Proc. nº 844/2019
Recurso Jurisdicional em matéria cível
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 21 de Novembro de 2019
Descritores:
- Despejo
- Caducidade do contrato
- Mandado para a execução do despejo
SUMÁRIO:
I – Se acaso o senhorio tiver pedido na acção o despejo do inquilino e a decisão judicial declarar a caducidade do arrendamento, omitindo qualquer referência acerca do despejo, a caducidade decretada não deixa de implicar a extinção do contrato e a entrega do locado.
II – Consequentemente, tendo a decisão judicial transitada em julgado declarado a caducidade do contrato de arrendamento, pode o senhorio pedir a passagem de mandado para a execução do despejo, ao abrigo do art. 935º, nº1, do CPC.
Proc. nº 844/2019
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
A, do sexo feminino, viúva, maior, com meio de contacto na XXXXXX, ---
Instaurou no TJB (Proc. nº CV1-15-0008-CPE) acção de despejo contra:
B, do sexo masculino, maior, residente na XXXXXX.
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Na oportunidade, foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente.
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Contra tal sentença, foi interposto recurso jurisdicional para este TSI, que por acórdão de 25/10/2018 declarou caducado o contrato de arrendamento celebrado entre as partes, condenando ainda o réu a pagar à autora rendas vencidas e vincendas e a quantia mensal de MOP$ 11.000,00 a título de renda e indemnização.
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Transitado em julgado o referido aresto, a autora, pela peça de fls. 400 dos autos, requereu ao tribunal a emissão de mandado para execução de despejo.
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O reu não se pronunciou sobre esse requerimento.
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Por despacho de fls. 405 dos autos, datado de 22/02/2019, foi aquele requerimento indeferido.
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Contra este despacho recorre agora a autora da acção, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
“1. É objecto deste recurso o despacho de fls. 405 que indefere a passagem de mandado de despejo, suportado, erroneamente, no facto da decisão relativa ao fundo da causa da acção de despejo não ter condenado o Réu arrendatário na restituição do locado.
2. Este proc. já foi objecto de um recurso anterior referente à decisão do mérito da causa, desfavorável à Autora, ora Recorrente, e que este Tribunal veio a dar procedência, revogando a decisão do Tribunal a quo e determinando a cessação do arrendamento por caducidade desde 10.10.2015.
3. E de notar que nesses autos também era de ser apreciado um recurso interlocutório da Autora relativo à passagem de um mandado de despejo com base no depósito extemporâneo das rendas vencidas na pendência da acção por parte do Réu, ora Recorrido.
4. Considerou este douto Tribunal que esse recurso era inútil porquanto os efeitos do recurso nessa parte (i.e. a obtenção da restituição imediata do locado mediante passagem de mandado de execução de despejo) seria incorporada no acórdão sobre a decisão de fundo.
5. Deixou este Tribunal claro portanto que o acórdão que aprecia o recurso da decisão de fundo teria o efeito pretendido pela Autora de condenar o Réu na restituição imediata do locado.
6. E assim foi, ao determinar que o arrendamento havia caducado a 10.10.2015, sendo desde essa data que o Réu arrendatário deveria ter procedido à restituição do locado e, por maioria de razão, estando nós agora no ano de 2019, devendo fazê-lo imediatamente.
7. Nos termos do art. 929.º do CPC, a acção de despejo pode ter como finalidade: (a) fazer cessar o arrendamento (quando a lei o impõe - vide art. 1017.º n.º 2 do CC) e / ou (b) efectivar a cessação do arrendamento quando o arrendatário não a aceite / execute e o senhorio não disponha de título executivo.
8. Tendo o arrendamento em causa nos autos cessado por efeito da caducidade (e não resolução ao abrigo do mencionado art. 1017.º n.º 2 do CC), é evidente que a Autora senhoria pretendia a finalidade aludida na al. b) do art. 929.º do CPC, ou seja, obter a execução da cessação do arrendamento (visto que o Réu arrendatário não acedeu a tal voluntariamente).
9. Nenhum sentido faria a Autora instaurar uma acção para apenas ver reconhecida a caducidade do arrendamento - para tal, o despejo nem se mostraria apropriado e deveria recorrer ao invés a uma acção de simples apreciação.
10. No art. 935.º CPC, que alude à passagem do mandado de despejo, quando alude ao respectivo requisito “se a sentença ordenar o despejo”, deve entender-se como “caso o pedido de despejo seja procedente”.
11. No proc. 548/2007, este Tribunal determinou que tendo o aí autor saído vencedor na acção principal, pode pedir a passagem de mandado para execução de despejo.
12. No âmbito de jurisprudência comparada, no proe. 9879/2006-1 na Relação de Lisboa, referiu-se que o mandado de despejo constitui uma sequência lógico-jurídica decorrente do incumprimento daquilo que foi decretado por sentença.
13. Através desse acórdão revogou-se uma decisão que indeferiu a passagem de um mandado de execução de despejo, precisamente como sucede nos presentes autos.
14. Acrescenta ainda de forma elucidativa esse Tribunal que a execução do mandado de despejo constitui, uma verdadeira execução especial para entrega de coisa certa, porquanto não faria sentido notificar ao fim e ao cabo novamente o executado (in casu, o arrendatário) para entregar a coisa ou opôr-se à execução (porquanto já teve oportunidade de o fazer na acção de despejo).
15. Este processo já remonta aos primórdios de 2015, tendo este Tribunal determinado que o Réu já deveria ter procedido à restituição do locado desde 10.10.2015 - estando nós presentes em Abril de 2019, o prejuízo para a Autora (que já viu o seu direito mais que reconhecido) é evidente.
Nestes termos, e nos demais de direito aplicável, peticiona-se a revogação do despacho de 22.02.2019 a fls. 405, substituindo-se por outro que venha dar provimento ao pedido do Autor a fls. 400, ou seja, a passagem do mandado de despejo nos termos do art. 935.º do CPC.”
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IV – O Direito
1. O despacho ora sindicado afirmou que o mandado de despejo só pode ser emitido havendo previamente uma sentença que o ordene, tal como resulta do ali invocado art. 935º, nº1, do CPC. E como o TSI no acórdão proferido não ordenou a desocupação, nem a restituição do imóvel, portanto não ordenou o despejo, limitando-se a declarar caducado o arrendamento, decidiu não satisfazer a pretensão da autora/recorrente.
Quid juris?
O art. 935º do CPC, com a epígrafe “Mandado de Despejo”, estipula nº nº1 que “Se a sentença ordenar o despejo e o arrendatário não entregar o prédio na data nela fixada, o senhorio pode requerer que se passe mandado para a execução do despejo.”
A caducidade, declarada através do acórdão do TSI acima referido, teve por fundamento o termo do prazo de duração do contrato (arts. 1022º, nº1, al. a), 1038º e 1039º, do CC). E ela tem por consequência a extinção do contrato e, em consequência disso, a extinção do inerente direito do arrendatário de fruir a coisa e habitar nela (cfr. art. 291º, nº2, do CC).
Como a doutrina assinala, "Na caducidade os efeitos jurídicos desaparecem em consequência de um facto jurídico stricto sensu. O contrato caduca, isto é, cai por si; torna-se ineficaz ou extingue-se ope legis. Dá-se um certo acontecimento e automaticamente o contrato perde valor. Não é necessário um acto de resolução ou de dissolução. Aqui o contrato resolve-se ipso jure, sem necessidade de qualquer manifestação de vontade, jurisdicional ou provada, tendente a extingui-lo. O fundamento da resolução opera por si e imediatamente. A sentença que decreta a rescisão, como a que decreta a anulação, é uma sentença constitutiva; a que averigua ter-se produzido a caducidade, como a que diz existir uma nulidade, é uma sentença meramente declarativa. Além fazem-se cessar os efeitos jurídicos, aqui declara-se que eles cessaram" (João de Matos, em Manual do Arrendamento, vol. II, pág. 166/167, citando o Prof. Doutor Galvão Teles; Aragão Seia em Arrendamento Urbano, pág. 379 e 389).
Ora, a partir desta posição doutrinal nós poderemos dizer que, com a caducidade do contrato (judicialmente declarada), a entrega do locado por parte do inquilino afigura-se-nos como sendo o seu corolário necessário e lógico, o que aliás está, a contrario sensu, previsto no art. 1036º, do CC, quando não concede prazo para a restituição nos casos das alíneas b) a d), do nº1, do art. 1022º, do Código Civil, e já nada diz quanto à situação da alínea a) do mesmo preceito, precisamente por se ter por assente que, nesse caso, o inquilino sabe que tem que deixar o prédio (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 3ª ed., pág. 420; Abílio Neto, Código Civil Anotado, 17ª ed., pág. 947).
É certo que o art. 1037º do CC, não obstante a caducidade, qualquer que seja a causa, prevê que o senhorio possa não se opor a que o inquilino se mantenha no gozo da coisa. Mas, no caso concreto, a autora/recorrente não só disse no requerimento de fls. 400 dos autos ter-se dirigido directamente ao inquilino para entregar o prédio, como requereu ao juiz a emissão de mandado de despejo, o que, tanto num caso, como noutro, revela a sua oposição à renovação do contrato. A execução do mandado de despejo parece ser, pois, consequência lógica da caducidade, a que se poderá seguir a oposição do inquilino, nos termos previstos no art. 936º, do CPC.
O facto de o acórdão não ter emitido uma ordem de despejo não significa que a desocupação pelo despejo esteja inviabilizada.
Uma interpretação literal e formal como aquela que olha para o art. 935º do CPC como sendo um comando imperativo que faça implicar a existência de uma verdadeira e expressa “ordem de despejo” parece ser demasiadamente restritiva e formal.
Ao mesmo tempo uma tal interpretação acabaria por desaguar numa concepção subjectivista e de apoio à posição jurídica do inquilino, quando nos parece que o caso em apreço apresenta essencialmente uma feição objectivista (é o “facto” que desencadeia a caducidade) e de apoio à posição jurídica do senhorio, pois é em favor dele, e para proteger o seu direito e interesse, que a norma é erigida.
Portanto, quando o acórdão declarou a caducidade, apesar de, por omissão, não ter decretado o despejo, teve-o sempre implicitamente na mira, como, aliás, nele se pode ler, quando julgou desnecessário conhecer do recurso interlocutório (a mesma autora recorrera por entender que o depósito das rendas teria sido feito fora do prazo legal; no recurso também pedira o despejo imediato nos termos do art. 935º do CPC).
Por isso mesmo afirmou que “o contrato de arrendamento…caducou em 10/10/2015 e a partir daí o recorrido passou a sujeitar-se às “sanções” legalmente fixadas: mora no pagamento de rendas e mora na restituição do locado” (pág. 10 do aresto) e “Pelo que, como os efeitos do recurso nesta parte (tentativa de obter a restituição imediata do locado mediante mandado de execução de despejo) passarão a ser “incorporados” nos efeitos decorrentes do acórdão que decidirá sobre o recurso contra a sentença final (conhecedor do mérito) é de julgar inútil o recurso interlocutório” (fls. 11 do aresto).
Pelo que se acaba de assinalar, entendemos não ser de manter o despacho recorrido.
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IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho impugnado, que deve ser substituído por outro que decida favoravelmente a pretensão da autora/recorrente, a menos que outra qualquer causa a tanto obste.
Custas pelo recorrido.
T.S.I., 21 de Novembro de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Proc. nº 844/2019 9