Processo nº 161/20171
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 24 de Outubro de 2019
Recorrentes : Recurso Principais
- A (1º Autor)
- B (2ª Autora)
- Companhia de Construção e Obras de Engenharia C Limitada (C建築置業工程有限公司) (2ª Ré)
- Companhia de Seguros da D (Macau), S.A. (D保險(澳門)股份有限公司) (4ª Ré)
Recurso Subordinado
- E Insurance (Hong Kong) Limited (E海上火災保險(香港)有限公司) (3ª Autora)
Recorridos : - Os Mesmos
- Companhia de Electricidade de Macau – CEM S.A. (澳門電力股份有限公司) (1ª Ré)
- F Insurance Company Limited (F保險有限公司) (3ª Ré)
- Companhia de Seguros G Mundial, S.A. (G保險有限公司) (5ª Ré), sucedida pela G Macau – Companhia de Seguros, S.A. (G澳門保險股份有限公司) (fls.22 do Apenso nº CV1-13-0018-CAO-B)
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
Companhia de Construção e Obras de Engenharia C Limitada (C建築置業工程有限公司) (2ª Ré), Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 14/06/2016, veio, em 10/08/2016, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 898 a 903, tendo formulado as seguintes conclusões :
a) 事實的發生涉及上訴人(因路面上有泥沙)、重型貨車的駕駛者(車輪輾過被害人並引致其死亡)及被害人(不熟車路趕上班酒後駕駛其重型電單車在工程之行車線上高速行駛並剎掣)。如同卷宗所獲證事實可以知道,被害人死亡是因為被重型貨車車輪輾過,這是被害人死亡直接及必然的原因。
b) 重型貨車及其司機並未獲證實違反任何法律條文規定,無刑事或不法民事歸責,而遺留下來的是因車輛在馬路上行駛而衍生的風險責任。
c) 上訴人對有關工程做足了相當措施,沒有被電力公司及政府部門檢控違例或作出任何處罰,有關道路的情況正如上訴人答辯時指出一樣(有關答辯在此視為全部被轉錄)即使認為有泥沙源於上訴人的工程,亦非有關泥沙是引致意外的絕對因素,正如按照我們生活及駕駛經驗,車輪駛過有泥沙的道路上並不必然引致車輪發生任何不安全情況,因為在物理上,輪子在沙上滾動並不必然因引致跣肽。
d) 被害人跌進重型貨車後轆是因為其駕駛的重型電單車失控,重型電單車失控是因為上訴人駕駛的重型電單車以一定速度行進有沙的路面上並急剎致跣肽,肽痕長達10.4米。
e) 上訴人當日趕上班,平日坐公司巴士,不熟悉電單車及路面情況。而作為車輛的駕駛者不應選擇酒後駕駛(法醫報告中認定被害人血中酒精濃度為0.3克/升),明知整條偉龍馬路都在掘路中亦明知左邊線而被封及地上有沙,但並沒有跟著重型車輛卻選擇從左邊狹窄的位置爬頭及行駛,最終因在有沙的路面上急速剎掣引致車輛失控、倒下及其本人掉進重型貨車後轆而被輾死。
f) 在尊重不同的理解下,上訴人認為被害人的過錯應佔絕大部分,上訴人只應佔百分之二十的過錯,此等過錯比例較客觀和公正。
g) 被上訴判決沒有說明其定出有關過錯比例的依據,事實上,其應根據《民事訴訟法典》第562條第2款規定作出說明理由,由於沒有說明理由,因此,所定出的賠償額都屬於無效判決,法律依據為同一法典第571條第1款b項之規定。
h) 事實證實上訴人已經透過保險合同將有關工程所衍生的對他人的生命財產的損失以合同方式而賠償責任轉嫁案中另一當人D保險股份有限公司。保額為澳門幣500萬元,不超過澳門幣500萬元的賠償,按法律及合同應由該保險公司一力承擔。
i) 綜上所述,上訴人認為被上訴判決在定過錯比例上沒有說明理由,而必然引致判處賠償的判決無效。上訴人認為其只應佔百分之二十的過錯,此等過錯比例比較客觀和公正。另外上訴人已透過法律及保險合同的規定,將工程衍生的風險嫁於D保險股份有限公司,保額為澳門幣500萬,然而在不超過此保額的情況下被上訴判決仍判處上訴人需要向E海上火災保險(香港)有限公司賠償816,411.20元是違反了有關法律及保險合同規定,亦令保險制度失去意義,請求尊敬的中級法院合議庭一如既往作出公正裁判。
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E Insurance (Hong Kong) Limited (E海上火災保險(香港)有限公司) (3ª Autora), Recorrida, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 982 a 985, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. A recorrente insurge-se contra a sentença proferida pelo Tribunal a quo, basicamente, por duas ordens de razões: (1) o Tribunal não terá fundamentado (adequadamente ou não) a repartição da culpa pela eclosão do acidente, devendo antes ser atribuída à ré apenas 20% da culpa; e (2) a recorrente não deveria ter sido condenada a ressarcir a ora recorrida, visto que tinha celebrado um contrato de seguro válido com a Companhia de Seguros da D Macau.
I - DA REPARTIÇÃO DE CULPA
2. Entende a recorrente que o Tribunal a quo não terá fundamentado a sua decisão no que respeita à repartição da culpa entre as entidades envolvidas.
Carece totalmente de razão a recorrente: a sentença recorrida dedica uma considerável extensão da sua clara e exaustiva fundamentação à dissecação da responsabilidade de cada um dos intervenientes, mormente nas páginas 25 a 38 (fls. 847 a 853v dos autos), para onde se remete.
A sentença não padece, manifestamente, de falta de fundamentação.
3. A recorrente defende que não lhe deve ser atribuída 80% da responsabilidade pela eclosão do acidente, devendo essa percentagem ser reduzida para os 20%.
4. Resulta dos factos dados como provados na sequência das audiências de discussão e julgamento o seguinte: devido à existência de areia e gravilha na faixa de rodagem, a infeliz vítima deixou de conseguir controlar o motociclo que conduzia, tendo este perdido a aderência com a estrada, o que causou a sua queda.
Mais ficou provado que os elementos que se encontravam na via advieram das obras e trabalhos que a recorrente desenvolvia na Avenida Wai Long.
O acidente de viação ocorreu devido a estas causas - e a mais nenhumas - que transparecem dos factos dados como provados a final.
As consequências foram mais nefastas devido ao facto do condutor do motociclo ter ido parar abaixo de um veículo pesado, não restando dúvidas, porém, que a causa do acidente foram os elementos das obras que estavam (e não deviam estar) na faixa de circulação.
5. Tudo isto resulta dos factos dados como provados após o julgamento, para cuja resposta o Tribunal a quo contou com a inestimável contribuição das filmagens do acidente, as quais permitiram dissipar quaisquer dúvidas ou teorias suscitadas pela empreiteira recorrente e a sua seguradora.
O Tribunal pôde constatar inequivocamente que os materiais das obras invadiram a via de circulação e que tais elementos levaram a que o condutor do motociclo perdesse o controlo da viatura.
A recorrente deve ser responsabilizada pela eclosão do acidente, visto que não tomou as precauções necessárias para evitar que se potenciassem riscos à vida ou integridade física dos condutores que circulavam pela via pública, o que malogradamente se veio a comprovar.
6. Consistindo a actividade da recorrente no desenvolvimento de obras de construção, deveria esta, por força do seu ofício, ter um especial cuidado para impedir que a segurança dos demais cidadãos fosse posta em causa.
O desleixo com que desenvolveu a sua actuação é patente nas filmagens juntas aos autos, onde se pode vislumbrar que, não só na obra em causa como nas outras que desenvolvia na Avenida Wai Long, os materiais que utilizava transbordaram para a via pública.
7. A responsabilidade pela eclosão do acidente deve ser, ressalvado o devido respeito, atribuída a título doloso à recorrente, pois negligenciou a limpeza da via pública, não havendo tomado as precauções necessárias para que os veículos pudessem circular com segurança.
Tendo em conta a vasta experiência detida pela recorrente em desenvolver este tipo de obras (e outras de maior envergadura), não poderia (nem deveria) desconhecer o perigo que as areias, terra e gravilha causam quando invadem a via pública.
O facto de se ter chegado à situação que determinou a abertura dos presentes autos aponta para uma actuação (ou omissão) dolosa (no mínimo, eventual) porque a recorrente teve de projectar obrigatoriamente a possibilidade de virem a ocorrer acidentes devido à forma como desenvolveu as obras, conformando-se com esse facto.
8. Ressalvando douto entendimento em contrário, entende a recorrida que à recorrente pode apenas ser fixada uma responsabilização em maior grau pela eclosão do acidente, no sentido de assumir por inteiro a culpa pelas consequências nefastas do mesmo.
9. O malogrado condutor não deve ser - ao contrário do que continua a insistir a recorrente - responsabilizado pelas lamentáveis consequências do acidente, porque estava a circular numa via de circulação parcialmente deixada em aberto pela recorrente, onde não circulava qualquer outro veículo.
O malogrado condutor não acelerou nem desacelerou a sua condução, não tendo procedido à ultrapassagem de qualquer veículo, havendo mantido uma condução estável, e conduzindo pela faixa mais à esquerda, como se lhe impunha.
10. Tudo isto poderão Vossas Excelências comprovar através do visionamento dos vídeos juntos aos autos.
II- DA TRANSFERÊNCIA DA RESPONSABILIDADE
11. A recorrente entende, por outro lado, que, por ter celebrado contrato válido de seguro, havendo transferido a sua responsabilidade para a D INSURANCE COMPANY (MACAU) LTD, e situando-se o pedido dentro do limite da apólice, não deveria ter sido condenada pelo Tribunal a quo a pagar à ora recorrida qualquer montante.
12. Ressalvado o devido respeito, não lhe assiste razão. Pelo facto de a recorrente ter sido condenada é que a seguradora com que celebrou o contrato de seguros será obrigada a pagar alguma quantia em seu nome.
A primeira entidade responsável perante a recorrida é a recorrente, oferecendo o património da entidade seguradora uma garantia maior à solvência do crédito que foi atribuído.
Mas tal não implica uma desresponsabilização da recorrente, pois isso diminuiria as garantias patrimoniais dos credores em ver satisfeita a indemnização, sem que nada o justifique em face da recorrida.
13. A recorrente efectivamente pugnou num primeiro momento pela intervenção da sua seguradora, tendo o pedido de intervenção provocada sido indeferido.
Como resulta da sentença recorrida, a recorrente não se insurgiu contra esse indeferimento, devendo-o ter feito em momento oportuno, nomeadamente através da apresentação de um recurso jurisdicional contra tal decisão.
Não pode vir agora invocar esse facto para se desresponsabilizar; tampouco pode a recorrida ver os seus direitos afectados devido ao facto de a recorrente não ter logrado provocar a intervenção da sua seguradora nos autos.
Em face da recorrida, a recorrente é efectivamente a entidade que deve ser responsabilizada.
14. Ressalvando douto entendimento em contrário, trata-se de um problema que se situa no âmbito das relações internas entre segurado e seguradora.
Não é de crer que, havendo trânsito em julgado da decisão condenatória, a seguradora da recorrente venha a recusar-se a efectuar o pagamento em seu nome, até porque isso abriria porta a uma acção de regresso do segurado em face da seguradora.
15. Se assiste alguma razão à recorrente, sê-lo-á apenas na medida em que a sua seguradora efectivamente também deveria ter sido condenada a efectuar o pagamento da indemnização à ora recorrida.
A verdade é que se foi negada a intervenção da seguradora da recorrente num primeiro momento em que o processo que correu termos no 3.° Juízo Cível sob o n.º CV3-13-0058-CAO não havia ainda sido apensado ao presente, a partir do momento que se procedeu à requerida apensação e em que a seguradora da recorrente efectivamente veio a ser parte nos mesmos autos e pelos mesmos motivos, intervindo do lado passivo da demanda, já nada justificava que o douto Tribunal a quo entendesse que a intervenção da seguradora seria apenas parcelar, existindo dum lado e inexistindo no outro, visto que se fundiram todos os pedidos (incluindo o suscitado na contestação da recorrente, de que a sua seguradora fosse responsabilizada pelo pagamento de qualquer indemnização abaixo do limite da apólice).
Justificar-se-ia, ressalvado o devido respeito, que também houvesse sido condenada a D INSURANCE COMPANY (MACAU) LTD, solidariamente, em virtude do contrato de seguro celebrado, visto que o caso julgado, quando transitar a decisão condenatória em julgado, também lhe será oponível.
16. O mesmo transparece, aliás, da sentença recorrida, quando se afirma o seguinte: "Tendo a responsabilidade civil emergente de danos causados a terceiros pela execução das obras realizadas pela C sido transferida por contrato de seguro nos termos do artº 962º e seguintes do CCom para a companhia de Seguros D Insurance Company (Macau) Ltd, sendo o valor da apólice igual a MOP$5.000.000,00, será esta companhia aqui interveniente a responsável por satisfazer a indemnização a que haja lugar na parte que cabe à sua segurada, até ao valor do montante garantido pela apólice."
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Companhia de Seguros da D (Macau), S.A. (D保險(澳門)股份有限公司) (4ª Ré), Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 14/06/2016, veio, em 23/09/2016, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 943 a 967, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. A recorrente não se conforma com o Douto Acórdão recorrido na parte em que se decide pela concorrência de culpas entre a vítima e a 2ª Ré, empreiteira da obra, e muito menos concorda com a proporção de 80% e 20% de responsabilidade, respectivamente;
II. Por via do presente recurso, pretende a Recorrente impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto vertida quesitos 3º, 7º, 9º, 12º, 13º, 21º, 23º, 48º, 49º, 50º, 52º, 53º e 89º da Douta Base Instrutória da Base Instrutória porquanto da prova produzida em sede de julgamento nunca poderiam os referidos quesitos merecer as respostas que lhe foram conferidas pelo douto Tribunal a quo;
III. Da prova produzida em sede de julgamento, conjugada com os demais elementos dos autos, teriam necessariamente de ser diferentes as respostas conferidas aos quesitos 3º, 7º, 9º, 12º, 13º, 21º, 23º, 48º, 49º, 50º, 52º, 53º e 89º da Douta Base Instrutória, pelo que estamos perante um claro erro de julgamento;
IV. Resulta da prova produzida em sede de julgamento que a areia e gravilha no pavimento não poderia ter provocado, nem provocou, a perda de aderência e queda do motociclo;
V. Das fotografias a fls. 95, dos registos de vídeo e do croquis a fls. 78 resulta que o condutor do motociclo travou, tendo deixado marcado no pavimento um rasto de travagem de mais de 10 metros;
VI. Mais resulta das fotografias que o rasto de travagem se inicia muito perto do gradeamento ali colocado - e diz-se muito perto porque não apurou o Tribunal a respectiva distância - e termina com uma curvatura na direcção do gradeamento;
VII. Resulta ainda do depoimento da testemunha H, condutor do veículo pesado, que ouviu um embate na grade e olhou pelo retrovisor tendo visto um corpo e parado imediatamente o veiculo pesado, dando-lhe a impressão de que o motociclo embateu no gradeamento antes de a vítima cair ao chão;
VIII. A conjugação dos elementos probatórios leva-nos à conclusão que a queda do condutor do motociclo não se deu por causa da areia e gravilha ou falta de aderência - tanto mais que a vítima fez uma travagem controlada durante mais de 10 metros - mas antes porque não conseguiu imobilizar o motociclo nesse mesmo espaço de 10 metros, acabando por embater no gradeamento do seu lado esquerdo, o que terá provocado a sua queda; e porque se encontrava demFdo perto da lateral do veículo pesado - e diz-se demFdo perto porque o Tribunal também não apurou qual a distância certa - a vítima caiu entre os eixos dianteiro e traseiro do veículo pesado;
IX. Não foi a gravilha nem a areia a causa da queda mas antes a conduta da infeliz vítima que, como melhor se deixará demonstrado, foi manifestamente violadora das mais elementares regras estradais;
X. Deveria ter sido dada uma resposta negativa aos quesitos 7º, 9º, 12º e bem assim uma resposta positiva aos quesitos 52º e 53º;
XI. Não resulta da prova produzida nos autos que a areia e gravilha na via tenham advindo da obra da 2ª Ré, resultando até do depoimento da testemunha H que por aquele local passavam muitos camiões vindos de outras obras e que eram susceptíveis de deitar esses detritos para a via;
XII. Resulta da prova produzida nos autos que a 2ª Ré, empreiteira da obra, procedia diariamente à limpeza da via;
XIII. E tratando-se de uma obra sujeita a fiscalização da dona da obra e da Direcção dos Assuntos de Tráfego, como resulta da resposta ao quesito 88º da base instrutória, fácil é de concluir que nunca a 2ª Ré poderia negligenciar a limpeza da via;
XIV. Por tudo isso, deveria ter sido dada resposta negativa aos quesitos 13º, 21º e 23º e bem assim uma resposta positiva ao quesito 89º;
XV. A resposta negativa ao quesito 23º está em clara contradição com a resposta positiva ao quesito 84º;
XVI. Se por um lado o Tribunal a quo dá como assente que a limpeza da via era efectuada ao fim do horário de trabalho diário, por outro lado dá como provado que os trabalhadores da 2ª Ré não procederam à limpeza da via pública; esta contradição da decisão sobre a matéria de facto inquina necessariamente a decisão recorrida, porquanto a mesma suporta o entendimento do Tribunal a quo que a 2ª Ré concorreu com 80% de culpa na produção do acidente, precisamente pelo facto de não diligenciar pela remoção das areias e gravilha do pavimento que foram causa da queda da infeliz vítima;
XVII. Por ser manifestamente contraditória deverá ser por isso anulada, nos termos do disposto no art. 629º, nº 4 do CPC;
XVIII. No plano da conduta da infeliz vítima, concluiu bem o Douto Tribunal a quo que ao ultrapassar o veículo pesado pela esquerda na parte que restava livre da faixa de rodagem sem deixar o espaço de segurança entre o veículo pesado, aquele violou a regra do art. 38º e 64º, nº 1, 4) da lei do Transito Rodoviário;
XIX. Face aos elementos de prova constante dos autos a resposta ao quesito 3º deveria ter sido complementada com a distância que vai do veiculo pesado e o gradeamento que, como se viu, era de sensivelmente 1,50 m, e bem assim, a resposta aos quesitos 48º, 49º e 50º deveria ter sido positiva;
XX. O apuramento da distância entre o veículo pesado e o gradeamento do lado esquerdo da via mostra-se de extrema relevância porquanto o mesmo é claramente demonstrativo da manobra imprudente e temerária levada a cabo pela infeliz vítima, metendo-se a ultrapassar o veículo pesado pela esquerda, num espaço exíguo, pondo claramente em risco a sua segurança;
XXI. Essa manobra torna-se ainda mais temerária quando no local existem obras na via, nomeadamente na berma esquerda por onde pretendia passar o motociclo, obras essas que estavam devidamente sinalizadas, como resulta aliás da resposta aos quesitos 25º, 26º e 27º;
XXII. O erro de julgamento aqui verificado contribui também decisivamente para a decisão de atribuição de apenas 20% de responsabilidade para a vítima;
XXIII. A circunstância de existirem no lado esquerdo da via areias e gravilha, nada resulta dos autos que as mesmas sejam advindas da obra da 2ª Ré, pelo que esta nunca poderia concorrer com qualquer grau de culpa na produção do acidente sub judice;
XXIV. Mas ainda que essas areias e gravilha no pavimento sejam da responsabilidade da 2ª Ré, o que não se concede, nunca poderiam ser consideradas como causa adequada para a produção do acidente;
XXV. O comportamento do condutor do motociclo é passível de censura ético-jurídica, tendo concorrido exclusiva e decisivamente para a eclosão do acidente, porquanto, ao violar o disposto nos arts. 21º, nº 2, 38º, 40º, 42º, nº 1 alínea 2) e 4) e art. 64º, n. 14) da Lei do Trânsito Rodoviário, assim como as regras gerais de prudência, diligência e destreza, não se mostra adequada ao comportamento de qualquer condutor que circulasse nas mesmas condições;
XXVI. A Douta Sentença recorrida, na distribuição de culpas na produção do acidente, na proporção de 80 % para a recorrente e 20 % para a infeliz vítima dos autos, tendo em conta todo o supra exposto, viola os artigos 477º do Código Civil, e bem assim os arts. arts. 21º, nº 2, 38º, 40º, 42º, nº 1 alínea 2) e 4) e art. 64º, n. 1 4) da Lei do Trânsito Rodoviário, devendo a mesma ser alterada, no sentido de atribuir ao condutor do ciclomotor a culpa exclusiva na produção do acidente, ou caso assim não se entenda seja atribuída ao condutor do motociclo uma percentagem de culpa não inferior a 50%;
XXVII. É consabido que a natureza da indemnização pela perda do direito à vida, também denominado com frequência por "dano morte", distingue-se quer dos danos não patrimoniais sofridos pela vítima, quer pelos seus familiares;
XXVIII. Resulta do disposto no art. 489º, nº 3 do CC que o montante dos danos não patrimoniais é fixado equitativamente com recurso às circunstâncias como o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais do caso o justifiquem;
XXIX. O Mmo. Juiz a quo fixou uma indemnização pelo dano moral sofrido por cada um dos Autores em MOP1,000,000.00 porque entendeu fazer uma equivalência aos mais recentes valores arbitrados para o dano morte;
XXX. Sendo de natureza manifestamente diferente, não entendemos por justo tal arbitramento, sendo que o mesmo ignorou os ditames impostos pelo art. 489º, nº 3 ex vi art 487º do CC;
XXXI. O montante de MOP1,000,000.00 fixado aos Autores mostra-se manifestamente exagerado e desajustado com a mais recente jurisprudência que, em casos similares, tem vindo a arbitrar um montante não superior a MOP300,000 para cada um dos pais;
XXXII. Nesta matéria, a decisão recorrida viola o disposto nos arts. 489º, nº 3 e 487º do CC.
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E Insurance (Hong Kong) Limited (E海上火災保險(香港)有限公司) (3ª Autora), Recorrida, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 1021 a 1032, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. A recorrente defende que resposta diferente diversa deveria ter sido oferecida aos quesitos 7.°, 9.°, 12.°, 13.°, 21.° e 23.° da base instrutória, defendendo que houve erro de julgamento.
2. Quanto ao facto de que efectivamente foram a areia e a gravilha que causaram a perda de aderência do motociclo e consequentemente o acidente de viação, remete-se para a justificação oferecida pelo colectivo do Tribunal a quo, a págs. 29 e 30 do acórdão que julgou a matéria de facto controvertida, e para a pág. 27 da sentença recorrida.
3. Razão alguma existe para apontar erro de julgamento - nem tampouco erro na apreciação da prova - à decisão factual atingida pelo colectivo que procedeu ao julgamento da causa.
4. Resulta do visionamento do disco compacto junto a fls. 78 do apenso A que o motociclo perdeu a aderência ao asfalto quando passou por cima dos materiais sedimentosos que se encontravam na imediação da obra, que haviam invadido a faixa de rodagem.
5. Nestas imagens, pode-se observar a marca do rodado do motociclo sobre os materiais da obra, não restando dúvidas que foram estes que causaram a perda da aderência e do controlo do motociclo por parte do infeliz sinistrado.
6. Deve-se reafirmar que não resulta dos factos provados que o motociclo do sinistrado estivesse a proceder a qualquer ultrapassagem, mas apenas que circulava pela faixa mais à esquerda, onde não circulava o veículo pesado.
7. Também não se impunha ao douto Tribunal a quo oferecer resposta diversa aos quesitos 52.°, 53.° e 89.°, como defende a recorrente, nem tampouco aos quesitos 48.° e 49.°
8. É infeliz a insinuação por parte da recorrente de que os materiais sedimentosos que invadiram a via pública não provieram das obras que desenvolvia a sua segurada, contra todas as evidências.
9. O facto de por aquela zona passarem mais ou menos camiões que transportavam terras ou betoneiras é totalmente irrelevante para o caso em apreço.
10. Todos os materiais sedimentosos que se apuraram existir na Via pública não só eram as mesmas areias e gravilhas existentes nas obras como ainda se concentravam no prolongamento e imediação das obras.
11. O vídeo contido no disco compacto junto a fls. 158 permite elucidar não só que a areia e a gravilha provinham das obras desenvolvidas pela empreite ira, como ainda que o resto da via pública estava limpa.
12. Também do vídeo constante do disco compacto junto a fls. 78 do apenso A se evidencia que a areia, gravilha e outros sedimentos configuravam uma continuação da obra, não sendo, de resto, como resultou da resposta oferecida aos quesitos 13.°, 16.°, 17.°, 18.°, 19.°,20.°, 21.° e 22.°, as barreiras colocadas entre a obra e a via pública idóneas para impedir que tais materiais invadissem a faixa de rodagem.
13. A acrescentar a estes argumentos deve salientar-se a própria admissão feita pela recorrente e pela empreite ira de que os trabalhadores procediam diariamente à limpeza da via pública de circulação.
14. É óbvio e elementar que os materiais das obras da empreiteira nunca deveriam ter invadido a faixa de rodagem, colocando assim em perigo a vida - como funestamente veio a acontecer - dos utilizadores da via pública.
15. Da transcrição efectuada pela própria recorrente do depoimento do funcionário I, o mesmo admite, como se fosse a coisa mais natural do mundo, que consideravam haver grande necessidade de fazer limpeza "[q]uando há uma grande quantidade de entulho a invadir a via pública".
16. É incompreensível como é que a recorrente, salientando tais evidências, pretende defender que os materiais sedimentosos que invadiram a via pública não provinham das obras, quando admite que isso acontecia diariamente.
17. Inexiste qualquer contradição entre a resposta oferecida aos quesitos 23.° e 84.°, antes estes se complementam e se esclarecem.
18. Efectivamente, a primeira ilação que se pode retirar da resposta ao quesito 84.° é que, se "a limpeza da via era efectuada ao fim do horário do trabalho diário", então é porque, logicamente, durante o dia a via pública era invadida por materiais das obras.
19. Em nada choca, portanto, que o tribunal a quo tivesse também dado como provado, na resposta ao quesito 23.° que, no dia do acidente, "esses trabalhadores [da segurada da recorrente] não procederam à limpeza da via pública".
20. Tendo o acidente ocorrido por volta das doze horas e seis minutos, é normal que os trabalhadores não tivessem ainda procedido à limpeza dos materiais que haviam invadido a faixa de rodagem.
21. Na resposta ao quesito 3.°, não deveria nem competia ao Tribunal ter apurado quantos metros distavam entre o gradeamento e a faixa central da via, tendo em conta a questão factual que lhe era colocada.
22. Quanto à resposta pretendida para o quesito 50.° da base instrutória, não estando o Tribunal apetrechado de elementos fidedignos para oferecer uma resposta rigorosa, dispunha, no entanto, de elementos suficientes para oferecer uma reposta negativa ao mesmo, como fez.
23. O visionamento do vídeo MVI_7115.MOV, logo de início, permite constatar que seguramente não era de menos do que 1.2 metros a distância entre o veículo pesado e as barreiras da obra da empreiteira.
24. O mesmo se pode constar das fotografias de fls. 98, onde se vê o motociclo estendido no chão, entre o veículo pesado e as barreiras.
25. Como termo de comparação, a altura dum motociclo normal igual ao do sinistrado, que se encontra estendido no chão, como é facto de conhecimento notório, nunca poderá ser de menos de 1 metro (devendo o motociclo ter sensivelmente a altura de 1.2 metros).
26. Existe um espaço livre entre o motociclo e o veículo pesado equivalente a pelo menos dois terços do motociclo estendido, pelo que se deve concluir, por um lado, que a distância entre o veículo pesado e as barreiras das obras era provavelmente superior a 2 metros, e seguramente superior a 1.2 metros.
27. Da leitura dos elementos constantes no croquis de fls.78, designadamente procedendo a uma medição à escala, pode-se concluir que entre o veículo pesado e as barreiras de sinalização distavam mais de 2 metros de distância.
28. O trecho do depoimento da testemunha H enxertado pela recorrente é, ressalvado o devido respeito, inidóneo para oferecer uma resposta positiva ao quesito 50.°.
29. A testemunha falou em termos muito genéricos, não sendo plausível que na audiência de julgamento, totalmente deslocada do local do acidente, a cerca de 5 anos do acontecimento dos factos e sem qualquer referência visual, pudesse reproduzir com exactidão uma distância que mediava entre o seu camião e as barreiras metálicas.
30. Resulta da matéria de facto dada como provada que o acidente ocorreu devido à perda de aderência do motociclo conduzido pelo sinistrado com a via, que por sua vez foi provocada pela areia e gravilha que haviam invadido as faixas de rodagem, provindas das obras e trabalhos que a empreite ira efectuava, contra o que aconselham não só as boas práticas como também as condições especificamente definidas pelo Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais para a obra em questão. 31. Tudo isto resulta dos factos dados como provados após o julgamento, para cuja resposta o Tribunal a quo contou com a inestimável contribuição das filmagens do acidente, as quais permitiram dissipar quaisquer dúvidas ou teorias suscitadas pela recorrente.
32. A recorrente deve ser responsabilizada pela eclosão do acidente, visto que a sua segurada não tomou as precauções necessárias para evitar que se potenciassem riscos à vida ou integridade física dos condutores que circulavam pela via pública.
33. Consistindo a actividade da segurada da recorrente no desenvolvimento de obras de construção, deveria esta, por força do seu ofício, ter um especial cuidado para impedir que a segurança dos demais cidadãos fosse posta em causa.
34. A empreiteira segurada deveria impreterivelmente ter envidado todos os esforços necessários para impedir que detritos, areias, lamas ou gravilha da sua obra invadissem as faixas de rodagem.
35. Tendo em conta a vasta experiência detida pela empreite ira em desenvolver este tipo de obras, não poderia desconhecer o perigo que as areias, terra e gravilha causam quando invadem a via pública.
36. O facto de se ter chegado à situação que determinou a abertura dos presentes autos aponta para uma actuação (ou omissão) dolosa porque a segurada da recorrente teve de projectar obrigatoriamente a possibilidade de virem a ocorrer acidentes devido à forma como desenvolveu as obras, conformando-se com esse facto.
37. Tão ciente estava do perigo que causavam os materiais que invadiam a faixa de rodagem, que a empreiteira ordenava os seus trabalhadores a que no final do dia procedessem à limpeza da mesma.
38. Dúvidas não há que a empreiteira deve ser responsabilizada pela eclosão do acidente, pois não adoptou a diligência esperada de um bonus pater familias no ramo em que operava, falhando aliás a uma condição específica imposta por uma das entidades licenciadoras da obra.
39. A sua actuação culposa veio provocar os danos verificados na esfera jurídica do defunto e seus familiares, danos esses que estão ligados àquela por um inarredável nexo de causalidade.
40. Ressalvando douto entendimento em contrário, entende a recorrida que à segurada da recorrente apenas pode ser fixada uma responsabilização em maior grau pela eclosão do acidente, no sentido de assumir por inteiro a culpa pelas consequências nefastas do mesmo.
41. Sempre deve ser salientado, na fundamentação da sentença recorrida, o trecho em que o juiz relator da sentença afirma que "nunca a vítima teria caído se não houvesse na estrada areia e gravilha.
42. O malogrado condutor não deve ser responsabilizado pelas lamentáveis consequências do acidente, porque estava a circular numa via de circulação onde não circulava qualquer outro veículo.
43. O malogrado condutor não acelerou nem desacelerou a sua condução, não tendo procedido à ultrapassagem de qualquer veículo, havendo mantido uma condução estável, e conduzindo pela faixa mais à esquerda, como se lhe impunha.
44. Não resulta dos factos comprovados que o sinistrado tenha procurado ultrapassar qualquer veículo, muito menos o veículo pesado debaixo do qual veio a perecer.
45. O que se pode com segurança afirmar é que o condutor do motociclo nunca chegou a passar o veículo pesado de matrícula MK-XX-XX; apenas quando o motociclo perdeu aderência com a estrada e deslizou foi o condutor disparado para debaixo do referido veículo de três eixos.
46. Mais se pode constatar que o motociclo do sinistrado conduzia pela faixa mais à esquerda da Avenida Wai Long, em respeito, aliás, do comando ínsito na norma do art. 18.°, n.º 1 da Lei n.º 3/2007.
47. Se o infortunado sinistrado tivesse logrado prosseguir na sua via, tinha espaço suficiente para circular a par do veículo pesado no remanescente da sua faixa de rodagem.
48. É de salientar, porém, que a única altura em que o sinistrado esteve a par do veículo pesado para foi após ter perdido o controlo do seu motociclo, quando foi disparado para debaixo dos pneus daquele
49. As "circunstâncias do acidente" em que se baseia a recorrente para defender a responsabilidade do sinistrado resultam tão-só da sua leitura enviesada e não comprovada de como teria sucedido o acidente.
50. A recorrente defende que "o Mmo. Juiz a quo fixou uma indemnização pelo dano moral sofrido por cada um dos autores em MOP1,000,000.00".
51. A indemnização atribuída foi de MOP$500,000.00 para cada um dos parentes, sendo o valor de MOP$1,000,000.00 a soma das parcelas.
52. Embora a recorrente apele abstractamente à mais recente jurisprudência, a verdade é que não logra identificar qualquer exemplo do seu entendimento.
53. A título de exemplo, aponta a recorrida o Acórdão do TSI proferido no Processo n.º 535/2010, num caso comparável e em que foi atribuído semelhante valor aos herdeiros da vítima.
*
A (A) (1º Autor) e B (B) (2ª Autora), Recorridos, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 1040 a 1047, tendo formulado as seguintes conclusões:
I - O acórdão a quo não deve ser modificado quanto aos seus fundamentos de facto e de direito no sentido que vem propugnado pela 4.ª ré, a saber: i) que o acidente fatal ocorreu por culpa exclusiva da vítima (ou seja, o filho dos aqui respondentes); ii) que, a não ser assim, se redefina a actual proporção de 80%/20% para 50%/50%; e iii) que a indemnização por danos morais arbitrada aos autores pela morte do seu filho seja diminuída de MOP$1.000.000,00 para MOP$300.000,00 por cada um dos autores.
II - É que ficou claramente demonstrado, analisadas criteriosamente pelo Tribunal recorrido todas as provas apresentadas por todas as partes, designadamente através das filmagens do acidente, que ocorreu uma livre e incontrolada invasão da via de circulação pelos materiais das obras desenvolvidas pela empreiteira, Companhia de Construção e Obras de Engenharia C, Lda, a saber, detritos, areias, lamas e gravilha.
III - Sendo que a Companhia de Construção e Obras de Engenharia C, Lda não poderia senão - até por ser experiente e experimentada no seu ramo de actividade - prognosticar, pelo menos representando-o a título de dolo eventual, que tais materiais influiriam negativamente na segurança da circulação viária!
IV - Como, de igual modo, a mesma Companhia de Construção e Obras de Engenharia C, Lda não poderia senão - por ser experiente e experimentada no seu ramo de negócio - prognosticar, pelo menos representando-o a título de dolo eventual, que ao não ter fechado inteiramente ao trânsito e à circulação de qualquer veículo a via mais à esquerda - expressamente violando o determinado pelo I.A.C.M. (cfr. doc. de fls. 690 dos autos) e pela Direcção dos Serviços de Assuntos de Trânsito - tal actuação influiria negativamente na segurança da circulação viária!
V - Nem se diga, por outro lado, que o filho dos autores foi quem deu causa ao acidente em virtude da sua condução, pois a verdade é que este estava - tal como flui de toda a prova audiovisual dos autos - a circular pela faixa mais à esquerda da Avenida Wai Long, conforme lho permitia e impunha o disposto no n.º 1 do art. 18.° da Lei do Trânsito Rodoviário, sendo patente das gravações que simplesmente seguia, sem oscilação sensível de velocidade - sem a aumentar e porventura até diminuindo-a -, sempre conduzindo de forma estável e jamais brusca ou repentina e sem realizar ou ensaiar qualquer ultrapassagem, mormente ao veículo pesado que o veio a vitimar fatalmente.
VI - Simplesmente, seguindo o sinistrado já anteriormente pela faixa mais à esquerda das duas disponíveis, o sinistrado continuou a seguir pela faixa mais à esquerda, agora das três disponíveis - recte, das duas e meia disponíveis em virtude da actuação manifestamente deficitária - senão mesmo animada de dolo eventual - da Companhia de Construção e Obras de Engenharia C, Lda descrita na conclusão 4.° supra.
VII - Sempre se diga que se acaso for de mudar a percentagem de concorrência de culpas, esta deverá, diversamente do propugnado pela 4.ª ré, ir no sentido da exclusiva responsabilização da 4.ª ré e da sua segurada Companhia de Construção e Obras de Engenharia C, Lda, o que não poderá deixar de dever ser apreciado pelo Tribunal de Segunda Instância.
VIII - Por fim, o valor médio atribuído pelos Tribunais de Macau foi aquele que foi observado pelo Tribunal a quo ao fixar a indemnização de MOP$500.000,00 a cada um dos pais, aqui autores, sendo este o único que de algum modo dá a satisfação possível ao padecimento moral pela perda de um filho com apenas 24 anos, não devendo merecer qualquer censura ou alteração por parte do Tribunal de Segunda Instância.
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A (1º Autor) e B (2ª Autora), Recorrentes, devidamente identificado nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 14/06/2016, veio, em 22/09/2016, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 920 a 940, tendo formulado as seguintes conclusões :
I. Vale como princípio geral em matéria de responsabilidade civil por factos ilícitos, «(...) Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação (...)», incumbindo-lhe «(...) reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (...)» - art. 556.° do Código Civil.
II. Isto é, na ordem jurídica não se estatui que quem sofra uma gama variada de danos, todos eles diferenciados e a diferentes títulos - ainda que procedam de um mesmo e único facto natural -, apenas possa merecer e obter a tutela do Direito para ser ressarcido unicamente em relação a alguns, como que tendo de se resignar em abdicar ou renunciar quanto ao ressarcimento em juízo dos demais.
III. Os recorrentes entendem, pois, ter direito ao pedido de ressarcimento de outros danos, também sofridos em virtude da morte do seu filho, uma vez que existindo tais danos ainda não ressarcidos e passíveis de imputação a sujeitos de direito, aos recorrentes cabe o direito potestativo de demandar a respectiva indemnização nos termos gerais.
IV. O Tribunal recorrido deu como assente que o filho dos recorrentes entregava a estes uma parte do seu salário destinando-se tal parte entregue ao co-pagamento de despesas comuns domésticas.
V. Se assim é - e tal resulta expressamente da decisão aqui recorrida -, então ao Tribunal incumbia determinar, segundo o seu prudente arbítrio e de forma equitativa, o valor concreto afixar.
VI. É que tratando-se, ainda em vida do filho dos recorrentes, de uma família de quatro pessoas e tendo os recorrentes mencionado no art. 131.° da sua p.i. que o aludido co-pagamento para as despesas do lar era, cada mês, de MOP$2.000,00, a tarefa de acertamento de tal montante pelo Tribunal a quo, por recurso à equidade, teria estado ao seu alcance.
VII. Ou mesmo, assim porventura não entendendo, caberia ao Tribunal recorrido ter alternativamente relegado o apuramento efectivo de tal valor mensal para execução de sentença.
VIII. Seja como for, os aqui recorrentes, constatando que o Tribunal recorrido julgou provado que para tal co-pagamento o seu filho entregava uma parte do seu salário, reputam agora e solicitam que o Tribunal de Segunda Instância, lançando mão de um juízo de equidade, fixe que tal valor mensal entregue não era inferior a MOP$1.750,00 ao longo de 10 anos após o seu óbito, ou seja, atribua aos recorrentes a quantia de MOP$210.000,00.
IX. Tratando-se de um co-pagamento feito pelo seu filho para despesas domésticas comuns, tal significa que este queria beneficiar com animus donandi toda a sua família (os seus pais e o irmão) pois, de outro modo, a não ser assim, o filho dos recorrentes teria tão-somente pago a sua quota-parte de valor dispendido mensalmente na casa dos seus pais, recusando pagar quaisquer outras despesas que não as estritamente suas.
X. Ora, ao não ter adoptado a ora propugnada interpretação e aplicação das normas jurídicas constantes dos artigos 477.º, 489,º, n.º 3, 556.º e 560.º, n.º 6, todos do Código Civil, e do artigo 564.°, n.º 2, do C.P.C., o Tribunal a quo procedeu à violação das mesmas normas jurídicas, o que se invoca nos termos e para os efeitos das alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 598.° do C.P.C.
XI. Por fim, quanto aos factos consubstanciadores do padecimento moral do filho dos recorrentes na iminência da sua morte acidental, entendem os recorrentes que deveria ter operado nesta matéria um juízo baseado numa presunção judicial.
XII. Ora, ao não ter adoptado a ora propugnada interpretação e aplicação das normas jurídicas constantes dos artigos 487.° e 489.°, n.º 3, do Código Civil, o Tribunal a quo procedeu à violação das mesmas normas jurídicas, o que se invoca nos termos e para os efeitos das alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 598.° do C.P.C.
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Companhia de Seguros da D (Macau), S.A. (D保險(澳門)股份有限公司) (4ª Ré), Recorrida, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 1006 a 1018, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. Veio a Recorrente insurgir-se contra a douta decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base na parte em que julgou improcedente os pedidos de indemnização por perda da (alegada) "contribuição mensal prestada aos Autores pelo filho" e pelos “danos não patrimoniais sofridos pelo filho dos Autores".
II. Ponderando os argumentos subjacentes às sobreditas questões colocadas pelos Recorrentes, com a decisão recorrida e demais elementos juntos aos autos, não lhes assiste, salvo devido respeito, razão motivo pelo qual não poderá o recurso senão improceder.
III. Tem sido unanimemente aceite pela jurisprudência que quando um acidente reveste, simultaneamente, a natureza de acidente de trabalho e de acidente de viação, as indemnizações a arbitrar à vítima, ou aos seus representantes, por cada um desses títulos não se cumulam, mas são complementares, pretende-se evitar que os beneficiários recebam uma dupla indemnização pelos mesmos danos, sob pena de se verificar um injusto enriquecimento daqueles, como sucederia no caso de ser permitida a acumulação das duas indemnizações.
IV. Desde que se demonstre a existência de prejuízos não contemplados na indemnização decorrente do acidente de trabalho, nada impede que na acção por acidente de viação sejam os lesados compensados até ao ressarcimento integral do dano causado.
V. Ao contrário do alegado pelos Recorrentes o Tribunal a quo não adoptou o entendimento de que o ressarcimento de todos os danos possíveis e imaginários foi esgotantemente garantido e pago em sede de acidente de trabalho e que tudo o mais será redundante e como tal indevido.
VI. O Tribunal a quo deixou expresso que a indemnização percebida nos processos decorrentes de acidente de trabalho, por vezes, não é bastante para ressarcir os lesados dos danos sofrido e, como tal, existem situações que impõem o arbitramento de um complemento indemnizatório por forma a que o dano venha a ser integralmente ressarcido, o que, porém, não sucedeu no caso dos autos.
VII. Resulta ab initio dos factos alegados pelos Autores que o valor peticionado a título de prejuízos causados pela (alegada) perda da contribuição mensal da vítima, ou seja MOP$720,000.00, é inferior ao valor de MOP$1,000,000.00 por eles percebida no âmbito do processo de acidente de trabalho a título de indemnização por morte.
VIII. Mesmo que os Autores tivessem logrado provar na íntegra os factos que suportam o seu pedido título de prejuízos causados pela (alegada) perda da contribuição mensal da vítima, sempre o seu pedido estaria condenado ao insucesso.
IX. Nos presentes autos os Recorrentes não lograram provar - nem tão pouco alegaram, como lhes competia - que a indemnização que receberam no âmbito do processo de acidente de trabalho no valor de MOP$1.000.000.00 não foi bastante para os ressarcir dos prejuízos causados pela (alegada) perda da contribuição mensal da vítima.
X. Nem sequer se provou que para além da contribuição para as despesas domésticas a vítima contribuía a título donativo com determinado montante mensal para os seus pais.
XI. Nunca poderia o Tribunal a quo decidir de modo diferente daquele que decidiu, sob pena de se verificar uma cumulação de indemnizações, não se encontrando a decisão recorrida inquinada de qualquer vício, pelo que nesta parte o recurso terá de improceder.
XII. É indiscutível a dignificação que merece a vida humana não sendo posto em causa que, em abstracto, os danos sofridos pela vítima antes da morte sejam indemnizáveis, mas não parece ser de aceitar que o sofrimento e a angústia sofrida antes da morte sejam, em si, factos notórios, atribuindo-se indemnizações sem que sejam comprovados factos que consubstanciem a existência do dano.
XIII. Na consideração do dano sofrido pela vítima antes de falecer, deve o julgador ter em consideração factores de diversa ordem, como sejam o tempo decorrido entre o acidente e a morte, se a vítima se manteve consciente ou inconsciente, se teve ou não dores, qual a intensidade das mesmas e se teve consciência de que iria morrer.
XIV. Do que resultou dos autos, a infeliz vítima não teve possibilidade de sofrer a antevisão da sua morte dada a rapidez com que tudo sucedeu.
XV. Desde modo, andou bem o Tribunal recorrido ao decidir que dada a rapidez com que se produziu o acidente e a morte, não ficaram provados quaisquer factos atinentes ao sobredito pedido, não atribuindo uma indemnização pelo dano não patrimonial porquanto não se provou que a vítima tenha sofrido antes da sua morte, pelo que será de improceder o recurso nesta parte.
XVI. Ainda que assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se concede, sempre se diga que o quantum indemnizatório a atribuir nunca poderá ser no valor de MOP$350.000,00 atentos os critérios legalmente previsto nos artigos 489º, 487º e 560º.
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E Insurance (Hong Kong) Limited (E海上火災保險(香港)有限公司) (3ª Autora), Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 14/06/2016, dela veio, em 20/10/2016, interpor recurso subordinado para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 986 a 993, tendo formulado as seguintes conclusões :
1. A recorrente entende que, tendo intervindo a seguradora D Insurance Company (Macau) Ltd nos presentes autos, deveria ter sido condenada, solidariamente, no pagamento das quantias por si peticionadas.
2. A tese sustentada na sentença recorrida de que foi negada a intervenção daquela seguradora num primeiro momento, quando o processo corria termos em separado sob o n.º CV3-13-0058-CAO, claudica a partir do momento em que essoutro processo foi apensado a estes outros autos, tendo a seguradora se tomado parte duma causa maior unificada.
3. A 2.ª Ré defendeu na sua contestação que a sua responsabilidade deveria ser coberta pela sua seguradora D Insurance Company (Macau) Ltd, em virtude do contrato de seguro celebrado.
4. Ficou comprovado no facto 51) que "[a] 2.ª Ré transferiu a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da execução das obras na Avenida Wai Long para a companhia de seguros D Insurance Company (Macau) Ltd, por contrato de seguro titulado pela apólice nº CIM/CAR/2010/000201, em conformidade com o teor dos documentos de fls. 446 a 448, que aqui se dá por integralmente reproduzido."
5. Sendo a entidade seguradora parte integral na presente demanda, tendo intervindo nos presentes autos do lado passivo, com interesse igual ao dos demais réus, havendo-lhe sido garantidos todos os meios de defesa ao longo do processo, impunha-se que houvesse também sido condenada a ressarcir a ora recorrente.
6. Há que assumir em toda a plenitude a presença da entidade seguradora nestes autos, fruto da apensação processual, daí se devendo extrair todas as consequências legais.
7. A participação da entidade seguradora deverá sobrepor-se ao facto de que num momento anterior o requerimento para a sua intervenção provocada fora indeferido, visto que este não implicou qualquer decisão de mérito quanto à sua responsabilidade.
8.a Nos termos do art. 270.°, n.º 1 do CPC, tendo intervindo a seguradora no processo, a sentença deve apreciar a sua situação jurídica, já que constitui caso julgado em relação a ela.
9. Ainda que apenas houvesse intervindo enquanto assistente da 2.ª Ré, a sentença proferida na causa constituiria caso julgado contra si, sendo obrigada a aceitar, em qualquer causa posterior, os factos e o direito que a decisão judicial estabeleça, nos termos do art. 282.° do CPC.
10. Pelo exposto, entende a recorrente que o douto Tribunal a quo deveria ter condenado solidariamente D Insurance Company (Macau) Ltd a pagar à recorrente as quantias por si peticionadas.
11. Entende a recorrente que deveria ter sido atribuída culpa exclusiva pela eclosão do acidente à empreiteira da obra, visto que a condução do sinistrado não contribuiu para a verificação do acidente.
12. Resulta da matéria de facto dada como provada que o acidente ocorreu devido à perda de aderência do motociclo conduzido pelo sinistrado com a via, que por sua vez foi provocada pela areia e gravilha que haviam invadido as faixas de rodagem, provindas das obras e trabalhos que a 2.ª Ré efectuava na Avenida Wai Long.
13. A empreiteira deveria ter envidado todos os esforços necessários para impedir que detritos, areias, lamas ou gravilha da sua obra invadissem as faixas de rodagem onde circulavam veículos e colocassem em perigo - como colocaram - a vida dos utentes das vias públicas.
14. Dúvidas não há que a empreite ira deve ser responsabilizada pela eclosão do acidente, pois não adoptou a diligência esperada de um bonus pater familias no ramo em que operava, falhando aliás a uma condição específica imposta por uma das entidades licenciadoras da obra.
15. A sua actuação culposa veio provocar os danos verificados na esfera jurídica do defunto e dos seus familiares, danos esses que estão ligados àquela por um inarredável nexo de causalidade.
16. Consistindo a actividade da 2.ª Ré no desenvolvimento de obras de construção, deveria esta, por força do seu oficio, ter um especial cuidado para impedir que a segurança dos cidadãos fosse posta em causa.
17. A responsabilidade pela eclosão do acidente deve ser, ressalvado o devido respeito, atribuída a título doloso exclusivamente à 2.ª Ré.
18. A 2.ª Ré teve de projectar obrigatoriamente a possibilidade de virem a ocorrer acidentes devido à forma como desenvolveu as obras, conformando-se com esse facto.
19. Não resulta dos factos comprovados que o sinistrado tenha procurado ultrapassar qualquer veículo, muito menos o veículo pesado debaixo do qual veio a perecer.
20. O condutor do motociclo nunca chegou a passar o veículo pesado de matrícula MK-XX-XX; apenas quando o motociclo perdeu aderência com a estrada e deslizou foi o malogrado condutor disparado para debaixo do referido veículo de três eixos.
21. O motociclo do sinistrado conduzia pela faixa mais à esquerda da Avenida Wai Long, em respeito, aliás, do comando ínsito na norma do art. 18.°, n.º 1 da Lei n.º 3/2007.
22. Não se pode tentar descortinar na condução do sinistrado qualquer tentativa de ultrapassagem, pois o veículo do sinistrado e o veículo pesado não se encontravam sequer nas mesmas faixas de rodagem.
23. Reza o art. 42.°, n.º 4 da Lei do Trânsito Rodoviária que "[s]empre que, existindo mais do que uma via de trânsito no mesmo sentido, os veículos ocupem toda a largura da faixa de rodagem destinada ao seu sentido de circulação, estando a sua velocidade dependente da dos que os precedem, não é considerado ultrapassagem o facto de os veículos de uma das vias seguirem a velocidade superior aos das outras."
24. Não deverá ser atribuída qualquer responsabilização pelo acidente ao sinistrado, tendo sido violado o preceituado nos arts. 477.° e ss. do CC, pois não se encontra demonstrada qualquer actuação culposa e censurável por parte do condutor do motociclo.
25. Finalmente, deverão Vossas Excelências reapreciar a responsabilização da ré F Insurance Company Limited à luz da violação comprovada do estabelecido no art. 12.°, n.º 1 da Lei n.º 3/2007.
26. Não resulta da matéria de facto dada como provada que a condução do veículo pesado de matrícula n.º MK-XX-XX tenha sido determinante na causação do acidente de viação, mas este veículo esteve incontornavelmente associado às consequências mais nefastas do mesmo.
27. Resulta do item 4.° da factualidade comprovada que o acidente ocorreu por volta das 12h06m, no início da tarde do dia 20 de Setembro de 2011.
28. Resulta da factual idade comprovada que o veículo pesado tinha três eixos e que naquele dia o condutor do veículo pesado transportava um total de 26,120 quilogramas de lodo.
29. Estabelece o Decreto-Lei n.º 73/90/M restrições à circulação e estacionamento de veículos pesados de três ou mais eixos, rezando o seu art. 1.º que "[é] proibida a circulação na cidade de Macau de veículos pesados de três ou mais eixos (...) fora das vias assinaladas na carta constante do anexo I", designadamente entre as 08,00 e as 15,30 horas e entre as 17,00 e as 20,00 horas (cf. o art. 2.°, n.º 1 do citado diploma).
30. A Avenida Wai Long não consta da lista de vias de circulação em que os veículos de três ou mais eixos podem circular livremente durante a hora do dia em que ocorreu o acidente.
31. Forçoso é concluir que o veículo pesado não deveria estar a circular na Avenida Wai Long pelas doze horas e seis minutos da tarde, quando ocorreu o acidente.
32. A conduta do condutor do veículo pesado é culposa, devendo portanto ser co-responsabilizado pelas consequências nefastas que da sua actuação resultaram.
33. A norma violada tem o intuito de proteger os demais utentes das vias públicas, pois os veículos visados pela proibição exponenciam os riscos criados pelo normal desenrolar do tráfego.
34. Termos em que deverá também ser co-responsabilizada a ré F Insurance Company Limited pelas consequências gravosas do acidente, visto que assumiu a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo pesado com a matrícula n.º MK-XX-XX.
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Companhia de Seguros da D (Macau), S.A. (D保險(澳門)股份有限公司) (4ª Ré), Recorrida, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 1049 a 1058, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. Vem a ora Recorrente insurgir-se contra a decisão proferida nos presentes autos, entre outros motivos, por entender que a ora Recorrida devia ter sido condenada, solidariamente, no pagamento das quantias peticionadas e bem assim por entender que deveria ter sido atribuída culpa exclusiva pela eclosão do acidente à empreitar da obra,
II. A apensação das acções não opera a sua integração numa unica. Com efeito, cada uma delas mantém a sua individualidade, justificando-se a apensação apenas por razões de economia processual.
III. As causas unificam-se mas apenas sob o ponto de vista processual, o que significa que as acções, no aspecto substantivo, conservam a sua autonomia, sendo também independentes quanto às questões adjectivas próprias de cada uma.
IV. No processo CV3-13-0058-CAO a Recorrente E Insurance (Hong Kong) Limited nunca dirigiu nenhum pedido contra a D Insurance Company
V. Por despacho de fls 261 a 263 do processo CV3-13-0058-CAO não foi admitida a intervenção da D Insurance Company.
VI. O aludido despacho transitou em julgado.
VII. Andou bem o Tribunal ao decidir que a condenação só poderá ser contra a C e não contra a sua companhia de seguros, sob pena de, decidindo de outro modo, estar a violar os princípios do pedido e do caso julgado.
VIII. Quanto à culpa na produção do acidente também a aqui Recorrida não se conforma com a decisão, mas por entender que a queda do condutor do motociclo não se deu por causa da areia e gravilha ou falta de aderência - sendo que não há prova suficiente de que a areia e gravilha na via tenham advindo da obra da 2ª Ré, tanto que esta procedia à limpeza da zona e no local passavam diversos camiões – mas antes porque não conseguiu imobilizar o motociclo nesse mesmo espaço de 10 metros, acabando por embater no gradeamento do seu lado esquerdo, o que terá provocado a sua queda, tudo conforme se alegou em sede de recurso.
IX. O motociclo circulava no mesmo sentido do veículo pesado, metendo-se a circular pelo seu lado esquerdo sem se certificar que o poderia fazer com total segurança para si e para o restante transito, num local estreito, onde havia sinalizações verticais e avisos de perigo para os utentes da via, por força das obras ali existentes, pelo que, dada a exiguidade de espaço livre nessa zona, o condutor do motociclo travou durante mais de 10 metros e foi embater nas grades do lado esquerdo, o que provocou a sua queda.
X. Sendo a actividade de condução de veículos na via pública uma actividade que comporta riscos inerentes ao tráfego que normalmente existe ou de existência de obras, exige-se um cuidado especial da parte de todos os condutores no sentido de evitarem acidentes, cuidado que a infeliz vitima não teve, o que foi única causa adequada para a eclosão do acidente.
*
Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1) Em virtude do falecimento, em 20 Setembro 2011, de J foi oficiosamente aberto pelo Ministério Público um processo especial por acidente de trabalho e, no âmbito desse processo, tramitado sob o nº CV2-12-0007-LAE, em sede da respectiva tentativa de conciliação, os pais do falecido, ora Autores chegaram a acordo, homologado por sentença de 7 Maio 2012, em conformidade com o teor dos documentos juntos a fls. 71 a 73 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
2) Na sequência desse acordo, a seguradora da entidade patronal da vítima, a co-Autora E Insurance (Hong Kong) Limited pagou aos pais daquele, ora AA, a quantia global de MOP$1.020.514,00, sendo MOP$1.000.000,00 a título de indemnização por morte e MOP$20.514,00 pelas despesas de funeral, em conformidade com o teor do documento junto a fls. 119 a 120 dos autos em apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
3) J, titular do B.I.R.P.M. nº ..., nasceu em 24.2.1987 e era filho dos AA: A, nascido em 17.08.1954, e de B, nascida em 20 de Junho de 1962;
4) Em 20 de Setembro de 2011, cerca das 12H06 horas, J, conduzia o seu motociclo com a matrícula MH-XX-XX, na Taipa, ao longo da Avenida Wai Long e com destino à Rotunda do Aeroporto;
5) A Avenida Wai Long tem duas faixas antes da intersecção com uma outra via à sua esquerda, esta também com duas faixas e, após tal intersecção, a Avenida Wai Long passa a três faixas;
6) Seguindo na sua via, após passar a zona de intersecção com uma via à esquerda da Avenida Wai Long, o J passou a circular atrás do veículo pesado MK-XX-XX;
7) O veículo pesado MK-XX-XX era conduzido por H ao serviço da Companhia de Construção e Engenharia K, Limitada;
8) No que sobrava livre do lado direito da faixa mais à esquerda da Avenida Wai Long, o J iniciou a passagem ao longo do lado esquerdo do veículo pesado MK-XX-XX;
9) J tomou o lugar mais à esquerda da Avenida Wai Long, após a zona de intersecção com a via à sua esquerda;
10) A faixa mais à esquerda da Avenida Wai Long estava parcialmente vedada ao trânsito tendo sido colocadas grades a limitar aquela zona (a zona vedada ao trânsito) as quais distavam não mais de dois metros da linha continua e descontinua que a separava da faixa central da mesma avenida;
11) Sensivelmente a meio do lado esquerdo do veículo pesado MK-XX-XX, o motociclo de súbito perdeu a aderência com a estrada;
12) O J deixou de conseguir controlar o motociclo que conduzia;
13) A perda de aderência com a via causou a queda do motociclo e do J para a direita;
14) O motociclo e o condutor J caíram para debaixo do veículo pesado MK-XX-XX, entre as suas rodas dianteiras e centrais, de rodado duplo;
15) Ao cair nessa zona do veículo pesado MK-XX-XX, que se encontrava ainda em andamento, o J foi de imediato esmagado pelas respectivas rodas centrais esquerdas;
16) A perda de aderência e contacto do motociclo com a estrada se deveu à existência de areia e gravilha na via;
17) Esses elementos existentes na via advieram das obras e trabalhos que, à data, a 2ª Ré efectuava na Avenida Wai Long;
18) As obras em curso se localizavam e incidiam na via mais à esquerda da Avenida Wai Long;
19) Essas obras e trabalhos implicavam a abertura de valas na via e a movimentação de areias e terras, destinando-se à instalação subterrânea de cabos;
20) Encostados à via e às grades existiam, na aludida data e local, amontoados de terra, areia e gravilha;
21) A terra, areia e gravilha referidos no item anterior invadiam a zona de rodagem para além das grades da referida faixa mais à esquerda da Avenida Wai Long;
22) As grades utilizadas para separar ou isolar as obras e os aluídos detritos eram de pé alto;
23) E eram abertas ao longo de todo o seu corpo, sem qualquer fixação rígida à via;
24) Pela sua configuração, as referidas grades não vedaram a passagem desses detritos, areias ou lamas da obra para a via pública;
25) A 2ª Ré, para evitar a passagem desses detritos para a rodovia, deveria ter utilizado grades fechadas, estanques, rentes ao chão e fixadas de forma rígida à via;
26) Alguns trabalhadores da 2ª Ré estavam incumbidos de proceder à limpeza da zona junto às grades, adjacente à via pública onde transitavam os veículos;
27) Esses trabalhadores não procederam à limpeza da via pública;
28) O J conduzia com o seu capacete de protecção colocado na cabeça;
29) A via que entronca com a Avenida Wai Long tinha, à data dois sinais de trânsito: um indicando o estreitamento da via para a esquerda, ou seja, o sinal “5c) – Passagem estreita”;
30) E outro a indicar que estavam em curso trabalhos na via, ou seja, o sinal “7a) – Trabalhos na estrada”;
31) Na altura, a Avenida Wai Long tinha apenas três sinais de trânsito:
a) cerca de 150 metros antes do local da queda, havia à direita, sobre o separador de relva, um sinal de perigo, ou seja, o sinal “10a) – Outros perigos”;
b) e sensivelmente um metro em frente a este havia um sinal de velocidade máxima de 40 Km/h, ou seja, o sinal “19a) – Proibição de exceder a velocidade de …Km/hora”;
c) do lado esquerdo da Avenida Wai Long havia um outro sinal de velocidade máxima de 40 Km/h, ou seja, o mesmo sinal “19 a) – Proibição de exceder a velocidade de …Km/hora”;
32) Na Avenida Wai Long, antes da intersecção com a via à sua esquerda, não foram colocados sinais de:
a) “5b) – Passagem estreita”;
b) “7a) – Trabalhos na estrada”;
c) “7c) – Pavimento escorregadio”;
33) Aquando da queda, a visibilidade era boa, o pavimento estava seco e o tráfego era normal;
34) Antes e ao longo do percurso de execução dos aludidos trabalhos existiam grades divisórias e sinalização luminosa;
35) No local o motociclo deixou uma marca do rodado do pneu na areia de 10,4 metros de comprimento;
36) O veículo de matrícula MK-XX-XX circulava pela faixa mais à esquerda da Avenida Wai Long, em direcção à Rotunda do Aeroporto, faixa essa que no local do acidente passa a ser a faixa central da mesma Avenida;
37) E ao chegar ao local do acidente, perto do posto de iluminação nº 752D01, abrandou a sua marcha;
38) Dado que se aproximava de um sinal luminoso ali existente que, na altura, se encontrava de cor vermelha;
39) Na Avenida Wai Long nas faixas de rodagem em que o motociclo matrícula MH-XX-XX seguia havia sinal 10a) Outros perigos referido na resposta dada ao item 31a);
40) A obra se situava na faixa de rodagem esquerda da via atento o sentido em que o motociclo seguia;
41) Com uma vala aberta que se estendia ao longo do comprimento da via;
42) Em largura ocupava apenas parte da terceira faixa de rodagem (faixa de rodagem da esquerda atento o sentido de marcha do veículo conduzido por J);
43) As escavações da referida obra, originaram uma trincheira com mais de 10 metros de cumprimento;
44) A Ré C não deixou 0.5m de distância limpa e segura, entre o terreno e a faixa de rodagem;
45) Foi chamada a ambulância ao local, tendo o condutor J sido transportado ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário;
46) Às 12h34m, já no Centro Hospitalar Conde de S. Januário, foi declarado o óbito do J;
47) Em 21 SET 2011 foi realizada a autópsia ao cadáver do J e elaborado pelo Serviço de Medicina Legal do Centro Hospitalar Conde de S. Januário o respectivo “Relatório da Autópsia” concluiu como “Causa da Morte fractura do crânio e do osso facial e como “Causas antecedentes” indica-se motociclista ferido em colisão com veículo pesado de transporte, em conformidade com o teor do documento junto a fls.136 a 143 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
48) A 1ª Ré CEM SA, celebrou um contrato de empreitada com a Companhia de Construção e Obras de Engenharia C, Lda, ora 2ª Ré, para a execução de uma obra de colocação de cabos eléctricos, denominado “Trench Works – 220KV Cables in Taipa and Cotais, em conformidade com o teor do documento junto a fls. 254 a 264 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido;
49) A Companhia de Construção e Obras de Engenharia C, Lda, ora 2ª Ré está devidamente registada e credenciada pela DSSOPT, em conformidade com o teor do documento junto a fls. 272 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido;
50) A responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo pesado MK-XX-XX encontrava-se transferida para a 3ª Ré F Insurance Company Limited, pela Companhia de Construção e Engenharia K, Limitada, conforme apólice nº ... do ramo automóvel, em conformidade com o teor do documento junto a fls. 214 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido;
51) A 2ª Ré transferiu a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da execução das obras na Avenida Wai Long para a companhia de seguros D Insurance Company (Macau) Ltd, por contrato de seguro titulado pela apólice nº CIM/CAR/2010/000201, em conformidade com o teor dos documentos de fls.446 a 448, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
52) A 1ª Ré transferiu a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da prossecução da sua actividade de produção, transmissão, distribuição, venda e fornecimento de electricidade para companhia de seguros G Mundial SA por contrato de seguro titulado pela apólice nº PL/000021/0002;
53) A co-Autora E Insurance Company e a X Gaming (Macau) Limited, elaboraram um contrato de seguro sobre os acidentes do trabalho e doenças profissionais, o nº da apólice é de …período da sua validade vai de 1 de Setembro de 2011 a 31 de Agosto de 2012, em conformidade com o teor dos documentos de fls. 87 a 109 dos autos em apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
54) À data J trabalhava na X Jogos (Macau), S.A./…Macau e auferia a remuneração mensal de MOP$16.000,00;
55) Naquele dia o condutor do veículo pesado transportava no total 26120kg de lodo;
56) O referido veículo tem três eixos;
57) À data, o sistema de travagem do motociclo conduzido pela vítima funcionava com normalidade;
58) A 1ª Ré celebrou um contrato de empreitada com a 2ª Ré pela quantidade e importância das obras que a mesma executa em Macau;
59) Quer pela qualidade que impõe e oferece na execução das mesmas;
60) A 2ª Ré executou diversas empreitadas para a 1ª Ré sempre com níveis de qualidade elevados;
61) E sem nunca ter demonstrado deficiências graves na execução dos respectivos trabalhos;
62) A 1ª Ré fiscaliza regularmente todas as obras que adjudica aos seus diversos empreiteiros, no cumprimento de procedimento interno;
63) A 1ª Ré nunca detectou qualquer anomalia no manuseamento de terras pela 2ª Ré;
64) A 1ª Ré multou a 2ª Ré na aludida obra;
65) As multas foram aplicadas por falta do cumprimento das regras de segurança dos trabalhadores e iluminação nocturna das grades de delimitação da obra;
66) A 2ª Ré pelo menos em 1989 já executava obras de construção civil;
67) Tendo participado em obras públicas e privadas de grande e pequena envergadura;
68) Durante a execução das aludidas obras, a 2ª Ré destacou pessoal para efectuar o trabalho de limpeza dos pavimentos;
69) A limpeza da via era efectuada ao fim do horário de trabalho diário;
70) No decurso das obras quer a 1ª Ré quer a Direcção dos Assuntos de Tráfego verificavam as sinalizações de tráfego;
71) J era vendedor creditado da rede de produtos HERBALIFE;
72) J vivia em casa dos Autores era solteiro e não tinha filhos;
73) Nem vivia com ninguém em situação análoga a uma união de facto;
74) J era o filho primogénito dos Autores;
75) J entregava uma parte dos seus rendimentos aos seus pais;
76) A parte dos rendimentos que J entregava aos seus pais era para o co-pagamento das despesas do lar, designadamente, água, luz e alimentação;
77) J sempre teve com os seus pais, e estes com ele, uma grande proximidade, afecto e intimidade;
78) J sempre cuidou dos AA com genuíno amor e desvelo e sempre procurando que nada lhes faltasse;
79) J era alegre, expansivo, dinâmico e proactivo;
80) Sendo o orgulho e a vaidade dos seus pais;
81) Os Autores sentem revolta, frustração e inconformismo pela morte do seu filho;
82) O embate emocional causado pela sua morte, nas condições em que ocorreu, foi, e permanece, a causa de uma dor funda e inultrapassável para os Autores.
* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
Ora, nestes autos existem 3 recursos principais, interpostos respectivamente por:
1) - A (1º Autor) e B (2ª Autora);
2) - Companhia de Construção e Obras de Engenharia C Limitada (C建築置業工程有限公司) (2ª Ré);
3) - Companhia de Seguros da D (Macau), S.A. (D保險(澳門)股份有限公司) (4ª Ré).
Existe ainda um recurso subordinado interposto pela E Insurance (Hong Kong) Limited (E海上火災保險(香港)有限公司) (3ª Autora), que importa analisar e decidir.
*
Ora, como a Companhia de Seguros da D (Macau), S.A. (D保險(澳門)股份有限公司), 4ª Ré, ora Recorrente, veio a impugnar a matéria de facto, inicia-se a análise pelo recurso dela.
Por via do presente recurso, pretende esta Recorrente/4ª Ré impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto vertida nos quesitos 3º, 7º, 9º, 12º, 13º, 21º, 23º, 48º, 49º, 50º, 52º, 53º e 89º da Base Instrutória (BI) , entende que da prova produzida em sede de julgamento não poderiam os referidos quesitos merecer as respostas que lhe foram conferidas pelo douto Tribunal Colectivo a quo.
Conforme a prova produzida, conjugada com os demais elementos dos autos, teriam de ser diferentes as respostas conferidas aos quesitos 3º, 7º, 9º, 12º, 13º, 21º, 23º, 48º, 49º, 50º, 52º, 53º e 89º da Base Instrutória, pelo que, entende que existe um claro erro de julgamento.
*
A propósito da impugnação da matéria de facto, o legislador fixa um regime especial, constante do artigo 599º (Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto) do CPC, que tem o seguinte teor:
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
Ora, a especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio delimitam o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de base para a reapreciação do Tribunal de recurso, ainda que a este incumba o poder inquisitório de tomar em consideração toda a prova produzida relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no artigo 629º do CPC.
É, pois, em vista dessa função delimitadora que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação da decisão de facto com a sanção máxima da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 599º/2 do CPC.
*
No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis. Ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio2.
É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 390º do CCM, em conjugação com o artigo 558º do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.
Será com base na convicção desse modo formada pelo Tribunal de recurso que se concluirá ou não pelo acerto ou erro da decisão recorrida.
Vejamos a matéria impugnada parte por parte.
I – Primeira Parte:
Relativamente ao facto 3º, o Colectivo deu a seguinte resposta:
3º
Já na faixa mais à esquerda da Avenida Wai Long, o J iniciou a passagem ao longo do lado esquerdo do veículo pesado MK-XX-XX?
Provado que no que sobrava livre do lado direito da faixa mais à esquerda da Avenida Wai Long, o J iniciou a passagem ao longo do lado esquerdo do veículo pesado MK-XX-XX;
A Recorrente/4ª Ré veio a oferecer os seguintes argumentos sobre este ponto:
Já no plano da conduta da infeliz vítima, concluiu bem o Douto Tribunal a quo que ao ultrapassar o veículo pesado pela esquerda na parte que restava livre da faixa de rodagem sem deixar o espaço de segurança entre o veículo pesado, aquele violou a regra do art. 38º e 64º, nº 1, 4) da Lei do Transito Rodoviário.
Porém,
No que respeita à decisão sobre a matéria de facto, é também entendimento da Recorrente que a resposta dada aos quesitos 3º deveria ter sido diferente.
Na verdade, quando no referido quesito se diz "provado que no que sobrava livre do lado direito da faixa mais à esquerda da Avenida Wai Long..." deveria o Tribunal ter apurado quantos metros distavam entre o gradeamento e a faixa central da via.
Isto porque,
Resulta das fotografias juntas aos autos e do registo de vídeo que entre o gradeamento e o veiculo pesado não distavam mais de 1,5 m.
Resulta aliás do depoimento da testemunha H o seguinte:
[passagem gravada em 11.04.2016, 15 minutos e 45 segundos até 16 minutos e 05 segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 15.23.49]:
Mandatário da Interveniente: Lembra-se das grades que existiam ao lado destas obras.
Testemunha: Sim, sim. Do lado esquerdo a uma distância de mais ou menos um metro da minha viatura havia umas vedações metálicas.
[passagem gravada em 11.04.2016, 40 minutos e 10 segundos até 40 minutos e 38 segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 15.23.49]:
Mandataria da 4ª Ré: O senhor tem ideia qual a distância entre as grades e o seu camião?
T: Assim, mais ou menos esta largura.
MR: Era estreito?
T:Sim.
Assim,
Face aos elementos de prova constante dos autos a resposta ao quesito 3º deveria ter sido complementada com a distancia que vai do veiculo pesado e o gradeamento que, como se viu, era de sensivelmente 1,50 m,
(…)
O apuramento da distância entre o veículo pesado e o gradeamento do lado esquerdo da via mostra-se de extrema relevância porquanto o mesmo é claramente demonstrativo da manobra imprudente e temerária levada a cabo pela infeliz vítima, metendo-se a ultrapassar o veículo pesado pela esquerda, num espaço exíguo, pondo claramente em risco a sua segurança.
Essa manobra torna-se ainda mais temerária quando no local existem obras na via, nomeadamente na berma esquerda por onde pretendia passar o motociclo,
Obras essas que estavam devidamente sinalizadas, como resulta aliás da resposta aos 25º, 26º e 27º.
O erro de julgamento aqui verificado contribui também decisivamente para a decisão de atribuição de apenas 20% de responsabilidade para a vítima.
Consideremos então as circunstâncias do acidente com base na prova produzida nos autos, numa perspectiva necessariamente dinâmica:
- O motociclo circulava no mesmo sentido do veículo pesado;
- Porém o seu condutor fazia-o distraidamente, sem prestar atenção à sua condução e ao que se passava na estrada;
- E por tudo isso, meteu-se a efectuar a manobra de ultrapassagem ao veiculo pesado pelo lado esquerdo deste último, sem se certificar que o poderia fazer com total segurança para si e para o restante transito,
- Em local onde, entre o veículo pesado e as barreiras de sinalização que delimitavam o lado esquerdo da via e as obras que ali decorriam, não distava mais do que 1,50 metros;
- E onde havia sinalizações verticais e avisos de perigo para os utentes da via, por força das obras ali existentes;
- Dada a exiguidade de espaço livre nessa zona, o condutor do motociclo travou durante mais de 10 metros e foi embater nas grades do lado esquerdo, o que provocou a sua queda;
- E porque se encontrava muito perto do veículo pesado, o corpo caiu entre o rodado dianteiro e traseiro, acabando por ser colhido pelo rodado traseiro;
Ora, sendo a actividade de condução de veículos na via pública uma actividade que comporta riscos inerentes ao tráfego que normalmente existe, da circulação de viaturas automóveis e de transeuntes que a pé nelas se atravessam ou até permanecem, ou de existência de obras, exige-se um cuidado especial da parte de todos os condutores no sentido de evitarem acidentes.
E se é certo que todos os utentes da estrada estão sujeitos ao estrito cumprimento das regras estradais e de segurança rodoviária, também é certo que todos devem, na sua condução, observar as regras gerais de prudência, diligência e destreza.
Ora, a circunstância de existirem no lado esquerdo da via areias e gravilha, nada resulta dos autos que as mesmas sejam advindas da obra da 2ª Ré, pelo que esta nunca poderia concorrer com qualquer grau de culpa na produção do acidente sub judice.
Mas ainda que essas areias e gravilha no pavimento sejam da responsabilidade da 2ª Ré, o que não se concede, nunca poderiam ser consideradas como causa adequada para a produção do acidente.
Dúvidas não restam que o comportamento do condutor do motociclo é passível de censura ético-jurídica, tendo concorrido exclusiva e decisivamente para a eclosão do acidente, porquanto, ao violar o disposto nos arts. 21º, nº 2, 38º, 40º, 42º, nº 1 alínea 2) e 4) e art. 64º, n. 1 4) da lei do Trânsito Rodoviário, assim como as regras gerais de prudência, diligência e destreza, não se mostra adequada ao comportamento de qualquer condutor que circulasse nas mesmas condições.
Nestes termos, a Douta Sentença recorrida, na distribuição de culpas na produção do acidente, na proporção de 80 % para a recorrente e 20 % para a infeliz vítima dos autos, tendo em conta todo o supra exposto, viola os artigos 477º do Código Civil, e bem assim os arts. 21º, nº 2, 38º, 40º, 42º, nº 1 alínea 2) e 4) e art. 64º, n. 1 4) da Lei do Trânsito Rodoviário, devendo a mesma ser alterada, no sentido de atribuir ao condutor do ciclomotor a culpa exclusiva na produção do acidente, ou caso assim não se entenda seja atribuída ao condutor do motociclo uma percentagem de culpa não inferior a 50%.
Ora, antes de iniciarmos a nossa análise sobre os elementos probatórios juntos aos autos, importa sublinhar que, para infirmar tal conclusão, não bastam as declarações ou depoimento em determinado sentido de testemunhas chamadas a depor, pois que o juiz não tem, necessariamente, de aceitar esse sentido ou tal versão.
Na verdade, o juiz não é um mero depositário de depoimentos, pois que a actividade judicatória na valoração dos depoimentos há-de atender a uma multiplicidade de factores que tem a ver, designadamente, com as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, as coincidências, as contradições, a linguagem gestual, etc., e, por isso, contrariamente ao que parece entender a Recorrente, o julgador pode atribuir credibilidade a parte de um depoimento e não a atribuir noutra parte.
O Colectivo fundamentou, nesta parte, a sua decisão com os seguintes argumentos:
“(…)
A convicção do tribunal resultou essencialmente do visionamento das gravações vídeo contidas nos 2 CD´s juntos aos autos de onde resultam, num deles (CD a folhas 158, doravante designado 1º CD) as imagens em que se podem ver os dois veículos (MH-XX-XX e MK-XX-XX) a circular ao longo da Avenida Wai Long até ao momento em que ocorre o acidente o qual não se vendo nas imagens, tem-se a percepção pela nuvem de pó, a oscilação do camião e a imobilização deste e no outro CD (CD a folhas 78 do apenso A na parte em que não reproduz as imagens do 1º CD, doravante designado 2º CD) as imagens da marca no chão com sangue das rodas traseiras do lado esquerdo exterior do camião, do rodado do motociclo na areia, o sangue no chão e nas duas rodas traseiras do lado esquerdo exterior do camião, a lama/lodo que verteu da parte da frente do compartimento de carga do camião com o impulso da travagem (manchas de lama que se vêm na estrada junto às rodas da frente do camião), o que associado às declarações da 2ª testemunha ouvida (o condutor do camião) o qual descreve que olhando pelo espelho retrovisor do lado esquerdo viu um corpo deitado no chão entre a roda da frente e as de trás tendo travado imediatamente, acrescido do relatório de autópsia da vítima e explicação das lesões pelo médico que a realizou – o qual explica que o corpo foi pisado/esmagado em diagonal sobre o braço direito, pulmão direito, maxilar inferior e crânio -, juntamente com a fotografia publicada num jornal e cuja cópia consta de folhas 162, são elementos que nos permitiram reconstituir de forma clara o modo como o acidente ocorreu e que em síntese se resume a que no momento em que J a conduzir o motociclo ia a passar pelo camião pela esquerda deste, o motociclo ao passar por cima da areia na estrada perde aderência, desequilibrando-se e caindo sendo o seu condutor projectado para baixo do camião entre o rodado dianteiro e traseiro, vindo a ser pisado por este último.
A prova do facto “da perda da aderência do motociclo decorrer da areia e gravilha existente na estrada” resulta não só das imagens de vídeo onde se nota na areia o rodado da mota – um rodado liso e sem marcas que pressupõe o efeito de deslizamento -, bem como a existência de gravilha – granulado de pedra de pequenas dimensões – o que segundo as regras da experiência sendo pisado – a areia e gravilha - por um veículo de 2 rodas que acciona o travão (como resulta do CD 1 em que se vê a luz de travagem a abrir instantes antes da queda) é o bastante para que o mesmo perca a aderência ao alcatrão – que como resulta das imagens estava coberto de areia/pó e gravilha – e consequentemente, sendo um veículo de duas rodas cause a perda de equilíbrio do mesmo e a sua queda.
Relativamente ao tempo em que tudo ocorre do CD em que se tem a percepção do acidente podemos contar menos de três segundos, entre o ver-se acender a luz de travagem do motociclo no local do embate em que o seu condutor ainda vai em cima do motociclo e a imobilização do camião já depois de ter passado por cima do corpo daquele. (…)”.
Ora, no caso sub judice, conforme decorre cristalinamente da fundamentação constante da sentença recorrida, o Tribunal a quo, quem cabia aferir da credibilidade das testemunhas, decidiu atribuir credibilidade às declarações de certas testemunhas.
Nesta parte, importa atender aos seguintes factores:
1) – O condutor do camião pesado, testemunha, é um dos intervenientes do acidente mortal, a experiência de vida ensina-nos que, nestas circunstâncias, a tendência do depoimento das testemunhas intervenientes vai no sentido de “desresponsabilizar” a si próprio, porque está numa posição “parcial”, o que impõe uma ponderação cautelosa na análise do seu depoimento;
2) – Lido e relido o depoimento desta testemunha, a sensação que ficamos é no sentido que, tal como o condutor do camião pretendia demonstrar, o camião (veículo pesado) por ele conduzido, ao momento do acidente, estava quase parado, foi o vítima, que se desequilibrou e caiu, então se deu o atropelamento! A agravação vídeo não conseguiu captar esse exacto momento do acidente, o que leva o Tribunal a proceder à análise de todos os elementos circunstanciados para chegar (e efectivamente assim chegou) à conclusão de co-causas do acidente.
3) - Neste recurso, a Recorrente/4ª Ré agarrou-se bastante ao distanciamento entre o gradeamento e o camião acidentado, defendendo que tal distância teria cerca de 1.5 metro! Este argumento não tem muita relevância, visto que, conforme as fotografias de fls. 585 a 587, ao momento do acidente, quer o motociclo, quer o camião, estavam a circular dentro da faixa!
4) – A questão chave reside em saber quem (incluindo as respectivas companhias) directa ou indirectamente contribuiu para a ocorrência do acidente em causa.
5) - Ora, não encontramos nos autos elementos seguros e acreditáveis que sejam capazes justificar uma resposta diferente da dada ao quesito 3º pelo Colectivo. Aliás, nem a Recorrente/4ª Ré chegou a explicar com que elementos objectivos que a resposta devia ser alterada, o que ela veio a fazer é declarar a sua discordância da resposta em apreço.
Na falta de elementos probatórios para defender algo diferente, é de julgar improcedente a impugnação nesta parte.
*
II – Segunda Parte:
No que toca aos factos constantes dos quesitos 7º, 9º, 12º, 13º, 21º e 23º, a Recorrente veio a tecer os seguintes argumentos:
Não podemos concordar com esta decisão.
Importa nesta matéria destacar aquilo que, no modesto entendimento da Recorrente, é um erro de julgamento na resposta positiva aos quesitos 7º, 9º, 12º, 13º, 21º e 23º e na resposta negativa aos quesitos 52º, 53º e 89º da base instrutória.
Os referidos quesitos versam sobre a seguinte matéria de facto:
Quesito 7º
Sensivelmente a meio do lado esquerdo do veículo pesado MK-XX-XX, o motociclo de súbito perdeu a aderência com a estrada?
Provado
Quesito 9º
A perda de aderência com a via causou a queda do motociclo e do J para a direita?
Provado.
Quesito 12º
Provado que a perda de aderência e contacto do motociclo com a estrada se deveu à existência de areia e gravilha na via;
Quesito 13º
Esses elementos existentes na via advieram das obras e trabalhos que, à data, a 2ª Ré efectuava na Avenida Wai Long?
Provado.
Quesito 21º
A 2ª Ré, para evitar a passagem desses detritos para a rodovia, deveria ter utilizado grades fechadas, estanques, rentes ao chão e fixadas de forma rígida à via?
Provado.
Quesito 23º
Esses trabalhadores não procederam à limpeza da via pública?
Provado.
Quesito 52º
Antes de embater nas rodas traseiras do veículo pesado, o motociclo embateu na vedação metálica existente no local para sinalizar a existência de obras?
Não provado.
Quesito 53º
E só após esse embate, tanto o condutor como o motociclo caíram para o lado direito entre as rodas traseiras do veículo MK-XX-XX.
Não provado.
Quesito 89º
A gravilha e areia existente no pavimento da via, à data dos factos, era deixada pelos camiões de transporte de terras e betoneiras que circulavam na Avenida Wai Long?
Não provado.
Ora,
Com o devido respeito, resulta da prova produzida em sede de julgamento que a areia e gravilha no pavimento não poderia ter provocado, nem provocou, a perda de aderência e queda do motociclo.
Na verdade,
Das fotografias a fls. 95, dos registos de vídeo e do croquis a fls. 78 resulta que o condutor do motociclo travou, tendo deixado marcado no pavimento um rasto de travagem de mais de 10 metros.
Mais resulta das fotografias que o rasto de travagem se inicia muito perto do gradeamento ali colocado - e diz-se muito perto porque não apurou o Tribunal a respectiva distância - e termina com uma curvatura na direcção do gradeamento.
Resulta ainda do depoimento da testemunha H, condutor do veículo pesado, que ouviu um embate na grade e olhou pelo retrovisor tendo visto um corpo e parado imediatamente o veiculo pesado, dando-lhe a impressão de que o motociclo embateu no gradeamento antes de a vítima cair ao chão:
[passagem gravada em 11.04.2016, 01 hora 43 minutos e 59 segundos até 01 hora 45 minutos e 22 segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 10.34.38]:
Mandatário dos Autores: O senhor lembra-se em 20 de Setembro de 2011, vem a conduzir por esta via o que se recorda de ter acontecido.
Testemunha: Na altura... eu posso falar em pormenor... na altura estava naquela via, com semáforo vermelho parei para depois re-arrancar e, quando estava perto da rotunda, ouvi do lado esquerdo havia um som de embate, embate em grade da berma. Eu então olhei. E nessa altura eu vi que do lado esquerdo, roda dianteira, portanto no espaço entre roda dianteira e do meio havia uma pessoa ai prostrada e parei logo o veículo.
[passagem gravada em 11.04.2016, 01 hora 49 minutos e 05 segundos até 01 hora 51 minutos e 00 segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 10.34.38]:
T: o veículo estava a circular em velocidade moderada e eu ouvi do lado esquerdo ouvi algo bater nas grades, que parece que alguém bateu e depois eu olhei do lado esquerdo e verifiquei.
[passagem gravada em 11.04.2016, 02 horas 03 minutos e 10 segundos até 02 hora 04 minutos e 54 segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 10.34.38]:
MA: O senhor refere ainda que só se apercebe que algo acontecera quando houve um som de embate de uma grade?
T: Sim na parte traseira do camião.
MA: O senhor ia de janelas abertas?
T: Sim é o meu costume ir com duas janelas abertas.
MA: O senhor vinha com o radio ligado?
T: Não, não estava nada ligado.
MA: O som que o senhor referiu era um som metálico?
T: Sim. Antes eu trabalhava no estaleiro e transportava estas grades e tenho conhecimento que foi um movimento, um choque, um arrasto dessas grades.
Assim,
A conjugação dos referidos elementos probatórios leva-nos à conclusão que a queda do condutor do motociclo não se deu por causa da areia e gravilha ou falta de aderência - tanto mais que a vítima fez uma travagem controlada durante mais de 10 metros - mas antes porque não conseguiu imobilizar o motociclo nesse mesmo espaço de 10 metros, acabando por embater no gradeamento do seu lado esquerdo, o que terá provocado a sua queda.
E porque se encontrava demFdo perto da lateral do veículo pesado - e diz-se demFdo perto porque o Tribunal também não apurou qual a distância certa - a vítima caiu entre os eixos dianteiro e traseiro do veículo pesado.
Ou seja, não foi a gravilha nem a areia a causa da queda mas antes a conduta da infeliz vítima que, como melhor se deixará demonstrado, foi manifestamente violadora das mais elementares regras estradais.
Dessa forma, deveria ter sido dada uma resposta negativa aos quesitos 7º, 9º, 12º e bem assim uma resposta positiva aos quesitos 52º e 53º.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. artigo 365º do CCM) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
O que oferecemos a dizer neste domínio?
1) – Em primeiro lugar, não se verifica a alegada contradição entre os factos considerados assentes e a interpretação feita pela Recorrente dos mesmos factos.
2) – Em segundo lugar, tal como anteriormente afirmamos, a questão chave reside em saber quais as causas que contribuíram para a ocorrência do acidente e a quem devem ser imputadas tais co-causas.
3) – Em terceiro lugar, a conjugação dos elementos probatórios leva-nos a concluir que a queda do condutor do motociclo se deu por causa da areia e gravilha e falta de aderência ao pavimento, acabando por embater no gradeamento do seu lado esquerdo, o que terá provocado a sua queda, e como estava perto da lateral do veículo pesado, a vítima caiu entre os eixos dianteiro e traseiro do veículo pesado.
4) – Em quarto lugar, caso não existissem areia e gravilha no pavimento, e tendo em conta que a vítima já se iniciou a travagem do motociclo muito antes (o que é comprovado pelo rasto da travagem deixado na faixa cerca de 1.5 metros), em situação normal, deveria conseguir travar o seu veículo.
5) – Em quinto lugar, ficou provado, tal como resulta das fotos de fls. 585 a 587 dos autos, tais areias e gravilhas emergiam das obras no local executadas (provavelmente nem todas, mas pelo menos parte delas eram), o que demonstra claramente a contribuição da Recorrente/Companhia C para a ocorrência do acidente.
6) – Em sexto lugar, nos termos acima vistos, a Recorrente não conseguiu afastar a sua causa que contribuiu para o acidente (não obstante assim o tentar fazer), pois foram tais areias e gravilhas que aumentaram o risco no pavimento.
7) – Nesta óptica, e perante o quadro fáctico fixado pelo Tribunal recorrido, a Recorrente tem uma quota-parte da responsabilidade na provocação do acidente.
Ora, é de ver que o que a Recorrente veio a fazer é declarar a sua discordância com as respostas dada pelo Colectivo, em vez de indicar concretamente quais os pontos fácticos que foram erradamente apreciados pelo Tribunal ao julgar a matéria de facto.
Em face de todo do expendido, é de julgar improcedente esta parte do recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se as respostas dadas aos quesitos em análise.
*
III – Terceira Parte:
Relativamente aos quesitos 48º, 49º e 50º , têm o seguinte teor:
48º
O condutor do motociclo matrícula MH-XX-XX circulava sem prestar atenção à sua condução e ao que se passava na estrada?
49º
O condutor do motociclo matrícula MH-XX-XX efectuou a manobra de ultrapassagem ao veículo pesado sem se certificar que o poderia fazer com segurança?
50º
Em local onde, entre o veículo pesado MK e as barreiras de sinalização que delimitavam o lado esquerdo da via e as obras que ali decorriam, não distava mais do que 1,20 metros?
A este propósito, a Recorrente produziu a seguinte argumentação:
“(…) Já no plano da conduta da infeliz vítima, concluiu bem o Douto Tribunal a quo que ao ultrapassar o veículo pesado pela esquerda na parte que restava livre da faixa de rodagem sem deixar o espaço de segurança entre o veículo pesado, aquele violou a regra do art. 38º e 64º, nº 1, 4) da Lei do Transito Rodoviário.
Porém,
No que respeita à decisão sobre a matéria de facto, é também entendimento da Recorrente que a resposta dada aos quesitos 3º deveria ter sido diferente.
Na verdade, quando no referido quesito se diz "provado que no que sobrava livre do lado direito da faixa mais à esquerda da Avenida Wai Long..." deveria o Tribunal ter apurado quantos metros distavam entre o gradeamento e a faixa central da via.
Isto porque,
Resulta das fotografias juntas aos autos e do registo de vídeo que entre o gradeamento e o veiculo pesado não distavam mais de 1,5 m.
Resulta aliás do depoimento da testemunha H o seguinte:
[passagem gravada em 11.04.2016, 15 minutos e 45 segundos até 16 minutos e 05 segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 15.23.49]:
Mandatário da Interveniente: Lembra-se das grades que existiam ao lado destas obras.
Testemunha: Sim, sim. Do lado esquerdo a uma distância de mais ou menos um metro da minha viatura havia umas vedações metálicas.
[passagem gravada em 11.04.2016, 40 minutos e 10 segundos até 40 minutos e 38 segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 15.23.49]:
Mandataria da 4ª Ré: O senhor tem ideia qual a distância entre as grades e o seu camião?
T: Assim, mais ou menos esta largura.
MR: Era estreito?
T:Sim.
Assim,
Face aos elementos de prova constante dos autos a resposta ao quesito 3º deveria ter sido complementada com a distancia que vai do veiculo pesado e o gradeamento que, como se viu, era de sensivelmente 1,50 m,
E bem assim, a resposta ao quesito 50º deveria ter sido positiva.
Da mesma forma deveria ter sido positiva a resposta aos quesitos 48º e 49º.”
Ora, encontramos elementos nos autos que permitam sustentar a versão do acidente descrito pela Recorrente.
A análise feita na parte anterior sobre os factos vale, mutatis mudantis, para aqui.
Mais uma vez sem razão a Recorrente, para além de estar a atacar a convicção do Tribunal, não traz nenhum elementos concretos para infirmar a conclusão que o Colectivo tirou das provas.
É de julgar improcedente a argumentação da Recorrente nesta parte.
*
IV – Quinta Parte:
Sobre a resposta do quesito 23º, a Recorrente veio a alegar o seguinte:
“A resposta negativa ao quesito 23º está em clara contradição com a resposta positiva ao quesito 84º .”
Ora, é preciso dizer-se já que, entre uma resposta positiva e uma negativa, nunca pode entre elas estar em contradição, é uma questão de lógica!
Pois, quando o tribunal responder negativamente a um facto alegado pela parte, o que significa simplesmente que tal facto não pode ser considerado quando tomar decisão (ou seja, como se fosse não alegado o facto em causa e tão só)! Nunca significa que a versão contrária à constante do facto negativo que é verdadeiro! Pelo que, nunca pode estar em contradição entre uma positiva e uma negativa!
Pelo exposto, julga-se improcedente este argumento do recurso tecido pela Recorrente.
*
V – Sexta Parte:
Sobre as respostas dos quesitos 52º, 53º e 89º da BI, a Recorrente alegou o seguinte:
A conjugação dos referidos elementos probatórios leva-nos à conclusão que a queda do condutor do motociclo não se deu por causa da areia e gravilha ou falta de aderência - tanto mais que a vítima fez uma travagem controlada durante mais de 10 metros - mas antes porque não conseguiu imobilizar o motociclo nesse mesmo espaço de 10 metros, acabando por embater no gradeamento do seu lado esquerdo, o que terá provocado a sua queda.
E porque se encontrava demFdo perto da lateral do veículo pesado - e diz-se demFdo perto porque o Tribunal também não apurou qual a distância certa - a vítima caiu entre os eixos dianteiro e traseiro do veículo pesado.
Ou seja, não foi a gravilha nem a areia a causa da queda mas antes a conduta da infeliz vítima que, como melhor se deixará demonstrado, foi manifestamente violadora das mais elementares regras estradais.
Dessa forma, deveria ter sido dada uma resposta negativa aos quesitos 7º, 9º, 12º e bem assim uma resposta positiva aos quesitos 52º e 53º.
Os três factos têm o seguinte conteúdo:
52º*
Antes de embater nas rodas traseiras do veículo pesado, o motociclo embateu na vedação metálica existente no local para sinalizar a existência de obras?
53º
E só após esse embate, tanto o condutor como o motociclo caíram para o lado direito entre as rodas traseiras do veículo MK-XX-XX?
89º
A gravilha e areia existente no pavimento da via, à data dos factos, era deixada pelos camiões de transportes de terras e betoneiras que circulavam na Avenida Wai Long?
É da mesma lógica que já dissemos antes, não encontramos elementos probatórios que permitam sustentar a versão defendida pela Recorrente. O que ela está a fazer é tentar impôr uma versão que lhe apeteça!
Pelo que, é de manter as respostas negativas dos quesitos em causa, julgando-se infundada a impugnação feita pela Recorrente.
*
VI – Sétima parte :
A segunda parte do recurso interposto pela Recorrente tem a ver com a fixação da indemnização pela Tribunal recorrido a favor dos Autores a título de dano moral, no valor de 1 milhão de patacas para ambos, no entender da Recorrente/4ª Ré, tal valor é muito elevado e não respeita a regra de proporcional.
Como esta parte de recurso tem a ver com o mérito, veremos mais adiante conjuntamente com outras questões levantadas por outros Recorrente.
*
Prosseguindo,
Como os demais recursos têm por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este fundamentou a sua douta decisão nos seguintes termos:
A e B, ambos de nacionalidade Chinesa, titulares dos BIRM nº ... e …respectivamente, ambos residentes em 澳門….
vem instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra
Companhia de Electricidade de Macau – CEM, SA, registada na Conservatória dos Registos Comerciais e Bens Móveis sob o nº 590 SO, com sede na estrada Dona Maria II nºs 32-36, edifício CEM;
Companhia de Construção e Obras de Engenharia C Limitada, registada na Conservatória dos Registos Comerciais e Bens Móveis sob o nº … com sede em 澳門…;
F Insurance Company Limited, registada na Conservatória dos Registos Comerciais e Bens Móveis sob o nº …, com sede em Hong Kong e representação permanente em Macau na….
Alegam os Autores que na data e condições que descrevem ocorreu um acidente de viação na sequência do qual o seu filho J faleceu. Uma vez que tal acidente foi também acidente de trabalho, em sede de processo de acidente de trabalho receberam já a indemnização a que ali tinham direito. Imputando a causa do acidente à circunstância do motociclo conduzido por J ter perdido aderência ao piso o que provocou a sua queda por causa da areia existente no pavimento vinda das obras que se realizavam na via, sendo a dona da obra a 1ª Ré e estando a realização das mesmas a cargo da 2ª Ré por contrato de empreitada, bem como, que foi transferida para a 3ª Ré a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação causados pelo veículo que atropelou J depois de ter caído, sustentam os Autores a responsabilidade da 1ª Ré enquanto Comitente, a da 2ª Ré com base na culpa e a da 3ª Ré com base na responsabilidade objectiva. Mais invocam os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos Autores os quais quantificam.
Concluindo pedem os Autores que sejam os três Rés condenados solidariamente a pagar aos Autores a quantia de:
a) MOP720.000,00 (setecentas e vinte mil patacas), a título de indemnização para compensação pela impossibilidade de cumprimento de uma contribuição mensal prestada pelo falecido filho;
b) MOP350.000,00 (trezentas e cinquenta mil patacas), a título de danos não patrimoniais sofridos pelo filho dos Autores;
c) MOP1.000.000,00 (um milhão de patacas), correspondente a MOP500.000,00 (quinhentas mil patacas) para cada Autor, a título de danos não patrimoniais sofridas pelos Autores;
d) Juros de mora desde a data da respectiva citação, à taxa legal, até integral pagamento
Citadas as Rés para querendo contestarem, vieram estas fazê-lo.
Contestando defende-se a 1ª Ré por excepção invocando a sua ilegitimidade passiva, a excepção do caso julgado uma vez que em sede de processo de acidente de trabalho os Autores já foram ressarcidos dos danos causados pelo acidente e a excepção peremptória do pagamento. Mais se defende a 1ª Ré por impugnação fundamentada no que concerne às causas do acidente apontando a responsabilidade do mesmo à vítima ao realizar uma ultrapassagem pela esquerda, manobra proibida. Concluindo pede que que se julgue procedente a excepção dilatória invocada ou se assim não se entender as peremptórias pela ordem que indica, ou assim não se entendendo julgar a acção improcedente e a Ré ser absolvida do pedido.
Mais requereu a 1ª Ré a intervenção principal provocada das seguintes companhias de seguros: D Insurance Company (Macau) Ltd e Companhia de Seguros G Mundial S.A., porquanto a responsabilidade civil que se imputa às duas primeiras Rés havia sido transferida para estas companhias.
Contestando vem a 2ª Ré defender-se por excepção suscitando a ilegitimidade passiva por não estarem na acção a entidade patronal da vítima e a respectiva seguradora, mais defende-se por impugnação fundamentada afastando a responsabilidade do acidente no que concerne à realização das obras e apresentando outra versão e causa para o acidente. Concluindo termina pedindo que se julgue procedente a excepção da ilegitimidade absolvendo-se a Ré da Instância ou se assim não se entender se julgue a acção improcedente absolvendo a Ré dos pedidos.
Contestando vem a 3ª Ré defender-se por impugnação alegando que só poderia ser objectivamente responsabilizada pelo acidente se o mesmo não decorresse de culpa da malograda vítima como acontece no caso dos autos, pelo que conclui pela improcedência da acção quanto à contestante.
Pelos Autores foi dito nada terem opor à intervenção principal da D Insurance Company (Macau) Ltd e Companhia de Seguros G Mundial S.A..
Replicando quanto à matéria das excepções invocadas pela 1ª Ré vieram os Autores pugnar pela improcedência das mesmas.
Por despacho de folhas 382 foi deferida a intervenção principal provocada de D Insurance Company (Macau) Ltd e Companhia de Seguros G Mundial S.A..
Pela Companhia de Seguros G Mundial S.A. foi deduzida contestação, defendendo-se por impugnação e requereu a intervenção principal da RAEM, concluindo pela improcedência da acção ou se assim não se entender sejam as Rés condenadas na proporção de culpas.
Pela D Insurance Company (Macau) Ltd foi deduzida contestação defendendo-se por impugnação, concluindo pela improcedência da acção e absolvição dos pedidos.
Pelos Autores foi deduzida réplica quanto à contestação da Companhia de Seguros G Mundial S.A. nada opondo ao chamamento da RAEM.
Por despacho de folhas 539 e 540 foi indeferida a intervenção principal da RAEM.
Por despacho de folhas 525 foi ordenada a apensação a estes autos do processo que corria termos neste tribunal sob o nº CV3-13-0058-CAO, os quais foram instaurados por,
E INSURANCE (HONG KONG) LIMITED, matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o registo de representação permanente nº …, com sede da pessoa colectiva em Hong Kong, …, e com representação permanente em Macau, Na…;
Contra,
1º Ré - F INSURANCE COMPANY, matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o registo de filial nº …, com sede da pessoa colectiva em Hong Kong, e com filial em Macau, na …;
2ª Ré - Companhia de Construção e Engenharia K, Limitada, matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o registo comercial nº ..., com sede da pessoa colectiva em Macau, na …;
3º Réu - H, do sexo masculino, casado, de nacionalidade chinesa, residente em Macau na… e,
4ª Ré - Companhia de Construção e Obras de Engenharia C, Limitada, descrito na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o registo comercial nº …, com sede da pessoa colectiva em Macau, na….
Nesta acção alega a aqui Autora as circunstâncias em que ocorreu o acidente, relativamente ao qual, sendo também acidente de trabalho e havendo sido transferida pela entidade patronal da vítima, para a aqui Autora E a responsabilidade emergente de acidente de trabalho através de contrato de seguro, esta satisfez o pagamento da indemnização a que havia lugar em sede de processo por acidente de trabalho. Contudo, alega, a responsabilidade pelo acidente cabe ao 3º Réu condutor do veículo pesado por não ter cumprido as regras de trânsito a que estava obrigado; cabe, também, à 4ª Ré por não ter dado cumprimento às regras a que estava obrigada ao executar obras na via pública, cabe, também, à 1ª Ré porque para si foi transferida a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação causados pelo veículo conduzido pelo 3º Réu, cabe, também, à 2ª Ré por ser a proprietária do veículo conduzido pelo 3º Réu o qual estava a ser usado no seu próprio interesse, pelo que, assiste à aqui Autora o direito de regresso relativamente às quantias por si pagas.
Concluindo pede que sejam condenados todos os Réus em comparticipação e de responsabilidade solidária o pagamento à Autora as indemnização no total de MOP1.020.514,00, incluindo a) à morte pagou-se no total de MOP1.000.000,00, b) despesas de funeral pagou-se no total de MOP20.514,00 e os juros legais a partir do dia da citação até à liquidação total.
Contestando vem a 1ª Ré defender-se por impugnação.
Contestando a 4ª Ré vem defender-se por excepção invocando a sua ilegitimidade e por impugnação, pedindo em conclusão que seja absolvida da instância ou se assim não se entender que seja absolvida do pedido.
A 4ª Ré vem também requerer a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros D (Macau) SA por ter transferido a responsabilidade civil emergente da obra em causa para esta companhia de seguros, o que foi indeferido por despacho de folhas 261 a 263.
Os 2º e 3ª Réus silenciaram.
Foi proferido despacho saneador, onde foram julgados parte ilegítima e absolvidos da instância H e Companhia de Construção e Engenharia K Limitada (2º e 3º Réus na acção apensa), tendo sido relegado para final o conhecimento da excepção de pagamento parcial do direito indemnizatório.
Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal, mantendo-se a validade da instância.
Nestes autos apurou-se a seguinte factualidade:
(…)
Cumpre assim apreciar e decidir.
A questão a decidir nestes autos consiste em apurar a causa do acidente e em consequência quem ou quais os responsáveis pelo mesmo e após apurando a existência de danos, qual o montante destes que ainda não haja sido satisfeito condenando a ressarci-los na medida da responsabilidade de cada um, bem como, saber se a Companhia de seguros que pagou a indemnização devida em sede de acidente de trabalho tem direito de regresso sobre os responsáveis pelo acidente e em que medida.
Segundo o nº 1 do artº 477º do C.Civ. «aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».
São, assim, pressupostos da responsabilidade civil:
- O facto;
- A ilicitude;
- A imputação do facto ao lesante;
- O dano;
- Nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Quanto ao facto este tanto pode ser positivo, traduzido num acto ou acção, como também, negativo traduzido numa omissão quando «haja o dever jurídico de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente teria impedido a consumação desse dano»3.
«Por isso, facto voluntário significa apenas, no caso presente, facto objectivamente controlável ou dominável pela vontade. Para fundamentar a responsabilidade civil basta a possibilidade de controlar o acto ou omissão; não é necessária uma conduta predeterminada, uma acção ou omissão orientada para certo fim (uma conduta finalista). Fora do domínio da responsabilidade civil ficam apenas os danos causados por causas de força maior ou pela actuação irresistível de circunstâncias fortuitas (pessoa que é irresistivelmente impelida por força do vento, por efeito da vaga do mar, por virtude de uma explosão, de uma descarga eléctrica, da deslocação de ar provocada pelo arranque de um avião, ou de outras forças naturais invencíveis).» - Obra citada a pág. 449 -.
A ilicitude pode consistir na violação do direito de outrem (entre as várias formas que aquela pode revestir).
Da factualidade apurada o que resulta é que o motociclo conduzido por J, doravante, vítima, quando passava pelo lado esquerdo do veículo pesado MK-XX-XX, doravante veículo pesado, dada a existência de areia e gravilha na estrada, perdeu a aderência (o motociclo) em consequência do que, motociclo e vítima caíram entre os eixos dianteiros e traseiros do veículo pesado, vindo a vítima a ser mortalmente esmagada pelas rodas traseiras deste (do veiculo pesado).
Assim sendo o que causa a perda de aderência e queda é a areia e gravilha na via pública.
Porém, a vítima cai para debaixo do veículo pesado. É desta queda que resulta a morte da vítima, uma vez que cai para debaixo do veículo pesado, entre os eixos de rodagem deste, sendo esmagada pelo eixo central.
Como resulta da factualidade assente os veículos circulavam normalmente, sendo que o veículo pesado estava a reduzir a sua marcha porque se aproximava de um sinal luminoso com a cor vermelha acesa, local onde a faixa de rodagem passa a ter três vias, momento em que é ultrapassado pela esquerda pelo motociclo conduzido pela vítima, usando este para o efeito o que sobrava livre da via mais à esquerda que se encontrava em obras.
Ora, não na causa da queda, mas nas consequências da queda (atropelamento/esmagamento pelo camião) há outros factores que contribuem para a sua realização, e que consistem na circunstância da vítima estar a circular no que sobrava livre da faixa de rodagem mais à esquerda, de ter passado o veículo pesado pela esquerda deste e de o fazer sem guardar uma distância entre o motociclo e o veículo pesado que o permitisse fazer em segurança.
Segundo o nº 1 do artigo 38º da Lei do Trânsito Rodoviário a ultrapassagem deve efectuar-se pela direita, salva a excepção do artº 39º que no caso não ocorre.
Havendo várias vias de trânsito no mesmo sentido, estando a velocidade dos veículos dependente da dos que o precedem e estando todas as vias de trânsito ocupadas por veículo, não é havida como ultrapassagem o facto dos veículos de uma das vias seguirem a mais velocidade que os das outras. Situação que também não ocorre nos autos.
Igualmente consagra a alínea 4) do nº 1 do artº 64º da Lei do Trânsito Rodoviário que os motociclos não podem circular a par de outros veículos.
Destarte, ao passar o veículo pesado pela esquerda a vítima violou a regra do artº 38º e 64 nº 1, 4) do indicado diploma, circunstância que - não tendo sido causa da queda - se não tivesse ocorrido, a queda apesar de acontecer não teria sido para debaixo do veículo pesado com as consequências letais que teve.
Ou seja, no caso em apreço há uma concorrência de factores que levam à produção do efeito: a areia/gravilha na estrada que origina a perda de aderência e queda; a ultrapassagem pela esquerda no que resta da faixa de rodagem sem deixar o espaço de segurança entre o veículo ultrapassado, que fazem com que a queda se dê para debaixo do veículo que segue à sua direita.
Contudo, realça-se, nunca a vítima teria caído se não houvesse na estrada areia e gravilha, pelo que, concorreu este factor em muito mais para a produção do resultado que a ultrapassagem pela esquerda, uma vez que, desta, sendo contrária à lei, nenhum mal teria advindo se a areia lá não estivesse.
Relativamente ao condutor do veículo pesado o que resulta é que este nada pôde fazer, nem lhe era exigido que fizesse, uma vez que, atentas as circunstâncias em que tudo acontece não lhe era exigível que previsse que alguém poderia cair entre os seus eixos de rodagem, nem tão pouco que imobilizasse o seu veículo em tempo e antes de esmagar a vítima, uma vez que a queda se dá nas traseiras do seu campo de visão4.
No caso dos autos o acidente queda e atropelamento com a subsequente perda da vida da vítima são o facto ilícito a que alude o nº 1 do artº 477º do C.Civ..
Vejamos agora da imputação do facto ao agente.
Sustentam os Autores da acção principal que o acidente ocorre por culpa da dona da obra e da empreiteira, imputando-lhes a responsabilidade pela areia e gravilha que estavam na estrada.
Ora, o que resulta da factualidade apurada é que a CEM era a dona da obra cuja realização havia empreitado à C.
Ambas as companhias haviam transferido a responsabilidade emergente da obra em causa para as companhias de seguros que estão nos autos.
Dúvidas não há que o acidente resulta da queda do motociclo provocada pela perda de aderência ao piso causada pela areia e gravilha que estavam na estrada.
Também resulta da factualidade assente que a empreiteira tinha de manter o espaço à volta da obra limpo e que apesar de ter encarregue pessoal para esse efeito naquele dia tal não foi feito levando à ocorrência do acidente.
Porém, coloca-se a questão de saber a quem cabe a responsabilidade: Ao dono da obra, ao empreiteiro, ou ambos?
Como resulta da factualidade assente a obra em causa destinava-se à instalação subterrânea de cabos.
Considerando a classificação de coisas dos artº 195º e 196º do C.Civ. a empreitada em causa visava a construção de uma coisa móvel, relativamente à qual, embora se desconheça por quem eram fornecidos os materiais, face ao disposto nos nº 1 e 2 do artº 1138º do C.Civ. podemos concluir que a propriedade da obra apenas se transfere para o dono da obra uma vez construída a coisa.
Logo, até à conclusão da obra esta é pertença do empreiteiro e não do designado “dono da obra”5.
Por sua vez o contrato de empreitada caracteriza-se pela actuação do empreiteiro na realização da obra sem estar subordinado à direcção do dono da obra (sem prejuízo do poder de fiscalização deste), não havendo entre um e outro qualquer relação do género comitente/comissário.
Sobre esta questão veja-se Vaz Serra citado em anotação nº 8 ao artº 1207º do CCiv. Português, Noção de Empreitada, equivalente ao artº 1133º do CCiv. de Macau a qual se transcreve:
«A característica fundamental deste contrato é o facto de nele se prometer o resultado de uma actividade, sem subordinação à direcção da outra parte. Logo, o empreiteiro não é um subordinado do dono da obra, mas antes um contratante que actua segundo a sua própria vontade, embora obrigado ao resultado ajustado. O empreiteiro actua autonomamente e não sob a direcção ou instruções do dono da obra, que pode, todavia, fiscalizar a execução da obra – art. 1209º (V. Serra, RLJ, 112º-203). O dono da obra não é um comitente do empreiteiro, no sentido do art. 500º (V. Serra, RLJ, 112º-204).-».
Destarte cabendo a direcção da obra - no sentido da acção da coisa a construir em que consiste a empreitada – ao empreiteiro, sendo este inclusivamente o dono da coisa até à aceitação da obra por aquele que empreita – vulgo dono da obra -, outra conclusão não se pode retirar que não seja a de que o responsável pelos danos que venham a emergir da obra – da construção da coisa – apenas a quem a faz podem ser imputados, isto é, ao empreiteiro.
Nesta solução se orienta também o artº 485º do C.Civ. quando se refere a danos causados por obras imputando a responsabilidade ao proprietário ou possuidor da obra, o qual como vimos, até à aceitação da obra é o empreiteiro.
Em sentido idêntico se decidiu no Acórdão do STJ Português no Acórdão de 21.03.2006, Processo 06A392 consultado via www.dgsi.pt:
«Numa empreitada de obras públicas, o dono da obra só pode ser responsabilizado por danos provocados a terceiro no caso de erro execução resultante de obediência do empreiteiro a ordens ou instruções escritas por parte do dono da obra ou que tivessem tido a concordância deste.».
Definido o dolo no artº 13º do Código Penal este pressupõe sempre que no mínimo o agente aceitou, ainda que eventualmente (dolo eventual) a realização do facto ilícito como consequência possível da sua conduta.
Ora, no caso dos autos, não resulta em momento algum que a sociedade empreiteira em momento algum haja equacionado e aceite que da existência de areia e gravilha no piso poderia ocorrer um acidente de viação, conformando-se com o resultado, pelo que, a hipótese do dolo está afastada.
Deste modo, há que analisar a actuação do agente à luz da mera culpa.
Sobre esta questão mostra-se adequado citar o que a respeito escreve Dario Martins de Almeida em Manual de Acidentes de Viação, 3ª ed., pág. 68/70:
«6. Mera culpa ou negligência. Negligência consciente e negligência inconsciente
1. – Paredes meias com o dolo eventual, situa-se a mera culpa ou negligência. Dentro da teoria geral da culpa, tem-se a negligência como a omissão de um dever de diligência. E este dever provém do próprio ordenamento jurídico, das normas jurídicas vigentes; é um dever exigível.
A lei, com efeito, tutela os interesses ou direitos fundamentais de vida social; e enquanto regula assim directamente o que deve ou não deve fazer-se, com respeito à protecção desses interesses ou direitos, regula também, implícita ou indirectamente, o comportamento dos destinatários da norma, exigindo direcções programáticas da conduta, de tal sorte que não venha a haver violação, consciente ou inconsciente, dos direitos ou interesses juridicamente protegidos. Daí, dizer-se que a norma desempenha uma dupla função – valorativa e imperativa ( ). É desta sua força imperativa que nasce um dever de diligência ou de cautela, destinado a evitar todos os actos (ou omissões) susceptíveis de violar aqueles interesses ou direitos alheios, como consequência em geral idónea ou adequada.
2. – Temos, pois, a figura da negligência, sempre que o agente omitiu ou esqueceu o seu dever de diligência, não chegando sequer a prever o evento como consequência possível da sua conduta, quando podia e devia tê-lo previsto (negligência inconsciente); ou sempre que o agente, tendo previsto o evento como consequência meramente possível da sua conduta, não usou das adequadas cautelas para o evitar, confiando, precipitada ou levianamente, em que não se verificasse (negligência consciente). Esta última figura está justamente na fronteira do dolo eventual ( ).
O evento liga-se assim ao agente, naquela primeira hipótese, pela simples previsibilidade (o resultado era previsível); e, na segunda hipótese, pela previsão (o resultado chegou a ser previsto). É esse nexo ou vínculo psicológico da previsão ou da previsibilidade que vem a colocar esse evento na dependência da vontade do agente ( )».
Sendo a empreiteira a entidade a quem cabe a responsabilidade emergente da obra que estava a realizar, sendo sua obrigação diligenciar para que a obra estivesse fisicamente vedada das vias que continuavam em utilização e de modo que se evitasse que os detritos causados pela obra não invadissem as demais vias usadas pelo publico em geral, mantendo a via limpa, o certo é que, apesar de ter dado ordens nesse sentido não diligenciou como devia e podia de forma a garantir que assim se fizesse, o que a acontecer teria evitado o acidente.
Destarte, é a Companhia C, aqui 2ª Ré, responsável a título de negligência inconsciente pela ocorrência do acidente na medida em que para este concorreu a areia e gravilha no pavimento.
Ora, retomando aqui o que já havia sido referido supra que também concorreu para a o acidente a manobra de ultrapassagem feita pela vítima, entendemos haver concorrência de culpas, na proporção de 80% para a empreiteira e 20% para a vítima.
Tendo a responsabilidade civil emergente de danos causados a terceiros pela execução das obras realizadas pela C sido transferida por contrato de seguro nos termos do artº 962º e seguintes do CCom para a companhia de Seguros D Insurance Company (Macau) Ltd, sendo o valor da apólice igual a MOP$5.000.000,00, será esta companhia aqui interveniente a responsável por satisfazer a indemnização a que haja lugar na parte que cabe à sua segurada, até ao valor do montante garantido pela apólice.
Destarte, no que concerne à responsabilidade que os Autores queriam imputar à “dona da obra” a aqui 1ª Ré Companhia de Electricidade de Macau CEM SA e respectiva companhia de Seguros, aqui interveniente Companhia de Seguros G Mundial SA, só pode a acção improceder.
Por fim, todos os Autores – considerando as duas acções – vêm, também, imputar a responsabilidade pelo acidente a título objectivo ao veículo pesado.
«Na esfera da responsabilidade civil por actos lícitos – objectiva ou pelo risco – a materialidade do facto coincide com o próprio evento resultante do risco-actividade. No que especialmente respeita a acidentes de viação, trata-se dos riscos inerentes à própria viatura que se mantém em actividade e de que se tira proveito.
Também aqui, o facto não é o acidente como fenómeno isolado; é certo acontecimento em que se transforma o perigo potencial da viatura (o rebentar do pneu, a rutura da barra da direcção ou da manga de eixo, a própria derrapagem quando fortuita); é, de algum modo, o próprio perigo materializado. No pormenor, enquanto ligado às forças causais que põe em movimento, é certamente difícil dissociá-lo do acidente que acaba por engendrar.» Cit. Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 3ª Ed. pág. 54.
Nos termos dos artº 493º e 496º aquele que encarregue outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar, bem como, aquele que tiver a direcção efectiva de veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo mesmo que este não se encontre em circulação, sendo igualmente responsável pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo aquele que o conduz por conta de outrem, quando no exercício de funções e o veículo se encontre em circulação.
Contudo, de acordo com o disposto no artº 498º do C.Civ. a responsabilidade fixada no artº 496º é excluída quando a responsabilidade pelo acidente é imputável ao próprio lesado e/ou a terceiro6, situação esta que ocorre nos autos, pelo que, sem necessidade de outras considerações só podem ambas as acções improceder no que concerne na acção principal a 3ª Ré e na acção que foi apensa a esta, a 1ª Ré, ou seja, a F Insurance Company Limited.
Do dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
O dano consiste no prejuízo que a conduta do agente causou a outrem, estando aquele obrigado a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – arts 556º e 557º ambos do C.Civ. -.
Não sendo possível a restauração natural deve a indemnização ser fixada em dinheiro nos termos dos artº 560º e 561º do C.Civ..
Por fim é necessário o nexo de causalidade entre o facto (acção/omissão) e o dano, ou seja, que este resulte daquele.
Da prova produzida resulta que na sequência do acidente a malograda vítima faleceu.
Tal como resulta da factualidade assente, sendo este acidente também acidente de trabalho, a Companhia de Seguros da entidade patronal já satisfez a indemnização devida pela morte em sede de acidente de trabalho no valor de MOP$1.000.000,00 e MOP$20.514,00 pelas despesas de funeral.
Foi relegada para final o conhecimento da excepção de pagamento parcial do direito indemnizatório.
Vejamos então.
A prestação em dinheiro paga na sequência de acidente de trabalho, no caso de morte aos familiares da vítima, visa compensar estes da perda da capacidade de ganho da vítima, indemnização, isto é, pelo dano material pelo lucro cessante.
A indemnização pela perda de capacidade de ganho em acidentes de trabalho está tabelada em termos de cálculo e tem limites legais.
Tal limitação objectiva da compensação do dano material pelo lucro cessante não ocorre em sede de responsabilidade civil extracontratual.
Destarte, poderá sempre ocorrer a situação em que os beneficiários da indemnização em caso de acidente de trabalho que também é acidente de viação tenham direito a uma indemnização por danos materiais pelo lucro cessante de valor superior àquele que foi fixado em sede de acidente de trabalho.
A verificar-se tal circunstância nada impede que os beneficiários da indemnização ainda que hajam sido ressarcidos em sede de acidente de trabalho venham na acção por acidente de viação pedir aquilo a que se hajam com direito, havendo, contudo, que deduzir o que já perceberam a titulo de acidente de trabalho7.
No caso dos autos, os beneficiários da indemnização em sede de acidente de trabalho e aqui Autores receberam em processo de trabalho a quantia de MOP$1.000.000,00 e vêm aqui pedir MOP$720.000,00, invocando que para além da contribuição para as despesas domésticas a vítima contribuía a titulo de donativo com determinado montante mensal para os seus pais. Ou seja, ambas as indemnizações decorrem da mesma causa – indemnização do dano material pelo lucro cessante -.
Porém, na contabilização do valor indemnizatório pedido não contam os Autores, nem a ele fizeram referência, com o montante já recebido em sede de acidente de trabalho.
Destarte, para além de não ter sido feita prova de que a vítima lhes oferecesse quantia alguma mensalmente, não sendo as indemnizações a arbitrar em sede de acidente de trabalho e de viação cumuláveis, mas complementares entre si8, verifica-se que o dano material pelo lucro cessante peticionado nestes autos já havia sido pago em sede de acidente de trabalho por valor até superior àquele que aqui se pede.
Pelo que, quanto aos danos emergentes da contribuição mensal da vítima para com os Autores, para além de não ter sido feita prova alguma, sempre no caso em apreço, seriamos obrigados a julgar procedente a excepção peremptória do pagamento, não sendo a mesma devida.
Quanto aos danos não patrimoniais da vítima pelo sofrimento entre o acidente e o óbito.
Relativamente a esta matéria nada se provou e não é legítimo ao tribunal presumir que houve sofrimento entre a hora do acidente e a do óbito.
Aliás, a este respeito na resposta à matéria de facto e a justificar a não prova dos itens correspondentes escreve-se que:
«o que associado às declarações da 2ª testemunha ouvida (o condutor do camião) o qual descreve que olhando pelo espelho retrovisor do lado esquerdo viu um corpo deitado no chão entre a roda da frente e as de trás tendo travado imediatamente, acrescido do relatório de autópsia da vítima e explicação das lesões pelo médico que a realizou – o qual explica que o corpo foi pisado/esmagado em diagonal sobre o braço direito, pulmão direito, maxilar inferior e crânio – (…).
Relativamente ao tempo em que tudo ocorre, do CD em que se tem a percepção do acidente podemos contar menos de três segundos, entre o ver-se acender a luz de travagem do motociclo no local do embate em que o seu condutor ainda vai em cima do motociclo e a imobilização do camião já depois de ter passado por cima do corpo daquele.
(…) do depoimento da 4ª testemunha (enfermeiro que liderou a equipa de primeiros socorros que se deslocou ao local, responsável pelo desencarceramento da vítima, resulta que esta ficou com o braço direito preso debaixo do rodado do camião o qual apenas foi retirado quando esta equipa – a dos bombeiros - chegou ao local fazendo recuar o camião o necessário para libertar o braço daquele – da vítima -.
(…)
A 9ª testemunha foi o médico que procedeu à autópsia e que explicando as lesões não deixa dúvidas no seu depoimento que o óbito deve ter ocorrido num espaço de tempo muito curto, quase imediato, considerando as características do acidente, o tempo em que tudo ocorreu e as lesões que a vítima sofreu, não sendo, contudo, cientificamente possível concretizar a momento exacto do óbito o qual, por razões de ordem técnica, é apenas fixado quando verificado no hospital e depois de esgotados todos os procedimentos regulamentares de socorro e tentativa de reanimar a vítima.»
Destarte, não tendo sido feita prova que entre o acidente e o óbito a malograda vítima tenha sofrido, não resultando tal sofrimento das regras da experiência, nada autoriza o tribunal a arbitrar a indemnização pedida a este título.
Da indemnização pelo direito à vida.
Da prova produzida resulta que do acidente veio a ocorrer a morte da vítima.
Segundo o nº 1 e 2 do artº 489º do C.Civ. «1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de facto e aos filhos ou outros descendentes, na falta destes, ao unido de facto e aos pais ou outros ascendentes; e, (…)».
De acordo com o nº 3 do artº 489º do C.Civ. o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal.
O direito à vida e o sofrimento causado pela perda de um filho são bens juridicamente tutelados.
O pesar, desgosto e inconformismo que a morte de J deixou nos seus pais é algo que não encontrará na vida compensação possível.
Pela perda da vida tem vindo a jurisprudência do TUI a considerar razoável valores de MOP$800.000,00 a MOP$1.000.000,00.
O valor pedido pelos Autores é igual a MOP$1.000.000,00.
Destarte, entendemos ser perfeitamente razoável e adequado à situação a fixação de uma indemnização pela perda da vida igual a MOP$1.000.000,00 a favor dos Autores na acção principal.
Considerando que a responsabilidade pelo acidente cabe em 80% à empreiteira e 20% à vítima, o valor da indemnização a satisfazer será assim de MOP$800.000,00, cabendo MOP$400.000,00 a cada um dos progenitores.
Da acção apensa.
Na acção apensa vem a companhia de seguros que satisfez a indemnização devida em sede de acidente de trabalho, exercer o seu direito de regresso contra a empreiteira – depois de julgados parte ilegítima os demais Réus e não ter sido admitida naquela acção a intervenção principal da companhia de seguros da empreiteira D Insurance Company (Macau) Ltd.
De acordo com o artº 58º do Decreto-Lei nº 40/95/M, satisfeita por si a indemnização, fica a companhia para quem foi transferida a responsabilidade pelo acidente de trabalho, sub-rogada nos direitos do sinistrado em relação á seguradora do veículo causador do acidente de viação, o que, deve ser entendido como estando também, sub-rogada nos direitos do sinistrado contra aquele que for civilmente responsável pela produção do acidente.
No caso em apreço, já se concluiu que o acidente é subjectivamente imputável em 80% à empreiteira que executava as obras e em 20% ao sinistrado.
Destarte, tem a companhia de seguros do acidente de trabalho E Insurance (Hong Kong) Limited, direito de haver da empreiteira 80% dos valores que pagou.
Porém, no que respeita ao pagamento desta indemnização, tendo o pedido sido feito apenas contra a empreiteira e não tendo sido nesses autos admitida a intervenção da seguradora da empreiteira, a condenação só poderá ser contra a C e não contra a sua companhia de seguros.
No que a valores respeita, tendo a indemnização paga pela companhia de seguros do acidente de trabalho sido igual a MOP$1.020.514,00, o valor a haver da empreiteira será de MOP$816.411,20.
Neste termos e pelos fundamentos expostos:
1.
Na acção CV1-13-0018-CAO julgando-se a acção parcialmente procedente porque parcialmente provada, decide-se:
1.1. Julgar procedente a excepção do pagamento por danos patrimoniais sendo todas as Rés absolvidas do respectivo pedido;
1.2. Absolver as Rés Companhia de Electricidade de Macau CEM SA, Companhia de Construção e Obras de Engenharia C Limitada, F Insurance Company Limited e G Companhia de Seguros SA dos demais pedidos contra si formulados;
1.3. Condenar D Insurance Company (Macau) Ltd a pagar aos Autores a quantia de MOP$400.000,00 para cada um acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da data da prolação desta sentença até efectivo e integral pagamento, sendo absolvida dos restantes pedidos contra si formulados na mesma acção.
2.
Na acção CV1-13-0018-CAO-A (antes CV3-13-0058-CAO) julgando-se a acção parcialmente procedente porque parcialmente provada, decide-se:
2.1. Absolver a Ré F Insurance Company Limited de todos os pedidos contra si formulados;
2.2. Condenar a Ré Companhia de Construção e Obras de Engenharia C Limitada a pagar à Autora E Insurance (Hong Kong) Limited a quantia de MOP$816.411,20 acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da data da prolação desta sentença até efectivo e integral pagamento, sendo absolvida do remanescente.
Na acção CV1-13-0018-CAO custas a cargo dos Autores e Ré D Insurance Company (Macau) Ltd na proporção do decaimento e na acção CV1-13-0018-CAO-A custas a cargo da Autora e Ré Companhia de Construção e Obras de Engenharia C na proporção do decaimento.
Registe e Notifique.
Quid Juris?
Parte A: Recurso dos Autores:
Vamos ver primeiro o recurso interposto pelos Autores.
Estes vieram a levantar essencialmente as seguintes questões:
1) - O Tribunal recorrido interpretou e aplicou incorrectamente as normas dos artigos 477º, 489º/3, 566º, 560º/6 do CCM e artigo 598º/a e b) do CPC. Ou seja, o Tribunal recorrido entende que não há lugar à indemnização a título de sofrimento pela vítima entre o momento do acidente e a morte, porque a vítima faleceu logo no local. Mas os Autores defendem que não!
2) - Pedem que seja arbitrada uma indemnização por dano de lucro cessante, ou seja, por causa da morte do seu filho, os Autores deixaram de receber a contribuição mensal que o seu filho pagava para sustentar as despesas do lar, no valor de MOP$2,000.00 por cada mês. Caso o seu filho ficasse vivo, os pais receberia tal contribuição mais 10 anos (até 80 anos de idade dos pais), O que totalizaria em MOP$210,000.00.
Comecemos por esta segunda questão suscitada.
Ora, os factos sobre este ponto foram levados aos quesitos 101º. 102º e 103º da BI, e a resposta decisiva consta do quesito 102º, que tem o seguinte teor:
102º
Do valor mensal entregue aos AA, cerca de um terço (sensivelmente MOP$2.000,00) era para o co-pagamento das despesas do lar, designadamente, água, luz e alimentação?
Provado que A parte dos rendimentos que J entregava aos seus pais era para o co-pagamento das despesas do lar, designadamente, água, luz e alimentação
É de que a resposta transcrita não menciona o quantum que mensalmente a vítima pagava!
A experiência de vida diz-nos que a vítima como filho primogénito, em situações normais, contribuía mensalmente com o seu salário recebido, para as despesas da família, composta por ele e os pais. Mas quanto? Não se sabe!
Uma de duas hipóteses, ou mandar repetir o julgamento, ou relegamos para a execução da sentença. Cremos que este segundo meio que é mais justo e eficaz, pois, é o próprio artigo 564º/2 do CPC que permite accionar este mecanismo!
Os Autores alegaram o seguinte neste ponto:
“(…)
15. E, assim, o montante indemnizatório dessa responsabilização estritamente por acidente de trabalho mostrou-se necessariamente subordinada e confinada a um limite legal taxativo, que não cobre, por um lado, nem a totalidade dos danos sofridos e, por outro lado, relativamente àqueles danos que taxativamente cobre, impõe-lhes um tecto máximo indemnizatório.
15. Ora, aos recorrentes, colocados perante a ordem jurídica considerada na sua totalidade, é legitimo pedir que lhes sejam total e integralmente ressarcidos todos os danos reconduzíveis e juridicamente filiáveis no facto natural "óbito do seu filho" - cfr. art. 477.° do Código Civil -, isto porque a responsabilidade extracontratual, ao contrário da responsabilidade do empregador, é duplamente ilimitada, tanto no que respeita aos danos ressarcíveis como ao seu quantum.
16. De acordo com tal artigo, que vale como princípio geral em matéria de responsabilidade civil por factos ilícitos, «(...) Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação (...)», incumbindo-lhe «(...) reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (...)» - art. 556.° do Código Civil.
17. Isto é, na ordem jurídica não se estatui que quem sofra uma gama variada de danos, todos eles diferenciados e a diferentes títulos - ainda que procedam de um mesmo e único facto natural -, apenas possa merecer e obter a tutela do Direito para ser ressarcido unicamente em relação a alguns, como que tendo de se resignar em abdicar ou renunciar quanto ao ressarcimento em juízo dos demais.
18. Pelo contrário, os recorrentes entendem ter direito ao pedido de ressarcimento de outros danos, também sofridos em virtude da morte do seu filho, uma vez que existindo tais danos ainda não ressarcidos e passíveis de imputação a sujeitos de direito, aos recorrentes cabe o direito potestativo de demandar a respectiva indemnização nos termos gerais.
19. É que foram manifestamente outros os danos - de outra qualidade e titulação – os danos requeridos pelos recorrentes nos presentes autos.”
Com esta argumentação basicamente concordamos.
Pelo que, há-de ser alterada a sentença recorrida nesta parte, passando a condenar as Rés a pagar aos Autores uma quantia cujo valor será liquidado em sede da execução da sentença, a título de contribuição mensal que a vítima deixou de pagar aos seus pais, sendo o valor mensal não superior ao de MOP$1,750.00 (mil setecentas e cinquentea patacas), no total não superior a MOP$210,000.00 (pedido formulado pelos Autores).
Julga-se assim procedente este pedido dos Autores.
*
Relativamente à 1ª questão suscitada:
Ora, a propósito da matéria em discussão, importa relembrar o que o Tribunal recorrido decidiu:
Quanto aos danos não patrimoniais da vítima pelo sofrimento entre o acidente e o óbito.
Relativamente a esta matéria nada se provou e não é legítimo ao tribunal presumir que houve sofrimento entre a hora do acidente e a do óbito.
Aliás, a este respeito na resposta à matéria de facto e a justificar a não prova dos itens correspondentes escreve-se que:
«o que associado às declarações da 2ª testemunha ouvida (o condutor do camião) o qual descreve que olhando pelo espelho retrovisor do lado esquerdo viu um corpo deitado no chão entre a roda da frente e as de trás tendo travado imediatamente, acrescido do relatório de autópsia da vítima e explicação das lesões pelo médico que a realizou – o qual explica que o corpo foi pisado/esmagado em diagonal sobre o braço direito, pulmão direito, maxilar inferior e crânio – (…).
Relativamente ao tempo em que tudo ocorre, do CD em que se tem a percepção do acidente podemos contar menos de três segundos, entre o ver-se acender a luz de travagem do motociclo no local do embate em que o seu condutor ainda vai em cima do motociclo e a imobilização do camião já depois de ter passado por cima do corpo daquele.
(…) do depoimento da 4ª testemunha (enfermeiro que liderou a equipa de primeiros socorros que se deslocou ao local, responsável pelo desencarceramento da vítima, resulta que esta ficou com o braço direito preso debaixo do rodado do camião o qual apenas foi retirado quando esta equipa – a dos bombeiros - chegou ao local fazendo recuar o camião o necessário para libertar o braço daquele – da vítima -.
(…)
A 9ª testemunha foi o médico que procedeu à autópsia e que explicando as lesões não deixa dúvidas no seu depoimento que o óbito deve ter ocorrido num espaço de tempo muito curto, quase imediato, considerando as características do acidente, o tempo em que tudo ocorreu e as lesões que a vítima sofreu, não sendo, contudo, cientificamente possível concretizar a momento exacto do óbito o qual, por razões de ordem técnica, é apenas fixado quando verificado no hospital e depois de esgotados todos os procedimentos regulamentares de socorro e tentativa de reanimar a vítima.»
Destarte, não tendo sido feita prova que entre o acidente e o óbito a malograda vítima tenha sofrido, não resultando tal sofrimento das regras da experiência, nada autoriza o tribunal a arbitrar a indemnização pedida a este título.
Ora, como a matéria dada como assente sobre este ponto não foi impugnada, nem existem elementos que permitam sustentar uma versão contrária, é de manter a decisão recorrida, julgando-se improcedente o recurso nesta parte interposto pelos Autores.
*
Parte B: Recurso interposto pela 2ª Ré:
Passemos a ver o recurso interposto pela Companhia de Construção e Obras de Engenharia C Limitada (C建築置業工程有限公司) (2ª Ré), veio a invocar os seguintes argumentos:
1) - Não ficou provado que o condutor do camião (veículo pesado) violou algum preceito legal da lei rodoviária, nem ele tem antecedente criminal,
2) - A Recorrente, Companhia C tomou todas as medidas de cautela, por isso nunca foi multada pela Companhia de Electricidade de Macau, nem por outros serviços públicos na execução desta obra;
3) – O acidente deu-se por motivo da perda do controlo do motociclo por parte do seu condutor (vítima), por andar com certa velocidade na faixa com areias e pedrinhas, o que causou não aderência do veículo com o pavimento, o que deixou um rosto da travagem de 10.4 metros de comprimento.
4) – O Relatório de autópsia releva que o vítima tinha 0,3g/kg no sangue dele.
5) – É erra a decisão de atribuir à ora Recorrente 80% da culpa, enquanto 20% era da culpa da vítima (condutor do ciclomotor).
6) – Por último, como a Recorrente já transferiu para a Companhia de Seguros China os riscos decorrentes da execução da obra, até ao limite de 5 milhões patacas, é ilegal a condenação da Recorrente a pagar à E INSURANCE (HONG KONG) LIMITED um montante no valor de MOP$816,411.20, pois, enquanto não se ultrapassa o limite de seguro, deve ser esta companhia responsável pelo pagamento de todas as indemnizações.
Importa rever como o Tribunal a quo considerou a eclosão do acidente e como fixou a percentagem da culpa de cada dos intervenientes.
A este propósito, o Tribunal recorrido afirmou:
“(…)
Vejamos agora da imputação do facto ao agente.
Sustentam os Autores da acção principal que o acidente ocorre por culpa da dona da obra e da empreiteira, imputando-lhes a responsabilidade pela areia e gravilha que estavam na estrada.
Ora, o que resulta da factualidade apurada é que a CEM era a dona da obra cuja realização havia empreitado à C.
Ambas as companhias haviam transferido a responsabilidade emergente da obra em causa para as companhias de seguros que estão nos autos.
Dúvidas não há que o acidente resulta da queda do motociclo provocada pela perda de aderência ao piso causada pela areia e gravilha que estavam na estrada.
Também resulta da factualidade assente que a empreiteira tinha de manter o espaço à volta da obra limpo e que apesar de ter encarregue pessoal para esse efeito naquele dia tal não foi feito levando à ocorrência do acidente.
Porém, coloca-se a questão de saber a quem cabe a responsabilidade: Ao dono da obra, ao empreiteiro, ou ambos?
Como resulta da factualidade assente a obra em causa destinava-se à instalação subterrânea de cabos.
Considerando a classificação de coisas dos artº 195º e 196º do C.Civ. a empreitada em causa visava a construção de uma coisa móvel, relativamente à qual, embora se desconheça por quem eram fornecidos os materiais, face ao disposto nos nº 1 e 2 do artº 1138º do C.Civ. podemos concluir que a propriedade da obra apenas se transfere para o dono da obra uma vez construída a coisa.
Logo, até à conclusão da obra esta é pertença do empreiteiro e não do designado “dono da obra”9.
Por sua vez o contrato de empreitada caracteriza-se pela actuação do empreiteiro na realização da obra sem estar subordinado à direcção do dono da obra (sem prejuízo do poder de fiscalização deste), não havendo entre um e outro qualquer relação do género comitente/comissário.
Sobre esta questão veja-se Vaz Serra citado em anotação nº 8 ao artº 1207º do CCiv. Português, Noção de Empreitada, equivalente ao artº 1133º do CCiv. de Macau a qual se transcreve:
«A característica fundamental deste contrato é o facto de nele se prometer o resultado de uma actividade, sem subordinação à direcção da outra parte. Logo, o empreiteiro não é um subordinado do dono da obra, mas antes um contratante que actua segundo a sua própria vontade, embora obrigado ao resultado ajustado. O empreiteiro actua autonomamente e não sob a direcção ou instruções do dono da obra, que pode, todavia, fiscalizar a execução da obra – art. 1209º (V. Serra, RLJ, 112º-203). O dono da obra não é um comitente do empreiteiro, no sentido do art. 500º (V. Serra, RLJ, 112º-204).-».
Destarte cabendo a direcção da obra - no sentido da acção da coisa a construir em que consiste a empreitada – ao empreiteiro, sendo este inclusivamente o dono da coisa até à aceitação da obra por aquele que empreita – vulgo dono da obra -, outra conclusão não se pode retirar que não seja a de que o responsável pelos danos que venham a emergir da obra – da construção da coisa – apenas a quem a faz podem ser imputados, isto é, ao empreiteiro.
Nesta solução se orienta também o artº 485º do C.Civ. quando se refere a danos causados por obras imputando a responsabilidade ao proprietário ou possuidor da obra, o qual como vimos, até à aceitação da obra é o empreiteiro.
Em sentido idêntico se decidiu no Acórdão do STJ Português no Acórdão de 21.03.2006, Processo 06A392 consultado via www.dgsi.pt:
«Numa empreitada de obras públicas, o dono da obra só pode ser responsabilizado por danos provocados a terceiro no caso de erro execução resultante de obediência do empreiteiro a ordens ou instruções escritas por parte do dono da obra ou que tivessem tido a concordância deste.».
Definido o dolo no artº 13º do Código Penal este pressupõe sempre que no mínimo o agente aceitou, ainda que eventualmente (dolo eventual) a realização do facto ilícito como consequência possível da sua conduta.
Ora, no caso dos autos, não resulta em momento algum que a sociedade empreiteira em momento algum haja equacionado e aceite que da existência de areia e gravilha no piso poderia ocorrer um acidente de viação, conformando-se com o resultado, pelo que, a hipótese do dolo está afastada.
Deste modo, há que analisar a actuação do agente à luz da mera culpa.
(…)
Sendo a empreiteira a entidade a quem cabe a responsabilidade emergente da obra que estava a realizar, sendo sua obrigação diligenciar para que a obra estivesse fisicamente vedada das vias que continuavam em utilização e de modo que se evitasse que os detritos causados pela obra não invadissem as demais vias usadas pelo publico em geral, mantendo a via limpa, o certo é que, apesar de ter dado ordens nesse sentido não diligenciou como devia e podia de forma a garantir que assim se fizesse, o que a acontecer teria evitado o acidente.
Destarte, é a Companhia C, aqui 2ª Ré, responsável a título de negligência inconsciente pela ocorrência do acidente na medida em que para este concorreu a areia e gravilha no pavimento.
Ora, retomando aqui o que já havia sido referido supra que também concorreu para a o acidente a manobra de ultrapassagem feita pela vítima, entendemos haver concorrência de culpas, na proporção de 80% para a empreiteira e 20% para a vítima.
Tendo a responsabilidade civil emergente de danos causados a terceiros pela execução das obras realizadas pela C sido transferida por contrato de seguro nos termos do artº 962º e seguintes do CCom para a companhia de Seguros D Insurance Company (Macau) Ltd, sendo o valor da apólice igual a MOP$5.000.000,00, será esta companhia aqui interveniente a responsável por satisfazer a indemnização a que haja lugar na parte que cabe à sua segurada, até ao valor do montante garantido pela apólice.
Ora, pela análise das fotografias tiradas ao local do acidente e pelos elementos probatórios juntos aos autos, o acidente de viação deu-se por vários motivos:
1) – Em 1º lugar, as areias e gravilhas no pavimento emergentes da execução das obras concorreram para a ocorrência do acidente.
2) – Em 2º lugar, por motivo da execução da obra, a Companhia C diminui a dimensão da faixa, o que pode alcançar-se pelas fotos de 585 a 587 dos autos, eis mais um risco de acidente de viação criado pela referida Companhia.
3) – Em 3º lugar, a vítima não tomou cautela necessária ao andar naquele troço da faixa, e desequilibrou-se. Daí uma quota-parte da culpa atribuída ao condutor do motociclo.
Em face disto, entendemos que é justa e proporcional a repartição da culpa entre 20% e 80%, atribuída respectivamente para a vítima e a Companhia C, empreiteira da obra no local.
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Uma outra questão levantada pela Recorrente, Companhia C, prende-se com a condenação dela a pagar aos Autores (pais da vítima) um montante no valor de MOP$816,411.20, a título da indemnização pela perda da vida do seu filho, no entender dos Autores, tal indemnização deveria ser paga pela Seguradora, para a qual a Companhia já transferiu a responsabilidade mediante o contrato celebrado entre ela e a Seguradora.
Nestes termos, o Tribunal a quo afirmou expressamente:
Na acção apensa vem a companhia de seguros que satisfez a indemnização devida em sede de acidente de trabalho, exercer o seu direito de regresso contra a empreiteira – depois de julgados parte ilegítima os demais Réus e não ter sido admitida naquela acção a intervenção principal da companhia de seguros da empreiteira D Insurance Company (Macau) Ltd.
De acordo com o artº 58º do Decreto-Lei nº 40/95/M, satisfeita por si a indemnização, fica a companhia para quem foi transferida a responsabilidade pelo acidente de trabalho, sub-rogada nos direitos do sinistrado em relação á seguradora do veículo causador do acidente de viação, o que, deve ser entendido como estando também, sub-rogada nos direitos do sinistrado contra aquele que for civilmente responsável pela produção do acidente.
No caso em apreço, já se concluiu que o acidente é subjectivamente imputável em 80% à empreiteira que executava as obras e em 20% ao sinistrado.
Destarte, tem a companhia de seguros do acidente de trabalho E Insurance (Hong Kong) Limited, direito de haver da empreiteira 80% dos valores que pagou.
Porém, no que respeita ao pagamento desta indemnização, tendo o pedido sido feito apenas contra a empreiteira e não tendo sido nesses autos admitida a intervenção da seguradora da empreiteira, a condenação só poderá ser contra a C e não contra a sua companhia de seguros.
No que a valores respeita, tendo a indemnização paga pela companhia de seguros do acidente de trabalho sido igual a MOP$1.020.514,00, o valor a haver da empreiteira será de MOP$816.411,20.
Efectivamente a Recorrente, Companhia C tem razão, uma vez que o valor indemnizatório não ultrapassa o limite do seguro fixado no respectivo contrato, e por este aquela Companhia já transferiu a responsabilidade para a Companhia de Seguros da D (Macau) SA, deve ser esta a assumir a responsabilidade.
Pelo que, julga-se rocedente esta parte do recurso interposto pela Companhia C, sendo a Companhia de Seguros da D (Macau) S.A. condenada em pagar a respectiva indemnização judicialmente arbitrada , absorvendo-se a Companhia C do pedido.
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Parte C: Recurso subordinado interposto pela 3ª Autora:
E Insurance (Hong Kong) Limited (E海上火災保險(香港)有限公司) (3ª Autora) veio a recorrer subordinadamente da decisão, defendendo que toda a culpa da eclosão do acidente fatal deveria ser do condutor do camião pesado, tendo invocado, entre outros, os seguintes argumentos:
26. Não resulta da matéria de facto dada como provada que a condução do veículo pesado de matrícula n.º MK-XX-XX tenha sido determinante na causação do acidente de viação, mas este veículo esteve incontornavelmente associado às consequências mais nefastas do mesmo.
27. Resulta do item 4.° da factualidade comprovada que o acidente ocorreu por volta das 12h06m, no início da tarde do dia 20 de Setembro de 2011.
28. Resulta da factual idade comprovada que o veículo pesado tinha três eixos e que naquele dia o condutor do veículo pesado transportava um total de 26,120 quilogramas de lodo.
29. Estabelece o Decreto-Lei n.º 73/90/M restrições à circulação e estacionamento de veículos pesados de três ou mais eixos, rezando o seu art. 1.º que "[é] proibida a circulação na cidade de Macau de veículos pesados de três ou mais eixos (...) fora das vias assinaladas na carta constante do anexo I", designadamente entre as 08,00 e as 15,30 horas e entre as 17,00 e as 20,00 horas (cf. o art. 2.°, n.º 1 do citado diploma).
30. A Avenida Wai Long não consta da lista de vias de circulação em que os veículos de três ou mais eixos podem circular livremente durante a hora do dia em que ocorreu o acidente.
31. Forçoso é concluir que o veículo pesado não deveria estar a circular na Avenida Wai Long pelas doze horas e seis minutos da tarde, quando ocorreu o acidente.
32. A conduta do condutor do veículo pesado é culposa, devendo portanto ser co-responsabilizado pelas consequências nefastas que da sua actuação resultaram.
33. A norma violada tem o intuito de proteger os demais utentes das vias públicas, pois os veículos visados pela proibição exponenciam os riscos criados pelo normal desenrolar do tráfego.
34. Termos em que deverá também ser co-responsabilizada a ré F Insurance Company Limited pelas consequências gravosas do acidente, visto que assumiu a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo pesado com a matrícula n.º MK-XX-XX.
Ora, mesmo que fossem verdadeiros os argumentos acima citados, não podemos concluir que o acidente de viação se deveu à circulação do camião pesado fora das horas legalmente permitidas, pois, falta o nexo de causalidade directo!
Por outro lado, esta Recorrente não veio a impugnar a matéria de facto sobre este ponto fixada pelo Tribunal a quo, mas pretende defender uma versão contrária à descrita pelo Tribunal, carece da razão este argumento da Recorrente!
Improcede assim o recurso por infundados os argumentos invocados.
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Parte D: recurso interposto pela 2ª Ré, no que toca ao valor de indemnização por perda da vida da vítima
Ora, neste ponto o Tribunal recorrido decidiu da seguinte forma:
O direito à vida e o sofrimento causado pela perda de um filho são bens juridicamente tutelados.
O pesar, desgosto e inconformismo que a morte de J deixou nos seus pais é algo que não encontrará na vida compensação possível.
Pela perda da vida tem vindo a jurisprudência do TUI a considerar razoável valores de MOP$800.000,00 a MOP$1.000.000,00.
O valor pedido pelos Autores é igual a MOP$1.000.000,00.
Destarte, entendemos ser perfeitamente razoável e adequado à situação a fixação de uma indemnização pela perda da vida igual a MOP$1.000.000,00 a favor dos Autores na acção principal.
Considerando que a responsabilidade pelo acidente cabe em 80% à empreiteira e 20% à vítima, o valor da indemnização a satisfazer será assim de MOP$800.000,00, cabendo MOP$400.000,00 a cada um dos progenitores.
Ora, nesta matéria, inexiste uma fórmula matemática para calcular o resultado final, mas sim, existe um conjunto de factores que o julgador deve lançar mão para chegar a uma conclusão justa e adequada ao caso concreto. Tais como: idade da vítima, estado de saúde da mesma … etc. No caso, a vítima tinha idade terna, era uma pessoa de boa saúde, alegre, tem emprego estável.
Nesta óptica, não merece censura a decisão tomada pelo Tribunal a quo, uma vez que ela se mostra bem ilustrativa e bem fundamentada, inexistindo elementos que demonstrem a injustiça da decisão ou errada apreciação dos elementos probatórios juntos aos autos.
Pelo que, é de manter a decisão nesta parte, julgando-se improcedente o recurso interposto pela Companhia C.
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Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em;
1) - Negar provimento aos recursos interpostos pela 4ª Ré (Companhia de Seguros da D (Macau), S.A. (D保險(澳門)股份有限公司)) e pela 3ª Autora (E Insurance (Hong Kong) Limited (E海上火災保險(香港)有限公司)), mantendo-se a decisão recorrida nesta parte.
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2) – Julgar parcialmente procedente o recurso inerposto pela 2ª Ré (Companhia de Construção e Obras de Engenharia C Limitada (C建築置業工程有限公司)), absolvendo-se esta Ré do pedido formulado pelos Autores, uma vez que esta Ré transferiu a sua responsabilidade para a 4ª Ré (Companhia de Seguros da D (Macau), S.A. (D保險(澳門)股份有限公司)), passando esta Ré a ser condenada a pagar aos Autores a indemnização arbitrada judicialmente nos termos fixados neste arresto.
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3) – Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelos Autores no que toca à indemnização por dano de lucro cessante, passando a condenar-se a 2ª Ré a pagar aos Autores a quantia no valor a liquidar-se em sede da execução da sentença, a título da contribuição mensal que os Autores deixaram de receber por morte do seu filho, não ultrapassando o valor mensal de MOP$1,750.00, no total não vai além de MOP$210,000.00 (por força do princípio do dispositivo e do pedido).
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Custas pelas Recorrentes, com 1/5 para os Autores por decaimento da parte do recurso por eles interpostos.
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Registe e Notifique.
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RAEM, 24 de Outubro de 2019.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
José Maria Dias Azedo
(Ponderando nas circunstâncias e dinâmica do acidente de viação dos autos, creio que ao condutor do motociclo – vítima – se devia atribuir uma maior percentagem de culpa).
1 Processo redistribuído em 11/04/2019, conforme a deliberação do CMJ, de 04/04/2019.
2 Sobre o princípio da completude da motivação da decisão judicial ditado, pela necessidade da justificação cabal das razões em que se funda, com função legitimadora do poder judicial, vide acórdão do STJ, de 17-01-2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Gabriel Catarino, no processo n.º 1876/06.3TBGDM.P1 .S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj
3 Cit. João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, 4ª ed., pág. 448.
4 Neste sentido se decidiu no Acórdão do TSI de 12.06.2014 em Processo nº 111/2014 em caso em tudo idêntico ao destes autos, com a agravante de na situação do Acórdão referido as vitimas terem caído imediatamente à frente do veículo pesado. Acórdão este confirmado pelo Acórdão do TUI de 07.01.2015
5 Veja-se anotação nº 4 ao artº 1212º do CCIV Português Anotado de Abílio Neto (norma idêntica à indicada do C.Civ de Macau), pág. 1035: “A expressão «dono da obra» contida neste artigo não compreende apenas o proprietário da coisa; pode, até, nem o ser (RP, 29-7-1982: CJ, 1982, 4º-227)”
6 No mesmo sentido se decidiu nos já citados Acórdão do TSI de 12.06.2014 confirmado pelo Acórdão do TUI de 07.01.2015, ambos proferidos no Processo nº 111/2014
7 Veja-se a este respeito Acórdão do STJ Português de 06.02.2015, Processo nº 464/11.7TBVLN.G1.S1
8 Veja-se Acórdão do STJ Português citado supra (Processo nº464/11.7TBVLN.G1.S1) .
9 Veja-se anotação nº 4 ao artº 1212º do CCIV Português Anotado de Abílio Neto (norma idêntica à indicada do C.Civ de Macau), pág. 1035: “A expressão «dono da obra» contida neste artigo não compreende apenas o proprietário da coisa; pode, até, nem o ser (RP, 29-7-1982: CJ, 1982, 4º-227)”
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2017-161- Acidente-viação-culpa-repartida 97