Processo nº 925/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 21 de Novembro de 2019
ASSUNTO:
- Impugnação da decisão da matéria de facto
- Nulidade da sentença por omissão da pronúncia
- Posse
SUMÁRIO:
- Para impugnar a decisão da matéria de facto, é necessário cumprir as exigências estabelecidas no artº 599º do CPC, não o tendo feito, é de rejeitar o recurso nesta parte.
- A nulidade de sentença/acórdão prevista na al. d) do nº 1 do artº 571º do CPCM traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no nº 2 do artº 563º do mesmo Código, nos termos do qual “O juíz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
- E só existe quando o Tribunal se esqueceu pura e simplesmente de apreciar qualquer questão que devesse ser apreciada por essencial ao resultado ou desfecho da causa, não já em relação a alguns dos fundamentos invocados pelas partes.
- Se o Tribunal deixar de considerar algum facto relevante alegado pelas partes, a sua consequência não é a nulidade da sentença em referência, antes a deficiência da matéria de facto para a boa decisão da causa, o que gera a anulação do julgamento e a sua consequente repetição com ampliação da matéria de facto em falta (cfr. nº 4 do artº 629º do CPC).
- Não tendo provado os factos constitutivos do direito alegado, não resta outra alternativa senão da improcedência da acção.
O Relator
Ho Wai Neng
Processo nº 925/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 21 de Novembro de 2019
Recorrentes: A e B (Autores)
Recorridos: C e os seus Herdeiros, Herdeiros desconhecidos do D ou E, também conhecido por F, G ou H, I e J, K e L, R.A.E.M. e Interessados incertos (Réus)
M aliás N e F (Intervenientes)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 03/05/2019, julgou-se improcedente a acção interposto pelos Autores A e B.
Dessa decisão vêm recorrer os Autores, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Os ora Recorrentes vieram no âmbito da acção ordinária onde foram AA. pugnar pela aquisição originária por usucapião do prédio urbano sito na XXXXXX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº. XXX a fls. 90v do Livro B22.
2. O Tribunal a quo julgou improcedente a acção e decidiu absolver os Réus C, Herdeiros do C, Herdeiros do D ou E ou F, G ou H, I e J, K, L, Região Administrativa Especial de Macau, Interessados incertos, os intervenientes M aliás N e F de todos os pedidos formulados pelos Autores A e B do pedido formulado pelos AA., para tal invocando a falta de publicidade e actos demonstrativos da posse, subsumíveis aos pressupostos do pedido dos AA. ora Recorrentes.
3. A sentença ora recorrida é claramente nula nos termos e para os efeitos do artigo 571º nº. 1 alíneas b) e c) do CPC e padece de vício de violação da lei porquanto viola o artigo 562º do CPC.
4. Entendem, ainda, os ora Recorrentes que a sentença padece de vício de violação da lei, porquanto violou o disposto nos artigos 1580º e 1581º do Código de Seabra; o artigo 12º do Código Civil Português de 1966 e os artigos 6º, 12º, 1175º, 1178º, 1179º, 1180º, 1181º, 1184º, 1185º, 1186º, 1212º, 1221º, 1241º e 1249º.
5. Pelo que, o entendimento do Tribunal a quo devia ter sido no sentido de que não só os ora Recorrentes (alí Autores) têm a posse, assim como houve posse dos seus antecessores quer por via do justo título quer por via da entrega do prédio aos AA., e aos cedentes, na medida em que o H lhes transmitiu o bem imóvel (traditio)
6. Não podia o Tribunal a quo deixar de admitir a presunção de continuidade da posse por parte de quem a começou.
7. Pelo que, entendem os ora Recorrentes que têm a posse e houve acessão na posse, somando a sua posse à dos antecessores.
8. Para concluir que se encontra completado o prazo de usucapião tendo deste modo adquirido a propriedade do prédio.
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O Mº Pº respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 280 a 282v dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- O prédio situado na XXXXXX encontra se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXX, a fls. 90v. do Livro B22. (alínea A) dos factos assentes)
- A partir de Fevereiro de 1961, faleceu o D, ou E, ou F. (alínea B) dos factos assentes)
- A titularidade do domínio útil do prédio ou terreno descrito sob o n.º XXX na Conservatória do Registo Predial de Macau não foi objecto de registo predial. (alínea C) dos factos assentes)
- O prédio ou terreno em causa encontra-se registado no Livro de Registo de Foros M/21, da Direcção dos Serviços de Finanças, sob o n.º XXX, aí constando como enfiteuta Chan-pin. (alínea D) dos factos assentes)
- Em Novembro de 1949, o D, ou E, também conhecido por F, comprou a C, a casa situada na XXXXXX (cfr. cópia do respectivo contrato, que se junta como doc. n.º 1 com a P.I., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais). (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- Foram pagas as respectivas contribuições prediais no período entre o ano 1949 e 1978. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- Foi atribuída, em 19 de Dezembro de 1949, a favor de E a licença para proceder às obras de reparação da cobertura e paredes laterais. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- Em 10 de Maio de 2010, o G, ou H, vendeu o aludido imóvel aos 4ºs e 5ºs Réus, I e sua mulher J, e K e L, pelo preço de HKD$2.050.000,00 (cfr. respectivo contrato que se junta como doc. nº 36 com a P.I., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais). (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- Tendo o G, ou H, com a assinatura desse contrato, recebido o sinal de HKD$500.000,00. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
- Em 27 de Maio de 2010, os 4ºs e 5ºs Réus, I e sua mulher J, e K e marido L, cederam as respectivas posições aos ora Autores, que os reembolsaram do valor de HKD$500.000,00, que aqueles haviam pago ao G (cfr. respectivo contrato que se junta como doc. nº 38 com a P.I., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais). (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- Por esta cessão, os Autores pagaram a cada um dos casais cessionários, aqui 4ºs e 5ºs Réus, o preço de HKD$815.000,00, no total de, portanto, de HKD$1.630.000,00. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- E pagaram ainda os Autores aos G, o remanescente do preço pelo contrato que este havia celebrado com os 4ºs e 5ºs Réus, no montante de HKD$1.550.000,00. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- A supra referida cessão foi expressamente aceite pelo G, ou H, e esposa, conforme declaração de 28 de Maio de 2010 (cfr. documento que se junta como doc. n.º 45 com a P.I., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais). (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
- Após celebrado o contrato referido em 7º os 4ºs e 5ºs Réus receberam o aludido imóvel, passando a detê-lo e utilizá-lo como sua exclusiva pertença. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- Após celebrados os contratos referido em 9º e 10º, os Autores receberam o imóvel, do qual detêm as chaves, utilizando-o e tratando da sua manutenção. (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
- Reparando-o e evitando a sua degradação. (resposta ao quesito 19º da base instrutória)
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III – Fundamentação
1. Da nulidade da sentença por omissão da pronúncia:
Em nome da nulidade da sentença, parece os Autores querer impugnar a decisão da matéria de facto.
Contudo, para o efeito, é necessário cumprir as exigências estabelecidas no artº 599º do CPC, a saber:
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
Não o tendo cumprido as exigências legais, é de rejeitar o recurso nesta parte.
Caso os Autores quererem efectivamente imputar à sentença recorrida padecer da nulidade referida, cumpre-nos dizer que esta nulidade de sentença/acórdão prevista na al. d) do nº 1 do artº 571º do CPCM traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no nº 2 do artº 563º do mesmo Código, nos termos do qual “O juíz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
E só existe quando o Tribunal se esqueceu pura e simplesmente de apreciar qualquer questão que devesse ser apreciada por essencial ao resultado ou desfecho da causa, não já em relação a alguns dos fundamentos invocados pelas partes – cfr. Acórdão do TSI, de 31/05/2012, proferido no Proc. nº 167/2012.
Se o Tribunal deixar de considerar algum facto relevante alegado pelas partes, a sua consequência não é a nulidade da sentença em referência, antes a deficiência da matéria de facto para a boa decisão da causa, o que gera a anulação do julgamento e a sua consequente repetição com ampliação da matéria de facto em falta (cfr. nº 4 do artº 629º do CPC).
Não caso em apreço, não se verifica qualquer situação da deficiência da matéria de facto para a boa decisão da causa.
Pois, como é sabido, incumbe aos Autores o ónus de alegar e provar os factos constitutivos do direito alegado (cfr. nº 1 do artº 335º do C.C.).
Na petição inicial, os Autores não alegaram os factos que permitem concluir que eles próprios praticaram, com publicidade, os actos materiais correspondentes ao exercício do direito.
É certo que alegaram que D ou E ou F, tal como o seu filho G ou H, viverem longos anos no mencionado prédio desde 1949, ocupando-o de forma permanente, à vista de todos, sem oposição de alguém, na convicção de exercerem um direito próprio de propriedade sem lesarem direitos de outrem.
Contudo, estes factos foram considerados como não provados (vide resposta aos quesitos 13º a 16º da Base Instrutória, fls. 218 a 220 dos autos) e os Autores não impugnaram de forma específica da decisão da matéria de facto em conformidade com o disposto do artº 599º do CPC.
2. Do mérito da causa:
A sentença recorrida tem o seguinte teor:
“…
Cumpre analisar os factos tidos por assentes e aplicar o direito.
Nos presentes autos, alegaram os Autores que adquiriu junto do G prédio XXXXXX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau, sob o nºXXX, a fls. 90V do LivroB22, em Maio de 2010, por compra e venda, tendo pago um preço de HKD$3.680.000,00, após o pagamento do preço, foram-lhes entregues as chaves do prédio, e que começaram a utilizar o prédio com sua pertença, procedendo os actos de manutenção e reparação, entendendo que adquiriram a posse sobre o prédio desde 2010, a sua posse juntaram com a posse que os antecessores, nomeadamente G e o pai deste O para adquirir o direito de domínio útil por via de usucapião.
Pretendem os Autores a aquisição do direito de propriedade por via de usucapião, a questão fulcral a saber se os Autores gozam da posse do prédio e a duração do tempo que perdura a posse.
“Posse é o poder que se manifesta quando alguém actual por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.” (artº1251º do C.C. 66 e artº1175º do C.C.99)
Preceitua-se o disposto do artº1287º do C.C.66 (actual artº1212º) “A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião.”
Sobre a posse, a doutrina dominante tem entendido que o conceito da posse, acolhido no artº1251º e ss do C.C. 66 (com a redacção idêntica dos artº1175º e ss do C.C. 99), deve ser entendido de acordo com a concepção subjectivista, em que se exige dois elementos “corpus” e “animus”. O corpus, traduz-se como os actos materiais praticados sobre a coisa, com o exercício de certos poderes sobre a coisa, enquanto o anímus, que consiste na intenção por parte de quem a exerce, de se comportar como titular do direito real correspondente aquele domínio de facto ou aos actos praticados. (Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, 2ª edi, Vol III, pag.5 e Orlando Carvalho, RLJ, 122º-65 e ss)
Dispõe-se ainda o artº 1256º do C.C.66 (artº 1180º do CC):
“1. Aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte pode juntar à sua a posse do antecessor.
2. Quando a posse do antecessor tiver características diferentes ou for exercida a título de um direito real distinto, a acessão só se dará dentro dos limites daquela que tem menor âmbito.”
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Alegaram os Autores que os D ou E ou F comprou a C o prédio XXXXXX em 1949, desde então, o D, primeiro e ap6s o falecimento, o seu filho G ou H deteve e possuiu o referido prédio como seu legítimo dono à vista de todos e sem oposição de ninguém, tendo este direito transmitido posteriormente aos 4ºs e 5ºs Réus e depois aos Autores em Maio de 2010, passando estes a detê-lo e utilizá-lo como sua exclusiva pertença, entendendo que a posse que os Autores exercem sobre o prédio tem a duração suficientes para conduzir a usucapião do prédio.
Para esse efeito, invocaram os Autores não só a posse que eles exercem mas também a posse que os seu antecessores tinham sobre o prédio, portanto, na análise da posse, importar saber não só a posse dos Autores mas também a posse exercida pelos seus antecessores.
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Posse dos D e do G
De acordo com os factos tidos por assentes, apenas consta o acto de aquisição do prédio através do acordo particular pelo D ao C e a emissão da licença a favor deste para obras de reparação da cobertura e paredes laterais, o que é manifestamente insuficientes para concluir que o tal D tinha posse sobre o prédio em causa.
Já quanto ao G, apenas temos o facto de este vendeu o prédio ao 4º e 5º Réus que estes o transmitiram para os Autores, porém, não está comprovado que o G é filho do D, fica afastada a aquisição por via sucessiva, não temos factos para saber o modo de aquisição do prédio.
Também não vêm comprovados os factos de os D e G viveram no prédio ao longo de 6 décadas e ocuparam o prédio na convicção de serem donos do prédio. (respostadas dadas aos quesitos 13º a 16º da base instrutória).
Sem os factos concretos subsumíveis nos pressupostos da norma jurídica, não poderá o Tribunal afirmar que o D, menos o G ou H tinha posse sobre o prédio. É que não basta a alegação e provação do acto de transmissão pelo C ao D para sustentar que este tinha, efectivamente, posse sobre o prédio.
Posse dos Autores
No que diz respeito ao corpus, estão assentes que em 10 de Maio de 2010, o G ou H, vendeu o prédio XXXXXX aos I e a sua mulher J e K e marido L, pelo preço de HKD$2.050.000,00.
Em 27 de Maio de 2010, os Autores adquiriram, por acordo escrito a posição contratual dos I e a sua mulher J e K e marido L no mencionado contrato, tendo pago o preço aos cedentes, em HKD$1.630.000.00 e ao G o remanescente preço de HKD$1.550.000,00, receberam o prédio, do qual detém as chaves, utilizando-o e tratando da sua manutenção, reparando-o e evitando a sua degradação.
De acordo com esses factos dados como provados, pode deduzir-se que, desde a compra ocorrida em 2010, foram entregues as chaves do médio em causa aos Autores, utilizando o prédio e procederam actos destinados à sua manutenção e reparação. Analisados esses actos praticados pelos Autores, não se vê diferença entre este e os que o proprietário praticaria. Portanto, podemos dizer que existe o elemento de “corpus”
No que tocante ao elemento “animus”, também se acha verificado a partir dos factos acima provados. Os Autores obtiveram o prédio através dum negócio de compra e venda, mesmo sem formalidades legais, tendo pago o montante no total de HKD$3.180.000,00, como preço da compra. O que demonstra que eles têm vontade de ser titulares do prédio.
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Aquisição da posse
Demonstrados estão os elementos “corpus” e “animus”, ainda há que aquilatar se, os Autores adquiriram a posse.
Preceitua-se o disposto da alínea a) do artº1263º CC66 (actual artº1187º do CC99) que “A posse adquire-se a) pela prática reiterada, com publicidade dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito; b) pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor; c) por constituto possessório; d) por traditio brevi manu; ou e) por inversão do título da posse.”
No caso em apreço, os factos tidos por assentes só demonstram que os Autores adquiriram o prédio do G ou H, mas nada consta dos factos assentes que demonstram que o G tinha posse sobre o prédio, pelo que os Autores só podem adquirir a posse por via constante da alínea a).
Para o efeito da aquisição da posse, a lei exige dois requisitos: a prática reiterada e a publicidade.
No que tocante a reiteração, tem entendido que o que releva para o apossamento é a intensidade da actuação, e não o tempo, para criar o controlo material sobre a coisa.
Assim, diz José Alberto C. Vieria, in Direitos Reais, fls. 581, que “Este (apossamento) requer que o possuidor esteja em condições de actuar duradouramente sobre a coisa ou seja, de a conservar debaixo do seu poder. Isto não quer dizer, porém, que a posse tenha de se manter duradouramente para que haja apossamento, mas que deve existir essa possibilidade abstracta.”
No caso em causa, assente está que os Autores detêm as chaves do prédio em Maio de 2010, a partir daí passando a utilizá-lo como sua exclusiva pertença, tratando da sua manutenção, reparando-o e evitando a sua degradação.
Na verdade, os factos alegados e provados são pouco vagos. Não permite saber como é que os Autores usaram o prédio, usaram como sua casa? Ou têm instalado um estabelecimento comercial? Por outro lado, também não se demonstra a repetição dos actos materiais, não se revelando de que modo é que se realizou a manutenção e a reparação do prédio, por um único acto ou por vários actos repetidos. Aliás, tendo os Autores sido entregues as chaves do prédio, os mesmos estão com possibilidade de dispor o prédio a qualquer momento. Julgamos a intensidade da actuação dos Autores sobre o imóvel é suficiente para preencher o requisito da prática reiterada.
Mas, no que diz respeito ao requisito público, já não se achamos verificado. Com efeito, não vêm comprovado em que circunstâncias é que os Autores procedeu à manutenção e a reparação do prédio, evitando à sua degradação. Na verdade, não foram alegados factos concretos tais como são praticados à vista de todos, facilmente perceptíveis por todos, pelos quais permitem detectar que o controlo material sobre do prédio pelos Autora é feito de forma pública. Assim, por não ter factos concretos, não podemos afirmar que os actos materiais foram feitos publicamente nem que foram pela forma oculta. A publicidade da posse constitui factos essenciais para aquisição da posse, através do qual se reconhece o direito que os Autores pretendem adquirir, cuja alegação e prova cabe aos Autores. Por força do disposto do artº437º do C.P.C., na falta da matéria fáctica, a questão deverá ser resolvida contra a parte a quem o facto aproveita. Pelo que, é que entender que os actos referidos pelos Autores não são praticados pela forma pública.
Não se mostram preenchidos o requisito da prática pública, não podemos concluir que os Autores adquiriram a posse sobre o prédio XXXXXX, ao abrigo do preceito acima transcrito.
Usucapião
Preceitua-se o disposto do artº1287º do C.C.66 (actual artº1212º ) “A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião.”
Flui desse preceito que a aquisição do direito real por meio de usucapião exige-se a verificação cumulativa de dois requisitos essenciais: a posse e o decurso de certo lapso de tempo.
Como não está afirmado que os Autores adquiriram a posse, sem necessidade de demais considerações, os Autores não poderão adquirir o direito de domínio útil sobre o prédio em causa por via de usucapião.
Pedidos dos Autores
Pretendem os Autores, a título principal, serem reconhecidos como proprietários do domínio útil do prédio XXXXXX, de acordo com a análise acima, esse pedido é julgado improcedente.
A título subsidiário, pretendem os Autores a declarar como possuidores do prédio, para efeito de registo.
Sem o reconhecimento da adquisição da posse pelos Autores, esse pedido deverá igualmente ser julgado improcedente.
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IV) DECISÃO
Nos termos e fundamento acima expostos, julga-se a presente acção improcedente por provado e consequentemente, decide:
- Absolvem-se os Réus C, Herdeiros do C, Herdeiros do D ou E ou F, G ou H, I e J, K, L, Região de Administrativa Especial de Macau, Interessados incertos; os intervenientes M aliás N e F de todos os pedidos formulados pelos Autores A e B.
…”.
Trata-se duma decisão que aponta para a boa solução do caso, com a qual concordamos na sua íntegra, pelo que ao abrigo do nº 5 do artº 631º do CPCM, é de negar o recurso nesta parte com os fundamentos invocados na decisão recorrida.
Na realidade, não tendo provado que o G ou H é filho de D ou E ou F, não se pode dizer que o primeiro sucedeu a posse do segundo por via de sucessão.
Por outro lado, dos factos assentes e provados não resulta que o G ou H quando vendeu, em 10/05/2010, o aludido imóvel aos 4ºs e 5ºs Réus, I e sua mulher J, e K e L, pelo preço de HKD$2.050.000,00, tinha posse própria sobre o prédio, daí que não se pode afirmar que ele transmitiu a sua posse para os Autores (que assumiram o lugar de comprador por cessão da posição contratual) por via da venda.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
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Custas do presente recurso pelos Autores.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 21 de Novembro de 2019.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
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925/2019