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Processo n.º 661/2019
(Autos de recurso em matéria cível)

Relator: Fong Man Chong
Data : 31 de Outubro de 2019

ASSUNTOS:

- Impugnação de matéria de facto e ónus de especificar os pontos concretos fácticos impugnados

SUMÁRIO:

Impugnando o Recorrente/Embargante em recurso a matéria de facto decidida pelo Tribunal recorrido, sem indicar concretamente os pontos fácticos que, na óptica dele, foram erradamente apreciados pelo Tribunal, nos termos do artigo 599º do CPC, limitou-se a recontar a “história” já contada na primeira instância, é de julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

O Relator,

________________
Fong Man Chong

Processo nº 661/2019
(Autos de recurso em matéria cível)

Data : 31 de Outubro de 2019

Recorrente : Recurso Interlocutório e Recurso Final
A (A)

Recorrida : B Sociedade Unipessoal Limitada (B一人有限公司)

*
   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I - RELATÓRIO
    A (A), Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando das 2 decisões proferidas pelo Tribunal a quo, que são:
    - O despacho de fls. 51 dos autos, datada de 16/01/2018, que decidiu o pedido de fls. 36;
    - A sentença de fls. 81 a 84, datada de 17/12/2018;
    Delas veio, em 05/03/2018, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 58 a 61 (relativamente à primeira decisão), tendo formulado as seguintes conclusões :
     1. Nestes autos discute-se um contrato de mútuo celebrado entre o Embargante e a Embargada, e onde esta reclama o pagamento HKD$2,000,000.00 (dois milhões de dólares de Hong Kong).
     2. O ora Recorrente defendeu-se por excepção, alegando que ele e o seu conhecido C (C), já haviam procedido à devolução do capital mutuado à Embargada, em data concreta que não se recorda, mas que sabe ter ocorrido entre Dezembro de 2014 e Janeiro de 2015.
     3. Para prova desse facto, o Embargante requereu uma diligência de prova para que fosse requerido junto do CPSP o registo de entradas e saídas do Sr. C (C) em Macau, naquele período de tempo.
     4. O despacho recorrido indeferiu esse requerimento de prova, por ter o Tribunal a quo considerado que, atenta a Base Instrutória, tal diligência probatória seria inútil.
     5. Salvo o devido respeito por entendimento contrário, o Recorrente não concorda que tal diligência de prova fosse inútil.
     6. No 5.° quesito da BI pergunta-se "Cerca de duas semanas após ocorrência, o Sr C devolveu, em fichas, no casino X, o montante (totalizado em HKD$2,000,000.00 - dois milhões de dólares de Hong Kong)?".
     7. A diligência de prova requerida poderá ser um importante princípio de prova para se dar como provado esse quesito, principalmente quando examinado em conjunto com as restantes provas a produzir.
     8. Tendo em conta os princípios do inquisitório, da cooperação, da descoberta de verdade material, bem como o princípio geral da admissão de todas as provas que não forem ilícitas, e tendo ainda em conta os factos controvertidos relevantes constantes na Base Instrutória, deveria ter sido deferida a diligência probatória sub judice.
     9. O despacho recorrido, ao ter indeferido essa diligência de prova, e ressalvado o respeito por opinião diversa, violou os artigos 6.°, n.º 3, art.º 8.° e o art. 433.°, todos do Código de Processo Civil.
*
    Relativamente à sentença, A (A), veio, em 09/04/2019, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 107 a 121, tendo formulado as seguintes conclusões :
     1. Em primeiro lugar, o Embargante, ora Recorrente, recorda a existência de um recurso interlocutório que deu entrada no dia 5 de Março de 2018 e cujo objecto consiste no escrutínio jurisdicional da decisão de indeferimento da diligência de prova requerida a fls. 36 dos autos, considerada pelo Tribunal como inútil mas que, no entender do Recorrente, se revela importante porquanto através da mesma se poderá comprovar que o Sr. C esteve em Macau no período considerado relevante para os presentes autos;
     2. Termos em que pela qual deverá o referido recurso interlocutório ser apreciado e decidido com o presente recurso da sentença final que decidiu parcialmente improcedentes os embargos apresentados pelo ora Recorrente;
     3. Quanto ao recurso propriamente dito, vem o mesmo interposto da sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base de Macau de fls. 81 e ss. dos presentes autos, do passado dia 17 de Dezembro de 2018, que julgou parcialmente improcedentes os embargos apresentados pelo Embargante, ora Recorrente, ordenando a prossecução da execução em relação à quantia exequenda de HKD2.000.000,00, decisão com a qual o ora Recorrente não se conforma;
     4. O presente recurso tem por objecto i) o acórdão proferido pelo Tribunal sobre a matéria de facto, no que se refere às respostas dadas aos quesitos 2.° a 9.° da base instrutória, e ii) a douta sentença, relativamente à parte em que ordena a prossecução da execução em relação à quantia exequenda, com a qual o ora Recorrente não se conforma;
     5. A decisão de improcedência dos embargos de executado em relação à quantia exequenda assenta exclusivamente no entendimento do douto Tribunal em como não foi possível provar-se que o montante mutuado já havia sido liquidado perante a Exequente;
     6. Contudo, a resposta dada aos quesitos 2.° a 9.° da base instrutória afecta inegavelmente o modo como a decisão ora em crise é enformada e, em face das provas oferecidas aos autos, carece de ser reformulada;
     7. Nos casos de impugnação da decisão de facto, dispõe o artigo 599.° do CPC que, quando impugnem a decisão de facto, devem os recorrentes especificar quais os pontos concretos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgados;
     8. Em cumprimento do ónus previsto na supra referida disposição legal vêm os Recorrentes declarar que a impugnação da decisão de facto incide sobre a resposta dada pelo Tribunal aos quesitos 2.° a 9.° da base instrutória, que foram julgados como não provados;
     9. É firme entendimento do Recorrente que as provas produzidas em sede de audiência de discussão e julgamento são suficientes para que os factos acima referidos sejam considerados provados e, como tal, considerar procedentes os embargos relativamente ao pagamento da quantia exequenda;
     10. As respostas dadas aos quesitos 2.° a 9.° afectam totalmente o raciocínio enformador de toda a decisão, e que, a final, determinou a improcedência da pretensão do Recorrente relativamente ao facto de a quantia exequenda se dever considerar já liquidada;
     11. Na modesta opinião do ora Recorrente, tivesse havido uma apreciação correcta das provas oferecidas aos Autos a solução só poderia ter sido outra;
     12. Das passagens do julgamento transcritas resulta de forma inegável que a versão relatada pelo Embargante, ora Recorrente, é conforme coma realidade e foi devidamente suportada pelo teor das declarações prestadas pelas testemunhas;
     13. Das declarações das testemunhas ouvidas é cristalino que o ora Recorrente jogou em nome de outra pessoa, que dava instruções sobre as apostas via telefónica, que estava na China Continental;
     14. Tais factos, constantes dos quesitos 3.° e 4.°, foram directamente comprovados pela 1.a Testemunha, a qual prestou um relato detalhado, claro e límpido sobre os acontecimentos, o qual, pela sua clareza e detalhe, deveriam ter sido levados em consideração pelo douto Tribunal;
     15. Nesta sede, tanto a 1.ª Testemunha com a 2.ª Testemunha explicaram que o regime de apostas via telefónica era uma prática nas salas de jogo VIP e, em concreto, na sala de jogo da Embargada, ora Recorrida;
     16. Por outro lado, também resulta inegável das declarações prestadas pela 1.ª Testemunha acima transcritas que na sequência de tais apostas via telefone o Embargante, ora Recorrente, perdeu o montante mutuado - o que foi confirmado pelas declarações da 2ª Testemunha, que obteve essa informação por parte do Embargante, ora Recorrente;
     17. Ainda que o conhecimento da 2.ª Testemunha não tenha sido directo, o da 1.ª Testemunha foi-o, tendo este estado presente no momento das apostas e da perda do montante mutuado, pelo que também o quesito 5.° deveria ter sido considerado provado;
     18. Essencial das declarações da 1.ª Testemunha é o facto de este ter igualmente presenciado a entrega de fichas de valor equivalente ao montante mutuado por parte de C a D, tendo o Embargante, ora Recorrente, estado igualmente presente nesse evento;
     19. O relato da 1.ª Testemunha nesta sede foi bastante detalhado e pormenorizado, o que corrobora e atesta a versão do ora Recorrente - o que desde já se requer seja levado em linha de conta no âmbito da reapreciação da prova que se requer no quadro do presente recurso, termos em que deveria o quesito 6.° ter sido igualmente considerado provado pelo douto Tribunal a quo;
     20. Igualmente impressiva foi a narração providenciada por ambas as testemunhas relativamente à Sra. D no sentido de esta ser conhecida no círculo do jogo em salas VIP como alguém que exercia funções tanto na Exequente como na sala VIP Y, sobejamente conhecida pelo caso de desvio de dinheiro que ocorreu há uns anos e do qual o Exequente foi infelizmente vítima;
     21. É de salientar a narração da 2.ª Testemunha que, por ter trabalhado no departamento financeiro e contabilístico da Exequente por vários anos, identificou D como directora do departamento financeiro da Exequente e, bem assim, de outras salas VIP;
     22. Mesmo após ter cessado a colaboração com aquela, a 2.ª Testemunha manteve contacto com os seus colegas, o que lhe permitiu estar sempre a par da situação da Exequente, nomeadamente quanto à permanência de D como representante daquela;
     23. Ademais, as declarações da 1.ª Testemunha são igualmente relevantes, e não podem ser olvidadas, ao confirmar presença no acto de devolução do dinheiro a D - e, nessa senda, relativamente à convicção de uma pessoa do círculo relevante no sector do jogo VIP - nas suas palavras um "jogador frequente" - de que D trabalhava como directora financeira da sala de jogos VIP Y e da Exequente, ora Recorrida, apresentando-se como representante da mesma;
     24. Recordem-se as declarações de ambas as testemunhas - transcritas supra e para onde, por uma questão de economia processual, se remete -, no sentido de que todas as operações de ambas as salas de jogos VIP (e, em concreto, a da Exequente) serem supervisionadas e autorizadas por esta, nomeadamente a concessão de crédito e, por maioria de razão, a recepção dos montantes mutuados;
     25. De modo que os quesitos n.ºs 7 a 9 deveriam igualmente ter sido dados como provados pelo Tribunal a quo, o que conduziria, inegavelmente, a uma decisão final totalmente diferente da que ora se recorre.
     26. É verdade que é prática normal exigir-se a devolução do original do marker aquando da devolução da quantia mutuada, mas tal não significa que outras condutas sejam adoptadas neste âmbito;
     27. Sobretudo na modalidade de jogo nas salas VIP, pelo menos até algum tempo atrás (antes do caso Y, claro esta, sobejamente conhecido e difundido), a prática de devolver a quantia mutuada sem que, em troca, se recebesse o original do marker ou qualquer quitação formal, era igualmente normal;
     28. E tal era assim porque as relações associadas a este tipo de jogo VIP se fundavam e assentavam em relações de confiança;
     29. A narração da 2.ª Testemunha a este respeito é verdadeiramente importante, tanto mais que esta trabalhou numa sala de jogo VIP durante largos anos e, como tal, presenciou estas práticas variadas vezes;
     30. Por o relato desta ser de alguém com conhecimento verdadeiro e verídico da matéria, o seu testemunho terá de ser devidamente relevado;
     31. Os factos notários e os de conhecimento geral têm de ser tomados em consideração na sentença final, sendo um exemplo deles - do sector social relevante (os jogaYs em salas de jogo VIP), que D exercia funções de directora financeira das salas VIP da Exequente e Y;
     32. Recorde-se, por fim, que, tal como confirmou a 2.ª Testemunha, o facto de o pagamento do empréstimo ser efectuado em local diferente daquele onde foi contraído corresponde também a uma prática comum e habitual, pelo menos no que toca às salas de jogo da Exequente, ora Recorrida, e Y, precisamente porque pertenciam à mesma pessoa e, ademais, tinham como directora financeira a mesma pessoa, que facilmente poderia autorizar a concessão de fundos e receber o pagamento dos mesmos;
     33. Pelo que, atento o supra exposto, deveriam os quesitos 2.° a 9.° ter sido dados como provados pelo Tribunal a quo;
     34. A Sentença Recorrida, na parte que releva para o presente recurso, assenta essencialmente na conclusão do Tribunal a quo de que não foi possível ao Recorrente provar o pagamento da quantia mutuada através de um terceiro à embargada, ora Recorrida, a saber, a D;
     35. Contudo, se tivesse sido outra a resposta aos quesitos a ser apreciados no âmbito dos Embargos, outra teria de ser a sentença, no sentido de se considerarem procedentes os Embargos relativamente ao pagamento da quantia mutuada;
     36. Com o devido respeito, os Recorrentes não podem concordar com a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo, pelo que se devem considerar as consequências da reapreciação da prova acima referida;
     37. Em primeiro lugar, basta dar-se como provado os quesitos 2.° a 9.°, mas essencialmente 5.° e 6.°, para se concluir que houve de facto pagamento da quantia mutuada, não obstante não ter havido quitação formal;
     38. Além disso, e como já se disse, tendo em conta as declarações das testemunhas em como, por um lado, foi presenciado o pagamento e, por outro lado, que D exercia funções na Embargante e junto de outros promotores de jogo, não se percebe como poderia o Tribunal concluir como concluiu;
     39. De facto, entendendo-se provados os referidos quesitos - como se crê o douto Tribunal ad quem irá considerar, a reapreciação da prova daí resultante terá como consequência directa a procedência integral dos embargos apresentados pelo ora Recorrente, o que desde já se requer;
     40. Com efeito, sendo indiscutível que houve pagamento, e que tal pagamento foi efectuado junto de uma pessoa que se apresentava e era tida, junto do público alvo dos jogaYs de salas VIP, como representante ou alguém que actuava em representação da Exequente (a Sra. D), então, não há razão para que a Execução prossiga;
     41. Concluindo, se a resposta aos quesitos 2.° a 9.° - e essencialmente ao 5.° e 6.°- for reformulada nos termos requeridos, fica devidamente provado o que é evidente, i.e. que o Embargante, ora Recorrente, não tem qualquer dívida perante a Exequente, ora Recorrida, por o pagamento que esta reclama ter sido já satisfeito anteriormente por terceiro junto de um seu representante;
     42. Fica igualmente comprovada a necessidade de substituir a decisão ora em crise por uma decisão que reponha a legalidade e a justiça, ordenando a procedência integral dos Embargos contra o ora Recorrente, o que desde já se requer;
     43. Por tudo o exposto, na modesta opinião do Embargante, ora Recorrente, impunha-se outra decisão ao Tribunal a quo; uma decisão que apreciasse devidamente os actos conexos com a actividade da Embargante, ora Recorrida, e das pessoas que a representavam, nomeadamente i) a possibilidade de receber pagamentos de dívidas em local diferente de onde foi a mesma contraída, ii) por pessoas que a representavam e que como tal eram percepcionados pelo segmento de jogo VIP, ainda que só em termos de facto e não de direito, e iii) que era prática comum, assente em juízos de confiança, receber pagamentos sem, em contrapartida, devolver o original do marker ou emitir a respectiva quitação.
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    Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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  III – FACTOS ASSENTES:
    A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
     Da Matéria de Facto Assente:
     ‒ 請求執行人為澳門設立之有限公司,所營事業為推介娛樂場幸運博彩及其他方式的博彩,持有法人的博彩中介人准照編號第…。(已確定事實A)項)
     ‒ 請求執行人獲許可於“E股份有限公司”,葡文商業名稱“Sociedade de E S.A.”,從事博彩中介業務。(已確定事實B)項)
     ‒ 於2013年1月28日,請求執行人與“E股份有限公司”簽署一份《信貸合同》,“E股份有限公司”許可請求執行人從事澳門娛樂場幸運博彩範圍內的博彩或投注信貸業務。(已確定事實C)項)
     ‒ 請求執行人以執行卷宗第12頁的文件作為執行名義,開展執行程序,其內容為著一切法律效力在此視為獲完全轉錄。(已確定事實D)項)
     
     Da Base Instrutória:
     ‒ O embargante obteve o empréstimo referido em D) para jogar na sala VIP da Embargada sita no casino F, localizado na …, em Macau. (對調查基內容第1條的答覆)

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IV – FUNDAMENTAÇÃO
    Comecemos pelo recurso contra a decisão intercalar.
    O despacho atacado tem o seguinte teor:
     卷宗第48頁至第50頁:
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     經分析調查基礎內容,法庭認為即使能證明刑志強於2014年12月20日至2015年1月31日期間內身處本澳,該事實對案件的審理亦不具有重要性,因此,不批准異議人於卷宗第36頁聲請的措施。
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     採取必要措施。
***
    Ora, o que está em causa é o pedido do embargante, solicitando este que o Tribunal requisitasse junto da PSP a informação de entradas e saídas dum amigo seu, C (alegadamente este ganhou dinheiro no casino e procedeu à liquidação da dívida), para comprovar que, à data dos factos, ele estava em Macau.
    Tal como o Tribunal a quo afirmou, mesmo que fosse provado que no período de 20/12/2014 a 31/01/2015, o referido amigo do embargante estava em Macau, daí não se podia concluir pela ideia de que ele ganhava dinheiro! Nitidamente é um facto impertinente.
    Nesta óptica, não merece censura a decisão que negou o pedido.
    Julga-se improcedente o recurso nesta parte interposto pelo Recorrente.
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    Prosseguindo,
    Neste recurso são suscitadas 2 questões:
    - Impugnação de toda a matéria de facto que recebeu resposta NEGATIVA;
    - Recorrer da sentença final, por vício da erra interpretação de factos e erra aplicação de normas jurídicas.
    Comecemos pela primeira questão:
    Por via do presente recurso, pretende o Recorrente impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto vertida nos quesitos 2º a 9º da Base Instrutória (BI), entende que da prova produzida em sede de julgamento não poderiam os referidos quesitos merecer as respostas que lhe foram conferidas pelo douto Tribunal Colectivo a quo.
    Conforme a prova produzida, conjugada com os demais elementos dos autos, teriam de ser diferentes as respostas conferidas aos quesitos da Base Instrutória, pelo que, entende que existe um claro erro de julgamento.
*
    A propósito da impugnação da matéria de facto, o legislador fixa um regime especial, constante do artigo 599º (Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto) do CPC, que tem o seguinte teor:
     1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
     a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
     b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
     2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
     3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
     4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º

    Ora, a especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio delimitam o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de base para a reapreciação do Tribunal de recurso, ainda que a este incumba o poder inquisitório de tomar em consideração toda a prova produzida relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no artigo 629º do CPC.
    É, pois, em vista dessa função delimitadora que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação da decisão de facto com a sanção máxima da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 599º/2 do CPC.
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    No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis. Ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio1.
    É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 390º do CCM, em conjugação com o artigo 558º do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.
    Será com base na convicção desse modo formada pelo Tribunal de recurso que se concluirá ou não pelo acerto ou erro da decisão recorrida.
    Tais quesitos têm o seguinte teor:

1. O embargante obteve o empréstimo referido em D para jogar na sala VIP da embargada sita no casino F, localizado na …, em Macau?
2. Em empréstimo foi feito a pedido de um amigo do embargante, Sr. C (C), que se encontrava na China continental?
3. O embargante jogou, com as fichas mutuadas, numa das mesas da sala VIP da embargada, enquanto o Sr. Xing lhe dava indicações por via telefónica sobre aonde colocar as apostas?
4. E acabou por perder o montante mutuado?
5. Cerca de duas sememas após essa ocorrência, o Sr. C devolveu, em fichas, no casino X, o montante mutuado (totalizado em HKD$2,000,000.00 - dois milhões de dólares de Hong Kong)?
6. A importância foi devolvida à Sra. D, que se apresentou como representante da embargada?
7. À altura dos factos, D trabalhava junto de vários promotores de jogo, incluindo a embargada?
8. O embargante confiou que D representava legitimamente a embargada?
9. Sendo ela reputada como trabalhadora da embargada?
    
    O Colectivo fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
     “A convicção do Tribunal baseou-se essencialmente nos documentos juntos aos autos, nomeadamente os de fls. 7 a 14 dos autos de execução, cujo teor se dá reproduzido aqui para todos os efeitos legais, o que permite formar uma síntese quanto à veracidade dos apontados factos.
     No que diz respeito aos factos sobre o C, nomeadamente o embargante ter apostado o empréstimo nos jogos mas sob indicações deste e que este já devolveu o empréstimo, temos somente declarações das duas testemunhas, mas só o conhecimento da 1ª testemunha foi directo, no entanto, não houve qualquer provas mais sólidas quer da aposta quer da restituição do empréstimo pelo C. Segundo o conhecimento do Tribunal, a restituição do empréstimo contra a devolução do original de “marker”, é uma prática geral do ramo da indústria do jogo, não é muito credível que um devedor médio e razoável, devolvesse o empréstimo com tal importância a um terceiro e não à própria sala VIP onde obteve o empréstimo, nem se exigisse qualquer prova de quitação, se fosse realmente feito o pagamento. Para além das palavras das testemunhas, não há provas consistentes de que a tal D representava a embargada. Por isso, entendemos que as provas produzidas não são suficientes para se permitir formar convicção segura sobre os factos constantes dos quesitos 2° a 9°. Assim, apenas se deu por provado o empréstimo feito pela embargada para o embargante, e, não se deram por provados os restantes factos. “
    Ora, pela lógica e pelos elementos probatórios avaliados, não encontramos erro na apreciação dos mesmos. Efectivamente o embargante não cumpriu o ónus de prova, não chegou a provar que a dívida exequenda foi efectivamente saldada, por ele ou por terceiro!
    Pelo que, julga-se improcedente a argumentação do Recorrente/Embargante nesta parte.
*
    Prosseguindo,
    Passemos a ver o mérito do recurso.
    
    Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
     I) RELATÓRIO
     A (A), portador do BIRM nº…, residente em Macau, na…, vêm intentar a presente
     
   EMBARGOS À EXECUÇÃO contra
     
     B Sociedade Unipessoal Limitada (B一人有限公司),com sede na …., matriculado na Conservatória do Registos Comercial e de Bens Móveis com o n°….
     
     O embargante apresentou os embargos constantes a fls. 2 a 12, invocou, em síntese, como fundamentos dos embargados o pagamento da dívida exequenda, impugnando ainda os juros de mora e a data de vencimento alegado pela embargada por não ter correspondência no título executivo.
***
     A embargada apresentou contestação com os fundamentos constantes de fls. 18 a 21 dos autos.
***
     Realiza-se a audiência e julgamento pelo Tribunal Colectivo de acordo com formalismo legal.
*
     O Tribunal é competente em razão da matéria, da hierarquia e internacionalmente e o processo é próprio.
     As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
     Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
***
     II) FACTOS
     Dos autos resultam assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
     (…)
***
     III) FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
     Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
     Nos autos de execução, pretende a embargada executar o crédito que reclama ter contra o embargante com base na declaração de dívida subscrita por último, alegando que a embargada se dedica à actividade de promoção de jogo, estando habilitada para concessão de crédito de jogo através do contrato celebrado com uma das subconcessionárias, no âmbito dessa actividade, foi entregue ao embargante as fichas mortas no valor de HKD$2.000.000,00, mas este ainda não devolveu o valor correspondente até à data da execução.
     Nos embargos deduzidos pelo embargante, diz que o empréstimo titulado pelo documento dado à execução foi feito pelo ele a pedido dum amigo C, o embargante jogou com as fichas mutuadas segundo as instruções dada por este mediante o meio telefónico na sala VIP da embargada, acabando por perder todo o montante. Posteriormente, o C devolveu, em fichas, no casino X, o montante mutuado à D, representante da embargada. Para além disso, o embargante impugnou a exequibilidade dos juros de mora, a taxa dos juros e a data de vencimento do crédito alegada pela embargada por não ter correspondência no título executivo.
     
     Pagamento da dívida
     Um dos fundamentos dos embargos do embargante consiste no pagamento da quantia exequenda por um terceiro C à embargada.
     O pagamento constitui matéria extintiva do direito do credor, portanto, assim, incumbe ao devedor a prova desses factos.
     Porém, feito o julgamento, não logrou o embargante provar o alegado pagamento do montante mutuado através dum terceiro à embargada, logo, improcede esse fundamento de embargos.
     
     Vencimento do crédito
     No requerimento executivo, diz a embargada que o embargante prometeu a devolver o empréstimo imediatamente, entendendo com esse facto que o seu crédito venceu-se no mesmo dia da entrega das fichas de jogo para o embargante.
     Impugnou o embargante que não foi fixado qualquer prazo para o pagamento da dívida.
     Dispõe-se o art°12° do C.P.C., “A acção executiva tem como base um título, pelo qual se determinam o fim e os seus limites.”
     No documento dado à execução constante do processo da execução, consta uma cláusula em que é fixada o prazo para o pagamento do empréstimo.
     Porém, não se mostra preenchido o dia em que a embargada devia devolver a dívida.
     Assim, na falta de qualquer menção no título executivo, não poderá entender que o embargante prometeu devolver o empréstimo no mesmo dia em que foi assinada declaração da dívida.
     Não foi estipulado no título executivo o prazo de vencimento do crédito, o vencimento do crédito da embargada está sujeito à regra geral.
     Diz o n°1 do art°766° do C.C., que “Na falta de estipulação ou disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela.”
     Portanto, para o efeito de vencimento do crédito, carece da interpelação feita pela embargada ao embargante.
     No caso em apreço, alegou a embargada que interpelou o embargante para o pagamento da dívida por carta registada datada de 11 de Julho de 2016, no entanto, não disse se a carta chegou ao conhecimento do embargante e em que data. Continuamos sem saber em que data é que o embargante foi efectivamente interpelado para o seu pagamento.
     A única prova de interpelação efectiva do embargante é apenas citação do embargante realizada no processo de execução, pelo que, apenas podemos considerar que o embargante é interpelado no dia da citação, que é 19 de Dezembro de 2016.
     Portanto, o crédito da embargada é considerado vencido em 19 de Dezembro de 2016.
     
     Exequibilidade de juros de mora
     Vem a embargante impugnar a exequibilidade dos juros de mora por não consta qualquer menção dos juros e descordar com a taxa de juros que a embargada alegou, entendendo que sobre o capital em dívida não deve acrescer juros à taxa de 11.75% mas apenas de 9.75% por a concessão de crédito para jogo não ter natureza comercial, não havendo lugar a aplicação do acréscimo de 2% previsto no art°569° do Código Comercial.
     Na contestação, o embargado sustentou que o crédito concedido para jogo tem a natureza comercial.
     Conhecemos a primeira questão.
     De acordo como o disposto do art°12° do C.P.C., “A acção executiva tem como base um título, pelo qual se determinaram o seu fim e os seus limites.”
     Portanto, é através do título executivo é que se fixa o âmbito do crédito sujeito à execução.
     No caso em apreço, consta do documento dado à execução apenas que a embargante reconheceu ser devedor da embargada no montante de HKD$2.000.000,00. Entretanto, não houve qualquer menção sobre a cobrança dos juros no caso de incumprimento.
     Não houve qualquer menção no título executivo a possibilidade da imediata exequibilidade dos juros no caso de mora, não poderá a embargada vir pedir logo a sua execução.
     É esse o entendimento do Tribunal da Segunda Instância,“Não decorrendo do teor do título executivo em causa nem resultando da presunção da lei, a mora, imputável ao executado e justificativa da indemnização mediante pagamento de juros de mora à taxa legal, carece sempre de ser demonstrada em sede de uma acção declarativa.” (Acórdão n°166/2012 do T.S.I., de 19 de Abril)
      Nestes termos, não poderá a embargada executar os juros moratórios por insuficiência do título executivo.
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     IV) DECISÃO
     Em face de todo o que fica exposto e justificado, julgam-se parcialmente procedentes os embargos deduzidos pelo embargante A contra a embargada B Sociedade Unipessoal Limitada, prosseguindo a execução em relação à quantia exequenda de HKD$2.000.000,00, absolvendo-se a execução na parte respeitante aos juros de mora.
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     Custas dos embargos pelo embargante e embargada na proporção do seu decaimento.
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     Não está demonstrado o documento dado à execução que tem cumprido as obrigações fiscais a que se referem o art°1 do regulamento do imposto de selo, conjugado com o n°14 da Tabela Geral anexa ao referido regulamento, ao abrigo do disposto do n°2 do art°224° do C.P.C., comunique à Repartição de Finança de Macau com o envio da cópia do respectivo título executivo para os efeitos devidos.
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     Registe e Notifique.
    Ora, na sequência do expendido, como a matéria de facto fica imodificada, não há fundamento para alterar a decisão recorrida, o que determina a improcedência do recurso nesta parte.
    Pelo expendido, é de verificar que, em face das considerações e impugnações do ora Recorrente, a argumentação produzida pelo MM. Juíz do Tribunal a quo continua a ser válida, a qual não foi contrariada mediante elementos probatórios concretos, trazidos por quem tem o ónus de prova.
    Nestes termos, é da nossa conclusão que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter a decisão recorrida.
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    Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento aos presentes recursos, mantendo-se as decisões recorridas.
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    Custas pela Recorrente.
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    Registe e Notifique.
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RAEM, 31 de Outubro de 2019.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 Sobre o princípio da completude da motivação da decisão judicial ditado, pela necessidade da justificação cabal das razões em que se funda, com função legitimadora do poder judicial, vide acórdão do STJ, de 17-01-2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Gabriel Catarino, no processo n.º 1876/06.3TBGDM.P1 .S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj
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