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Proc. nº 865/2017

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A (cabeça-de-casal), com domicílio em Macau, XXXXXX, ---
B, com domicílio em Macau, XXXXXX, ---
C, com domicílio em Macau, XXXXXX, ---
D, com domicílio em Macau, XXXXXX,---
E, com domicílio em Macau, XXXXXX,---
F, com domicílio em. Macau, XXXXXX,---
G, com domicílio em Macau, XXXXXX,---
H, com domicílio XXXXXX, London NW6 5JD,---
Todos na qualidade de herdeiros de I ---
Recorrem contenciosamente do segmento do acto de execução praticado pelo ----
Secretário para os Transportes e Obras Pública ---
Em 31.07.2017, pelo qual, na sequência do acto do Chefe do Executivo de 24.06.2016 que declarou a caducidade da concessão do terreno com área de 3 409 m2, situado na península de Macau na Rua dos Currais, descrito na CRP sob o n.º 22 669, titulado pelo Despacho nº 129/SAOPH/89 publicado no BO de Macau n.º 46 de 16.11.1989, ----
Ordena o despejo dos herdeiros de I no prazo de 60 dias, a contar da data da notificação, da parte do terreno (parte amarela em anexo 6 - Doc. 2 fls. 3 e 6) que não está a ser usado pela Administração, situado na Rua dos Currais, descrito na CRP sob o nº 22669, cuja concessão foi declarada a caducidade por despacho do Chefe do Executivo de 24 de Junho de 2016, devendo retirar todos os objectos naquele terreno.
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Na petição inicial, formularam as seguintes conclusões:

“1. O segmento do acto de execução (despejo) praticado pelo Secretário para os Transportes e Obras Pública em 31.07.2017 do acto do Chefe do Executivo de 24.06.2016 que declarou a caducidade da concessão do terreno com área de 3 409 m2, situado na península de Macau na Rua dos Currais, descrito na CRP sob o n.º 22 669, titulado pelo Despacho nº 128/SAOPH/89 publicado no BO de Macau n.º 46 de 16.12.1989 (Doc. 3), em que ordena o despejo dos herdeiros de I no prazo de 60 dias a contar da data da notificação, da parte do terreno (parte amarela em anexo 6 - Doc. 2 fls 6) que não está a ser usado pela Administração, situado na Rua dos Currais, descrito na CRP sob o nº 22 669, cuja a concessão foi declarada a caducidade por despacho do Chefe do Executivo de 24 de Junho de 2016, devendo retirar todos os objectos naquele terreno, é manifestamente ilegal porquanto;
2. O acto que declarou a caducidade do contrato de concessão em causa foi contra o concessionário I e não contra os herdeiros do próprio.
3. Os herdeiros ora recorrentes, não são parte na relação jurídica administrativa substantiva (parte no contrato), e por isso, não têm legitimidade jurídica substantiva para fazerem parte de um procedimento de execução porque não são, nem nunca foram parte da relação material (o extinto contrato de concessão) que' levou à prática do acto declarativo de declaração de caducidade, titulo executivo deste procedimento.
4. Pelo que, o segmento do acto de execução que vem ordenar o despejo aos herdeiros está a violar os limites subjectivos do acto exequendo uma vez que a declaração de caducidade foi praticada, não contra os herdeiros, mas sim contra o concessionário.
5. Entre o Concessionário I e a Administração foi celebrado um acordo em 18.01.2002, onde, na sequência do inicio da construção do novo posto fronteiriço sito nas Portas do cerco em Macau a Administração pretendia ocupar, durante o prazo da execução da referida obra, ou seja até Junho de 2004, o terreno, com 3.409 m2, sito na Rua dos Currais para instalação de um Terminal Provisório de autocarros e depósito de materiais de construção civil.
6. Nesse acordo a Administração comprometia-se a desocupar a totalidade do terreno, 3.409 m2, de todos os materiais e sucatas do mesmo.
7. A desocupação total do terreno significa a desocupação integral, completa do terreno, não significa uma desocupação parcial do mesmo, caso contrário não se perceberia bem porque é que a redactora do acordo, a Administração, declararia no mesmo que queria ocupar todo o terreno e depois só desocuparia parte.
8. O acto de declaração de caducidade que definiu a situação jurídica do concessionário ao declarar a caducidade do contrato por decurso do prazo, em parte alguma do seu dispositivo e da sua fundamentação declarou i) a invalidade desse acordo, ii) a revogação desse acordo ou iii) alguma obrigação unilateral imposta ao concessionário ou aos herdeiros para este desocupar a parte do terreno que não está a ser usado pela Administração, situado na Rua dos Currais, descrito na CRP sob o n.º 22 669, com base na clausula 6a do contrato de concessão extinto - Encargos Especiais- Constituem encargos especiais a desocupação do terreno e remoção do mesmo de todas as construções e materiais aí existente
9. O que significa que, o acto declarativo (declaração de caducidade) ao não impor qualquer obrigação da desocupação da parte do terreno ora em crise, veio absorver no seu dispositivo todo o espectro de actos. e acordos procedimentais produzidos durante o período de vigência do contrato,
10. numa palavra, integrou o acordo feito com o concessionário em 18.01.2002, onde a Administração iria desocupar o terreno, com 3.409 m2, sito na Rua dos Currais para instalação de um Terminal Provisório de autocarros e depósito de materiais de construção civil.
11. Assim ao se exigir agora a desocupação de parte do terreno aos herdeiros, ora recorrentes, o acto de execução está:
a. Por um lado a violar os limites do acto exequendo (artigo 138º nº 2 do CPA) em que, em parte alguma desse acto exigia ao concessionário essa desocupação (e muito menos aos herdeiros), conformando-se como se disse, com o acordo alcançado em 18.01.2002, entre Administração e concessionário e,
b. Por outro lado, a violar o princípio da boa-fé e da tutela da confiança previsto no artigo 8º do CPA, ao rasgar a combinação feita em 18.01.2002, conformada plenamente no acto de declaração de caducidade, onde integrou na sua declaração todos os acordos existentes no contrato (artigo 138 n.º 4 do CPA).
12. O despejo ordenado com fundamento de uma cláusula de um contrato extinto é manifestamente ilegal porquanto;
13. O acto de despejo que ora se pretende executar vem previsto no artigo 179º da Lei de Terras (LT) que no fundo é o acto material de desapossamento de um terreno, coercivamente ou não, pelo concessionário ou de quem o ocupa verdadeiramente após a declaração de caducidade da concessão;
14. O acto de despejo serve para que a Administração após a declaração de caducidade do contrato de concessão adquira a posse efectiva, material do terreno, já que a disponibilidade jurídica do terreno é revertida automaticamente para o concedente declarada a caducidade nos casos em que não haja suspensão de eficácia do acto.
15. Conclui-se, pois, que, para que haja um despejo após um acto de declaração de caducidade, necessário se torna que o terreno esteja na posse de alguém, independentemente da sua qualidade; concessionário, sub-concessionário ou simplesmente possuidor, veja-se a previsão do artigo 179º n.º 1 - o despejo do concessionário ou do ocupante.
16. Dos factos resulta cristalinamente que uma parte do terreno é ocupado pela Administração e a outra parte, a que ora se pretende despejar é ocupada por construções desde 1988 pertencentes a desconhecidos, portanto antes da celebração do contrato de concessão com I.
17. Ou seja, antes e depois da declaração de caducidade do contrato de concessão, os herdeiros de I, não tiveram e não tem a posse efectiva de qualquer parcela do terreno, pelo que, se os herdeiros de I não têm, nem nunca tiveram a posse efectiva, logicamente nunca poderão ser despejados.
18. Pelo que, o acto de despejo a seguir em frente, conforme artigo 179º da LT só poderá ser contra os ocupantes, nunca contra quem não é ocupante como os ora recorrentes.
19. A ideia veiculada pela Administração na sua confusa, absurda e quase ininteligível fundamentação de que o despejo é baseado na cláusula 6a do contrato de concessão extinto, Encargos Especiais - Constituem encargos especiais a desocupação do terreno e remoção do mesmo de todas as construções e materiais aí existentes, é manifestamente ilegal, porquanto;
20. Uma coisa é um acto de despejo, como execução do acto declarativo de caducidade do contrato, previsto no artigo 179º da Lei de Terras, outra bem diferente é a desocupação do terreno com construções e materiais como obrigação contratual.
21. Enquanto que o despejo do concessionário ou dos ocupantes (art.º 179º da LT) do terreno é um acto de execução da declaração de caducidade,
22. a desocupação do terreno com construções e materiais é uma obrigação contratual para efeitos do fim do aproveitamento dos terrenos, sendo que um e outro conceito não se confundem nem se misturam.
23. Com efeito, a desocupação do terreno com construções e materiais como obrigação contratual só vigora enquanto o contrato vigorar, se o contrato for extinto por qualquer motivo deixa de haver a obrigação contratual, precisamente porque o fim daquela obrigação especial é a disponibilização do terreno para o aproveitamento do mesmo.
24. Se se extinguiu o contrato (independentemente da causa) que titula a obrigação de aproveitamento do terreno consequentemente também se extinguirá a obrigação da desocupação do terreno com construções e materiais que tinha por fim a disponibilização do terreno para o aproveitamento.
25. O que fundamenta o acto de despejo é a falta de posse do terreno por parte da Administração, artigo 179º da LT, e não qualquer cláusula de um contrato caduco.
26. Até pela simples razão de que um contrato de concessão extinto não é título jurídico para que o concessionário o pudesse invocar contra os ocupantes do terreno caso estes não desocupassem o terreno de livre vontade.
27. Em resumo parece óbvio para os recorrentes, que
a Por um lado, a execução que se pretende fazer a partir de uma cláusula de um contrato extinto vai para além dos limites jurídicos objectivos do acto declarativo de declaração de caducidade (artigo 138º n.º 2 do CPA), uma vez que a desocupação do terreno a partir do acto de declaração de caducidade (acto exequendo) só poderá ser feito como base no artigo 179º da LT e nunca numa cláusula de contrato extinto, constituído, pois, a ordem de despejo com este fundamento um efeito jurídico inovador do acto executado, conforme artigo 138º do CPA.
b. E por outro, noutra perspectiva (artigo 1389 n.º 4 do CPA), o acto executivo viola claramente a lei ao pretender fazer o despejo com base de numa cláusula de contrato extinto quando o fundamento para despejo é o previsto no artigo 179º da LT, isto é, a aquisição da posse efectiva do terreno, coercivamente ou não dos concessionários ou ocupantes.
28. O acto de despejo é também violador do princípio da boa-fé e da tutela da confiança porquanto vir exigir aos herdeiros que desocupem o terreno, é de uma desfaçatez enorme quando se sabe que o terreno ora se pretende desocupar não foi aproveitado por responsabilidade da própria Administração.
29. Conforme consta da matéria de facto alegada no recurso de contencioso (TSI Proc. n.º 243/2017) e que cuja fonte é o processo instrutor e cuja cópia se encontra na DSSOPT, o não aproveitamento do terreno deve-se inteiramente à Administração
30. Assim e resumidamente alguns dos factos mais relevantes da relação jurídica são:
a. Primeiro, quando em face da informação do Corpo de Bombeiros, entendeu a Administração através da DSSOPT notificar o concessionário que a instalação de bombas de combustíveis não poderia ser autorizada enquanto não se encontrassem definidos pela Administração os locais a utilizar para o efeito, pelo que o processo AGUARDA ESSA DEFINIÇÃO (ofício n.º 6656/DEUDEP/90);
b. Segundo, quando por ofício no. 4616/DEUDEP/1992, de 14 de Setembro de 1992, a DSSOPT informou o concessionário que “por despacho do Secretário-Adjunto de Transportes e Obras Públicas de 26/8/1992, foi o projecto de arquitectura submetido pelo T-3374, de 13/06/90, considerado· passível de aprovação, condicionado a eliminar o posto de abastecimento de combustível.” (ofício no. 4616/DEUDEP/92).
c. Terceiro, quando em 23 de Junho de 1994, o projecto de alterações com as sugestões da DSSOPT viria a ser aprovado (ofício no. 4148/DEUDEP/94) e bem assim o projecto de fundações do prédio foi considerado” passível de aprovação” em 25 de Maio de 1995 (ofício no. 3155/DEUDEP/95).
d. Quarto, quando em consequência da entrada em vigor do DL 24/95/M, de 9 de Junho, que aprovou o Regulamento de Segurança Contra Incêndios (RSCI), a execução do contrato concessão nos termos em que tinha sido acordado a sua celebração com a Administração foi impedida, uma vez que, o objecto do mesmo não poderia ser cumprido por imposição legal.
e. Quinto, quando na sua sequência, a revisão do contrato para mudança de finalidade inicial de indústria, veio ser reconhecida expressamente ao concessionário, - através do Despacho do Secretário Adjunto Dr. XXX Pessoa de 10.12.1998 e da emissão da respectiva PAO, em 9 de Novembro de 2001, contemplando a contemplando a referida finalidade de “habitação” (ofício n.º 438/795.2/DSODEP/2001) -, o seu direito ao aproveitamento do lote, agora com nova finalidade.
f. Sexto, quando no contexto da impossibilidade de construção do edifício industrial com as características definidas no contrato de concessão, o concessionário solicitou, em 9 de Outubro de 2000,a devolução do prémio pago de $8.128.000,00, pedido este que foi reiterado em 29 de Maio de 2001 e em que a Administração não aceitou o pedido de restituição do valor do prémio do contrato, e propôs a alteração da finalidade da concessão de “Indústria” para “Habitação” (ofício no. 356/795.2/DSODEP/2001) que culminou com a emissão da PAO, em 9 de Novembro de 2001, contemplando a referida finalidade de “habitação”) ofício no. 438/795.2/DSODEP/2001).
g. Sétimo, quando a DSSOPT acordou com o concessionário em 18 de Janeiro de 2002, o uso temporário do lote para TERMINAL PROVISÓRIO DE AUTOCARROS E DEPÓSITO DE MATERIAIS E CONSTRUÇÃO como apoio às obras do posto fronteiriço das Portas do Cerco, lote de terreno que nunca lhe foi devolvido pela Administração.
h. Oitavo, quando a solicitação do concessionário em 4 de Fevereiro de 2005, é emitida uma nova PAO onde se previam expressamente as referidas novas finalidades para o terreno em causa, designadamente Hotel e Estacionamento de motociclos.
i. Nono, a total ausência de resposta ao pedido transmissão mortis causa dos herdeiros do concessionário.
31. Vir agora exigir que os herdeiros desocupem um terreno que o seu pai, antigo concessionário, não pôde aproveitar por inteira responsabilidade da Administração é manifestamente um evidente abuso do direito, uma vez que a Administração não cumpriu o dever de ordenar, de promover tudo o que fosse necessário ao seguimento do processo de execução do contrato, não decidiu justa e oportunamente, prolatou decisões no procedimento que prejudicaram todos os interessados ao longo do processo.
32. Com efeito, nos termos do artigo 326.º do Código Civil, “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
33. A fórmula do tu quoque é uma manifestação do abuso de direito, genericamente previsto nesta disposição do Código Civil, que consiste na regra segundo a qual a pessoa que viole uma norma jurídica não poderá, sem abuso, exercer a situação jurídica que essa mesma norma lhe tivesse atribuído.
34. Ora, no caso dos autos, é manifesto que, se o concessionário e os seus herdeiros não cumpriram o contrato foi porque, manifestamente a Administração não procedeu à remoção dos impedimentos que ela própria foi criando ao longo do procedimento, não promoveu tudo o necessário ao seguimento do processo de execução do contrato, não decidiu justa e oportunamente todas questões que tinha de decidir e foi prolatando resoluções no procedimento que prejudicaram todos os interessados.
35. Ora, assim tendo sucedido, não pode o mesmo concedente, valendo-se do facto, a que deu origem de o aproveitamento não ter sido concluído por sua responsabilidade, vir, sem mais, exigir a desocupação de um terreno aos herdeiros.

36. Na perspectiva de acto autónomo que é o acto ora impugnado, é o mesmo ainda ilegal por· incumprimento da formalidade de audiência dos interessados prevista no artigo 93.º do CPA passando a decisão ora impugnada a estar contaminada pela ilegalidade decorrente desse vício, a qual é fonte de invalidade, nos termos gerais do artigo 124.º do CPA.
Pedido
Termos em que se requer a anulação, com todas as devidas e legais consequências, do segmento do acto de execução praticado pelo Secretário para os Transportes e Obras Pública em 31.07.2017 em que ordena o despejo dos herdeiros de I no prazo de 60 dias a contar da data da notificação, da parte do terreno (parte amarela em anexo 6 - Doc. 2 fls 6) que não está a ser usado pela Administração, situado na Rua dos Currais, descrito na CRP sob o n.º 22 669, cuja a concessão foi declarada a caducidade por despacho do Chefe do Executivo de 24 de Junho de 2016, devendo retirar todos os objectos naquele terreno.”.
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Na contestação, a entidade recorrida apresentou as seguintes conclusões:
“1. O objecto do presente recurso contencioso é o despacho de “concordo” do STOP, de 31 de Julho de 2017, exarado na proposta n.º 205/DSO/2017, de 25 de Julho de 2017, que, ao abrigo do disposto na alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da Lei de terras e nos artigos 55.º e 56.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto, ordenou aos Recorrentes o despejo/desocupação do terreno dos autos;
2. Alegam os Recorrentes que não têm legitimidade passiva substantiva para fazer parte do procedimento de execução porque não são, nem nunca foram, parte da relação material (o extinto contrato de concessão) que levou à prática do acto declarativo de declaração de caducidade, título executivo deste procedimento.
3. Salvo melhor opinião, os Recorrentes não têm razão, porquanto, extinta a relação jurídica emergente da concessão, recai sobre o concessionário a obrigação de entregar o terreno à entidade concedente, sendo esta uma consequência dos efeitos extintivos decorrentes da caducidade da concessão, nos termos do disposto na alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da Lei de terras.
4. Tendo o concessionário falecido e deixado como únicos herdeiros legitimários os Recorrentes a referida ordem de despejo só a estes poderia ser dada, enquanto sucessores.
5. Aliás, se os Recorrentes, como pretendem, são parte ilegítima no procedimento de despejo, porque não são, nem nunca foram, sujeitos da relação jurídica concessória, não se compreende a legitimidade para impugnar o acto que declarou a caducidade, o qual, no seu entender, constitui o título executivo daquele procedimento.
6. Contrariamente ao alegado pelos Recorrentes, o despejo foi ordenado por se verificar o pressuposto da alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da Lei de terras, o qual seja o da caducidade da concessão, declarada por acto do Chefe do Executivo, de 24 de Junho de 2016, não tendo como base a cláusula sexta do contrato extinto.
7. A proposta que serviu de fundamento ao acto recorrido limitou-se a descrever a situação de facto existente no terreno, constatando, nos pontos 6 e 8, que nas parcelas não utilizadas pela Administração, existem várias construções que são anteriores à publicação do despacho que titulou o contrato de concessão, o qual estipulou, na referida cláusula sexta, como encargo especial do concessionário, a desocupação do terreno concedido.
8. Deste modo, expressamente se impugna o alegado pelos Recorrentes nos artigos 30.º a 53.º da petição inicial.
9. O acto que ordena o despejo é um acto conexo com o acto do Chefe do Executivo que declara a caducidade da concessão e que, portanto, lhe serve de base ou pressuposto.
10. Apesar de o despejo poder ser ordenado em simultâneo com a declaração de caducidade, o certo é que, no caso sub judice, foi um acto posterior do STOP que, em delegação de competências, veio a definir a obrigação de desocupação, bem como o período para o seu cumprimento e o comportamento a que os Recorrentes ficam vinculados.
11. O acto recorrido é, pois, ele próprio o acto exequendo e, nessa medida, não excede os limites do acto que declarou a caducidade.
12. Além do mais, não se vislumbra que haja qualquer relação entre o acordo plasmado na acta da reunião para utilização temporária do terreno, assinada em 18 de Janeiro de 2002, pela Administração e pelo concessionário e o acto de despejo, porquanto, a obrigação de desocupar e entregar o terreno tem como pressuposto a caducidade da concessão, estando a Administração legalmente vinculada a impor esta obrigação, nos termos decorrentes da alínea 1 do n.º 1 do artigo 179.º da Lei de terras.
13. Estando em causa uma actuação legalmente vinculada e não discricionária da Administração, toma-se irrelevante a invocação da alegada violação dos princípios da boa-fé e da tutela da confiança, bem como do alegado abuso de direito.
14. Nesta perspectiva, é igualmente irrelevante a questão da responsabilidade pelo não aproveitamento, pois, chegado ao termo resolutivo do contrato de concessão provisória, a Administração está vinculada à declaração de caducidade e, consequentemente, ao despejo e os Recorrentes têm a obrigação de entrega do terreno, na medida em que este tem de retomar à posse da Administração.
15. Os Recorrentes não têm razão quanto ao efeito invalidante que vislumbram na alegada preterição da formalidade essencial da audiência dos interessados.
16. Com efeito, estando a Entidade Recorrida legalmente vinculada a declarar a caducidade da concessão, como já demonstramos, a formalidade preterida ter-se-á degradado em não essencial, destituída de efeito invalidante do acto, por força do princípio do aproveitamento do acto administrativo.
17. Sucede que o acto recorrido constitui uma decorrência normal da decisão de declaração da caducidade da concessão pelo decurso do prazo e, estando situado a jusante desta decisão, encontra-se inserido no mesmo procedimento administrativo, pelo que se mostra inútil a verificação desta formalidade.

18. Ainda que em tese pudéssemos equacionar um exercício de autonomização do procedimento de despejo, nem assim se imporia a audição, porquanto não houve uma fase de instrução neste “novo” procedimento (neste sentido vide o Acórdão do TSI de 27 de Outubro de 2016, proferido no Processo n.º 841/2015).
Nestes termos e nos melhores de direito, com o Douto suprimento de Vossa Excelência, deve o presente recurso ser considerado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, nos seus precisos termos.”
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Houve lugar a alegações facultativas, nas quais as partes reiteraram no essencial as posições assumidas nos respectivos articulados anteriores.
*
O processo esteve suspenso até ao conhecimento do recurso contencioso com o nº 243/2017, onde se discutia a validade do despacho do Chefe do Executivo que declarou a caducidade do terreno aqui em causa.
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Retomado o andamento dos autos com a junção da certidão do acórdão proferido no Proc. nº 243/2017, o digno Magistrado do MP emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, em termos que adiante se transcreverão.

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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1 - Pelo Despacho n.º 129/SAOPH/89, publicado no suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 46, de 16 de Novembro de 1989, I obteve a concessão pelo prazo de 25 anos, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, de um terreno sito na península de Macau, na Rua dos Currais, com a área de 3409 m².
2 - O terreno está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22669 a fls. 478 do livro B159M e o direito resultante da concessão encontra-se inscrito a favor de I sob o n.º 20245 a fls. 88 do livro F100M.
3 - I faleceu em 11 de Maio de 2006, sucedendo-lhe como herdeiros A, B, C, D, E, F, G e H.
4 - O arrendamento era válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, podendo o prazo ser sucessivamente renovado até 19 de Dezembro de 2049, nos termos da legislação aplicável e mediante condições a acordar.
5 - A finalidade de tal concessão era a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, compreendendo 13 pisos destinados a comercialização e apoio oficinal do parque automóvel.
6 - Conforme o estipulado no n.º 1 da cláusula quinta do contrato de concessão, o prazo global de aproveitamento foi fixado em 36 meses, contados a partir da publicação no Boletim Oficial do despacho que autoriza o contrato, ou seja, até 16 de Novembro de 1992.
7 - Em 18/01/2002, concedente e concessionário celebraram um acordo pelo qual a Administração ocuparia, durante o prazo de execução de obra, ou seja, até Junho de 2004, o terreno com a área de 3409 m2 sito na Rua dos Currais, para a instalação de um Terminal Provisório de autocarros e para depósito de materiais de construção civil, comprometendo-se ela a desocupar todas as sucatas e materiais ali existentes (doc. nº 5 junto com a p.i.).
8 - Na sequência desse acordo, o terreno foi entregue à Administração em 7/10/2002.
9 - O concessionário pagou integralmente o prémio no valor de MOP8.735.240,00.
10 - Até 24 de Junho de 2016, data em que foi declarada a caducidade do contrato de concessão pelo Exm.º Chefe do Executivo, o terreno não se mostrava aproveitado.
11 - Reunida em sessão de 25 de Fevereiro de 2016, a Comissão de Terras emitiu o seguinte parecer:
“Proc. n.º 11/2016 – Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão provisória, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 3409m2, situado na península de Macau, na Rua dos Currais, a favor de I, pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 15 de Novembro de 2014.
I
1. Ao abrigo do disposto no artigo 44º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das suas características e só se converte em definitiva se, no decurso do prozo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente. Nos termos do disposto no artigo 48º da mesma lei, a concessão provisória não pode ser renovada. Assim, através do despacho do Chefe do Executivo, declara-se a caducidade de concessão, por decurso do prazo de arrendamento, de acordo com o artigo 167º da mesma lei.
2. De acordo com o disposto no artigo 179º da Lei de terras e no artigo 56º do Decreto-Lei n.º 79/85/M, o despejo do concessionário ou do ocupante é ordenado por despacho do Chefe do Executivo quando se verifique a declaração da caducidade da concessão.
3. Face ao exposto, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), através da proposta n.º 349/DSODEP/2015, de 18 de Novembro, propôs autorização para dar início ao procedimento de declaração de caducidade das concessões provisórias cujo prazo de arrendamento expirou ou irá expirar, bem como dar início aos respectivos trabalhos por ordem cronológica das datas em que terminou o prazo de arrendamento de cada um daqueles processos, tendo o Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP) aprovada esta proposta por despacho de 25 de Novembro de 2015.
II
4. Pelo Despacho n.º 129/SAOPH/89, publicado no suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 46, de 16 de Novembro de 1989, foi titulada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 3409m2, situado na península de Macau, na Rua dos Currais, a favor de I.
5. De acordo com a cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, porém, não tendo sido celebrada a escritura, por força do disposto no n.º 1 do artigo 4º da Lei n.º 8/91/M, de 29 de Julho, a concessão passou a ser titulada pelo sobredito despacho, passando o prazo de arrendamento a contar-se da data da sua publicação, ou seja, até 15 de Novembro de 2014.
6. Conforme a cláusula terceira do respectivo contrato, o terreno é aproveitado com a construção de um edifício de 13 pisos, em regime de propriedade horizontal, destinado a comércio, indústria e estacionamento, para comercialização e apoio oficinal do parque automóvel.
7. O prazo global de aproveitamento do terreno é de 36 meses, contados a partir da data de publicação do sobredito despacho, ou seja, até 15 de Novembro de 1992.
8. O prémio do contrato e os respectivos juros em prestações no valor global de $8.735.240,00 patacas foram integralmente pagos.
9. O terreno referido em epígrafe está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22669 a fls. 478 do livro B159M e o direito resultante da concessão encontra-se inscrito a favor do concessionário sob o n.º 20245 a fls. 88 do livro F100M.
III
10. Através da carta de 11 de Janeiro de 1990, o concessionário informou à entidade competente a impossibilidade de apresentação do projecto de obra dentro do prazo estipulado, dado que ainda não tinha sido emitida a planta de alinhamento oficial (PAO). No entanto, após a emissão em 12 de Fevereiro de 1990 da PAO, o concessionário solicitou em 9 de Dezembro de 1991 a alteração das finalidades do terreno para comércio e habitação, o qual foi indeferido pelo Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas (SATOP) por despacho de 14 de Julho de 1992.
11. Posteriormente, depois do projecto de arquitectura apresentado em 13 de Junho de 1990 ter sido considerado passível de aprovação condicionada em 26 de Agosto de 1992, através da carta de 10 de Novembro de 1992, o concessionário solicitou informações concretas das alterações relativas às condições urbanísticas do terreno, a fim de se dar seguimento ao projecto de construção.
12. Após recepção, em 2 de Março de 1993, da PAO actualizada, o concessionário solicitou em 6 de Março de 1993 a prorrogação do prazo de apresentação do projecto de arquitectura para 30 de Abril de 1993, o qual foi autorizado em 12 de Março do mesmo ano.
13. Em 22 de Agosto de 1995, ao abrigo do regime de contrato de desenvolvimento para habitação, o concessionário solicitou a alteração das finalidades do terreno de indústria e comércio para habitação. Ouvidos os pareceres das entidades competentes, o SATOP indeferiu este pedido por despacho de 8 de Janeiro de 1996.
14. Posteriormente, em 12 de Abril de 1996, o concessionário apresentou várias questões no âmbito de protecção ambiental, de segurança e em termos económicos relativos à implementação no respectivo terreno do projecto de reparação de automóveis. Para além disso, através do despacho de 10 de Dezembro de 1998, o Secretário-Adjunto para a Coordenação Económica (SACE) fez saber que tendo em consideração o desenvolvimento do respectivo bairro social e os factores ambientais, considera que não é adequada a construção no bairro do edifício indicado no contrato, tendo emitido parecer viável sobre a alteração das finalidades do terreno e proposto ainda o reinício do projecto previsto no contrato noutra zona do território (Pac On).
15. Apesar disso, através dos requerimentos apresentados no Gabinete do Chefe do Executivo e na DSSOPT em 9 de Outubro de 2000 e 29 de Maio de 2001, respectivamente, o concessionário veio solicitar a devolução do prémio do contrato e compensação. Tendo o STOP indeferido o pedido de devolução do prémio, mas permitido a alteração das finalidades do terreno por despacho de 17 de Setembro de 2001.
16. Conforme a PAO e a planta cadastral emitidas em 12 de Outubro e 1 de Novembro de 2001, respectivamente, as finalidades do terreno foram alteradas para habitação, comércio/serviço, equipamentos sociais e de estacionamento.
17. Devido à execução das obras de construção do novo Posto Fronteiriço das Portas do Cerco, celebrando-se em 18 de Janeiro de 2002 um documento, o concessionário aceitou o pedido da Administração sobre a utilização temporária do respectivo terreno até 30 de Junho de 2004 para instalação de um terminal provisório de autocarros e depósito de materiais de construção civil, devendo essa entidade desocupar a sucata e materiais ali existentes. De acordo com o auto de vistoria para a recepção de 17 de Outubro de 2002, os trabalhos da desocupação do terreno ficaram concluídos.
18. Posteriormente, por Despacho do Chefe do Executivo n.º 24/2003, publicado no Boletim Oficial da Região Administração Especial de Macau (RAEM) n.º 5, I série, de 4 de Fevereiro de 2003, a parcela destinada à instalação de um parque de estacionamento, ou seja, um terminal provisório de autocarros, foi considerada como via pública para efeitos de responsabilidade civil e criminal.
19. Em 2 de Junho e 27 de Julho de 2004, o concessionário solicitou acompanhamento do assunto relativo à devolução do terreno, uma vez que o prazo de utilização temporária do terreno iria terminar em 30 de Junho de 2004.
20. Por motivo de falecimento do concessionário em 11 de Maio de 2006, através dos requerimentos de 9 de Agosto de 2006 e 4 de Maio de 2007, os seus herdeiros solicitaram a transmissão do direito resultante da concessão do terreno.
21. Através da proposta n.º 123/DSODEP/2007, de 29 de Novembro, a DSSOPT propôs que se acompanhasse o respectivo pedido, no entanto, a proposta não recebeu qualquer resposta.
22. Em 2 de Agosto de 2011, os herdeiros do concessionário apresentaram uma sentença homologatória da partilha dos bens incluindo o terreno em apreço e solicitaram, em 15 de Junho e 26 de Dezembro de 2012, o acompanhamento do assunto relativo à transmissão por morte da concessão e à devolução do terreno.
23. Dado que decorria a realização do Plano Conceptual Urbanístico da Zona das Portas do Cerco e Envolvente e se pretendia que o respectivo terreno se destinasse a instalações de bairro social e aos equipamentos desportivos, como não se encontrou nenhum terreno adequado para permuta, em 3 de Abril de 2013, a DSSOPT propôs que se considerasse a viabilidade de devolução dos prémios pagos.
24. Através do requerimento apresentado em 21 de Junho de 2013, os herdeiros do concessionário, não pretendendo receber a devolução do prémio, solicitaram a devolução do terreno ou a concessão de um outro terreno por permuta, uma vez que o prazo de arrendamento estava quase expirar.
25. Posteriormente, em 30 de Julho de 2013, através de requerimento apresentado no Gabinete do Chefe do Executivo pelo advogado dos herdeiros do concessionário, estes solicitaram autorização para a transmissão por morte da concessão do terreno e a revisão do contrato ou celebração de um novo contrato de concessão do terreno.
26. Através da proposta n.º 001/DSODEP/2014, de 7 de Julho, o Departamento de Gestão de Solos (DSODEP) da DSSOPT propôs o envio do processo ao Departamento Jurídico (DJUDEP) para efeitos de emissão de parecer. A esta solicitação, através da proposta n.º 54/DJUDEP/2014, de 26 de Setembro, o DJUDEP julga que se deveria indeferir o respectivo pedido, uma vez que o prazo de arredamento terminará em 15 de Novembro de 2014 e a concessão do terreno ainda é provisória. Ao abrigo da disposição do artigo 48º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), as concessões provisórias não podem ser renovadas, o que significa que os herdeiros do concessionário manifestamente não podem assegurar o cumprimento das obrigações estipuladas no contrato de concessão, pelo que, não pode ser deferida a transmissão, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 157º da mesma lei. Para além disso, uma vez que o concessionário faleceu em 11 de Maio de 2006 e o pedido de transmissão da concessão foi indeferido, extinguiu-se o direito resultante da concessão do terreno e os respectivos herdeiros não têm qualquer posição jurídica do direito resultante da concessão, consequentemente, não podendo ser revisto nem celebrado um novo contrato de concessão do terreno, os herdeiros têm direito de solicitar à Administração uma compensação pelo uso do terreno, entre 1 de Julho de 2004 e 11 de Maio de 2006.
27. Após o termo do prazo de arredamento, em 26 de Outubro de 2015, os herdeiros do concessionário solicitaram mais uma vez a autorização para a transmissão por morte da concessão e a revisão do contrato ou celebração de um novo contrato de concessão do terreno.
28. Mesmo que os herdeiros do concessionário apresentassem os respectivos pedidos, a realização de audiência sobre o indeferimento do pedido não afecta o seguimento do procedimento de declaração de caducidade por decurso do prazo do arredamento, de acordo com os pareceres exarados na proposta n.º 22/DJUDEP/2015, de 31 de Março. Sendo assim, através da proposta n.º 007/DSODEP/2016, de 8 de Janeiro, o DSODEP propôs o indeferimento do pedido de transmissão por morte da concessão e da revisão ou celebração de um novo contrato de concessão do terreno, propondo ainda acompanhamento do procedimento ulterior de audiência.
29. Por outro lado, de acordo com o disposto na cláusula segunda do contrato, o prazo do arrendamento terminou em 15 de Novembro de 2014. No entanto, a respectiva concessão ainda é provisória, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 48º da Lei de terras, a mesma não pode ser renovada. Nestas circunstâncias, a DSSOPT, através da mesma proposta, propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer. Na sequência do parecer concordante do director da DSSOPT, o STOP manifestou a sua concordância por despacho de 3 de Fevereiro de 2016.
30. Face ao exposto, esta Comissão, após ter analisado o processo, considera que tendo expirado em 15 de Novembro de 2014 o prazo de vigência da concessão (prazo de arrendamento), de 25 anos, fixado na cláusula segunda do contrato de concessão, sem que o aproveitamento do terreno definido neste contrato se mostre realizado, a concessão provisória em apreço encontra-se já caducada (caducidade preclusiva).
Com efeito, de acordo com o artigo 44º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras), aplicável ao caso vertente por força do disposto nos seus artigos 212º e 215º, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (vide ainda artigos 130º e 131º).
Findo o seu prazo de vigência, as concessões provisórias não podem ser renovadas, a não ser no caso previsto no n.º 2 do artigo 48º da Lei de Terras, conforme estabelece o n.º 1 do mesmo preceito legal, operando-se a caducidade por força da verificação daquele facto (decurso do prazo de arrendamento).
De igual modo, resultava da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de Terras anterior), que no caso da concessão revestir natureza provisória em virtude do terreno não se encontrar aproveitado (cf. artigos 49º, 132º e 133º), não era possível operar a sua renovação por períodos sucessivos de dez anos porquanto a figura da renovação prevista no n.º 1 do artigo 55º era aplicável apenas às concessões definitivas.
Apesar da caducidade operar de forma automática e directa, para tornar a situação jurídica certa e incontestada e, portanto, eliminar a insegurança jurídica sobre a extinção ou não do direito resultante da concessão, deve a mesma (caducidade) ser declarada, conforme decorre do disposto no corpo do artigo 167º da Lei n.º 10/2013.
Nestas circunstâncias, esta Comissão nada tem a opor à declaração de caducidade da concessão do terreno em epígrafe pelo decurso do prazo de arrendamento, perdendo o concessionário a favor da RAEM todas as prestações do prémio e os respectivos juros já pagos, nos termos do disposto no artigo 13º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004.
IV
Reunida em sessão de 25 de Fevereiro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo e tendo em consideração o parecer e proposta constantes na proposta n.º 007/DSODEP/2016, de 8 de Janeiro, bem como o despacho nela exarado pelo STOP, de 3 de Fevereiro de 2016, considera que verificada a caducidade da concessão pelo termo do prazo de arrendamento em 15 de Novembro de 2014, deve esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Comissão de Terras, aos 25 de Fevereiro de 2016.”
12 - Posteriormente, o Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu, em 3 de Março de 2016, o seguinte parecer:
“Proc. n.º 11/2016 – Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão provisória, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 3409m2, situado na península de Macau, na Rua dos Currais, a favor de I, pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 15 de Novembro de 2014.
1. Pelo Despacho n.º 129/SAOPH/89, publicado no suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 46, de 16 de Novembro de 1989, foi titulada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 3409m2, situado na península de Macau, na Rua dos Currais, a favor de I.
2. De acordo com a cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, porém, não tendo sido celebrada a escritura, por força do disposto no n.º 1 do artigo 4º da Lei n.º 8/91/M, de 29 de Julho, a concessão passou a ser titulada pelo sobredito despacho, passando o prazo de arrendamento a conta-se da data da sua publicação, ou seja, até 15 de Novembro de 2014.
3. O terreno seria aproveitado com a construção de um edifício de 13 pisos, em regime de propriedade horizontal, destinado a comércio, indústria e estacionamento, para comercialização e apoio oficinal do parque automóvel.
4. Uma vez que o prazo de arrendamento do terreno terminou em 15 de Novembro de 2014 e o aproveitamento do terreno não foi concluído, a DSSOPT propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, o que mereceu a minha concordância, por despacho de 3 de Fevereiro de 2016.
5. Reunida em sessão de 25 de Fevereiro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, tendo em consideração que o prazo de arrendamento foi terminado, sem que o aproveitamento estabelecido neste contrato se mostre realizado, e que, sendo a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras), aplicável por força dos seus artigos 212º e 215º. Deste modo, a concessão encontra-se caducada pelo termo do respeito prazo de arrendamento (caducidade preclusiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Consultado o processo supra mencionado e concordando com o que vem proposto, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno.”
13 - O Exm.º Chefe do Executivo proferiu a seguinte decisão em 24 de Junho de 2016:
“Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, a que se refere o Processo n.º 11/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 3 de Março de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho.”
14 - Deste despacho foi interposto recurso contencioso para este TSI, a que coube o Processo nº 243/2017, vindo o mesmo a ser julgado improcedente por acórdão de 21/03/2019, que, em sede de recurso jurisdicional interposto para o TUI, viria a ser confirmado por acórdão de 30/07/2019.
***
IV – O Direito
1 - O objecto do recurso
Está em causa a decisão do Secretário para os Transportes e Obras Públicas que, pretendendo dar execução ao acto do Chefe do Executivo de declaração de caducidade da concessão, ordenou o despejo dos ora recorrentes de uma parte do dito terreno, enquanto sucessores do concessionário I.
*
2 - Os vícios imputados ao acto
1º. Violação dos limites subjectivos do acto exequendo, por ilegitimidade passiva (a execução não poderia ser movida contra os ora recorrentes, porquanto não são parte na relação jurídica substantiva).
2º. Violação dos limites do acto exequendo (na parte em que manda desocupar, sem que o acto de caducidade tenha mandado desocupar);
3º. Violação do princípio da boa fé e da tutela da confiança;
4º. Violação do art. 179º, nº1, já que os recorrentes não têm a posse efectiva de qualquer parcela do terreno;
5º. Abuso de direito;
6º. Violação do direito de audiência prévia.
*
3 - Apreciando
O digno Magistrado do MP, no seu parecer, pronunciou-se nos seguintes termos:
“Os recorrentes começam por questionar a sua legitimidade substantiva na relação jurídica contratual, socorrendo-se do indeferimento da transmissão mortis causa do contrato de concessão para os herdeiros.
Crê-se que este indeferimento apenas os impediu de ingressarem na posição jurídico-contratual que o de cujus I detinha na concessão. Não teve qualquer influência na transmissão dos normais direitos e obrigações decorrentes da sucessão. E entre estas últimas conta-se a de devolver, por via da declaração da caducidade da concessão, e nos moldes previstos no DL n.º 79/85/M, ex vi do artigo 179.º da Lei de Terras, a parte do terreno não ocupada pela Administração e que permanecera na posse e disponibilidade do falecido concessionário.
Improcede este vício.
Depois, a propósito da autorização dada pelo concessionário à Administração para utilizar temporariamente o terreno até Junho de 2004, contra o que a Administração se comprometeu a desocupar todas as sucatas e materiais aí existentes, os recorrentes alegam que a exigência de desocupação dirigida aos herdeiros viola os limites do acto exequendo e atenta contra a boa-fé.
É exacto que o acordo celebrado entre o então concessionário e a Administração previa o encargo, para esta, de “desocupar todas as sucatas e materiais ali existentes”. Se este fosse o alcance do acto que ordenou o despejo, ou seja, se o acto visasse as sucatas e os materiais que a Administração oportunamente se vinculou a retirar, haveria que dar razão aos recorrentes. Porém, o que está em causa, como resulta do acto, são construções e materiais existentes à data da declaração de caducidade, numa parte do terreno não utilizada pela Administração. Assim, e para além de não estar abrangida a demolição de construções naquele acordo, não se pode excluir que, após a limpeza a que a Administração se obrigou, não hajam sido depositados outros materiais, no período subsequente de mais de doze anos, na parcela não usada pela Administração.

Não se vislumbra, assim, a imputada violação dos limites do acto exequendo nem do princípio da boa-fé, pelo que também estes vícios improcedem.
Em seguida, os recorrentes esgrimem a violação da lei atinente ao despejo e dos limites jurídicos objectivos do acto declarativo da caducidade. Fazem-no porque dizem ter sido invocada uma cláusula do contrato de concessão, a cláusula 6.ª, para justificar a ordem de despejo e da inerente limpeza do terreno.
Não creio que a mencionada cláusula tenha sido invocada para justificar ou fundamentar a ordem de despejo. Esta foi alicerçada na declaração de caducidade e no artigo 179.º da Lei de Terras. A referência àquela cláusula 6.ª tem o fito de esclarecer a razão da exigência de entrega do terreno limpo, independentemente das condições em que haja sido recebido pelo concessionário, pois era dever deste limpá-lo nos termos da invocada cláusula.
Também este vício soçobra.
Depois, os recorrentes invocam uma actuação abusiva do direito, por parte da Administração, argumentando que esta não permitiu o desenvolvimento do terreno concessionado e vem agora exigir a desocupação, dirigindo a ordem aos herdeiros, aos quais negou a transmissão mortis causa do contrato de concessão.
O despejo é uma decorrência necessária, ditada por lei, da declaração de caducidade, pelo que a Administração está vinculada a promovê-lo logo que decretada a caducidade. E a ordem deve ser dirigida ao concessionário, seus sucessores ou outrem que tenha a posse ou esteja a ocupar o terreno. É o que igualmente resulta da lei. Não se descortina, pois, como pode haver abuso de direito numa situação de cumprimento vinculado de obrigações legais.
Igualmente improcede este vício.
Os recorrentes terminam imputando ao acto a preterição da formalidade de audiência prévia.
Crê-se que, no caso, a formalidade não era exigível, pelo que não lhes assistirá razão.
Estamos perante um acto de execução do despacho que declarou a caducidade da concessão. Trata-se de um acto situado a jusante da decisão principal, mas que faz parte do mesmo procedimento e constitui uma decorrência normal daquela decisão. É relativamente a essa decisão principal, que se seguiu à fase procedimental da instrução, que pode fazer sentido invocar a necessidade e acuidade da exercitação da audiência prévia. Não quanto ao despejo que, como se referiu, é uma decorrência normal daquela decisão sobre a caducidade.
Aliás, e como já dissemos noutros casos semelhantes, mesmo que, em tese, se equacionasse um exercício de autonomização do procedimento de execução, nem assim se imporia a audição, já que não houve propriamente uma fase de instrução neste “novo” procedimento - cf. artigo 93.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.
Improcede, também, o vício de preterição da audiência.

Ante o exposto, o nosso parecer vai no sentido do não provimento do recurso. “
A fundamentação do parecer do MP acabado de transcrever reflecte o entendimento reiterado deste TSI sobre o assunto, pelo que a subscrevemos e fazemos nossa, com a devida vénia, para todos os efeitos.
Nada mais vale a pena acrescentar, senão unicamente para dizer que aquilo que os recorrentes fazem no presente recurso é tentar abalar juridicamente, uma vez mais, o acto administrativo que declarou a caducidade (caducidade preclusiva, recorde-se), imputando à Administração a culpa no não aproveitamento do terreno pelo concessionário entretanto falecido.
Contudo, a validade desse acto foi já duplamente avaliada e sancionada, tanto por este TSI, como pelo TUI. Razão pela qual, não pode o presente tribunal, no âmbito da impugnação do acto de execução, voltar ao tema, sob pena de ofensa dos limites objectivos do caso julgado.
Para concluir, portanto, pela improcedência do recurso contencioso.
***
V - Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso.
Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça 5 U.C. a cada recorrente.
T.S.I., 28 de Novembro de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong



Rec. Cont. nº 865/2017 27