Proc. nº 721/2019
Recurso em matéria cível
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 31 de Outubro de 2019
Descritores:
- Princípio do contraditório
- Nulidade processual
- Prova
- Livre convicção do tribunal
SUMÁRIO:
I - Se tiver sido violado o princípio do contraditório, deve a respectiva nulidade ser invocada nos dez dias posteriores (arts. 103º e 151º do CPC), que se contarão desde o momento em que o interessado tiver conhecimento dela, ou a partir da notificação da sentença ou do acórdão, caso a nulidade tenha sido cometida na própria decisão (neste segundo caso, deverá ser suscitada autónoma e directamente perante o juiz ou relator).
II - Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova.
III - A decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC” e o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.
Proc. nº 721/2019
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
A (A), casado, residente na …, ---
Instaurou no TJB (Proc. nº FM1-17-0167-CDL) contra a sua mulher: ---
B (B), casada, residente em …, Taipa, ---
Acção especial de divórcio litigioso, que por sentença de 23/11/2018 foi julgada improcedente.
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É contra essa decisão que o A. interpôs o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
“A. Do excesso de pronúncia - Foi omitido o cumprimento do disposto nos art.º 3.º e 438.º do CPC em relação às fotografias de fls. fls. 39 a 43, pelo que se verificou uma nulidade processual por omissão de um acto que a lei prescreve - artigo 147.º do CPC.
B. Com a notificação do acórdão de fls. 77 e ss. o Recorrente percebeu que a convicção do Tribunal no sentido de julgar não provados todos os quesitos da base instrutória se formou também com base nas fotografias de fls. fls. 39 a 43.
C. A formação da convicção do Tribunal a quo com base nas fotografias de fls. 39 a 43 constituiu para o Recorrente uma decisão-surpresa no acórdão de fls. 77 e ss, por o Tribunal a quo ter decidido matéria que não lhe era lícito conhecer por não ter sido cumprido o disposto nos artigos 3.º e 438.º do CPC
D. Esta nulidade processual foi consumida por uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia (cf. 571.º, n.º 1, al. d), in fine, do CPC), dado que, sem a prévia audição da parte contrária, o Tribunal a quo não podia ter conhecido do fundamento que utilizou na fundamentação da sua decisão.
E. Trata-se de uma nulidade apenas arguível em sede de alegações do recurso jurisdicional por, com a prolação do acórdão de fls. 77 e ss., se ter esgotado o poder jurisdicional do Tribunal a quo quanto à matéria de facto e, por conseguinte, tal decisão sobre a matéria de facto apenas poder ser impugnada no recurso interposto da decisão final (artigo 599/1, al. a), do CPC).
F. Nada obsta, pois, ao conhecimento pelo Tribunal ad quem da nulidade da sentença recorrida ora arguida em sede de recurso.
G. Da contraprova - Para que as fotografias de fls. 39 a 43 pudessem valer como contraprova tal como ela é definida no artigo 339.º do Código Civil, ou seja, para que tais fotografas tivessem terem o condão de tomar duvidosos os factos alegados pelo Recorrente quanto à inexistência da plena comunhão de vida entre os cônjuges a que se refere o artigo 1462.º do Código Civil e ao propósito de não a restabelecer da parte de ambos, ou de um deles, era preciso que, por causa do disposto no artigo 56611-2 do CPC, as mesmas se reportassem aos últimos dois anos consecutivos anteriores à data do encerramento da discussão em primeira instância em 22/1012018 (fls. 75/76v).
H. Sucede que todas as fotografias, à excepção da fotografia de fls. 43 tirada em 2017 quando o WILLIAN YONG tinha 11 anos, foram tiradas em data anterior aos últimos dois anos consecutivos anteriores à data do encerramento da discussão em primeira instância realizada em 22/10/2018 (fls. 75/76v).
I. As únicas fotografias que se reportam ao período dos últimos dois anos consecutivos anteriores à data do encerramento da discussão em primeira instância são as fotografias de fls. 43 tiradas em 2017 quando o C tinha 11 anos, as quais não capturam qualquer momento de harmonia conjugal, nem indicam o que consta no penúltimo paragrafo de fls.78.
J. Neste sentido, face à inexistência de outras fotografias do casal e/ou da família (ou de eventos familiares) relativas ao período dos últimos doze anos consecutivos anteriores à data do encerramento da discussão em primeira instância, ao acordo de 24/05/2016 (fls. 27), bem como ao afirmado no ponto 21 de fls. 25 e consignado nas actas de fls. 21 e fls. 75vdos autos, conjugado (ou não) com o documento ora junto ao abrigo do disposto no” artigo 616.º do CPC, manda a prudente convicção ou padrão ou nível de prova civil expresso no conceito de “preponderância da prova”, que se acredite mais nos depoimentos testemunhas do Recorrente D e da Ré E reproduzidos no corpo destas alegações no sentido de que as filhas participaram na festa antes do falecimento dos pais do Recorrente, e embora o Recorrente, a Ré e as duas filhas comparecessem na mesma festa, o Recorrente não comunicou com elas.
K. Acresce que o facto de as testemunhas das partes apresentarem versões incompatíveis dos factos controvertidos nunca poderia impedir o Tribunal a quo de concluir qual delas corresponderia à verdade.
L. Isto porque a versão das testemunhas da Ré não é credível quanto aos últimos dois anos consecutivos anteriores à data do encerramento da discussão em primeira instância, dado o quanto por elas quanto foi dito quanto à matéria dos quesitos 4 a 9 da Base Instrutória ser absolutamente incompatível com a celebração do acordo de fls. 27 em 24/05/2016, o qual pressupõe e tem como antecedente lógico a ruptura, de facto, da plena comunhão de vida entre os cônjuges sem qualquer esperança por parte de nenhum deles em a restabelecer.
M. Do erro no julgamento dos quesitos 1.º e 2.º da base instrutória - Nas respostas das testemunhas D e F, ambas dizem quando o Recorrente soube a existência das duas filhas da Ré em 2006, ele não conseguia manter a calma e perdeu a confiança que nela depositava.
N. A resposta dada aos quesitos 1 º e 2.º da Base Instrutória, devia, pois, ter sido “provado”.
O. Do erro no julgamento dos quesitos 4.º e 5.º da base instrutória - Dos depoimentos das testemunhas D e F gravados ao minuto 06:22 a 09:30, 17:08 a 19:02, e 30:36 a 32:00 do Recorded On 22-0ct-2018 at 15.12.12 (2ILM95$G03120281), da testemunha G gravado ao minuto 01:26:09 a 01:26:41 e 01:28:10 a 01:29:17 do Recorded on 22-Oct-2018 at 15.52.02 (2ILNIQ5W03120281) resulta que o Recorrente satisfez o ónus da prova que lhe competia quanto à matéria do quesitos 4.º e 5. º da Base Instrutória, a qual deveria, por isso, ter sido julgada provada.
P. Com efeito, face às passagens da gravação do depoimento das testemunhas D, F e G supra reproduzidas no corpo das alegações, bem como ao acordo de 24/05/2016 (fls. 27), ao afirmado no ponto 21 de fls. 25 e nas actas de fls. 21 e fls. 75v dos autos, conjugado (ou não) com o documento ora em anexo,
Q. Devia ter sido dado uma resposta restritiva aos 4.º e 5.º da Base Instrutória no sentido de que, pelo menos desde 24/05/2016 que o Recorrente começou a dormir sozinho noutro quarto da residência da família e que, desde então o Recorrente e a Ré nunca mais dormiram na mesma cama.
R. Do erro no julgamento dos quesitos 6.º e 9.º da base instrutória - o Tribunal a quo errou na valoração da prova produzida porque a análise crítica das fotografias de fls. 39 a 43, com base nas quais o Tribunal a quo (a par dos depoimento das testemunhas) formou a sua convicção, impunha à luz da prudente convicção prevista no artigo 558.2/1 do CPC, uma resposta restritiva ao quesito 6.º da base instrutória e uma resposta afirmativa ao quesito 9.º, especialmente se se tivesse tido em conta o impressivo acordo de 24/05/2016 (fls. 27), no qual os cônjuges, não só demonstram a ruptura, de facto, da plena comunhão de vida, como o propósito de não a restabelecer, propósito esse pois reiterado no ponto 21 de fls. 25 e nas tentativas de conciliação a que se referem as actas de fls. 21 e fls. 75v dos autos.
S. Acresce que os cônjuges estavam desavindos pelo menos desde 18/12/2013, encontrando-se a sua relação de tal modo deteriorada ao ponto de ambos terem iniciado o processo de divórcio no Juízo de Família e Menores (FM1-13-0591- CPE).
T. Propósito esse que nunca esmoreceu nem se alterou, como resulta da vontade por eles reiterada no acordo de fls. 27 celebrado em 24/05/2016 e no ponto 21 de fls. 25 e nas tentativas de conciliação a que se referem actas de fls. 21 e fls. 75v dos presentes autos.
U. Devia, pois, a resposta ao quesito 6.º, ter sido restritiva no sentido de “Provado que desde, pelo menos, 24/05/2016, nunca mais voltaram a sair ou a conviver como marido e mulher”, enquanto a resposta ao quesito 9.º devia simplesmente ter sido “Provado”.
V. Do divórcio-remédio - No âmbito dos artigos 1637.º, alínea a) (Ruptura da vida em Comum) e 1638.º (Separação de facto, acolhe o legislador o divórcio-remédio, porque pressupõe ele um casamento em si mesmo já destruído, ou seja, uma situação de crise do matrimónio, um estado de vida conjugal intolerável, sendo ele o remédio para um tal estado ou situação. [Cfr. João de Castro Mendes, in Direito da Família, 78/79, pág. 193.]
W. Verifica-se º duplo requisito (objectivo e subjectivo) que a lei prevê para que se possa falar em separação de facto, mesmo nas situações, como a do caso sub judice em que os cônjuges, vivam sob o mesmo teto.
X. Quanto ao elemento objectivo, o facto de o Recorrente e Ré terem iniciado o processo de divórcio no Juízo de Família e Menores (FM1-13-0591-CPE) em 18/12/2013, de terem celebrado o acordo de fls. 27 em 24/05/2016, de o Recorrente ter proposto a presente acção em 15/09/2017, de a Ré ter reiterado em 13/1212017 o propósito de se divorciar no ponto 21 de fls. 25 e de as partes terem deixado claro nas tentativas de conciliação a que se referemas actas de fls. 21 e fls. 75v dos autos (em 15/11/2017 e 22/10/2018, respectivamente) que só não se divorciavam por falta de acordo quanto à regulação do poder paternal, inculca a ideia de inexistência da comunhão plena de vida, sem a qual não existe casamento.
Y. Isto porque uma comunhão plena de vida vai além dos aspectos materiais da união e dos deveres e obrigações legais dos cônjuges, posto que a principal característica é a harmonia sentimental e espiritual que deve existir entre o casal.
Z. O casamento não poderá ser uma aliança ancorada em interesses patrimoniais, nem tão pouco um relacionamento repleto de amarguras e frustrações.
AA. A comunhão plena de vida deve ser entendida numa convivência de forma plena, envolvendo todos os aspectos de uma vida a dois. [A Igualdade De Direitos No Casamento, por Waltecyr Diniz, publicado no site da Diniz e Mourão, Advogados Associados in http://vvww.dinizemourao.com.br/.]
BB. Sustenta FERREIRA PINTO in Causas do Divórcio, Almedina 1980, pág. 122 que, para caracterizar a inexistência duma comunhão de vida, necessário é que “os cônjuges não vivam como habitualmente - ou seja, que não vivam como marido e mulher.
CC. Sendo inquestionável que o facto de dois cônjuges viverem na mesma casa tal não quer dizer, obrigatoriamente, que partilhem o mesmo leito e mesa (os muros, ainda que invisíveis, podem construir-se e passar a separar - de facto - os cônjuges a residir numa mesma casa; deixando entre ambos de existir efectiva comunhão de vida, ainda que vivendo debaixo do mesmo tecto), ... [ Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2011-09-20, Processo n.º 1522/07.8TBCLD.L 1-1]
DD. Temos, porém, para nós, que não se deve ser demasiado exigente na comprovação de uma matéria de facto fluida, do foro íntimo, sentimental, afectiva. A perda dos laços é, quantas vezes, pelo silêncio que melhor se expressa., como acertadamente se escreveu nos acórdãos do TSI de 5/02/2014 (Processo nº 728/2014) e de 22/05/2014 (Processo nº 793/2012), acessíveis no Sítio do Tribunais da RAEM.
EE. Ora, cônjuges que vivam há largos anos desavindos em quartos separados, ainda que na mesma casa, não vivem como marido e mulher, na medida em que lhes falta a necessária “comunhão do leito”, a qual consiste numa dos aspectos essenciais e caracterizadores da vida do casal em comum.
FF. Quanto ao elemento subjectivo, também se verifica porque o simples facto de o autor intentar a acção de divórcio demonstra, só por si, o propósito de não reatamento da sociedade conjugal, conforme, entre outros, o entendimento sufragado no acórdão do Tribunal de Segunda Instância proferido no processo 158/2011 de 17/11/2011.
GG. Logo, uma vez apurado este facto no caso “sub judice”, e estando demonstrada a vontade das partes em se divorciarem, por considerarem que já não há possibilidade de continuação do casamento por rompimento definitivo do relacionamento entre os dois (pelo menos desde a data da celebração do acordo de fls. 27 em 24/05/2016), só não o tendo feito por falta de acordo quanto à regulação do poder paternal do filho menor do casal (cfr. fls. 2 e ss., ponto 21 de fls. 21, fls. 25 e fls. 75v dos autos),
HH. Deixa de fazer sentido obrigar-se o Recorrente (ou a Ré) a intentar nova acção, com novos custos processuais e incómodos derivados do protelamento de uma situação já sem remédio, sendo que tal solução, por excessivamente formalista, não encaixaria bem com princípios de celeridade e de economia processual, conforme melhor explicado no Acórdão do TSI de 09/02/2012, Proc. nº 280/201.
II. Tanto basta para que se verifique o elemento subjectivo da “separação de facto” previsto no n.º 1 do artigo 1638.º do Código Civil.
JJ. Devia, assim, ter procedido o pedido de divórcio com fundamento previsto no artigo 1637.º, alínea a), do Civil, ainda que sem declaração do cônjuge culpado.
KK. E ainda que tais razões não bastassem, importa não perder de vista que o acordo celebrado em 24/05/2016 (fls. 27) pelas partes revela, face à sua razão de ser e propósito último, a existência de uma situação conjugal já sem remédio.
LL. Ninguém celebraria um acordo de pós-divórcio como o de fls. 27 se o vínculo matrimonial não se houvesse já dissolvido de facto, por se haver perdido, definitivamente, e sem esperança de retomo, a possibilidade de vida em comum.
MM. Por isso, uma vez que no momento do encerramento da discussão em primeira instância em 22/10/2018 (fls. 75176v) já tinham decorrido mais de dois anos desde a celebração da celebração do acordo em 24/05/2016 (fls. 27), podia e devia o Tribunal a quo ter considerado preenchido o limite mínimo de tempo exigido pelo elemento subjectivo, por o disposto no artigo no art.º 566.º do Código de Processo Civil o impor, e consequentemente, decretado o divórcio, independentemente da culpa, por separação de facto há mais de dois anos.
NN. Por último, se estas razões não bastassem, sempre se pode dizer que passados mais de dois nos desde a propositura da acção de divórcio (15/09/2017) até ao julgamento do presente recurso em segunda instância, já está preenchido o limite mínimo de tempo exigido pelo elemento subjectivo, visto o princípio da actualidade da decisão, consagrado no art.º 566.º do Código de Processo Civil.
OO. Nada obstando, pois, a que seja decretado o divórcio nessa instância superior, independentemente da declaração do cônjuge culpado, por separação de facto há mais de dois anos, com as legais consequências.
PP. Da indispensabilidade da ampliação da decisão sobre a matéria de facto - No artigo 13.º da Contestação (fls. 24) a Ré alegou ter celebrado com o Recorrente o acordo de fls. 27 com vista ao divórcio por mútuo consentimento.
QQ. Sucede que ninguém celebraria um acordo como o de fls. 27 se o vínculo matrimonial não se houvesse já dissolvido de facto, por se haver perdido, definitivamente, e sem esperança de retomo, a possibilidade de vida em comum.
RR. Por mais voltas que se queira dar, este acordo pressupõe e tem como antecedente lógico a ruptura, de facto, da plena comunhão de vida entre os cônjuges sem qualquer esperança por parte de nenhum deles em a restabelecer.
SS. Tal facto (a conclusão do acordo de fls. 27) não foi, no entanto, levado aos Factos Assentes nem à Base Instrutória, embora se trate de matéria que, em conjunto com o que foi dito pelas partes nas tentativas de conciliação a que se referem as actas de fls. 21 e 75v poderia ter determinado uma resposta restritiva - “Provado apenas que, pelo menos desde a data da celebração do acordo de fls. 27 ...” aos quesitos 5.º e 6.º e uma resposta afirmativa - “Provado” ao quesito 9.º.
TT. Deve, pois, ser anulada a sentença recorrida na parte viciada, sem prejuízo de na repetição do julgamento ser este ampliado de modo a serem apreciados outros pontos da matéria de facto, designadamente os quesitos 5.º, 6.º e 9.º da Base Instrutória, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão.
UU. Da Contradição entre a convicção do Tribunal a quo e a respostas aos quesitos 5.º e 6.º da base instrutória - Por um lado, o Tribunal a quo indicou na fundamentação do acórdão de fls. 77 e ss.: que «A única afirmação mais clara foi a de as partes terem deixado definitivamente de dormir no mesmo quarto a partir de Setembro de 2017.», mas, por outro, não deu como provada essa matéria na resposta aos quesitos 5.º e 6.º da base instrutória, designadamente não deu como provado que “Desde Setembro de 2017, o Autor e a Ré nunca mais dormiram na mesma cama.” e que “Desde essa altura nunca mais voltaram a conviver como marido e mulher.”
VV. Ora, segundo o artigo 629/4 do CPC, o TSI pode anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na primeira instância quando repute contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto.
WW. Nesta conformidade, é de anular o julgamento feito na primeira instância, determinando a repetição do mesmo com a devida ampliação nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 629/4 do CPC.
XX. Deve, pois, ser anulada a sentença recorrida na parte viciada, sem prejuízo de na repetição do julgamento ser este ampliado de modo a serem apreciados outros pontos da matéria de facto, designadamente os quesitos 5.º, 6.º e 9.º da Base Instrutória, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão.
NESTES TERMOS, e nos mais de Direito aplicáveis que V. Ex.as doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a, aliás, douta decisão proferida no Tribunal a quo substituindo-a por outra que considere procedente o pedido formulado pelo Recorrente na petição inicial, ainda que sem declaração do cônjuge culpado;
Ou, caso assim não se entenda, deverá anular-se a decisão ora recorrida, baixando os autos à primeira instância, a fim de se proceder à repetição do julgamento ampliado no Tribunal onde a decisão foi proferida.
Assim, mais uma vez, farão V. Ex.as a costumada JUSTIÇA!”.
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Em resposta ao recurso, a recorrida apresentou as seguintes conclusões alegatórias:
“(1) Nas suas alegações de recurso, vem o Autor arguir a nulidade da sentença rcom base no excesso de pronúncia previsto no artigo 571.º, n.º 1, alínea d), do CPC por conta de uma suposta nulidade processual (prevista no artigo 147.º do CPC), impugnar a resposta dada à matéria de facto dos quesitos 1.º, 2.º, 4.º, 5.º, 6.º e 9.º da Base Instrutória, alegar uma suposta necessidade de ampliação da matéria de facto e uma contradição entre a convicção do Tribunal a quo e a resposta dada aos quesitos 5.º e 6.º da Base Instrutória, sustentando assim que a decisão recorrida deveria ter sido no sentido de decretar o divórcio;
(2) Em primeiro lugar, o Recorrente confunde uma eventual “nulidade processual” com uma nulidade da sentença, fazendo-o porque os prazos para alegar a tal “nulidade processual” já estavam há muito ultrapassados (artigos 147.º e 151.º do CPC);
(3) Por outro lado, tendo sido o Recorrente notificado do despacho proferido a fls. 50 dos autos, relacionado com a admissão dos requerimentos probatórios apresentados pelas partes, mas não tendo o Recorrente sido notificado do requerimento probatório apresentado pela Recorrida (no qual se juntavam as referidas fotografias de fls. 39 a 43), não podendo, por exemplo, saber quem eram as testemunhas apresentadas pela Ré/Recorrida,
(4) Fica claro que o Recorrente, nesse momento, não só podia conhecer da nulidade mas também podia ainda tomar conhecimento se tivesse agido com a devida diligência, deslocando-se ao Tribunal para consultar o processo;
(5) Acresce ainda, de forma mais grave e reveladora, que na audiência de discussão e julgamento as fotografias juntas pela Recorrida no seu requerimento probatório foram instrumentais na produção da prova testemunhal, tendo também aí o Recorrente a oportunidade de mostrar a surpresa com os elementos probatórios de fls. 39 e 43 e requerer ao Tribunal prazo para se pronunciar acerca dos mesmos, tudo conforme o disposto no artigo 438.º do CPC, o que não fez;
(6) Basta, por exemplo, constatar que a segunda testemunha do Autor foi confrontada com as fotografias (logo no início do ficheiro 22-0ct-2018 at 15.52.02 (2ILNIQ5W03120281)) junta aos autos porquanto contradizia a sua afirmação de que o Autor e a Ré jamais tiveram contacto em reuniões e eventos familiares (que se retira a partir do minuto 37:09 do ficheiro 22-0ct-2018 at 15.12.12 (2ILM95$G03120281)), e ainda pelo minuto 36:25 do ficheiro 22-0ct-2018 at 15.52.02 (2ILNIQ5W03120281), na qual o pai da Recorrida é confrontado com as fotografias, tendo identificado as pessoas presentes nas mesmas;
(7) Não podendo o Recorrente alegar, de forma séria, que foi surpreendido com estas fotografias e da sua relevância apenas no momento em que foi proferida a sentença impugnada, estando o prazo previsto no artigo 151.º do CPC ultrapassado;
(8) Não estando em causa a situação descrita no artigo 571.º, n.º 1, alínea d), do CPC já que o Tribunal manteve-se dentro do objecto do processo;
(9) O Recorrente imputa ainda erros de julgamento no que respeita à matéria dos quesitos 1.º, 2.º, 4.º, 5.º, 6.º e 9.º da Base Instrutória;
(10) Salvo o devido respeito, não lhe assiste qualquer razão, chamando-se a atenção do Venerando Tribunal de Segunda Instância para o facto do Recorrente pretender, através de uma aparente “restrição” das respostas aos quesitos, provar matéria que nunca alegou nem faz parte da causa de pedir do presente processo, situação que, essa sim, configuraria a nulidade prevista no artigo 571.º, n.º 1, alínea d), in fine, do CPC;
(11) Importa referir que no julgamento da matéria de facto e na sequência dos princípios da imediação, da oralidade e da concentração, o tribunal aprecia livremente as provas, segundo a sua prudente convicção, nos termos do artigo 558,º do Código de Processo Civil, não competindo ao Recorrente estar a reinterpretar aquilo que foi dito pelas testemunhas para lhes oferecer uma leitura distinta daquilo que resulta dos autos ou efectuar interpretações próprias daquilo que as fotografias de fls. 39 a 43 demonstram;
(12) Nessa conformidade, resulta do acórdão que recaiu sobre a matéria de facto que “As testemunhas apresentadas pelas partes são todas elas familiares das respectivas partes, salva a 4.ª testemunha da Ré que é empregada doméstica das partes para as quais trabalhou desde 2011. À excepção da última testemunha, as testemunhas fizeram declarações conformes à versão de factos alegada pela parte que as apresentou como testemunhas, declarações estas totalmente incompatíveis entre si. Por nada permite, em abstracto atribuir mais credibilidade a qualquer das testemunhas, as declarações dessas testemunhas não permitiram ao tribunal chegar a qualquer conclusão quanto a qual das versões corresponde à verdade.”;
(13) As fotografias apresentadas pela Recorrida demonstram - como de resto conclui o Mm.º Tribunal recorrido - que não se pode, simplesmente, aceitar que os convívios em que participava o Recorrente e as filhas da Recorrida serviam apenas para “manter uma vida normal perante o filho”, algo que de resto não tem lógica nenhuma quando se observa que o menor tinha meses de vida (não tendo noção ou consciência alguma sobre o que é uma “vida normal”) e a revolta que o Recorrente alega ter sentido e que colocou em causa o casamento logo em Dezembro de 2006!;
(14) Por outro lado, o Recorrente parece olvidar que recaía sobre si o ónus da prova da matéria quesitada;
(15) E que, ao contrário do que é por si alegado, o Tribunal recorrido, como resulta do referido acórdão sobre a matéria de facto, não se mostrou impedido de concluir o que quer que seja quanto ao depoimento das testemunhas, simplesmente entendeu, no âmbito da sua livre apreciação, não atribuir maior relevância ao depoimento das testemunhas do Recorrente em relação ao depoimento das testemunhas da Recorrida, pelo que considerando que era sobre o Recorrente que recaía o ónus da prova, esses depoimentos não foram suficientemente fortes e inabaláveis para formar a convicção do Mm.º Tribunal no sentido de dar a referida matéria como provada!;
(16) Sem prejuízo da sobredita livre convicção do Mm.º Tribunal recorrido, sempre se diga que dos depoimentos das testemunhas indicadas pelo Recorrente resulta que estas não têm um conhecimento directo sobre aquilo que testemunharam, conforme se demonstra pelas passagens das gravações citadas nas presentes contra-alegações de recurso e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas;
(17) Por outro lado, não pode vir o Recorrente alterar a história em sede de recurso, inventar novas datas para a separação de facto com base em documentos e matéria factual que nunca foi alegada, não podendo valer-se tão-pouco de depoimentos de testemunhas para demonstrar matéria que não consta dos autos e que não tem nada que ver com os factos que foram apreciados;
(18) Mais, os documentos que fazem referência a diligências de divórcios por mútuo consentimento não provam absolutamente nada do que diz respeito à matéria dos quesitos 6.º e 9.º (ou restantes quesitos), pelo contrário, demonstram que as partes acabaram por desistir do divórcio.
(19) Portanto, não podem ficar provados factos que não foram alegados nem demonstrados, não podendo o Recorrente “restringir” a matéria de facto para tentar provar algo que é completamente distinto daquilo que alegou sob pena de violação do disposto no artigo 571.º, n.º 1, alínea d), in fine, do CPC.
(20) Não merecem assim censura as respostas dadas aos quesitos 1.º, 2.º, 4.º, 5.º, 6.º e 9.º da Base Instrutória;
(21) Tão-pouco existe qualquer contradição nas respostas dadas à matéria constante dos quesitos 5.º e 6.º da Base Instrutória e a “convicção do Tribunal”;
(22) Em violação do princípio da boa fé, o Recorrente recorta e omite o que lhe convém naquilo que foi decidido pelo Mm.º Tribunal a quo, para depois alegar imaginadas _ contradições nas respostas negativas (!) e a convicção do Tribunal recorrido;
(23) O que o Tribunal a quo escreveu na decisão que recaiu sobre a matéria de facto foi que “A última testemunha foi bastante confusa no seu testemunho provavelmente por falta do domínio da língua em que prestou declarações. A única afirmação mais clara foi a de as partes terem deixado definitivamente de dormir no mesmo quarto a partir de Setembro de 2017.”, ou seja, o Tribunal descreveu apenas que única afirmação mais clara daquela testemunha!;
(24) Daqui não se retira nenhuma contradição com aquilo que foi dado como não provado nos quesitos 5.º e 6.º, até porque aí estava em causa o período temporal de Dezembro de 2006/Janeiro de 2007 e a suposta separação de facto desde então porquanto nessa altura é que o Recorrente teria supostamente tomado conhecimento que a Recorrida tinha duas filhas de um relacionamento anterior;
(25) Donde se retira que o Recorrente se limita a deturpar a matéria de facto dos autos e aquilo que consta do processo para defender a prova de matéria totalmente distinta daquela em discussão nos autos, tudo sob a aparência de uma restrição da matéria de facto;
(26) Mal se percebendo as referências ao artigo 629.º, n.º 4, do CPC pois o mesmo não é aqui aplicável, já que não há qualquer deficiência, obscuridade ou contraditoriedade nas respostas à matéria de facto, bastando observar que tanto o quesito 5.º como o quesito 6.º obtiveram a resposta de “não provado”;
(27) Vem ainda o Recorrente alegar que o artigo 13.º da Contestação não foi levado aos Factos Assentes nem à Base Instrutória, “embora se trate de matéria que, em conjunto com as actas de fls. 21 e 75v poderia ter determinado uma resposta {restritiva - “Provado apenas” ou afirmativa - “Provado”} aos quesitos 5.º e 9.º”;
(28) Salvo o devido respeito que opinião contrária nos merece, o Recorrente tenta induzir em erro o Tribunal quanto à relevância do acordo de fls. 27 para alguma coisa no presente pleito, o qual se refere à suposta separação de facto entre as partes desde Dezembro de 2006/J aneiro de 2007 por conta da alegada revolta que o Recorrente sentiu quando diz que soube (apenas depois de casar) que a Recorrida já tinha duas filhas de um relacionamento anterior;
(29) O acordo de fls. 27 é irrelevante para o presente pleito, sendo claro que o que o Recorrente pretende é deturpar o sentido e alcance dos quesitos s.” e 9.º, como aliás o faz em relação aos demais quesitos ao longo do seu recurso, para tentar obter respostas que excedem completamente o objecto do processo;
(30) Atento o disposto, não tendo o Recorrente feito prova da matéria dos quesitos 1.º a 9.º, nem tendo apresentado quaisquer argumentos em sede recursiva - que se limitou a recortes e omissões da” realidade do processo - que justificassem a alteração das respostas dadas à matéria dos autos, o recurso não pode deixar de ser considerado totalmente improcedente;
(31) Assim, não estão preenchidos os requisitos para se decretar o divórcio com fundamento na separação de facto, previstos no artigo 1637.º do Código Civil, pelo que o Tribunal decidiu bem ao considerar improcedente o pedido do Recorrente.
Nestes termos, e no mais de Direito, deverão V. Ex.as, Venerandos Juízes, considerar que o recurso apresentado pelo Recorrente é totalmente improcedente, mantendo-se assim a decisão recorrida.”.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu como provada a seguinte factualidade:
“- O Autor e a Ré casaram-se em 6 de Junho de 2006, no Canadá (Cfr. Fls. 6 dos autos) (alínea A) dos factos assentes).
- Da união do casal resultou um filho, o C (C), nascido em 08 de Outubro de 2006 (Cfr. Fls. 7 dos autos) (alínea B) dos factos assentes”).
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III – O Direito
1. A sentença afirmou o seguinte:
«Cumpre analisar a matéria provada e aplicar o direito.
Na presente acção de divórcio litigioso, o Autor pede que seja decretado o divórcio com fundamento na separação de facto entre as partes declarando-se a Ré a exclusiva ou predominante culpada.
Para o efeito alega que, depois do seu casamento, o Autor descobriu que a Ré já tinha duas filhas fruto de um anterior relacionamento; que a Ré sabia que se o tivesse revelado antes do casamento, as partes não teria havido casamento; que o Autor ficou destroçado e não conseguiu voltar a confiar na Ré; que a partir Janeiro de 2007, o Autor começou a dormir sozinho noutro quarto da residência da família; que desde então, as partes só comunicam um ao outro os assuntos relativos ao filho menor das partes; que as partes não tem nenhum propósito de restabelecer a comunhão de vida.
Contestando a acção, veio a Ré impugnar os factos alegados pelo Autor.
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Separação de facto
Dispõe o artigo 1637º, a), do CC, que a separação de facto por 2 anos consecutivos é também fundamento de divórcio litigioso.
Nos termos do artº 1638, nº 1, do CC, “Entende-se que há separação de facto, para os efeitos da alínea a) do artigo anterior, quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer.”
Dos factos provados vê-se que as partes casaram-se em 2006 e têm um filho.
No entanto, nenhum facto indica que as partes deixaram de partilhar a sua vida, comendo e dormindo juntos, e não têm propósito de estabelecer a comunhão de vida.
Não estão, pois, preenchidos os requisitos para se decretar o divórcio com fundamento na separação de facto.
Pelo que, o pedido do Autor não pode proceder com fundamento na separação de facto.».
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2. Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia
Invoca o recorrente a nulidade epigrafada, baseado no art. 599º, nº1, al. a), bem como no art. 571º, nº1, al. d), do CPC, com o fundamento alegado de que o tribunal, na resposta aos artigos da BI, teve em consideração documentos (fotografias) que nunca antes lhe haviam sido notificadas.
Não tem razão, salvo o devido respeito.
Como ele próprio admite, a sanção para o não cumprimento do princípio do contraditório previsto no art. 3º do CPC é a nulidade processual (art. 147º, do CPC) e não uma nulidade de sentença (art. 571º, do CPC).
Nulidade processual que deve ser invocada pelo interessado, mal seja notificado da sentença, perante o titular do processo ou perante o relator, no caso de a impugnação recair sobre um acórdão proferido pelo tribunal superior, nos termos do art. 151º do CPC. Isto se a nulidade tiver recaído sobre um despacho do qual o interessado não tenha sido notificado anteriormente. “E, a ser procedente a nulidade processual, esta conduziria à anulação dos actos posteriores, nos termos do n.º 2 do artigo 147.º do Código de Processo Civil (o Acórdão recorrido e actos complementares) a fim de ter lugar o acto omitido e, após pronúncia das partes, ou decorrido o prazo para tal, seria, então, proferido novo Acórdão, que poderia ser no mesmo sentido do anterior ou com outro conteúdo.” (Ac. do TUI, de 30/04/2008, Proc. nº 10/2007).
No caso dos autos, a alegada violação processual consistiria em o Autor da acção /ora recorrente não ter tido conhecimento prévio das fotografias apresentadas pela recorrida a fls. 39 a 43 dos autos e, portanto, jamais ter tido oportunidade de se pronunciar sobre elas, nos termos do art. 438º, nº2, do CPC.
Ora, sendo isto verdade até certo ponto, inquestionável é que o processo foi levado a audiência de discussão e julgamento e nessa altura, pelo menos, o A teve oportunidade de constatar da existência de tais fotografias, não apenas por consulta do processo, mas também até porque algumas testemunhas foram confrontadas com elas. Logo aí, portanto, deveria o A ter apresentado reclamação suscitando a nulidade processual.
E mesmo que não o tivesse feito então – por supor, por exemplo, que o tribunal não lhes conferiria qualquer valor probatório - ao menos teve oportunidade de a invocar a partir do momento em que foi notificado da decisão que recaiu sobre a matéria de facto a fls. 77-79, em que o tribunal afirmou expressamente ter também fundado a sua convicção acerca da factualidade no conteúdo das ditas fotografias. Ao menos nesse instante teve o A. oportunidade de invocar a nulidade em apreço ou nos dez dias posteriores (arts. 103º e 151º do CPC). E não fez.
Ou seja, “O meio processual para impugnar a omissão a que se refere o n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil não é o recurso da sentença onde se decidiu a questão de direito sobre a qual as partes não tiveram a oportunidade de se pronunciarem, mas a reclamação da nulidade processual em que consistiu a referida omissão” (cit. Aresto do TUI).
Como tal nulidade processual não foi suscitada nos termos acabados de referir, e não sendo aplicável ao caso os invocados art. 599º, nº1 e 571º do CPC, julga-se improcedente a questão.
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3. Do erro de julgamento de facto
Defende o recorrente que deveriam ser positivas as respostas aos quesitos 1º, 2º, 4º, 5º, 6º,7º,8º e 9º. Para isso, reproduz parte do depoimento de algumas testemunhas por si oferecidas.
Ora, e tal como foi observado na 1ª instância, é preciso não esquecer que todas as testemunhas, menos uma, são familiares das partes. Por outro lado, elas acabaram, tal como diz a decisão sobre a matéria de facto, por veicular as posições de cada uma das partes que as ofereceram. Isto recorda-nos que a credibilidade de cada uma tem que ser aferida com muito cuidado, sem esquecer o ónus de prova que sobre cada uma das partes impende.
Como temos dito, “Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. A decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC” e o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.” (Ac. do TSI, de 13/09/2018, Proc. nº 1126/2017).
Ora, os argumentos trazidos pelo recorrente e o raciocínio que eles contêm não são fortes, pelo menos não são suficientes para destruírem a convicção a que chegou a 1ª instância (art. 558º do CPC), nem para nos convencerem da falta de acerto do julgamento ali efectuado acerca da matéria de facto apurada. E o que era decisivo, francamente, para convencer o tribunal da existência dos requisitos do divórcio, com base na separação de facto (cfr. arts. 1637º, al. a) e 1638º, ambos do CC), era que eles fossem demonstrados inequivocamente pelo onerado/autor com a respectiva prova (arts. 335º, nº1, do CC e 437º, do CPC) com referência ao período de 2 anos consecutivos, e não quaisquer amarguras, desgostos ou destroço emocional que ele invocou ter tido (sem o provar) seis meses logo após o casamento.
Improcede, pois, este fundamento do recurso.
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4. Da indispensabilidade da ampliação da decisão sobre a matéria de facto
Julga ainda o recorrente que deveria ter sido levado aos “Factos Assentes” o teor do art. 13º da contestação, na parte em que a ré reconhece ter sido realizado entre os cônjuges um acordo com vista ao divórcio por mútuo consentimento. Pensa o recorrente que esse facto, se assente, poderia levar a dar como provado o teor dos arts. 5º a 9º da BI.
No entanto, mesmo que aquele facto fosse levado à matéria de facto assente não era suficiente para conduzir a uma resposta afirmativa àqueles artigos da BI. Primeiro, porque esse facto isolado nada prova. Ou seja, a circunstância de alguma vez os cônjuges terem tido a vontade de se divorciarem por mútuo consentimento não significa que nessa altura já A. e R. não dormissem juntos ou não tivessem qualquer tipo de relacionamento, nomeadamente íntimo ou de natureza sexual (isso não foi provado). Em segundo lugar, a própria ré alegou na contestação ter-se recusado a cumprir aquele mesmo acordo. Logo, ao menos por parte dela, não haveria motivo para a ruptura conjugal.
Improcede, pois, também esta questão.
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5. Da contradição entre a convicção e as respostas aos arts. 5º e 6º
Acha, depois, o recorrente que o tribunal entrou em contradição em, por um lado, dizer “terem as partes deixado definitivamente de dormir no mesmo quarto a partir de Setembro de 2017” e, por outro, não ter dado como provada a matéria dos quesitos 5º e 6º da BI.
Mas não há qualquer contradição. O trecho acima transcrito não foi da autoria dos julgadores (cfr. fls. 78), mas sim, e apenas, constitui a reprodução de uma frase que a última testemunha teria afirmado em audiência de discussão e julgamento. Afirmação que, segundo o que ali foi fundamentado, teria sido a mais clara dessa testemunha, ao contrário do resto do seu depoimento, que teria sido bastante confuso.
Ora, destacar essa afirmação apenas serviu para desvalorizar a declaração testemunhal dessa pessoa, e não para a enfatizar especialmente. Por isso é que, no confronto com o depoimento das restantes testemunhas, essa afirmação acabou por ser irrelevante e não convencer o tribunal da respectiva veracidade.
Improcede, pois, esta questão.
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6. Conclusão
Não tendo o A sido capaz de provar os requisitos do divórcio que invocara, tanto os objectivos, como os subjectivos, a decisão recorrida é de manter.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
T.S.I., 31 de Outubro de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Proc. nº 721/2019 24