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Processo n.º 41/2017. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Chefe do Executivo.
Assunto: Processo de concessão de terreno por arrendamento. Ocupação de terreno.
Data do Acórdão: 8 de Novembro de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
A pendência de um processo de concessão de terreno por arrendamento não confere ao interessado título para o ocupar.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 19 de Agosto de 2015, do Chefe do Executivo, que determinou que o recorrente desocupasse um terreno do Estado, situado na Avenida Marginal do Lam Mau, designado por lote F, demolisse as edificações feitas no terreno e removesse todos os objectos e materiais e equipamentos existentes aí, em 30 dias.
O Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso.
Inconformado, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), dizendo que está pendente o processo de concessão do terreno ao recorrente, pelo que o acto recorrido viola o disposto no n.º 1 do artigo 3.º do Código de Procedimento Administrativo e a alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

II – Os factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
   1. Ao abrigo do despacho n.º 35/SATOP/94, concedeu-se ao recorrente um terreno, por arrendamento e com concurso público, com a área de 1.699m2, situado na Taipa, Estada da Ponte de Pac On (adiante designado por “terreno A”).
  2. Ao abrigo do despacho do então Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas (sob a administração portuguesa), datado de 20 de Agosto de 1999, autorizou-se: 1) processo da desistência da concessão do terreno A; e 2) quando o lote “F” sito na Avenida Marginal do Lam Mau (adiante designado por “terreno B”) fica utilizável, inicia-se o processo da concessão; o respectivo preço do prémio da concessão deve deduzir o montante já pago no despacho n.º 35/SATOP/94, no valor de MOP$3.500.000,00 e as despesas das obras do aterro, no valor de MOP$1.529.100,00, mas esta quantia deve ser liquidada por uma vez antes da publicação do respectivo despacho da concessão no BO.
  3. O referido processo de troca do terreno ainda não foi concluído.
  4. Ao recorrente foram concedidas a planta de alinhamento do lote “F” n.º 98A015 e a planta cadastral n.º 5584/98.
  5. Em 20 de Julho de 2015, o pessoal da DSSOPT lavrou a informação n.º 5793/DURDEP/2015, com o seguinte teor:
  “…..
  1. O pessoal da DSSOPT, ao exercer o poder de fiscalização consagrado no art.º 8.º n.º 3 al. b) do D.L. n.º 29/97/M de 7 de Julho, verificou, em 19 de Agosto de 2014, que nas imediações, foi vedado o terreno por tapumes de metal e lá dentro foram colocados materiais de construção e contendores, construídas várias edificações ilegais com tampas de metal e tapumes de metal. Para isso, o pessoal da DSSOPT elaborou imediatamente o auto de notícia e o relatório (anexo I), bem como abriu o processo n.º 9/DC/2014/F, com vista a averiguar a questão da ocupação ilegal do terreno supracitado.
  2. O antigo director da DSSOPT, substituto, proferiu despacho em 5 de Novembro de 2014 na informação n.º 6268/DURDEP/2014 datada de 26 de Agosto de 2014, no sentido de concordar com o parecer do Departamento de Urbanização para nomear investigadores para desenvolver investigação do caso. (Anexo II)
  3. Ao abrigo do art.º 72.º n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo D.L. n.º 57/99/M de 11 de Outubro, o director da DSSOPT assinou e publicou a notificação edital no jornal em língua chinesa e portuguesa, de 13 de Maio de 2015, notificando ocupantes não identificados de proceder à audiência e pronunciar-se, por meio escrito, sobre a questão do objecto do respectivo processo no prazo de 10 dias a partir da data da publicação. (Anexo III)
  4. A DSSOPT recebeu o parecer escrito de A, através do seu advogado B, com o seguinte teor principal: o processo de troca entre o terreno em epígrafe e outro terreno decorria por vários anos, ainda não chegou a pôr em prática apesar de ser apressado por várias vezes, por consequência, o interessado sofreu de danos enormes; além disso, o interessado alegou que o terreno em causa já foi vedado por tapumes de metal e foram colocadas várias edificações ilegais por indivíduos não identificados, durante o período de processo pendente de troca, ele tem que tomar medidas para proteger o terreno em causa; além disso, o interessado entendeu que não é aplicável a sanção prevista no art.º 196.º da Lei de Terras em virtude, pelo menos, de falta de factor subjectivo. (Anexo IV)
  5. A DSSOPT recebeu o pedido de um alegado ocupante do terreno em epígrafe, C, sobre o plano das obras de demolição e a licença destas obras em 26 de Maio de 2015, durante o período de audiência, a Direcção não recebeu parecer escrito de C. O respectivo plano das obras de demolição e de licença das obras foram autorizados com condição acessória pela presente Direcção, com a validade de licença de 17/07/2015 a 31/07/2015. (Anexo V)
  6. Tendo consulado os documentos constantes dos autos, este grupo de investigação elaborou o presente relatório de investigação nos termos do art.º 98.º do Código do Procedimento Administrativo, com a seguinte análise:
  Parte de facto:
  7. De acordo com a nota interna n.º 16/DATSEA/2015 emitida pela DATSEA em 26 de Janeiro de 2015, esta Divisão não dispõe dos elementos do terreno em epígrafe. (Anexo VI)
  8. De acordo com a nota interna n.º 76/2248.01/2015 emitido pelo DSODEP em 16 de Fevereiro de 2015, o terreno em causa pertencia às terras do Governo da RAEM. (Anexo VII)
  9. De acordo com o ofício n.º 1502250050/DFHP emitido pelo Instituto de Habitação em 26 de Fevereiro de 2015, no terreno em epígrafe, não se encontra a barraca inscrita neste Instituto (Anexo VIII).
  10. Segundo o certidão emitido pelo CRP em 2 de Março de 2015, o terreno neste caso (terreno indicado na planta cadastral n.º 10201008 emitido em 11 de Fevereiro de 2015) não era inscrito em nome de particular (pessoa física ou colectiva), nem era onerado com direito de propriedade ou quaisquer direitos reais, nomeadamente, não era inscrito por concessão do terreno por aforamento ou arrendamento. (Anexo IX)
  11. Segundo a investigação realizada in loco pelos investigadores da DSSOPT em 13 de Maio de 2015, o terreno em epígrafe ainda era vedado por tapumes de metal e eram colocados os materiais de construção e várias edificações ilegais com tampas de metal e tapumes de metal. (Anexo X)
  Parte de direito:
  12. Nos termos do art.º 7.º da Lei Básica da RAEM da RPC, os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau. O Governo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável pela sua gestão, uso e desenvolvimento, bem como pelo seu arrendamento ou concessão a pessoas singulares ou colectivas para uso ou desenvolvimento. Os rendimentos daí resultantes ficam exclusivamente à disposição do Governo da Região Administrativa Especial de Macau.
  13. Além disso, de acordo com os factos provados constantes dos pontos 7 a 11 do presente relatório de investigação, a DSSOPT não emitiu licença de ocupação temporária do terreno em epígrafe ao recorrente nos termos dos art.ºs 76.º a 81.º da Lei n.º 10/2013, ora Lei de Terras, o terreno não foi inscrito em nome de particular (pessoa física ou colectiva) pelo CRP, e nenhum particular adquiriu, por qualquer meio, os direitos reais legais sobre o terreno. Portanto, nos termos do art.º 7.º da Lei Básica da RAEM, o solo pertencia ao Estado.
  14. Ao abrigo do art.º 208.º n.º 1 da Lei de Terras, compete ao Chefe do Executivo determinar a ordem de desocupação do terreno, fixando um prazo para o efeito.
  15. A pessoa física ou colectiva que não pode provar a sua concessão da ocupação deste terreno com título oficial (licença da ocupação temporária ou contrato de concessão) é obrigada a desocupar do terreno supracitado e restitui-lo ao governo da RAEM, sem nenhuma compensação.
  Análise do parecer escrito do interessado A:
  16. Do Anexo II do parecer escrito do interessado consta que por despacho do SATOP, datado de 20 de Agosto de 1999, “quando o lote “F” sito na Avenida Marginal do Lam Mau fica utilizável, inicia-se o processo da concessão”, mostrando que existe tal facto antes da transferência da soberania de Macau.
  17. Todavia, de acordo com a nota interna n.º 578/2248.01/2014 emitido pelo DSODEP em 4 de Novembro de 2014, o terreno “F” sito na Avenida Marginal do Lam Mau, com área 973m2, pertencia ao Estado, já foi aberto o processo de troca deste lote, mas não chegou à conclusão.
  18. Segundo o ponto 4 do parecer escrito, ele sabia que o processo de troca do lote “F” não tem conclusão e o mesmo ainda não é concessionário do lote “F”.
  19. Sendo assim, não foi verificado qualquer título oficial, tal como contrato de concessão, no parecer escrito do interessado A e nos respectivos anexos. Ele alegou que “tomar medidas de protecção”, o que mostra justamente o facto de ocupação ilegal do terreno estatal, assim, o seu acto constitui infracção administrativa da ocupação ilegal prevista no art.º 196.º da Lei de Terras.
  20. Através da análise do parecer escrito do interessado A, não se verificou prova de facto e de direito para alterar a decisão da desocupação do terreno supracitado.
  21. Face ao exposto, conclui-se o seguinte:
  21.1 Segundo a certidão emitida pelo CRP, verifica-se que não há inscrição, em nome de particular, de direito de propriedade ou de outros direitos reais do terreno em causa, pelo que, nos termos do art.º 7.º da Lei Básica da RAEM, o terreno supracitado pertencia ao Estado;
  21.2 Qualquer pessoa física ou colectiva que não consegue provar a concessão da ocupação do terreno do Governo através do título oficial (contrato de concessão ou licença de ocupação temporária), é obrigada desocupar o terreno supracitado e restituí-lo ao Governo a RAEM.
  21.3 Nos termos do art.º 208.º n.º 1 da Lei de terras, compete ao Chefe do Executivo determinar a ordem de desocupação do terreno, fixando um prazo para o efeito.
  22. Sugestões:
  22.1 O Chefe do Executivo, ao abrigo do art.º 208.º n.º 1 da Lei de Terras, determinou a ordem de desocupação e de restituição do terreno;
  22.2 Determinou a ordem, no sentido de o interessado deve desocupar o respectivo terreno, remover todos os objectos, materiais e equipamentos existentes e restituir este terreno ao Governo da RAEM, sem compensação nenhuma, no prazo de 30 dias a partir da data de publicação do Edital;
  22.3 Como há provavelmente outros interessados, sugere-se que além de notificar directamente os ocupantes A e C nos termos do art.º 72.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, publique edital no jornal mais lido em Macau, em língua chinesa e portuguesa, notificando outros eventuais ocupantes não identificados por meio de edital, com vista a efeitos da notificação, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo. Ao mesmo tempo, o edital também afixado in loco;
  22.4 Ao abrigo do art.º 139.º do Código do Procedimento Administrativo, notifica-se ocupante/interessado de que em caso de não execução da ordem da desocupação do terreno supracitada no prazo fixado, solicita-se ao Chefe do Executivo o seguinte processo administrativo:
  22.4.1 Cabe à DSSOPT e a outros serviços do governo, com auxílio de guardas do CPSP, executar trabalhos da desocupação. Em caso de necessidade, podem pedir ajuda de terceiro (contratar empresa adjudicatária) para fornecer recursos humanos e mecanismos de transporte, com vista a pôr em prática a desocupaçao e a demolição de todos os materiais, mecanismos e edificações ilegais eventuais no terreno;
  22.4.2 O CPSP deve enviar os guardas para prestar apoio ao trabalho de limpeza até à desocupação total, designadamente, expulsar indivíduos que permaneciam in loco e obstavam ao trabalho do pessoal da Administração, prestar protecção pessoal aos trabalhadores in loco, a distribuição de trabalho concreta deve ser realizada conforme o plano da demolição elaborada pela DSSOPT;
  22.4.3 À luz do art.º 144.º n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo e do art.º 211.º da Lei de Terras, dado que o ocupante/interessado não cumpriu obrigação no prazo fixado, nesta circunstância, todas as despesas daí resultantes e compensações por danos ficam ao seu cargo;
  22.4.4 O ocupante/interessado, além de pagar as despesas supracitadas, é provavelmente condenado na multa fixada nos termos do art.º 196.º da Lei de Terras;
  22.4.5 Os objectos do terreno são tratados nos termos do art.º 210.º da Lei de Terras.
  22.5 Depois de concluir o processo da desocupação do terreno supracitado, a DSSOPT vai colocar redes de vedação e placas de sinalização nas imediações do terreno e entregá-lo aos serviços competentes para efeito da gestão e acompanhamento.
  Submete-se à consideração superior…”
  6. O Chefe do Executivo da RAEM proferiu despacho na referida informação em 19 de Agosto de 2015: “concordo”.

III – O Direito
1. Questões a apreciar
Há que apreciar o recurso.

2. Princípio da legalidade na actuação dos órgãos da Administração Pública
Em bom rigor, não há questão jurídica alguma a apreciar.
Em 1994, foi concedido por arrendamento ao recorrente um terreno do então Território de Macau.
Em circunstâncias não apuradas, em Agosto de 1999, o recorrente desistiu da concessão e a Administração propôs-se iniciar o processo de concessão do terreno dos autos a favor do recorrente, quando o terreno estivesse utilizável.
Este processo de concessão nunca se concluiu.
Ou seja, o recorrente ocupou este terreno dos autos, pertencente ao Estado, sobre o qual não tem qualquer direito, pelo que tendo a Administração decidido que ele teria de o desocupar integralmente, não se vislumbra que violação de lei poderá enfermar tal acto, já que a disposição que o recorrente aponta como violada, o n.º 1 do artigo 3.º do Código de Procedimento Administrativo, que estabelece o princípio da legalidade na actuação dos órgãos da Administração Pública, é precisamente a norma que o acto recorrido quer ver prosseguido: não tendo o recorrente título para ocupar um terreno do Estado, sob gestão da RAEM, deve desocupá-lo de imediato, face ao disposto no artigo 208.º da Lei de Terras.
Improcede o recurso.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 8 UC.
Macau, 8 de Novembro de 2019.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
  



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