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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A, Chefe do Corpo de Bombeiros e B, Guarda-Ajudante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, e casados entre si, interpuseram recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para a Segurança, de 7 de Outubro de 2005, que rejeitou recurso hierárquico interposto de despacho do Director dos Serviços das Forças de Segurança, que ordenou o reembolso de subsídio de residência alegadamente recebido indevidamente, nos montantes, respectivos, de MOP$44,024.50 e MOP$45,251.20.
Por acórdão de 6 de Julho de 2006, o Tribunal de Segunda Instância, (TSI) deu provimento ao recurso, anulando o acto recorrido.
Inconformado, interpõe o Secretário para a Segurança recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), terminando a alegação com a formulação das seguintes conclusões:
1. O despacho recorrido não enferma do vício de violação da lei referido no acórdão impugnado, ou seja, não violou o princípio da imparcialidade referido no artigo 5.º do Código do Procedimento Administrativo vigente.
2. O acórdão recorrido violou o artigo 203, n.º 4, al. b) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
A Ex. ma Procuradora-Adjunta emitiu douto parecer no qual se pronuncia pela procedência do recurso, visto que o empréstimo bancário que os ora recorridos contrairam, dando como garantia uma 2.ª hipoteca da sua casa, não se destinou ao pagamento da mesma, mas a despesas sem qualquer relação com a habitação.

II - Os Factos
O Acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
  A) Relativamente ao assunto dos subsídios de residência pedidos pelo casal A e B, o chefe da Secção da Auditoria da Direcção dos Serviços das Forças da Segurança de Macau apresentou, em 18 de Julho de 2005, ao seu superior a proposta n.º XXXX/XX/XXXX, cujo teor é o seguinte:
  “......
  1. A guarda-adjudante do CPSP n.º ……, B e o chefe do CB n.º ……, A interpuseram, no dia 16 de Junho de 2005, para o Secretário para a Segurança, o recurso hierárquico necessário do despacho exarado pelo Director Substituto dos Serviços das Forças de Segurança de Macau no dia 18 de Maio de 2005 na proposta n.º XXXX/XX/XXXX desta Direcção, que autorizou a cessação da atribuição do subsídio de residência a eles a partir do mês de Junho de 2005 e ordenou a devolução dos subsídios de residência indevidamente recebidos desde Agosto de 2001 a Maio de 2005, no montante de MOP$44,333.50 e MOP$44,024.5, respectivamente.
  2. O Secretário para a Segurança exarou, no dia 29 de Junho de 2005, o seguinte despacho: “Vistos os autos, verifica-se que o acto recorrido não preencheu o requisito do artigo 115.º do Código do Procedimento Administrativo vigente quanto à fundamentação, mais concretamente a entidade recorrida não explicou concreta e claramente aos recorrentes como foram aplicados a este caso concreto os pareceres favoráveis e documentos citados da Administração. Além disso, não foi elaborada a acta de audiência quando realizada a audiência verbal com os recorrentes, e o modo da notificação também não preencheu o preceituado no mesmo Código. Nestes termos, não há necessidade de tratar de demais assuntos relativos aos dois recursos referidos, determino, nos termos do artigo 124.º do mesmo Código, anular os dois actos ora recorridos, ou seja, o despacho de 18.5.2005 do Director Substituo dos Serviços das Forças de Segurança de Macau que ordenou o chefe do CB, A e a guarda-adjudante, B a devolução dos subsídios de residência indevidamente recebidos, no montante MOP$44,024.5 e de MOP$44,333.50, respectivamente, e mando a mesma Direcção para considerar a realização do novo procedimento.”
3. Nestes termos, dado que o Secretário para a Segurança anulou os actos acima mencionados e mandou esta Direcção para considerar a realização do novo procedimento, pelo que, sobre a devolução dos subsídios de residência recebidos pela guarda-adjudante, B e pelo chefe do CB, A, venho por este meio informar o seguinte:
a. A guarda-adjudante, B, através do CPSP, apresentou a esta Direcção em 31 de Dezembro de 2004 o pedido de manutenção do subsídio de residência referente ao ano de 2004 e em anexo o extracto mensal bancário respeitante ao pagamento da amortização para requerer a manutenção do direito ao subsídio de residência resultante da sua casa onde habita, situada em Macau, na Avenida ......, Ed. ......, ...... andar .......
b. Do extracto mensal bancário respeitante ao pagamento da amortização apresentado pela guarda-adjudante, B resultou que se trata de um empréstimo a prazo fixado com garantia de hipoteca do imóvel, consultados os dados constantes do processo individual da trabalhadora em causa, em que há uma declaração apresentada em Maio de 1991, a parte declara que passa a residir no Ed. ......, ...... andar ...... e juntou um documento emitido pelo Banco ......, verifica-se que a parte e o seu cônjuge A, chefe do CB adquiriram, em 1990, em nome deles a actual habitação em que residem, pedindo empréstimo ao banco com garantia de hipoteca sobre a mesma casa no valor total de HKD$250,000.00, cuja devolução é dividida em 175 prestações e em cada mês é paga ao banco uma importância de HKD$3,600.00, o remanescente do empréstimo exibido no extracto mensal bancário é de HKD$227,985.52, nestes termos, a parte recebeu subsídio de residência devido à moradia acima indicada.
c. De acordo com o extracto mensal bancário respeitante ao pagamento de amortização apresentado pela parte em Março de 1993 para efeito da manutenção do direito ao subsídio de residência, o remanescente do empréstimo exibido neste extracto é de HKD$236,100.00 e de acordo com os extractos bancários em anexo aos pedidos de manutenção deste subsídio apresentados em cada ano, registou-se uma diminuição gradual do remanescente do empréstimo de ano a ano. Em relação à situação do remanescente do empréstimo referente a 1993, o pessoal desta Secção contactou com a parte para se inteirar dessa diferença.
  d. A parte apresentou em 25 de Abril de 2005 um carta para esta Direcção, mencionando que “...... sobre a casa onde actualmente habito pedi em 1990 ao Banco ...... um empréstimo no valor total de HKD$250,000.00, até ao ano de 1991 o remanescente do empréstimo é de HKD$220,000.00, como na altura, a taxa de juro praticada ao crédito à habitação atingiu ao mais de 10%, a minha mãe, com vista à diminuição do meu encargo de amortização, emprestou-me todo o seu depósito para que eu pudesse devolver ao banco, e o remanescente do empréstimo referente ao ano de 1992 é aproximadamente de HKD$9,000.00, posteriormente, por causa da necessidade de pagamento das despesas de tratamento do meu velho pai doente, realizei a 2.ª hipoteca sobre a mesma casa, elevando o empréstimo total a HK$250.000,00. É difícil de compreender porque nos exigiu hoje, ou seja, 15 anos depois, a restituição dos subsídios de residência já recebidos.”.
e. Esta Direcção, através dos ofícios n.º XXXX/XXXX e n.º XXXX/XXXX, solicitou a presença da guarda-adjudante, B e do chefe do CB, A nesta Direcção no dia 9 de Maio para melhor esclarecer o conteúdo da carta perante o chefe desta divisão, eu próprio e o técnico superior ...... do Gabinete de Assessoria Técnica.
f. Durante o encontro, os dois agentes admitiram que a casa onde actualmente habitam foi realizada a 2.ª hipoteca, porém, acharam que o acto da 2.ª hipoteca não violou a lei de acordo com o seu entendimento sobre os então termos legais referentes ao subsídio de residência.
g. Foram perguntados se tomaram conhecimento do Ofício Circular n.º 247/DTJ de Julho de 2001 da Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública e foram esclarecidos de que o Ofício Circular veio interpretar o artigo 203.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau a fim de aclarar algumas dúvidas através dos exemplos citados.
A parte e seu cônjuge responderam que tomaram conhecimento do referido assunto, mas entenderam que a orientação em causa produz efeitos apenas para os pedidos posteriores, reiterando o que foi mencionado na sua carta: “Na época da Administração Portuguesa, o artigo 203.º que se refere à atribuição do subsídio de residência, exigia quem não tivesse casa própria e conseguisse apresentar extracto mensal bancário respeitante ao pagamento da amortização, teria o direito ao subsídio de residência, o que fez crer que esta atitude jurídica fosse amplamente consentida, até muitos militarizados e funcionários civis praticaram tais actos, ninguém podia imaginar que a Lei Básica de Macau, inalterada durante 50 anos, viesse liquidar a história passada, desde o retorno de Macau até à presente data, o Governo da RAEM tem manifestado, em todos os aspectos, a eficiência, o aperfeiçoamento, o progresso e a promessa, porém, ninguém pode imaginar o espírito da lei e a atitude do pessoal que aprovou o pedido 15 anos atrás e sendo estranho que a entidade administrativa que aprovou o pedido não necessitou de assumir nenhuma responsabilidade......”
h. De acordo com a carta acima referida, a parte e seu cônjuge admitiram que realizaram em 1992 a 2.ª hipoteca sobre sua casa própria sujeita aos encargos de amortização, pelo que não preenchem o disposto da atribuição do subsídio de residência, o chefe do CB, A apresentou através do CB em 25 de Abril de 2005 a esta Direcção o pedido de cessação do direito ao subsídio de residência, e a guarda-adjudante, B apresentou através do CPSP em 4 de Maio de 2005 a esta Direcção o documento da liquidação total do empréstimo e o pedido de cessação do direito ao subsídio de residência.
  i. Pelo exposto, apesar de que os subsídios de residência fossem recebidos indevidamente devido à não compreensão da legislação concernente, juridicamente, a parte já não reuniu o direito à quantia total do subsídio de residência desde a realização da 2.ª hipoteca sobre sua casa própria (desde o ano de 1992), nestes termos, devendo restituir a verba indevidamente recebida desde aquele período e nos termos do n.º 1 do art. 7.º do Decreto-Lei n.º 59/94/M: “A obrigatoriedade de reposição prescreve decorridos cinco anos sobre a data do recebimento da quantia indevida”, ou seja, desde Junho de 2000 a Maio de 2005. Porém, a medida mais objectiva a ser adoptada deve seguir o parecer do Secretário para a Economia e Finanças n.º 9/SEF/2002 homologado pelo Chefe do Executivo: “a posição jurídica da Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública, quanto à interpretação do artigo 203.º do ETAPM, divulgada aos serviços através do Ofício Circular n.º 0247/DTJ, de 17 de Julho de 2001, produza todos os seus efeitos unicamente a partir desta data, pelo que proponho que a parte deve restituir a verba indevidamente recebida desde Agosto de 2001. Segundo o registo do sistema da gestão de pessoal e vencimento da Direcção dos Serviços da Finanças, as verbas referentes aos subsídios de residência que a parte e seu cônjuge mensalmente recebidas entre Agosto de 2001 a Maio de 2005 descriminam-se como as seguintes:
De Agosto de 2001 a Dezembro de 2002:
O Chefe do CB, A $l000x17=$17,000
A Guarda-Adjudante do CPSP, B $l000x17=$17,000
De Janeiro a Dezembro de 2003:
O Chefe do CB, A $974.90xl2=$11,698.80
A Guarda-Adjudante do CPSP, B$ 977.70xl2=$11,732.40
De Janeiro a Dezembro de 2004:
O Chefe do CB, A $917.70x12=$11,012.40
A Guarda-Adjudante do CPSP, B $917.70x12=$11,012.40
De Janeiro a Maio de 2005:
O Chefe do CB, A $862.50x5=$4,312.50
A Guarda-Adjudante do CPSP, B $917.70×5=$4,588.50
A totalidade de subsídios de residência atribuídos de Agosto de 2001 a Maio de 2005 é de:
O Chefe do CB, A
MOP$17,000+MOP$11,698.80+MOP$11,012.40+MOP$4,312.5= MOP$44,023.70
A Guarda-Ajudante do CPSP, B
MOP$17,000+MOP$11,732.40+MOP$11,012.40+MOP$4,588.5= MOP$44,333.30
j. Pelo exposto, nos termos do artigo 203.º, n.º 1 e n.º 4, al. b) do ETAPM, B e A já não usufruíram do direito ao subsídio de residência, a sua atribuição deverá ser cessada a partir de Junho de 2005 e os subsídios recebidos por eles desde Agosto de 2001 a Maio de 2005 deverão ser devolvidos.
k. De acordo com a informação n.º XXXX/XX/XXXX, a atribuição do subsídio de residência à guarda-adjudante, B referente ao mês de Junho de 2005 não podia ser cessada oportunamente através do sistema de cálculo de vencimento da Direcção dos Serviços de Finanças, o que fez com que o subsídio de residência no montante de MOP$917.70 referente ao mês de Junho de 2005 fosse atribuído à mesma, pelo que proponho que o pessoal em causa deve devolver ainda a verba atribuída referente ao mês de Junho de 2005, a respectiva proposta já foi autorizada pelo Director Substituto destes Serviços no despacho de 1.7.2005.
4. Pelo exposto, proponho os seguintes:
1) O Chefe do CB, A deverá restituir os subsídios de residência recebidos entre Agosto de 2001 a Maio de 2005, dado que a verba a restituir foi suportada pelos orçamentos dos anos económicos de 2001 a 2005, pelo que a verba a restituir no montante de MOP$39,711.20 recebido entre Agosto de 2001 a Dezembro de 2004 deve ser arredondada para MOP$39,712.00, a verba a restituir de Janeiro a Junho de 2005 é de MOP$4,312.50 e a verba total a restituir é de MOP$44,024.50;
2) A guarda-adjudante, B deverá restituir os subsídios de residência recebidos entre Agosto de 2001 a Junho de 2005, dado que a verba a restituir foi suportada pelos orçamentos dos anos económicos de 2001 a 2005, pelo que a verba a restituir no montante de MOP$39,744.80 recebido entre Agosto de 2001 a Dezembro de 2004 deve ser arredondada para MOP$39,745.00, a verba a restituir de Janeiro a Junho de 2005 é de MOP$5,506.20 e a verba total a restituir é de MOP$45,251.20.
5. Nesta conformidade, pede-se a V. Ex.a que se digne emitir despacho para ajuizar sobre as sugestões acima mencionadas.” (cfr. a proposta constante de fls. 80 a 84 dos autos do Processo Administrativo Instrutor, com supressão dos dados de identificação pessoal, da morada e do nome do banco envolvidos no processo).
B) Sobre o assunto referido na mesma proposta, o Director substituto dos Serviços das Forças de Segurança de Macau proferiu em 22 de Julho de 2005 o seguinte despacho:
“O chefe do CB, A, n.º...... e a guarda-adjudante do CPSP, B, n.º......, realizaram em 1992 a segunda hipoteca da casa (Ed......., ...... andar ......) sujeita a encargos de amortização desde 1990 e com remanescente do empréstimo no valor de HK$9,000.00, aonde actualmente habitam, junto ao Banco......, no intuito de pagar as despesas de tratamento. Nos termos do artigo 203.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, a atribuição do subsídio de residência tem como objectivo ajudar os seus trabalhadores para fazerem face aos pesados encargos provenientes da habitação, por aí se percebe que, apesar de não ter sido expressado pelo legislador nesta disposição, de acordo com o pensamento legislativo desse subsídio, a amortização referido no n.º 4, al. b) do mesmo artigo deve ser resultante da aquisição da habitação e não tem a ver com o empréstimo contraído pela parte por outros motivos, acrescendo ainda que não é permitido o recebimento do subsídio de residência pela nova hipoteca sobre a mesma fracção, este entendimento é idêntico à opinião descrita no Ofício Circular n.º 0247/DTJ, de 17 de Julho de 2001, pela Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública — entidade com atribuições da interpretação do regime jurídico da função pública. Por isso, uma vez que liquidado o empréstimo garantido por 1.ª hipoteca sobre a casa onde habita (em 1990), a parte já não tinha direito ao subsídio de residência da mesma fracção autónoma. Nos termos do regime geral da reposição da quantia indevida para a Administração, a obrigatoriedade de reposição prescreve decorridos cinco anos, ......(continuação no verso desta página)
(Continuação da página anterior) ......porém, segundo o parecer do Secretário para a Economia e Finanças n.º 9/SEF/2002 homologado pelo Chefe do Executivo, o conteúdo referido no Ofício Circular n.º 0247/DTJ, de 17 de Julho de 2001, da Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública produza todos os seus efeitos unicamente a partir desta data, pelo que a obrigatoriedade da restituição da verba deve ser contada oficialmente a partir do dia 17 de Julho de 2001.
Pelo exposto, autorizo, nos termos do artigo 204.º, n.º 3 do ETAPM, a cessação do subsídio de residência atribuída ao chefe do CB, A a partir de Maio de 2005 e os subsídios de residência indevidamente recebidos entre Agosto de 2001 a Maio de 2005 devem ser restituídos, dos quais a verba a restituir no montante de MOP$39,711.20 recebido entre Agosto de 2001 a Dezembro de 2004 deve ser arredondada para MOP$39,712.00, a verba a restituir de Janeiro a Maio de 2005 é de MOP$4,312.50 e a verba total a restituir é de MOP$44,024.50; autorizo, por outro lado, a cessação do subsídio de residência atribuído à guarda-adjudante do CPSP, B a partir de Junho de 2005 e devendo ser restituídos os subsídios de residência indevidamente recebidos entre Agosto de 2001 a Junho de 2005, dos quais a verba a restituir no montante de MOP$39,744.80 recebido entre Agosto de 2001 a Dezembro de 2004 deve ser arredondada para MOP$39,745.00, a verba a restituir de Janeiro a Junho de 2005 é de MOP$5,506.20 e a verba total a restituir é de MOP$45,251.20.
Notifique as partes acima identificadas.
......” (cfr. o despacho constante do canto direito de fls. 80 e v. do citado Processo Administrativo Instrutor, com supressão dos dados concretos de identificação pessoal, da morada e do nome do banco envolvidos no processo)
C) Os dois agentes das Forças de Segurança Pública, depois de tomarem conhecimento do teor deste despacho, interpuseram recurso hierárquico necessário para o Secretário para a Segurança (cfr. os conteúdos constantes de fls. 51 a 53 e de fls. 58 a 60 do Processo Administrativo Instrutor).
D) O Secretário para a Segurança sobre o recurso hierárquico acima referido, proferiu no dia 7 de Outubro de 2005 a seguinte decisão:
“Despacho
Assunto: Restituição do subsídio de residência indevidamente recebido — Recurso hierárquico
Recorrentes: Chefe do CB, A e guarda-adjudante, B
Nada de novidade que há divergência entre os beneficiários do direito ao subsídio de residência e a Administração sobre o preceituado no artigo 203.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau em vigor, e até agora não há nenhum acto normativo ou jurisdicional que se coloca acima da interpretação oficial.
Apesar de não dotar da força jurídica vinculativa a interpretação desse artigo feita pela Direcção dos Serviços da Administração e Função Pública, tem valor orientador uniformizado para a Administração. Nestes termos, os serviços administrativos devem seguir ainda esta interpretação para tratar do assunto relativo a atribuição, cessação ou até restituição do subsídio de residência por motivo do recebimento indevido.
Face ao caso dos recorrentes, conforme a investigação feita pela Direcção dos Serviços das Forças de Segurança de Macau (facto esse que é citado de alguns factos relatados na proposta apresentada no dia 3 de Outubro de 2005, aqui se dá por reproduzido) e consoante o Ofício Circular n.º 0247/DTJ de 17 de Julho de 2001 da Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública, confirma-se que a realização, por parte dos recorrentes, da segunda hipoteca da casa sujeita a encargos de amortização, aonde habitaram não preenche as condições de recepção do subsídio de residência. Além disso, segundo o despacho exarado pelo Chefe do Executivo no parecer n.º 9/SEF/2002, deve ser restituída a importância indevidamente recebida e o caso deve ser tratado nos termos do Decreto-Lei n.º 59/94/M com eficácia da execução determinada no documento que interpreta os artigos em causa (dia 17 de Julho de 2001).
Pelo exposto, determino manter o acto recorrido e indeferir o recurso hierárquico interposto pelos recorrentes”.
Este é o acto recorrido.

III – O Direito
1. A questão a apreciar
A questão a apreciar é apenas a de saber se, para efeitos do disposto no artigo 203.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, quando o funcionário tem casa própria e contraiu empréstimo bancário, a pagar mensalmente, dando como garantia real a mencionada casa, se pode beneficiar de subsídio de residência quando o mencionado empréstimo não tem relação directa com a aquisição da casa.

  2. Subsídio de residência
Dispõem os artigos 203.º e 204.º do ETAPM, que constituem a Secção I dedicada ao subsídio de residência, do Capítulo IV, do Título IV:
“Secção I
Subsídio de residência
Artigo 203.º
(Atribuição)
1. Os funcionários e agentes em efectividade de funções, desligados do serviço para efeitos de aposentação ou aposentados, que residam em Macau e recebam, total ou parcialmente, vencimento, salário ou pensão por conta do Território, têm direito a um subsídio de residência de montante constante da tabela n.º 2, ou de importância igual à renda paga se esta for inferior àquela quantia.
2. O direito ao subsídio é atribuído a todos os funcionários e agentes ainda que existam entre eles relações de parentesco e residam na mesma moradia.
3. O direito previsto no número anterior é extensivo aos assalariados com mais de seis meses de serviço efectivo e ininterrupto, enquanto se mantiverem em funções.
4. Exceptuam-se do disposto no n.º 1 os trabalhadores que se encontrem numa das seguintes situações:
a) Habitem casa do património do Território, dos serviços autónomos ou dos municípios;
b) Tenham casa própria, salvo quando esteja sujeita a encargos de amortização.
5. A atribuição do subsídio depende de declaração a apresentar pelo trabalhador no respectivo serviço, na qual deve declarar, sob compromisso de honra, o montante da renda paga e, ainda, que não se encontra nas situações previstas no número anterior.
6. Junto com a declaração a que se refere o número anterior deve o trabalhador fazer prova que habita em casa arrendada, subarrendada ou em qualquer outra situação pela qual uma das partes se obrigue a proporcionar a outra o gozo temporário de um imóvel mediante retribuição.
7. No decurso do mês de Dezembro de cada ano, o trabalhador, com subsídio de residência atribuído deve apresentar, junto do respectivo serviço, a declaração a que se refere o n.º 5, bem como o recibo da renda de casa ou da retribuição, a que se refere o n.º 6, relativo ao mês imediatamente anterior.
8. Haverá redução rateada do subsídio de residência no caso do valor da renda ser inferior ao montante global dos subsídios atribuídos a trabalhadores que residem na mesma casa.
9. A inobservância do disposto no n.º 7 determina a suspensão do respectivo abono até ao mês, inclusive, da apresentação dos referidos documentos.
Artigo 204.º
(Início e cessação do subsídio)
1. O subsidio é pago na sua totalidade a partir do mês seguinte ao da entrega da declaração a que se refere o artigo anterior, e cessa no mês imediato àquele em que deixem de se verificar as condições que justificam a sua atribuição.
2. No prazo de 10 dias a contar do facto que determine a cessação do direito, deve o interessado declará-lo ao respectivo serviço.
3. A falta de entrega da declaração referida no número anterior importa a obrigação de repor as quantias indevidamente recebidas, além do procedimento disciplinar que ao caso couber”.
  
  Os funcionários e agentes da Administração Pública têm direito a um subsídio de residência, excepto se habitarem casa fornecida pelos serviços públicos ou quando tenham casa própria. Neste último caso ainda podem beneficiar do subsídio quando a casa de habitação pertencente ao funcionário esteja sujeita a encargos de amortização.
  Ora, amortizar significa pagar parcialmente uma dívida1.
  É, pois, evidente, que quando o funcionário tenha casa própria só tem direito ao subsídio de residência enquanto estiver a pagar, a amortizar o empréstimo para a compra da casa destinada a habitação.
Quando o funcionário, usando a casa como garantia, a der em hipoteca para obter empréstimo bancário para outros fins não relacionados com a compra de casa – sejam fins altruísticos, como o de contribuir para uma acção de caridade, ou fins egoísticos, de natureza recreativa, como pagar uma viagem ou fins egoísticos de natureza pessoal, como pagar uma intervenção cirúrgica – mete-se pelos olhos dentro que não tem direito a beneficiar do subsídio porque não está a amortizar, a pagar a casa.
  Uma coisa é obter um empréstimo bancário para adquirir habitação, dando como garantia, designadamente hipoteca, a própria casa que se adquire. Aqui a casa está sujeita a encargos de amortização, porque estando a ser pago o empréstimo é como se a casa estivesse a ser paga.
   Outra coisa é obter um empréstimo bancário para outros fins que não a aquisição de habitação, dando como garantia, designadamente hipoteca, casa própria. Aqui a casa não está sujeita a quaisquer encargos de amortização, porque não se tendo o empréstimo destinado a aquisição de habitação, a casa não está a ser paga.
   No caso dos autos, os recorrentes após pagarem o empréstimo para compra de casa, contraíram um segundo empréstimo bancário, hipotecando novamente a casa, para outros fins, ao que dizem para pagar encargos de saúde de familiar. Seja este alegado fim exacto ou não, é irrelevante. A sua casa não está sujeita a encargos de amortização, pelo que não têm direito ao subsídio de residência.
  O Acórdão recorrido, porque não interpretou devidamente o conceito encargos de amortização da casa, violou manifestamente o disposto no artigo 203.º, n.º 4, alínea b) do ETAPM.
  
  3. Princípio da imparcialidade
  O Acórdão recorrido invocou, totalmente a despropósito, uma alegada violação do princípio da imparcialidade por parte do acto recorrido, pois não se vislumbra em que é que, mesmo na perspectiva dos interessados, poderia estar em causa a violação de tal princípio.
  Na verdade, o dever de imparcialidade significa para a Administração ter de ponderar todos os interesses envolvidos, mantendo-se equidistante em relação aos interesses particulares, bem como o dever de se abster de os considerar em função de valores estranhos à sua função. Significa, em suma, que a Administração deve ter uma postura isenta na busca da solução para o caso concreto2.
  Ora, ninguém alegou que a Administração não actuou de forma isenta no caso dos autos, nem, aliás, o Acórdão recorrido o refere.
  Violou, deste modo, o Acórdão recorrido o disposto no artigo 7.º do Código do Procedimento Administrativo, onde se prevê o dever de Administração tratar de forma imparcial todos os que com ela entrem em relação.
  O recurso merece, pois, provimento.
IV - Decisão
Face ao expendido, concedem provimento ao recurso jurisdicional, revogando o Acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes, nas duas instâncias, fixando a taxa de justiça em 6 UC no recurso contencioso e 3 UC no recurso jurisdicional para o ora recorrido A e 4 UC no recurso contencioso e 2 UC no recurso jurisdicional para a ora recorrida B.
Procuradoria: 1/4 da taxa de justiça.
Macau, 31 de Janeiro de 2007.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin

A Magistrada do Ministério Público
presente na conferência: Song Man Lei
1 ANA PRATA, Dicionário Jurídico, I, Coimbra, Almedina, 4.ª edição, 2005, entrada “Amortização”, p. 94.
2 M. ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO C. GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo, Coimbra, Almedina, 2.ª edição, 1997, p. 107.
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21
Processo n.º 45/2006