do dinheiro depositado, o interessado tem que apresentar documento de identificação e o original do talão de depósito, então ser-lhe-ia muito fácil através dos registos físicos ou informáticos apurar quem realmente procedeu ao levantamento. Uma vez que não foi capaz de demonstrar quem procedeu ao levantamento, não se pode concluir “a contrario” que quem o fez foi o autor.
E como esta matéria era impeditiva do direito invocado pelo autor, cumpria à “B” provar este efectivo levantamento por parte do autor, pois era factualidade claramente exceptiva. Na falta da prova pelo onerado com ela, a dúvida resolve-se contra quem incide o ónus (art. 335º, nº2 do CC e 437º do CPC).
Temos assim que alguém levantou o dinheiro, sem se saber quem o fez. E como o depositário não foi diligente na devolução ao não ter o cuidado de registar a quem a fez, cai por terra a excepção peremptória que sobre si impendia.
Deste modo, não escapa à responsabilidade de devolver aquela soma de dinheiro ao autor.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
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1.3 – Dos Juros de mora
Por fim, e citando o art. 793º, do CC, assinala a recorrente que não são devidos juros de mora, pelo facto de não ser responsável pela devolução.
Como é óbvio, tendo em conta o que se caba de dizer a respeito da sua responsabilidade, também nesta questão lhe falta a razão.
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2 – Do recurso do autor
2.1 – No recurso do autor apenas vem questionada a parte da sentença em que unicamente condenou a ré “B”. Para o ora recorrente, também a ré “C”, enquanto concessionária de jogo, deveria ser solidariamente responsabilizada.
Teve este TSI oportunidade de se confrontar com um caso em que se responsabilizava o promotor do jogo em solidariedade com o casino, que por acaso era o mesmo que aqui está em conflito com o autor da acção. Referimo-nos ao Ac. do TSI, de 11/10/2018, Proc. nº 475/2018.
Foi dito nesse aresto:
“Dispõe o artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 que “As concessionárias são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normas legais e regulamentares aplicáveis”. Por seu turno, a al. 5) do artº 30º do mesmo Regulamento Administrativo prevê que a concessionária tem obrigação de “fiscalizar a actividade dos promotores de jogo, nomeadamente quanto ao cumprimento das suas obrigações legais, regulamentares e contratuais”. Conjugando estes dois preceitos, achamos que o espírito normativo é no sentido de atribuir maior responsabilidade às concessionárias no controlo das actividades desenvolvidas nos seus casinos pelos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, pois sendo beneficiárias das actividades dos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, é razoável e lógica exigir-lhes o dever de fiscalização dessas actividades, bem como assumir, em solidariedade com os promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, as responsabilidades decorrentes das mesmas. Nesta conformidade, ainda que um promotor de jogo obtenha de forma ilegal financiamento para manter o funcionamento da sala de VIP de jogo, esta actividade tem reflexo directo na actividade da exploração de jogo da concessionária. Se a concessionária não cumprir o seu dever de fiscalização, permitindo ou tolerando o promotor de jogo desenvolver este tipo actividade no seu casino, não deixará de ser considerada como responsável solidária pelos prejuízos decorrentes daquela actividade, nos termos do artº 29º do citado Regulamento Administrativo.”
A mesma solução de solidariedade ficou patente no recente Ac. deste TSI, de 10/10/2019, no Proc. nº 749/2019, que estabeleceu o seguinte:
“Com efeito, nos termos conjugados a Lei n.º 16/2001 e o Regulamento Administrativo n.” 6/2002, designadamente os artigos 30.º e 32.º deste último diploma, impende sobre a 2a Recorrente/Ré a obrigação legal de fiscalizar e supervisionar a actividade da 1.a Recorrente/1.ª Ré, promotora de jogo que a 2a Recorrente/Ré contratou para exercer a sua actividade própria nos seus casinos;
Nos termos do n.º 3 do artigo 410.º do CPC: “Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento [...].”
A 2a Recorrente tem a obrigação legal de conhecer os factos em causa, designadamente que foi celebrado contrato de depósito entre o Recorrido e a 1.ª Recorrente e se esta recebeu e não devolveu as quantias indicadas pelo Recorrido, pelo que, a alegação de desconhecimento de tais factos equivale à respectiva confissão;
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O artigo 30.º (Obrigações das concessionárias) do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, de 1 Abril, dispõe:
“Sem prejuízo de outras previstas no presente regulamento administrativo e em demais legislação complementar, constituem obrigações das concessionárias:
1) Enviar, até ao dia 10 de cada mês, à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, uma relação discriminada relativa ao mês antecedente dos montantes das comissões ou outras remunerações por si pagas a cada promotor de jogo, bem como dos montantes de imposto retidos na fonte, acompanhada de toda a informação necessária à verificação dos respectivos cálculos;
2) Enviar, em cada ano civil, de 3 em 3 meses, à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos a lista referida no n.º 3 do artigo 28.º;
3) Comunicar à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos qualquer facto que possa afectar a solvabilidade dos promotores de jogo;
4) Manter em dia a escrita comercial existente com os promotores de jogo;
5) Fiscalizar a actividade dos promotores de jogo, nomeadamente quanto ao cumprimento das suas obrigações legais, regulamentares e contratuais;
6) Comunicar às autoridades competentes qualquer facto que possa indiciar a prática de actividade criminosa, designadamente de branqueamento de capitais, por parte dos promotores de jogo;
7) Proporcionar um relacionamento são entre os promotores de jogo junto dela registados;
8) Pagar pontualmente as comissões ou outras remunerações acordadas com os promotores de jogo;
9) Cumprir pontualmente as suas obrigações fiscais.”
Luís Pessanha, in “O Jogo de Fortuna e Azar e a Promoção do Investimento em Macau” (publicado na Revista de Administração, n.” 77, Vol. XX, 2007/3, 847-888, páginas 878 e 879), defende:
“Importa ainda referir que os promotores de jogo apenas podem desempenhar a sua actividade em associação com um casino, o qual promovem junto do público e para o qual procuram angariar apostadores endinheirados (designados no jargão do sector do jogo como os “premium players”), o que leva a que se tenha considerado que se deva exigir que após o licenciamento, o promotor de jogo se deva registrar, anualmente, perante, pelo menos, um determinado sub/concessionário (vd. artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002), formalizando-se por escrito a relação entre o promotor e o respectivo sub/concessionário e dando-se cópia de tal contrato (e de qualquer outro entre estas partes que tenha um valor económico de pelo menos 1 milhão de patacas), à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (vd. artigo 24.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002).
[ ... ]
Os sub/concessionários devem submeter anualmente, até 31 de Outubro do ano em curso, à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, uma lista nominativa dos promotores de jogo com os quais pretendam operar no ano seguinte (vd. artigo 28.º n.º 1 do Regulamento Administrativo nº 6/2002). O que implica também que os sub/concessionários tenham a obrigação de manter uma lista actualizada dos promotores de jogo, respectivos administradores, principais empregados e colaboradores, que estejam registados junto deles (vd. artigo 28.º, n.º 3 do Regulamento Administrativo n.º 6/2002).
Este registo anual dos promotores de jogo junto do respectivo sub/concessionário não é uma mera formalidade, mas determina antes, uma verdadeira responsabilidade solidária dos sub/concessionários pela actividade desenvolvida nos casinos, pelos “seus” promotores de jogo, respectivos administradores e colaboradores (vd. artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.o 6/2002. Os sub/concessionários devem proceder a uma fiscalização activa e diligente da actividade dos promotores de jogo e assegurar que estes dão o devido cumprimento às suas obrigações legais, regulamentares e contratuais, comunicando às autoridades competentes qualquer facto que possa indiciar a prática de actividade criminosa (nomeadamente, branqueamento de capitais por parte dos promotores de jogo) e assegurar a necessária correcção e urbanidade de relacionamento entre os promotores de jogo registados no mesmo sub/concessionário [ ... ]. (destaque nosso)”1
Neste contexto, a 2a Recorrente CX S.A. na sua qualidade de concessionária, não pode alegar que desconhece, sem obrigação de conhecer, a actuação dos promotores de jogo que contratou, sobretudo, quando as promotoras cessaram a sua actividade sem liquidar devidamente as dívidas para com os seus clientes.
Mais, quando o que está em causa são actos praticados e contratos celebrados dentro dos casinos que explora - como é o caso dos autos.
Não só a 2a Recorrente tem a obrigação legal de fiscalizar toda a actuação dos promotores de jogo nos seus casinos,
Como, doutro passo, tem a obrigação de, perante um litígio ou potencial litígio, aferir os termos em que um promotor de jogo actuou nos seus casinos, tendo ao seu dispor todos os mecanismos contratuais e legais (e práticos, como sejam os sistemas de vigilância e segurança) para o efeito.
O que a 2a Recorrente/Ré nunca pode é, na qualidade de concessionária, alegar que desconhece sem obrigação de conhecer a actuação dos promotores de jogo que contrata, dentro dos seus casinos.
Ou seja, o Regulamento Administrativo n.º 6/2002, que regula a actividade dos promotores de jogo, estabelece, de forma mais abrangente, que as concessionárias (e subconcessionárias) são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo pela actividade destes nos casinos.”.
Não vemos motivo para alterar a posição deste tribunal acerca desta matéria. Daí que para a fundamentação acima transcrita remetemos, fazendo-a nossa com a devida vénia.
Consequentemente, nesta parte é de conceder provimento ao recurso.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
1 - Negar provimento ao recurso interposto pela 1ª Ré “B”, confirmando a sentença recorrida na parte em que a condenou; e
2 - Conceder provimento ao recurso interposto pelo Autor, e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte em que absolveu a 2ª Ré “C”, passando a condenar à mesma a pagar ao Autor, solidariamente com a 1ª Ré, a quantia de MOP$1.030.000,00, acrescida dos juros de mora à taxa legal contados a partir do dia 7/06/2007, até efectivo e integral pagamento.

                 T.S.I., 24 de Outubro de 2019
(Relator) José Cândido de Pinho

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong

(Segundo Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong

1 Em sentido próximo, pode ver-se o artigo de Alexandre Dias Pereira, in "Law, Regulation and Control Issues of tbe Asian Gaming Industry", publicado pelo lnstitute for the Study of Commercial Gaming da Universidade de Macau, páginas 152 e 153.
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Proc. nº 790/2019 3