Proc. nº 1115/2019
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
A requereu ao TJB uma providência cautelar especificada de arresto contra ---
B, Limitada (ora recorrida),
Pedindo:
1) A apreensão do depósito em numerário na conta bancária da requerida, para garantir o valor do crédito e os juros da requerente;
Ou, subsidiariamente, para a hipótese de não haver saldo ou ser insuficiente,
2) A apreensão dos bens imóveis da requerida cujo valor seja suficiente para garantir o valor do crédito e os juros da requerente;
Ou subsidiariamente,
3) A apreensão de outros bens imóveis, móveis ou outros valores, oferecidos pela requerida, em valor equivalente ao crédito da requerente no montante de MOP$4.003.404,00, acrescido dos juros legais contados de 29 de Janeiro de 2016 até integral pagamento e da sobretaxa de 2%, prevista pelo art.º 569.º do Código Comercial.
Além disso, pediu aos Juízes enviar carta à Conservatória do Registo Predial, Conservatória dos Registos Comerciais e de Bens Móveis e Autoridade Monetária de Macau, para proporcionar aos respectivos órgãos informar se a requerida possui bens imóveis, móveis, depósito em numerário ou outros valores.
No fim, pediu aos Juízes dispensar a requerida da audiência antes de decretar o arresto, nos termos do art.º 353.º do Código de Processo Civil; e ordenar processar o procedimento por apenso, nos termos do art.º 328.º n.º 4 do Código de Processo Civil.
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Após sentença que julgou procedente o arresto, a requerida (ora recorrida B) deduziu oposição e, na oportunidade, foi proferida sentença que julgou procedente a oposição com o consequente levantamento do arresto.
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É contra essa sentença que ora vem interposto pelo requerente A o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso é interposto porque, em 21 de Janeiro de 2019, o Tribunal a quo julgou procedente o arresto, no entanto, em 28 de Junho de 2019, o Tribunal a quo julgou procedente a oposição da requerida por extinção dos pressupostos que fundamentaram o arresto e ordenou o levantamento do arresto, neste acórdão há erro na apreciação da prova e contradição entre os fundamentos e a decisão.
2. Antes de mais, os art.º 54.º e 57º dos factos dados provados pelo acórdão do Tribunal a quo indicam respectivamente que: 54. Por sua vez, até 28 de Fevereiro de 2019, o activo da Requerida encontra-se avaliado em MOP$6.388.068.868,98 (cfr. doc. 57 junto com a oposição); 57. E MOP$5.776.770,54 em contas bancárias à ordem (cfr. doc. 57 com a oposição).
3. Segundo o doc. 57 junto com a oposição entregue pela recorrida, o activo da ré no valor de MOP$6.388.068.868,98 é composto pelas 3 partes: 1. Propriedades de investimento no valor de MOP$4.879.779.500,00; 2. Conta corrente entre empresas ligadas no valor de MOP$1.502.512.598,44; 3. Depósito bancário em numerário no valor de MOP$5.776.770,54.
4. No entanto, segundo as informações fornecidas pelos bancos ao Tribunal a quo, o saldo das contas bancárias da recorrida para arresto é apenas de MOP$2.003.053,00.
5. A recorrida só entregou o balanço e não ofereceu outros documentos comprovativos, então, o saldo bancário verificável da recorrida deve ser no valor de MOP$2.003.053,00.
6. Pelo que, há erro na apreciação do art.º 57.º dos factos provados.
7. Além disso, ao considerar o activo da recorrida, o Tribunal a quo não tem em conta os encargos constituídos pela recorrente sobre os bens imóveis: em 16 de Maio de 2017, a recorrida constituiu uma hipoteca voluntária para C LIMITED como creditada junto ao Banco D, S. A. (o valor do crédito garantido é de HKD$1.000.000.000,00); em 28 de Agosto de 2016, a recorrida constituiu uma hipoteca voluntária para E GROUP LIMITED como creditada junto a F BANK LIMITED (o valor do crédito garantido é de HKD$525.000.000,00).
8. Tendo em conta os referidos encargos, o activo da recorrida deve ser no valor de MOP$4.519.227.923,00.
9. Pelo que, também há erro na apreciação do art.º 57.º dos factos provados.
10. Por isso, deve alterar os art.º 54.º e 57.º dos factos provados.
11. No fim, o Tribunal a quo entende inexistente o receio justificado de perda da garantia do crédito porque: “…a situação patrimonial não se mostra notoriamente desequilibrada, embora, afinal, o património seja insuficiente para compensar a dívida, a insuficiência leva não conduz necessariamente ao arresto…”
12. Contudo, dando assente que o património da recorrida será provavelmente insuficiente para compensar a dívida (o balanço da recorrida pode ser $1.230.000.000,00 negativo = $4.520.000.000,00 - $5.750.000.000,00), a recorrente tem razão legítima de recear a perda da garantia do crédito.
13. E mais, ao calcular o referido passivo, não se pondera a possibilidade de indemnização do dobro do sinal, que, no ponto de vista da recorrente, é extremamente possível.
14. Outrossim, a recorrida hipotecou os seus bens imóveis às empresas fiduciárias respectivamente em 16 de Maio de 2017 e em 25 de Agosto de 2016 (depois da declaração de caducidade de concessão do terreno), para obter a garantia de crédito no valor total de HKD$1.525.000.000,00 para as suas empresas ligadas, porém, a recorrida não justifica ao Tribunal o destino desse financiamento. É possível que, através dessa “operação comum”, a recorrida transfira os seus bens às outras empresas, com personalidade jurídica autónoma, sujeitas ao mesmo Grupo, fazendo com que, a recorrida seja incapaz de devolução.
15. A recorrida alegou que tem o património no valor de bilhões, mas agora os numerários depositados são apenas em quantia de milhões, isso é obviamente ilógico.
16. Se o Tribunal der assentes os referidos factos, ou seja: o capital social da recorrida é de MOP$100.000,00; a recorrida enfrenta imensas acções perante os tribunais; o saldo das contas bancárias da recorrida para arresto é no valor de MOP$2.003.053,00; a recorrida usou os bens imóveis para obter uma quantia de HKD$1.525.000.000,00 para as empresas ligadas; a recorrida não justificou o destino dessa quantia de HKD$1.525.000.000,00; é possível que o património da recorrida seja insuficiente para compensar a dívida (o balanço da recorrida pode ser de $1.230.000.000,00 negativo), então, é contrariado que julgue inexistente o receio justificado de perda da garantia do crédito.
17. Pelo que, o acórdão do Tribunal a quo deve ser nulo por padecer do vício previsto pelo art.º 571.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, pede-se que:
Seja julgado procedente o recurso da recorrente, alterados os art.º 54.º e 57.º dos factos provados, revogado o acórdão recorrido, julgado procedente o pedido da providência cautelar nos termos do art.º 630.º do Código de Processo Civil, e ordenado:
1.) Apreender o depósito em numerário na conta bancária da requerida, cujo valor é suficiente para garantir o valor do crédito e os juros da requerente; se não houver ou não for suficiente,
2.) Apreender os bens imóveis da requerida sem encargo do direito real, cujo valor é suficiente para garantir o valor do crédito e os juros da requerente; se não houver ou não for suficiente,
3.) Apreender os outros bens imóveis, móveis ou outros valores, oferecidos pela requerida, cujo valor é equivalente ao crédito da requerente no montante de MOP$4.003.404,00, acrescido dos juros legais contados de 29 de Janeiro de 2016 até integral pagamento e da sobretaxa de 2%, prevista pelo art.º 569.º do Código Comercial.”
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A “B”, sem formular conclusões, respondeu ao recurso, pugnando pelo improvimento deste, em termos que aqui damos por reproduzidos.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença recorrida deu por provada a seguinte factualidade:
“1. Em 10/09/2004 a Requerida apresentou um Estudo Prévio junto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) (T- 4803), seguido de um estudo prévio complementar apresentado junto da mesma entidade em 15/12/2004 (T- 6451) - cfr.doc. 3 junto com a oposição.
2. O referido estudo prévio (cfr. doc. 3 junto com a oposição) foi aprovado pela DSSOPT em 21/01/2005, por Ofício com o nº 747 /DURDEP /2005 (doc. 4 junto com a oposição).
3. A DSSOPT emitiu duas Plantas Oficiais de Alinhamento (PAO 's), uma em 23/12/2004 (doc. 5 junto com a oposição) e outra em 23/02/2005 (doc. 6 junto com a oposição) e, ulteriormente, em 11/05/2007, emitiu uma terceira PAO (doc. 7 junto com a oposição), em nenhum caso se prevendo quer a necessidade de um afastamento mínimo de 1/6 da altura do prédio mais alto entre as diversas torres a construir no terreno, quer a de um limite máximo de 50 metros para a extensão das fachadas das torres.
4. Em 29/04/2008 a R. apresentou o Plano de Consulta do “Master Layout Plan” relativo à proposta de localização das torres (Recibo de entrada nº T-3040) - doc. 8 junto com a oposição.
5. Em 06/05/2008 a R. apresentou o projecto inicial de arquitectura (Talão nº T-3163).
6. Entretanto, uma vez que a DSSOPT, ultrapassado o prazo contratual de 60 dias, não emitira a Planta solicitada, e preocupada com o escoar do prazo de 96 meses de aproveitamento, a. Requerida não aguardou pela nova Planta e submeteu o projecto global de arquitectura, para efeitos de aprovação, em 22 de Outubro de 2009 (T-7191/2009) - doc. 10 junto com a oposição.
7. Todos estes projectos mantinham as mesmas soluções definidas nos projectos de arquitectura (já previstas nos Estudos Prévios).
8. Em 23/02/2010, a DSSOPT emitiu nova PAO (doc. 11) junto com a oposição.
9. A referida PAO foi notificada à ora Requerida em 09/04/2010, pelo Ofício nº 4427/DURDEP/2010 (doc.12) junto com a oposição.
10. A nova PAO e o referido ofício, vieram formular exigências não previstas anteriormente e que pretendiam a contemplação de uma extensão máxima contínua das fachadas das torres de 50 metros e de um afastamento mínimo entre as torres não inferior a 1/6 da altura da torre mais alta.
11. O teor do Ofício da DSSOPT de 09/04/2010 (cfr. doc. 12 junto com a oposição) continha, designadamente, o seguinte:
“1. Para efeitos de cálculo da altura do edifício, as larguras das vias são as seguintes: ...
5. Extensão máxima contínua das fachadas da torre: 50 metros.
6. O afastamento mínimo entre as torres não deve ser inferior a 1/6 da altura da torre.”
No ponto n.º 42 do ofício dizia-se:
“Tendo em consideração que o “plano de consulta” e o “plano de alteração” apresentados através de T-3040 de 29/04/2008 e de T-3163 de 06/05/2008 foram substituídos pelo pedido apresentado através de T-7191 de 22/10/2009, esta Direcção não emitirá qualquer análise ou aprovação sobre esses p1anos anteriores.”
12. Em 07/01/2011, a DSSOPT aprovou o projecto de arquitectura que tinha sido apresentado pela R. em 22/10/2009 (doc. 14 junto com a oposição).
13. O projecto assim aprovado não contemplava as exigências mencionadas nos nºs. 5 e 6 do referido Ofício nº 4427/DURDEP/2010, de 09/04/2010, pelo que, a final, a DSSOPT prescindiu daquelas exigências.
14. Todavia, a licença para as obras foi sujeita à condição de (a) a ora Oponente apresentar um relatório de avaliação do impacte ambiental que poderia ser causado pela nova construção a implementar no Lote - “P” e (b) de tal relatório vir ser aprovado pelo serviço administrativo competente da Região - a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (“DSPA”) - cfr. doc. 14 junto com a oposição.
15. Aquando da celebração do contrato de revisão da concessão do lote de terreno em causa, e nas respectivas negociações, a Administração nunca disse que era necessário ser apresentado e sujeito a aprovação qualquer relatório de avaliação do impacto ambiental do empreendimento referido no contrato, sem o que a obra de construção não se iniciaria.
16. Em 11/05/2011 a Requerida apresentou o exigido relatório de impacto ambiental (T-5205/2011) - doc. 15 junto com a oposição.
17. Mas a DSPA elaborou um parecer em 22/06/2011, que apenas foi notificado à Requerida em 04/10/2011 (ofício com referência n.º 11599/DURDEP/2011 - doc. 16 junto com a oposição), cinco meses depois da entrega do relatório feito pela ora Oponente, onde formulou várias exigências adicionais (cfr. doc. 16 junto com a oposição).
18. A resposta a essas novas exigências exigiu a preparação de um segundo relatório de avaliação do impacte ambiental o qual foi apresentado pela Requerida em 19/04/2012 (T-4242/2012) - doc. 17 junto com a oposição.
19. Na apreciação deste segundo relatório, a DSPA decidiu apontar novos requisitos a cumprir pela Requerida, os quais constam do Ofício nº 1586/054/DAMA/DPAA/2012, de 24/05/2012 daquela direcção de Serviços (doc. 18 junto com a oposição).
20. Logo em 31/08/2012, foi apresentado o terceiro relatório de avaliação do impacte ambiental (doc. 19 junto com a oposição).
21. Mas a DSPA emitiu outro parecer sobre este novo relatório de avaliação do impacte ambiental em 16/10/2012.
22. Sendo que este parecer apenas foi notificado à Requerida quatro meses depois, em 28/12/2012 (Ofício nº 13023/DURDEP /2012) - doc. 20 junto com a oposição.
23. Neste parecer, a DSPA voltou a exigir elementos nunca anteriormente solicitados, designadamente um estudo pormenorizado sobre o “Layout” das torres, em virtude da alegada proximidade de algumas delas à Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR), com “simulação informática” sobre a circulação do ar (inédita em Macau) e uma avaliação sobre as “partículas em suspensão” (cfr. doc. 20 junto com a oposição).
24. A Requerida apresentou um quarto relatório de avaliação do impacte ambiental o que fez em 15/03/2013 (T-3953/2013) - doc. 21 junto com a oposição).
25. Em 03/05/2013 a DSPA emitiu o seu parecer sobre este novo relatório de avaliação do impacte ambiental - cfr. Ofício nº 1545/071/DAMA/DPAA/2013 (doc. 22 junto com a oposição).
26. No entanto, nesse parecer são novamente formuladas exigências adicionais quanto ao conteúdo do relatório, desta vez, entre outras, no que respeitaria ao “impacto ambiental sobre os novos aterros” (cfr. doc. 22 junto com a oposição).
27. Teve a Requerida que elaborar um quinto relatório de avaliação do impacte ambiental, o que fez e apresentou em 28/06/2013 (doc. 23 junto com a oposição).
28. A DSPA efectuou exigências adicionais quanto ao conteúdo do relatório e em 07/08/2013 foi apresentado o sexto relatório de avaliação do impacte ambiental pela Requerida (doc. 25 junto com a oposição).
29. Finalmente, em 15/10/2013 a ora Oponente foi notificada da aprovação do projecto de obra através do Ofício nº 11031/DURDEP/2013 (doc. 26 junto com a oposição).
30. Este projecto não contempla quaisquer alterações relativamente às linhas de força ou modelo construtivo subjacente aos de 06/05/2008 e 22/10/2009, e às exigências sucessivamente formuladas pela DSPA.
31. Após a referida aprovação do projecto de obra, a licença para as obras de fundações foi imediatamente requerida pela ora Oponente em 24 de Outubro de 2013 (T- 11874/2013) - doc. 27 junto com a oposição.
32. A DSSOPT emitiu-a em 2 de Janeiro de 2014 com um período de validade até 28 de Fevereiro de 2014, i. é, inferior a dois meses (doc. 28 junto com a oposição).
33. A Requerida iniciou de imediato os trabalhos.
34. E logo em 15 de Janeiro de 2014, também apresentou um pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento (doc. 29 junto com a oposição).
35. Cerca de seis meses e meio depois foi o mesmo autorizado, em 29 de Julho de 2014, através do ofício nº 572/954.06/DSODEP/2014 (doc. 30 junto com a oposição).
36. A “G Limited” (doravante, simplesmente “G”), sendo esta uma sociedade listada na Bolsa de Valores de Hong Kong (Código 34), que, em 30/06/2018, apresentou um saldo positivo (activo - passivo) (“total equity”) superior a 28 mil milhões de dólares de Hong Kong (doc. 34) e que em 31 de Dezembro de 2018 atingiu a quantia de HKD$29.825.374.000,00 (vinte e nove mil milões, oitocentos e vinte e cinco milhões, trezentos e setenta e quatro mil dólares de Hong Kong).
37. Nos exercícios sociais de 2016 e 2017, a “G” apresentou lucros líquidos nos valores seguintes:
-2016: HKD$955.022.000,00
-2017: HKD$1.718.901.000,00.
38. E, até 30 de Junho de 2018, já apresentou lucros líquidos no valor de HKD$1.232.961.000,00.
39. A Requerida lançou dois planos de restituição das quantias que recebeu dos promitentes-compradores que, tendo vindo a cumprir todas as obrigações que para si decorrem de tais planos.
40. A Requerida dirigiu-se às instituições de crédito em que os promitentes-compradores contraíram empréstimos para poderem custear as suas aquisições e liquidou todos os débitos resultantes de tais empréstimos, desonerando-os a todos face a essas instituições de crédito.
41. A sociedade “C” (C LIMITED) é uma sociedade registada em Hong Kong, sendo subsidiária da sociedade “G”, que detém a totalidade do seu capital social e se encontra listada na Bolsa de Valores de Hong Kong (Código 34).
42. 70.61% do capital social desta última é detido pela sociedade “H Limited”.
43. A totalidade do capital social da “H Limited” é detida pela “E Holdings International Limited” (“E”).
44. Esta, por seu turno, é a empresa-mãe da “E Holdings (XXX) Limited”, detendo a totalidade do seu capital social.
45. Esta última detém 10% do capital social da sociedade ora Requerida.
46. Os demais 90% do capital social da Requerida são detidos pela empresa-mãe, a “E”.
47. Por seu turno, a “E” detém, igualmente, 99,9% do capital social da “E Group Limited” sendo os remanescentes 0,1% detidos pela “E Holdings (XXX) Limited”
48. Até 14 de Março de 2019, já haviam assinado um dos Planos um número de titulares de 1.896 direitos de aquisição de correspondentes fracções autónomas, representativos de 62,78% do total de 3.020 fracções alienadas (Docs. 46 e 47 juntos com a oposição).
49. A Requerida já procedeu à restituição aos promitentes-compradores de HKD2.043.778.007,77 (Cfr. Doc. 46 junto com a oposição).
50. A Requerida, celebrou acordos com todas as entidades bancárias que haviam concedido empréstimos a promitentes-compradores destinados à compra de direitos de aquisição sobre as fracções autónomas a construir no empreendimento “Pearl Horizon”, liquidando ela própria todos os referidos mútuos num total de HKD$969.524.504,66 (Doc. 48 junto com a oposição).
51. Os promitentes-compradores que ainda não aderiram a um dos Planos, também beneficiaram destes Acordos, com a liquidação das suas dívidas perante os Bancos.
52. Até 28 de Fevereiro de 2019, a totalidade do passivo da Requerida cifra-se em MOP$5.751.855.970,87.
53. No valor do passivo já se encontra incluído o valor correspondente a todas as quantias, em singelo, que foram entregues à Requerida, quer pela Requerente, quer pelos demais promitentes-compradores do empreendimento “Pearl Horizon” mas ainda não restituídas, tudo no montante global de MOP$5.607.645.707,95 - cfr. doc. 57 junto com a oposição.
54. Por sua vez, até 28 de Fevereiro de 2019, o activo da Requerida encontra-se avaliado em MOP$6.388.068.868,98 (cfr. doc. 57 junto com a oposição).
55. O património da requerida inclui diversos activos imobiliários (protesta juntar a respectiva documentação) constituídos, nomeadamente, por:
- fracções autónomas do prédio E Garden, avaliadas em MOP 547.960.000,00;
- fracções autónomas do prédio XXXX, avaliadas em MOP 2.656.009.500,00;
- fracções autónomas do prédio XXXX; avaliadas em MOP1.675.810.000,00.
56. A Requerida detém, ainda, um crédito sobre a empresa-mãe (“E”), no montante de MOP$1.502.512.598,44, à data de 28 de Fevereiro de 2019 (cfr. doc. 57 junto com a oposição).
57. E MOP$5.776.770,54 em contas bancárias à ordem (cfr. doc. 57 junto com a oposição).
58. A dívida indicada no n.º23º da sentença que decretou o presente arresto está liquidada e a hipoteca está cancelada (doc. 58 junto com a oposição).
59. A Requerida nunca recebeu financiamento por parte sociedade “I Limited”.
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III – O Direito
1. O recorrente (requerente do arresto) é um dos promitentes-compradores de fracção do edifício habitacional designado “Pear Horizon” que a “B” projectava construir em Macau. E alegando possuir um crédito sobre a requerida “B” no montante de MOP$ 5.003.404,00, e invocando receio de não o cobrar, por dificuldades económicas da requerida, pediu o arresto de contas bancárias ou de bens imóveis desta.
Primeiramente, o tribunal (sem audição da requerida) decretou o arresto do saldo da conta bancária da requerida.
Mas, a “B” deduziu posteriormente oposição, nos termos do art. 333º, nº1, al. b), do CPC, na sequência do que viria a ser proferida a sentença, ora impugnada, que ordenou o levantamento do arresto.
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1.1 - Os fundamentos para esta sentença centram-se, principalmente, na circunstância de se ter dado por provado que a “B” já saldou grande parte das dívidas dos promitentes-compradores perante os bancos que lhes emprestaram o capital para as aquisições das fracções, o que revelaria um propósito de resolver todas as questões e dificuldades decorrentes da impossibilidade de celebrar o contrato definitivo de compra e venda (que imputa, mesmo assim, à Administração) e, portanto, uma intenção de sempre satisfazer todas as suas obrigações perante os promitentes que ainda têm contra si pendentes acções em tribunal com vista ao recebimento do valor em dobro do sinal prestado, como é o caso do aqui recorrente.
Outro argumento que a sentença impugnada elege é a situação financeira da “B”, que, de acordo com os dados apurados, “não se mostra notoriamente desequilibrada”.
E, por assim ser, concluiu que inexiste o receio de perda de garantia do crédito por parte do requerente/ora recorrente.
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1.2 - No recurso, o recorrente defende que a decisão incorre em erro na apreciação da prova e em nulidade, por contradição entre fundamentos e decisão.
Quanto ao primeiro aspecto, a discórdia centra-se na inveracidade dos factos 54º e 57º tal como estão dados como provados.
Quanto ao segundo, alicerçado no art. 571º, nº1, al. c), do CPC, a alegada contradição radica no confronto entre a decisão propriamente dita (de levantamento do arresto) e a sua fundamentação concernente à situação patrimonial da requerida.
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2. Apreciando
2.1 - Para o recorrente os montantes apontados nos aludidos factos 54 (O activo da recorrida seria de MOP$ 6.388.068.868,98) e 57 (A recorrida possuiria em contas bancárias o saldo de MOP$ 5.776.770,54) não estão correctos e merecem ser corrigidos para MOP$ 4.519.227.923,00 e MOP$ 2.003.053,00, respectivamente.
De acordo com o facto 54, até 28/02/2019 o activo da “B” era de MOP$ 6.388.068.868,98. Para o recorrente, era apenas de MOP$ 4.519.227.923,00.
Ora, em primeiro lugar, mesmo perante esta diferença, jamais nos pareceria que ela fosse capaz de abalar a garantia de cumprimento do crédito da recorrente. Trata-se, efectivamente, de uma diferença quase negligenciável, atendendo ao tipo de empresa e às características da actividade altamente lucrativa a que se dedica, de tal modo que não se nos afigura ser representativa de uma situação “estável” denunciadora de um quadro periclitante de instabilidade financeira e material da empresa.
Em segundo lugar, a análise que foi feita pelo Tribunal recorrido e tal como ela nos é transmitida pela “Convicção” da sentença não merece menor crédito do que a afirmação ora trazida pelo recorrente. Basta ver o que ali foi assinalado, quando remete para o balanço entregue pela recorrida e para a justificação detalhada sobre o item referente ao balanço da recorrida pela testemunha J. A credibilidade destes dados não está abalada, tendo em conta a especificidade do tema, a análise perfunctória que é feita neste tipo de processos em providências cautelares como é esta, bem como os princípios que orientam a prova, como é o caso da imediação e da livre convicção.
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Quanto ao facto 57, devemos dizer que a impugnação não obedece com rigor aos cânones estritos estabelecidos no art. 599º, nº1, al. b), do CPC, já que o recorrente se limita a remeter para “o documento entregue pelos bancos ao Tribunal” (art. 10º da alegação), fazendo depois, ele mesmo, uma súmula dos dados que ele, pessoalmente, recolheu dos documentos bancários. Isto é, pensando talvez que isso favorecia a tarefa do tribunal na apreciação de cada um dos documentos, acabou por fugir à indicação precisa dos documentos que deveriam ser reapreciados. E isso, como se disse, escapa à firmeza com que o art. 599º está talhado no que respeita à indicação dos “concretos meios probatórios…” a considerar.
Não obstante, e em segundo lugar, como toda a gente sabe, os saldos bancários, especialmente quando são o resultado de contas à ordem, não são estáticos, em particular se pertencem a um depositante empresarial com a capacidade financeira aparente da “B”, mas antes dinâmicos e, portanto, constantemente sujeitos a alteração em razão dos movimentos de entradas e saídas, a crédito e a débito. Ora, se aquele resultado indicado pelo recorrente se reporta à data aludida no facto anterior, ou seja, 28/02/2019, então cremos que não pode ter o peso decisivo que o recorrente lhe confere para efeito do apuramento do requisito da solvabilidade da empresa.
Portanto, entendemos que não há razão para concluir, como nos é requerido, por uma alteração da matéria de facto consignada na 1ª instância.
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2.2 - A segunda questão do recurso consiste, na tese do recorrente, na alegada contradição entre fundamentos e decisão. O que traduziria a nulidade da sentença, com assento no art. 571º, nº1, al. c), do CPC.
Em nossa opinião, não há consistente razão para esta nulidade.
Nós percebemos o que o recorrente quer dizer, apesar de tudo. Na verdade, a sentença concedeu:
a) Que a recorrida tem bens arrestados e hipotecados; b) que realizou já o pagamento aos bancos dos empréstimos de grande número de promitentes compradores e que ainda há cerca de 200 promitentes que têm acções instauradas contra a recorrida para obter a restituição do dobro do sinal (como é o caso do recorrente; c) que admite que o património da recorrida “seja insuficiente para compensar a dívida”.
Ora bem. Face a este tipo de fundamentação, se fosse isoladamente considerada, não se justificaria a decisão de levantamento do aresto. Contudo, a sentença acabou por temperar aquela fundamentação com uma outra, que lhe serve de contraponto ou antídoto.
Disse, com efeito, que a recorrida já pagou aos bancos mutuantes quase todos os montantes emprestados aos promitentes compradores e que vai continuar a realizar esses pagamentos relativamente a todos os restantes promitentes, incluindo aqueles que têm acções judiciais dirigidas contra ela. E isso, em sua opinião, demonstra a intenção da recorrida em assumir voluntariamente a sua responsabilidade, o que fará diminuir consideravelmente o risco de ocultar e transferir bens para se furtar ao pagamento dos créditos aos contraentes.
Disse também que, numa análise global da conduta da recorrida após a caducidade da concessão de terras (lote P) e da prova obtida e da resposta da recorrida, haverá factos objectivos que justifiquem o levantamento do arresto, pois não há sinais de que ela tenha agido com o propósito de adiamento na realização do seu compromisso, sendo assim diminuído o receio de transferência dos seus bens.
Concluiu, assim, que eventual insuficiência patrimonial para satisfazer a dívida para com os promitentes-compradores não conduz necessariamente ao arresto e que o 2º requisito para o arresto se mostra ilidido.
Ou seja, o tribunal “a quo” encontrou maneira de justificar o levantamento do arresto. E ao fazê-lo, a decisão que o determinou acaba por estar em sintonia e em conformidade com a fundamentação. Razão pela qual não descortinamos o motivo de nulidade de sentença imputado à sentença.
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2.3 - Em suma, se os elementos de facto não merecem alteração e se inexiste contradição entre fundamentação e decisão, somos levados a ajuizar não haver motivo para revogação da sentença sindicada.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
T.S.I., 5 de Dezembro de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Proc. nº 1115/2019 22