打印全文
Processo nº 855/2018
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 14 de Novembro de 2019

ASSUNTO:
- Existência do perigo efectivo
- Falta de fundamentação
- Princípio da proporcionalidade
- Novos fundamentos

SUMÁRIO:
- A al 3) do nº 1 do artº 11º da Lei nº 6/2004 prevê que quando a pessoa não residente constitua perigo para a segurança ou ordem pública, nomeadamente pela prática de crimes, ou sua preparação, na RAEM, a sua autorização de permanência pode ser revogada.
- A prática de crimes, ou a sua preparação, na RAEM constitui simplesmente como uma das formas possíveis da demonstração, e não como a forma única, da existência do perigo abstracto para a segurança ou ordem pública da RAEM, pois o legislador utilizou a palavra “nomeadamente”.
- Ou seja, não estão excluídos outros meios possíveis da demonstração da existência do perigo para a segurança ou ordem pública.
- Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
- E a fundamentação consiste na exposição explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto, que deve ser expressa, podendo no entanto consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto (artº 115º, nº 1 do CPA), que é o caso.
- A ideia central do princípio da proporcionalidade projecta-se em três dimensões injuntivas: adequação, necessidade e equilíbrio. A adequação impõe que o meio utilizado seja idóneo à prossecução do objectivo da decisão. Entre todos os meios alternativos, deve ser escolhido aquele que implique uma lesão menos grave dos interesses sacrificados. O equilíbrio revela a justa medida entre os interesses presentes na ponderação e determina que, na relação desses interesses entre si, deve a composição ser proporcional à luz do interesse público em causa.
- As alegações facultativas previstas no artº 68º do CPAC destinam-se para as partes fazerem uma análise crítica dos dados recolhidos nos autos até àquela fase, subsumindo-os ao direito aplicável, nas quais o Recorrente pode alegar novos fundamentos do seu pedido, cujo conhecimento tenha sido superveniente, ou restringi-los expressamente (cfr. nº 3 do artº 68º do CPAC), mas nunca formular um novo pedido.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 855/2018
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 14 de Novembro de 2019
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
A, melhor identificado nos autos, vem interpor o presente recurso contencioso contra o despacho do Secretário para a Segurança, de 06/08/2018, que mantém a decisão de revogação de autorização de permanência na qualidade de trabalhador não-residente, concluíndo que:
A. O Recorrente era arguido de um processo criminal (n.º CR3-17-0600-PCS), em que foi acusado de um crime de ofensa à integridade física.
B. O processo referido foi arquivado por desistência do ofendido, sem ter sido proferida uma sentença condenatória, tendo a sentença transitada em julgado no dia 23 de Abril de 2018.
C. O Recorrente, enquanto trabalhador não residente em Macau, não tem nenhuma antecedência criminal, bem como nunca cometeu nenhum crime ou infracção administrativa.
D. Em 29 de Junho de 2018, o Recorrente foi notificado do despacho do Exmo. Director do Corpo de Polícia de Segurança Pública, revogando a autorização de permanência do Recorrente.
E. Tendo o Recorrente interposto recurso hierárquico necessário contra o despacho acima, o Recorrente foi notificado, em 23 de Agosto de 2018, do despacho da entidade recorrida, que decidiu improcedente o recurso.
F. Todavia, o despacho da entidade recorrida padece dos vícios do erro nos pressupostos de facto e de direito, com os argumentos seguintes:
G. A entidade fundamenta-se a sua decisão com base da alegação de o Recorrente ter praticado o crime, nos termos da alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 6/2004 e do n.º 1 do artigo 15.º do Regulamento Administrativo n.º 8/2010 (nºs 5 a 9 da Informação do Comandante).
H. Todavia, a "prática de crimes" prevista na alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 6/2004 não se refere aos meros indícios da prática de crimes, como o caso da alínea 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003, mas sim a verificação efectiva da prática de crimes, cuja existência apenas pode ser determinada por sentença dos tribunais, sob pena de violação do princípio de separação dos poderes.
I. In casu, o Recorrente nunca foi condenado pela prática do crime, nem confessou a prática do crime no respectivo processo criminal.
J. O que a entidade recorrida alegou são apenas meros indícios da prática de crime, extraídos dos elementos probatórios da fase de inquérito do processo criminal já arquivado.
K. Pois o entendimento no nº 11 da Informação do Comandante é errado, dado que a mera invocação dos indícios não é suficiente para a aplicação da alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 6/2004, salvo existam outros factos que a justifiquem, sendo estes indícios apenas relevantes para a alínea 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003.
L. Além disso, segundo o raciocínio do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, de 19 de Janeiro de 2017, Proc. nº 137/2016, os indícios alegados pela entidade recorrida na verdade já deixaram de existir a partir do momento em que o processo criminal foi arquivado, sem o Recorrente ter sido condenado e sem possibilidade de voltar a ser condenado no futuro.
M. Deixando de existir os indícios invocados, enquanto a base da sua decisão, a fundamentação do acto recorrido não pode ser viável.
N. Assim, o acto recorrido é anulável nos termos do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo e da alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do Código do Processo Administrativo Contencioso, por ter vício de erro nos pressupostos de facto e de direito.
O. Mesmo que assim não se entenda, o acto recorrido ainda padece do vício da falta de fundamentação.
P. Segundo os fundamentos exarados na Informação do Comandante, julgando que o Recorrente tivesse praticado o crime (mas na verdade não, são meros indícios resultantes dos elementos probatórios do processo criminal. que já deixaram de existir a partir do momento em que este processo foi arquivado e extinguiu-se).
Q. A causa de revogação de autorização de permanência prevista na alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 6/2004 é o "perigo para a ordem e segurança públicas", que necessita sempre de ser suficientemente fundamentado, enquanto conceito indeterminado.
R. A "prática de crimes, ou a sua preparação" é apenas uma das formas possíveis da demonstração do conceito indeterminado do "perigo para a ordem e segurança públicas".
S. Não basta a entidade recorrida alegar meramente os indícios da prática do crime (que na verdade não existem neste caso concreto) para concluir a existência do perigo para a ordem e segurança públicas, pois o preenchimento deste conceito indeterminado deve ser fundamentado sempre mediante uma análise dos factos concretos e objectivos.
T. A jurisprudência de Macau (Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, de 8 de Fevereiro 2018, Proc. nº 183/2017) também tem entendimento semelhante a este respeito, defendendo que um órgão competente "não pode, com base simplesmente na condenação penal do Recorrente, concluir a existência do perigo efectivo." e "tem de pegar factos concretos e objectivos para o preenchimento do conceito indeterminado do perigo efectivo."
U. Face ao exposto, o acto recorrido deve ser anulado nos termos do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo e da alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º do Código do Processo Administrativo Contencioso, por ter vício da falta de fundamentação.
V. Mesmo que assim não se entenda, o acto recorrido ainda viola o princípio de proporcionalidade.
W. O Recorrente tem sempre mantido comportamento exemplar em Macau, e nunca cometeu nenhum crime ou infracção administrativa.
X. Para além do entendimento de que os indícios da prática do crime, enquanto fundamentos do acto recorrido, já deixaram de existir, o acto recorrido, perante uma enorme incerteza dos factos de fundamentação, também é desproporcional em sentido estrito, o que também implica uma outra forma de atribuir uma penalização sem que haja qualquer crime ou registo criminal.
Y. Para avaliar a proporcionalidade, é necessário confrontar os interesses perseguidos com o acto recorrido com os interesses sacrificados por este, isto é, por um lado, os interesses públicos lesados pelo Recorrente neste caso concreto, e por outro lado, o direito de permanência do Recorrente e de voltar a trabalhar em Macau.
Z. In casu, a lesão dos interesses públicos causada pelo Recorrente, enquanto uma pessoa sempre com bom comportamento em Macau e sem nenhuma antecedência criminal ou administrativa, é muito leve e desproporcional em comparação com os interesses sacrificados pelo acto recorrido.
AA. Assim, o acto recorrido deve ser anulado nos termos do nº 2 do artigo 5.º do Código do Procedimento Administrativo e a alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do Código do Processo Administrativo Contencioso, por violação do princípio de proporcionalidade.
*
Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 35 a 39 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
*
O Recorrente apresentou as alegações facultativas, mantendo na sua essência, a posição assumida na petição inicial, e acrescentando, a violação dos princípios da boa fé, da necessidade e da tutela da confiança.
*
O Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
   “...
   Na petição inicial, o recorrente solicitou a anulação do despacho em causa, invocando o erro nos pressupostos de facto e de direito, a falta da fundamentação bem como a violação do princípio da proporcionalidade, e acescentando, nas alegações de fls.47 a 59 dos autos, a violação do princípio da boa fé e da tutela da confiança consagrado no art.8º do CPA.
*
   Ora, a brilhante jurisprudência vem reiteradamente inculcando que nas alegações facultativas do recurso contencioso, o recorrente só pode invocar novos vícios do acto administrativo, se não lhe fosse exigível o conhecimento deles no momento da apresentação da petição inicial, ou seja, se o recorrente só tiver conhecimento dos factos em que se baseiam tais vícios supervenientemente, por exemplo, com a junção do processo instrutor. (vide. Acórdãos do TUI nos Processos n.º24/2009, n.º35/2012 e n.º37/2015)
   Em esteira desta orientação jurisprudencial mais autorizada, e ainda por não se descortinar in casu qualquer facto do conhecimento superveniente que possa justificar ou legitimar a arguição da ofensa do princípio da boa fé e da tutela da confiança, temos por incontroverso que tal arguição é decerto inócua por ser inquestionavelmente intempestiva.
*
   Prescreve a alínea 3) do nº1 do art.11º da Lei nº6/2004 que pode ser revogada a autorização de permanência que tenha sido concedida a pessoa-não-residente, quando ele constitua perigo para a segurança ou ordem públicas, nomeadamente pela prática de crime ou sua preparação, na RAEM.
   Interpretando esta disposição legal, a iluminativa jurisprudência alerta que devido a palavra “nomeadamente” nesta alínea 3), a prática de crimes ou a sua preparação na RAEM constitui apenas uma das formas possíveis da demonstração, e não a forma única, da existência do perigo abstracto para a segurança ou ordem públicas da RAEM, daí não estão excluídos outros meios possíveis da demonstração da existência do perigo para a segurança ou ordem pública. (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º125/2017)
   Para os devidos efeitos, sufragamos inteiramente a sagaz tese que asseverou (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º288/2015): A extinção do procedimento penal por desistência de queixa não forma caso julgado sobre a inocência do arguido, portanto nada impede a Administração de retirar dos elementos constantes do respectivo processo penal as consequências jurídicas para efeitos de avaliação da perigosidade do arguido a fim de tomar medidas necessárias à defesa da segurança pública da RAEM.
   No caso sub judice, acontece que a Participação e Comunicações nº6842/2017/C2, nº922/2017/CINQ e nº4371/2017-Pº222.03/2G, constantes do P.A., demonstram inegavelmente que o recorrente agrediu a ofendida; e a Acusação lhe imputou a prática dum crime de ofensa simples da integridade física p.p. pelo preceito no nº1 do art.137º do Código Penal de Macau e, com efeito, a correspondente audiência de julgamento veio ser declarada extinta por desistência da ofendida (doc. de fls.26 dos autos).
   De outra banda, merece sublinhado que no M.ºP.º, o recorrente reconheceu, por livre vontade e inequivocamente, que ele praticara agressão na ofendida. Tal reconhecimento equivale a uma confissão extrajudicial. Daí são sufisticados os argumentos nos arts.19º e 20º da petição.
   Tudo isto leva-nos a concluir que o despacho recorrido que se traduz em manter a decisão de revogação da autorização de permanência da qual o recorrente tinha sido portador como trabalhador-não-residente não enferma do assacado erro nos pressupostos de facto e de direito, por isso a arguição pelo recorrente deste erro não pode deixar de ser infundada.
*
   No despacho em escrutínio (cfr. fls.19 dos autos), o Exmo. Sr. Secretário para a Segurança declarou, propositada e iniludivelmente, que “同意治安警察局局長2018年7月26日報告書所作之分析(在此予以完全轉錄)”. Nos termos do nº1 do art.115º do CPA, o sobredito despacho absorve e chama a si a Informação emitida pelo Comandante do CPSP em 26/07/2018.
   Sem embargo do muito respeito pela opinião diferente, inclinamos a colher que a apontada Informação enuncia, de modo claro e coerente, os fundamentos de facto e de direito da supra-referida decisão de revogação da autorização de permanência, e tal enunciação permite suficientemente ao recorrente cognoscer o itinerário seguido pelos órgãos decisores.
   Nestes termos e em conformidade com as consabidas doutrinas e jurisprudências quanto aos requisitos da fundamentação, afigura-se-nos que não se verifica in casu a assacada falta de fundamentação.
*
   De acordo com às doutas doutrinas atinentes à hermenêutica, o verbo “pode” significa que o nº1 do art.11º da Lei nº6/2004 confere poderes discricionários à Administração, pelo que os actos administrativos praticados no exercício deste poder são judicialmente insindicáveis, salvo se padeçam de erro manifesto ou total desrazoabilidade. (a título exemplificativo, vide. Acórdãos do TUI nos Processos n.º38/2012 e n.º123/2014, do TSI nos n.º766/2011, n.º570/2012 e n.º356/2013)
   No vertente caso, o que é indiscutível é que a Administração visa propositadamente a prosseguir interesses públicos que se traduzem in casu na segurança e ordem públicas da RAEM. E entendemos ser mutatis mutandis válida para o presente caso a prudente inculca jurisprudencial, segundo a qual “雖然上訴人提出的居留許可聲請被否決,但毫無疑問,有關被上訴的行政行為明顯是為了謀求公共利益,尤其為確保公共安全及社會穩定,因此上訴人的個人利益應當給予讓步。” (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º570/2012)
   Na mesma linha, e tendo em conta a agressão inquestionavelmente imputada ao recorrente, parece-nos que o despacho recorrido que consiste em manter a sobredita decisão de revogação da autorização de permanência mostra adequado, necessário e proporcional, portanto não infringe o princípio da proporcionalidade prescrito no nº2 do art.5º do CPA.
***
   Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso…”.
*
Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
*
II – Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa.

III – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos e no respectivo P.A., é assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1) O Recorrente era arguido de um processo criminal (n.º CR3-17-0600-PCS), em que foi acusado pela prática de um crime de ofensa à integridade física.
2) O processo referido foi arquivado por desistência do ofendido, sem ter sido proferida uma sentença condenatória, tendo a sentença transitada em julgado no dia 23/04/2018.
3) Em 29/06/2018, o Recorrente foi notificado do despacho do Comandante da PSP, revogando a sua autorização de permanência.
4) O Recorrente interpôs recurso hierárquico necessário do despacho acima referido para o Secretário para a Segurança em 03/07/2018.
5) Sobre o recurso hierárquico necessário interposto, o Comandante da PSP, em 26/07/2018, pronunciou-se o seguinte:
“…
1. O recorrente, titular do TITNR nº XXXXXX, vem impugnar o despacho através do qual foi revogada a sua autorização de permanência na qualidade de trabalhador, invocando, o seguinte:
2. Que, conforme a lei, o juízo de perigosidade tem de ser suficientemente fundamentado e, no presente caso, o mesmo não é sequer fundamentado, pois não basta alegar que ocorreu uma investigação e que foi deduzida uma acusação para se concluir que existe perigo para a segurança e ordem públicas; que, a Administração não apresenta qualquer facto objectivo donde se possa concluir que o recorrente constitui perigo para a segurança e ordem públicas; que, tendo em conta o princípio da separação de poderes, somente cabe aos tribunais julgar, e condenar ou absolver a prática de crimes, e não à Administração; que, apenas com uma dedução de uma acusação não se pode falar da prática de crime e, muito menos, em uma condenação, pois isso só pode acontecer depois de uma decisão transitada em julgado; que, o facto de apenas ter sido deduzida uma acusação não significa que o recorrente tenha cometido um crime ou que seja culpado de algo, pois uma acusação do Ministério Público, não é uma sentença de culpabilidade ou de punibilidade;
3. Que, se apenas cabe aos tribunais a tarefa de julgar e condenar, deve ser atendido o princípio da presunção da inocência, pois, pelo facto de existir uma acusação se dê como assente e provado que o recorrente foi culpado de algo ou cometeu algum crime, até porque não há certezas que o recorrente venha a ser condenado; que, uma autoridade policial não pode nem deve elaborar um juízo valorativo de perigosidade atenta uma condenação judiciária (imaginária) que nunca ocorreu; que, a revogação da autorização de permanência é uma medida administrativa gravosa e severa, apenas assente em fracos elementos que apenas se consubstanciaram numa investigação, e na dedução de uma acusação, violando assim o acto de revogação da autorização de permanência, os artºs 3º, 4º, 5º e 7º do CPA;
4. Pedindo, assim, pelos fundamentos acima invocados, que o acto recorrido seja revogado.
------------ xxx ------------
5. Conforme vem descrito na participação e comunicações, nºs 6842/2017/C2, 922/2017/C.INQ. e 4371/2017-Pº 222.03/2G, (a fls. 49, 51, 54), e nota de acusação referente ao Inquérito n.º 6584/2017 (a fls. 61 e 62),
6. no passado dia 29 de Maio de 2017, cerca da 12:40 horas, o recorrente e a ofendida, depois de terem ceado num restaurante, quando se dirigiam para o parque de estacionamento começaram a discutir sobre assuntos da sua relação amorosa,
7. e a dada altura, o recorrente agrediu à ofendida de nome XXXX CASANO, pregando-lhe vários socos na cara e na cabeça, que demandaram dois dias de convalescença para a cura dos ferimentos,
8. O recorrente confessou os seus actos, apesar de saber e ter a consciência que a sua conduta era contrária à lei, a qual constitui ofensa simples à integridade física - artigo 137º do CP;
9. Perante estes factos, considerou-se necessário revogar a autorização de permanência do recorrente na qualidade de trabalhador, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 11, nº 1, alínea 3) da Lei n. º 6/2004, e 15º, nº 1 do RA n.º 8/2010.
10. Quanto aos argumentos invocados pelo recorrente, considera-se que não procedem uma vez que este procedimento é da natureza administrativa e o órgão recorrido é o competente para avaliar as situações da segurança e ordem pública;
11. Pelo que no presente caso não é necessária qualquer decisão judicial para o efeito. Também, a desistência do procedimento por parte da ofendida não apaga a prática dos factos.
12. Por outro lado, embora nada tendo a ver com o presente recurso, a entidade patronal do recorrente veio aos autos expressar o fim da relação laboral com o recorrente (a fls. 87).
13. Assim, pelo exposto, considera-se que o acto através do qual foi revogada a autorização de permanência do recorrente na qualidade de trabalhador, não se encontra ferido de qualquer vício que possa levar à sua anulabilidade, não devendo por isso ser concedido provimento ao presente recurso.
14. À superior consideração de V.Exa.…”.
6) Em 06/08/2018, o Secretário para a Segurança proferiu o seguinte despacho:
“…
利害關係人針對治安警察局局長所作出的廢止其以僱員身份逗留的決定提起本訴願。
同意治安警察局局長2018年7月26日報告書所作之分析(在此予以完全轉載),並根據《行政程序法典》第161條1款的規定,決定訴願理由不成立,維持被訴願決定…”.
*
IV – Fundamentação
Para o Recorrente, o acto recorrido padece dos seguintes vícios:
- erro nos pressupostos de facto e de direito;
- falta de fundamentação;
- violação do princípio da proporcionalidade; e
- violação dos princípios da boa fé, da necessidade e da tutela da confiança.
Vamos analisar se lhe assiste razão.
1. Erro nos pressupostos de facto e de direito:
Entende o Recorrente que o acto recorrido errou nos pressupostos de facto e de direito, já que nos termos da al. 3) do nº 1 do artº 11º da Lei nº 6/2004, a revogação da autorização de permanência pressupõe a comprovada prática de crimes, ou a sua preparação, na RAEM.
Nesta conformidade, a simples acusação penal não comprova a prática de crime, face ao princípio da presunção da inocência.
Por outro lado, defende ainda que o acto recorrido ofendeu o conteúdo essencial do seu direito de permanecer e trabalhar na RAEM.
Quid iuris?
Adiantamos desde já que não lhe assiste razão.
Em primeiro lugar, o Recorrente, como não residente, não tem o direito de residir e trabalhar na RAEM, a sua permanência e prestação de trabalho dependem da autorização da Administração.
Em segundo lugar, ainda que tenha sido autorizado para o efeito, esta autorização pode ser objecto de revogação nos termos legais.
A al. 3) do nº 1 do artº 11º da Lei nº 6/2004 prevê que quando a pessoa não residente constitua perigo para a segurança ou ordem pública, nomeadamente pela prática de crimes, ou sua preparação, na RAEM, a sua autorização de permanência pode ser revogada.
Resulta de forma clara do preceito em referência que a prática de crimes, ou a sua preparação, na RAEM constitui simplesmente como uma das formas possíveis da demonstração, e não como a forma única, da existência do perigo abstracto para a segurança ou ordem pública da RAEM, pois o legislador utilizou a palavra “nomeadamente”.
Ou seja, não estão excluídos outros meios possíveis da demonstração da existência do perigo para a segurança ou ordem pública.
No caso em apreço, a desistência do procedimento criminal pelo ofendido e o consequente arquivamento do processo-crime não significa que o ora Recorrente não praticou os actos ilícitos penais em causa.
Nesta conformidade, nada impede a Entidade Recorrida ponderar e avaliar a conduta do Recorrente para efeitos da al. 3) do nº 1 do artº 11º da Lei nº 6/2004.
Improcede, assim, este argumento do recurso.
2. Falta de fundamentação:
Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
E a fundamentação consiste na exposição explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto, que deve ser expressa, podendo no entanto consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto (artº 115º, nº 1 do CPA), que é o caso.
O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram base de decisão administrativa, ou seja, permitir o administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais.
Contudo, não se deve confundir fundamentação com fundamentos, a primeira refere-se à forma do acto e a segunda refere-se ao seu conteúdo.
Assim, o dever de fundamentação cumpre-se desde que exista “uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a prática do acto, independentemente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados.”
No mesmo sentido, veja-se Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, de Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, anotação do artº 106º, pág. 619 a 621.
Voltando ao caso concreto, será que um destinatário de diligência normal não consegue compreender quais os pressupostos e motivos que estiveram na base da decisão ora recorrida?
Ora, face ao teor do acto recorrido e do parecer integrante, na nossa opinião, o mesmo não só é suficientemente claro no seu texto para dar a conhecer o discurso justificativo da decisão tomada como tem capacidade para esclarecer as razões determinantes do acto, é ainda congruente e suficiente.
Dele resulta que foi revogada a autorização de permanência do Recorrente por considerar que a sua conduta (ofender a integridade física de outrem) constitui perigo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.
Conclui-se assim pela improcedência do vício da forma, por falta de fundamentação.
3. Violação do princípio da proporcionalidade:
Nos termos do nº 2 do artº 5º do CPC, “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.
É este o chamado princípio da proporcionalidade e da adequação.
A ideia central deste princípio projecta-se em três dimensões injuntivas: adequação, necessidade e equilíbrio. A adequação impõe que o meio utilizado seja idóneo à prossecução do objectivo da decisão. Entre todos os meios alternativos, deve ser escolhido aquele que implique uma lesão menos grave dos interesses sacrificados. O equilíbrio revela a justa medida entre os interesses presentes na ponderação e determina que, na relação desses interesses entre si, deve a composição ser proporcional à luz do interesse público em causa.1
Este princípio só se opera no âmbito da actividade administrativa discricionária, que é o caso.
E o exercício do poder discricionário da Administração, como já referimos anteriormente, só é sindicável judicialmente nos casos de erro manifesto/grosseiro, ou da total desrazoabilidade, que não é o caso.
Cumpre-nos dizer que, entre o interesse pessoal do Recorrente e o interesse público da RAEM, não se afigura que a solução do acto recorrido seja inadequada e/ou desproporcional.
4. Violação dos princípios da boa fé, da necessidade e da tutela da confiança:
São novos fundamentos do recurso invocados pelo Recorrente nas alegações facultativas.
Dispõe o nº 3 do artº 68º do CPAC que “Nas alegações, o recorrente pode alegar novos fundamentos do seu pedido, cujo conhecimento tenha sido superveniente, ou restringi-los expressamente”.
No caso em apreço, o Recorrente não alegou qualquer conhecimento superveniente que justifica a invocação destes novos fundamentos do recurso, pelo que não são admitidos nem apreciados.
*
V – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente o presente recurso contencioso, mantendo o acto recorrido.
*
Custas pelo Recorrente com 8UC de taxa de justiça.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 14 de Novembro de 2019.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong


1 Cfr. David Duarte, Procedimentalização, Participação e Fundamentação: Para Uma Concretização do Princípio da Imparcialidade Administrativa Como Parâmetro Decisório, Almedina, Coimbra, 1996,, 319 a 325.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

1


20
855/2018