Processo n.º 81/2017. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: Companhia de Corridas de Galgos Macau (Yat Yuen), SA.
Recorrido: Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
Assunto: Aplicação das leis de terras no tempo. Contrato de concessão por arrendamento. Lei de Terras. Prova de aproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano. Renovação de concessões provisórias. Declaração da caducidade do contrato de concessão. Prazo de concessão provisória. Audiência dos interessados. Procedimento administrativo. Princípio do aproveitamento dos actos administrativos praticados no exercício de poderes vinculados.
Data da Sessão: 29 de Novembro de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I – Os artigos 212.º e seguintes da nova Lei de Terras (Lei n.º 10/2013), entrada em vigor em 1 de Março de 2014, prevalecem sobre as disposições gerais relativas a aplicação de leis no tempo constantes do Código Civil.
II – No que respeita aos direitos e deveres dos concessionários a alínea 2) do artigo 215.º da nova Lei de Terras faz prevalecer o convencionado nos respectivos contratos sobre o disposto na lei. Na sua falta, aplica-se a nova lei e não a antiga lei (Lei n.º 6/80/M), sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do Código Civil nos termos do qual “a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular”.
III – Tendo em conta que o proémio do artigo 215.º da nova Lei de Terras já determina a aplicação da lei às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor, a intenção da alínea 3) do mencionado artigo 215.º, é a de aplicar imediatamente dois preceitos da lei nova (n.º 3 do artigo 104.º e artigo 166.º), mesmo contra o que esteja convencionado nos respectivos contratos (alínea anterior) e na lei antiga, quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário.
IV – A prova de aproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano faz-se mediante a apresentação pelo concessionário da licença de utilização (artigo 130.º da Lei de Terras). Feita a prova do aproveitamento, a concessão torna-se definitiva (artigo 131.º).
V – A Lei de Terras estabelece como princípio que as concessões provisórias não podem ser renovadas. A única excepção a esta regra é a seguinte: a concessão provisória só pode ser renovada a requerimento do concessionário e com autorização prévia do Chefe do Executivo, caso o respectivo terreno se encontre anexado a um terreno concedido a título definitivo e ambos estejam a ser aproveitados em conjunto (artigo 48.º).
VI - Decorrido o prazo de 25 anos da concessão provisória (se outro prazo não estiver fixado no contrato) o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade do contrato se considerar que, no mencionado prazo, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas. Quer isto dizer que o Chefe do Executivo declara a caducidade pelo decurso do prazo se o concessionário não tiver apresentado a licença de utilização do prédio, porque é mediante a apresentação desta licença que se faz a prova de aproveitamento de terreno urbano ou de interesse urbano.
VII - E o Chefe do Executivo não tem que apurar se este incumprimento das cláusulas de aproveitamento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário. Isto é, não tem que apurar se a falta de aproveitamento se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.
VIII - Nenhuma norma permite à Administração considerar suspenso o prazo de concessão provisória ou prorrogá-lo quando atingido o prazo máximo de concessão, de 25 anos.
IX - A requerimento do concessionário, o prazo de aproveitamento do terreno pode ser suspenso ou prorrogado por autorização do Chefe do Executivo, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo.
X - Sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no artigo 93.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
Companhia de Corridas de Galgos Macau (Yat Yuen), SA, interpôs recurso contencioso do despacho de 24 de Novembro de 2015, do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, que indeferiu requerimento da recorrente para aprovação de projectos e da revisão da concessão do terreno com a área de 5235m2, sito na Zona Industrial de Seac Pai Van, em Coloane, designado por Lote SK1, titulado por escritura pública de 30 Novembro de 1990.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI) negou provimento ao recurso.
Inconformada, interpõe Companhia de Corridas de Galgos Macau (Yat Yuen), SA recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando as seguintes questões:
- Nulidade do acórdão recorrido por insuficiente matéria de facto para fundamentar a não existência de erro sobre os pressupostos de facto do acto recorrido, ao ter imputado à recorrente silêncio desde 15 de Dezembro de 1993 até 14 de Maio de 2015 no processo, como causa para a não aprovação dos projectos e conclusão das obras;
- Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia quanto à violação dos princípios da justiça e da igualdade;
- Preterição da formalidade da audiência prévia, por parte do acto recorrido;
- Falta de fundamentação do acto recorrido;
- Erro sobre os pressupostos de facto do acto recorrido ao ter imputado à recorrente silêncio desde 15 de Dezembro de 1993 até 14 de Maio de 2015 no processo como causa para a não aprovação dos projectos e conclusão das obras e nulidade por insuficiência da matéria de facto do acórdão recorrido, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil;
- Violação de lei do acórdão recorrido ao entender ser aplicável o artigo 48.º da nova Lei de Terras;
- Violação de lei do acórdão recorrido ao não entender que os prazos de aproveitamento estavam suspensos;
- Violação do princípio da decisão por parte do acto recorrido;
- Violação dos princípios da boa-fé e da tutela da confiança por parte do acto recorrido;
- Violação do princípio da primazia da materialidade subjacente por parte do acto recorrido;
- Violação dos princípios da justiça e da igualdade por parte do acto recorrido;
- Violação dos princípios da adequação e da proporcionalidade por parte do acto recorrido;
- O acórdão recorrido violou a lei ao entender não ser possível a determinação da prática de acto devido.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, com excepção do vício de preterição da formalidade da audiência prévia, que considera procedente.
II – Os factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
1 - No dia 31 de Março de 1984, o ora Recorrente pediu a concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, de um terreno com a área de 385 m2, situado em Macau, na Estrada Marginal da Ilha Verde, descrito na CRP sob o nº 22466 a folhas 68 do livro B99M, que vinha a ocupar sem qualquer título.
2 - Por Despacho nº 17/SATOP/89, publicado no Boletim Oficial de Macau nº 52, 2º suplemento, de 26 de Dezembro de 1989, foi autorizada a concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, do terreno com a área de 5.235 m2, situado em Macau, Coloane, na Zona Industrial de SEAC PAI VAN, LOTE “SK 1”, a favor da Concessionária Companhia de Corridas de Galgos Macau (Yat Yuen) S.A, ora Recorrente,
3 - Tendo sido o prazo de concessão fixado em 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura pública,
4 - E o prazo global de aproveitamento do terreno foi fixado em 24 meses, contados da data de publicação no Boletim Oficial de Macau do despacho que autoriza o respectivo contrato.
5 - A referida concessão tinha por finalidade o aproveitamento do terreno em causa para a construção de vários edifícios até 2 pisos, destinados à criação de cães, a explorar directamente pelo Concessionário, dado que a Concessionária desenvolvia a sua actividade profissional no Canídromo em Macau e necessitava de um edifício de apoio ao seu negócio.
6 - Posteriormente, por escritura pública outorgada em 30 de Novembro de 1990 na Direcção dos Serviços de Finanças foi titulado o referido contrato de concessão.
7 - A Concessionária, ora Recorrente, pagou a totalidade das prestações do prémio do contrato no valor de MOP$1.572.928,00 deste 19 de Julho de 1991.
8 - Por despacho do SATOP de 30 de Agosto de 1993 exarado na informação nº 063/SOTSDB/98, de 6 de Agosto de 1993, constante a fls. 138 do processo administrativo, foi decidido o seguinte:
a) Afectar o loteamento de SEAC PAI VAN à finalidade habitacional em vez de industrial;
b) Atribuir a obra de regularização e loteamento do terreno a uma empresa com capacidade técnica para a sua execução.
9 - Por ofício nº 857/8111.01/SOLDEP/93 de 2 de Dezembro de 1993 constante a fls.143 do processo administrativo, foi comunicada à ora Recorrente a decisão referida.
10 - E por carta datada de 14 de Dezembro de 1993, veio a ora Recorrente concordar com a alteração da finalidade do terreno para fins habitacionais.
11 - A partir desta data a ora Recorrente não obteve por parte da DSSOPT qualquer outra comunicação relativamente a este assunto ou a qualquer outra decisão tomada quanto a este terreno.
12 - Resulta do despacho referido em 8 supra que, para além da comunicação que a DSSOPT deveria efectuar a cada um dos concessionários com vista a obter o seu acordo, muitas outras acções impendiam sobre a Administração, entre outras:
i. a aprovação de um plano de loteamento,
ii. a revisão do contrato com a EMPIMAC;
iii. a definição com a CM das Ilhas dos critérios e métodos de controle da exploração;
iv. a revisão de contratos de concessão.
13 - A ora Recorrente, enquanto Concessionária, teria que aguardar pela concretização deste plano de urbanização e de infra-estruturas a definir pelo Governo,
14 - E bem assim, teria que aguardar que a Administração viesse a concretizar a revisão do contrato com a EMPIMAC,
15 - Após o que, a recorrente seria contactada pela Administração com vista à revisão dos restantes elementos do contrato de concessão (uma vez que a mudança de finalidade já. havia sido modificada com a concordância da Recorrente).
16 - Desde o dia em que respondeu à Administração concordando com a alteração da finalidade do terreno, a recorrente não recebeu qualquer outro comunicado ou instrução da Administração, fosse em que sentido fosse.
17 – A Administração não procedeu a qualquer outro desenvolvimento quanto a esta questão.
18 - Numa Comunicação de Serviço Interno de 8/06/2007, constante a fls. 158 do processo administrativo, consta que:
“(...) devido à inexistência de infra-estruturas, à elaboração do Plano de Ordenamento de Coloane e à inviabilidade dos projectos industriais foram suspensos todos os processos de aproveitamento, autorizada a alteração da finalidade industrial para habitacional e iniciados estudos de definição das condicionantes urbanísticas do novo parque residencial. Até à presente data, devido aos atrasados no processo de revisão do contrato de concessão a favor da Empimac (empresa a quem foi autorizada a exploração da pedreira) bem como da definição das condições reguladoras do fim actividade e de recuperação da encosta do ponto de vista paisagístico, não foi ainda aprovado o loteamento e respectivas finalidades daquela zona (incluindo agora já os terrenos explorados pela Empimac) (...).” (Destacado nosso).
19 - Por outro lado, na Proposta nº 237/DSODEP/2015 de 13 de Novembro de 2015, a fls. 370 do processo administrativo, é referido no seu Ponto 7.1 o seguinte:
“As partes, a Administração e concessionária, não procederam à respectiva revisão do contrato de concessão, mantendo-se em silêncio desde 15 de Dezembro de 1993 até ao dia em que a concessionária apresentou o requerimento com entrada nº 03569/GSTOP/EN/2015 em 14 de Maio de 2015.”
20 - Assim, a falta de infra-estruturas nas imediações do Lote SK I e todos estes factores acima descritos fizeram com que a ora Recorrente tivesse que aguardar pela concretização do plano urbanístico.
21 - Desde 1993, apesar de não poder dar qualquer uso ao terreno concessionado, a Recorrente sempre manifestou o propósito de garantir a possibilidade de investir no terreno concessionado, conforme proposto no ofício da D.S.S.O.P.T. de N.º 857/8111.1/SOLDEP/93 de 2 de Dezembro de 1993 e aceite por carta datada de 14 de Dezembro de 1993.
22 - Para o efeito, apesar de não poder dar uso para os fins concessionados por alteração das condições imposta pela Administração, a Recorrente nunca deixou de pagar as rendas devidas.
23 - O Governo sempre cobrou as rendas referentes à concessão.
24 - O terreno em causa foi alvo de ocupação abusiva por parte de terceiros, tendo a concessionária intentado a acção judicial contra eles em 24/03/2008 que correu termos no Tribunal Judicial de Base sob o número CV3-08-0018-CAO, cujo exemplar se encontra junto ao processo administrativo a fls. 159 a 205.
25 - Bem como posterior Acção de Execução para Entrega de Coisa Certa sob a forma sumária que correu termos no mesmo Tribunal com o número CV3-08-0018-CAO-A, em 15/09/2009 (Cfr. doc. 1).
26 - Na constância deste processo os representantes da ora Recorrente, o Tribunal e os funcionários da Direcção dos Serviços de Cartografia, dirigiram-se ao local para entrega do mesmo (Cfr. doc. 2).
27 - Em 14/06/2013 a ora Recorrente apresentou queixa na PSP contra desconhecidos já que o terreno voltou a ser ocupado, seguindo o processo para os Serviços do Ministério Público com o número 5338/2013 (cfr Doc. 3).
28 - Na sequência dessas ocupações que visaram não apenas o lote concessionado à ora Recorrente mas também os lotes vizinhos, incluindo os lotes pertencentes ao Governo da RAEM, a DSSOPT enviou à Recorrente um oficio em 11/04/2011, que se encontra junto a fls. 209 do processo administrativo e no qual requer à concessionária, ora Recorrente, a remoção de objectos do local, bem como, a colocação de cerca para delimitar o Lote.
29 - A recorrente tem cumprido pontualmente com todas as suas obrigações enquanto concessionária, tendo pago pontual e assiduamente a respectiva renda de concessão à Direcção dos Serviços de Finanças.
30 - E tendo procedido aos necessários trabalhos de manutenção e limpeza, feito por sua iniciativa e por último a pedido da própria administração.
31 - Em 14 de Maio de 2015 a ora Recorrente veio a apresentar ao Exmo. Senhor Secretário para os Transporte e Obras Públicas, fazendo referência a todo o supra alegado historial, um pedido de revisão do contrato de concessão do lote SK1, sito na Zona Industrial de Seac Pai Van em Coloane, (cfr. fls. 267-272 do processo administrativo).
32 - No qual a Recorrente se propõe edificar um complexo habitacional especialmente destinado ao sector populacional, mas também para comércio e estacionamento.
33 - Foi o que aconteceu nos presentes autos, tendo a Requerente solicitado a planta de condições urbanísticas em 25 de Junho de 2015 (Cfr. Doc. 6).
34 – Foi então elaborada a proposta nº 237/DSODEP/2015, de 13/11/2015, cujo teor é o seguinte1:
Antecedentes do processo
1. Na sequência do Despacho n.º 17/SATOP/89, publicado no suplemento ao n.º 52 do Boletim Oficial de Macau, de 26 de Dezembro de 1989, por escritura pública de 30 de Novembro de 1990, foi concedido em regime de arrendamento e com dispensa de concurso público, a favor da Companhia de Corridas de Galgos de Macau (Yat Yuen), um terreno com a área de 5.235 m2, situado em Coloane, na Zona Industrial de SEAC PAI VAN, Lote "SK1", destinado à construção de vários edifícios até 2 pisos para a criação de cães. (Anexo 1) .
2. O prazo de concessão por arrendamento é de 25 anos, contados a partir da data da outorga da escritura pública de 30 de Novembro de 1990, ou seja, até 29 de Novembro de 2015.
3. O prémio no montante de $1.572.928,00 foi liquidado na sua totalidade, desde 19 de Julho de 1991. (Anexo 2)
4. Por despacho do então SATOP de 30 de Agosto de 1993, exarado na informação n.º 063/SOTSDB/98 de 06 de Agosto de 1993, foi decidido o seguinte:
1) Afectar o loteamento do Seac Pai Van à finalidade habitacional em vez de industrial.
2) Atribuir a obra de regularização e loteamento do terreno a uma empresa com capacidade técnica para a sua execução.
Pelo ofício n.º 857/8111.01/SOLDEP/93 de 02 de Dezembro de 1993, foi comunicada à requerente a decisão acima referida. (Anexo 3) .
5. Por documento com entrada n.º 11629 de 15 de Dezembro de 1993, a requerente manifestou a sua interesse na alteração da finalidade para fins habitacionais. (Anexo 4)
Situação Actual
6. Por despacho do STOP de 14 de Maio de 2015, o requerimento com entrada n.º 03569/GSTOP/EN/2015 apresentado em 14 de Maio de 2015 foi enviado a esta Direcção de Serviços em 19 de Maio de 2015 e registado sob o n.º 64961/2015, no qual a requerente solicitou a modificação do aproveitamento do terreno para finalidade de habitação, comércio e estacionamento. (Anexo 5) .
Análise
7. Podemos verificar que:
7.1. As partes, Administração e concessionária, não procederam à respectiva revisão do contrato da concessão, mantendo-se em silêncio desde 15 de Dezembro de 1993 até o dia que a concessionária apresentou o requerimento com entrada n.º 03569/GSTOP/EN/2015 em 14 de Maio de 2015;
7.2. A concessão do terreno em apreço está em natureza provisória tendo em conta o incumprimento do aproveitamento do terreno conforme a escritura pública de 30 de Novembro de 1990.
8. No caso em apreço, considerando que:
8.1. O prazo de arrendamento da concessão provisória não pode ser renovado nos termos do n.º 1 do artigo 48.° da Lei n.º 10/2013 «Lei de terras»;
8.2. O prazo de arrendamento do terreno é válido até 29 de Novembro de 2015, mas a solicitação já foi apresentada em 14 de Maio de 2015;
8.3. Quanto à revisão do contrato da concessão, devem ser concluídos os procedimentos nos temos da legislação em vigor, incluindo:
8.3.1. O procedimento da emissão de Planta de condições urbanística, de acordo com a Lei n.º 12/2013 «Lei do planeamento urbanístico» e Regulamento Administrativo n.º 5/2014 «Regulamentação da Lei do planeamento urbanístico» ;
8.3.2. O procedimento da apreciação, aprovação dos projectos apresentados, nos termos do Decreto-Lei n.º 79/85/M de 21 de Agosto «Regulamento Geral da Construção Urbana»;
8.3.3. O procedimento da revisão de contrato da concessão e a sua publicação no Boletim Oficial da RAEM conforme a Lei n.º 10/2013 «Lei de Terras»;
8.4. Além disso, a licença de obras para o seu aproveitamento do terreno só pode ser concedido após a conclusão de todos os procedimentos citados.
Conclusão
9. Assim sendo, propõe-se enviar à requerente a seguinte resposta:
- Dado que o prazo de arrendamento da concessão provisória não pode ser renovado nos termos do n.º 1 do artigo 48.° da Lei n.º 10/2013 «Lei de terras» e que o prazo de arrendamento da concessão provisória em causa é até 29 de Novembro de 2015, assim o tempo restante não é bastante para o seguimento da aprovação dos projectos e da revisão da concessão.
À consideração superior.
35 - O Secretário para os Transportes e Obras Públicas, despachou em 24/11/2015:
“Concordo” (fls. 372 do p.a.).
36 – Por ofício nº 8111.03/DSODEP/2015, de 27/11/2015, a recorrente é notificada do despacho do Secretário Para os Transportes e Obras Públicas, de 24 de Novembro de 2015, segundo o qual “respeitante ao pedido referido em epígrafe, dado que o prazo de arrendamento da concessão provisória não pode ser renovado nos termos do número 1 do artigo 48º da Lei nº 10/2013 “Lei de Terras” e que o prazo de arrendamento da concessão provisória é até 29 de Novembro de 2015, assim o tempo não é bastante para o seguimento da aprovação dos projectos e da revisão de concessão” (fls. 255 dos autos e 373 do p.a.).
***
III – O Direito
1. Questões a apreciar
Há que apreciar as questões suscitadas pela recorrente, atrás mencionadas,
2. Nulidade do acórdão recorrido por insuficiente matéria de facto, para fundamentar a não existência de erro sobre os pressupostos de facto do acto recorrido, ao ter imputado à recorrente silêncio desde 15 de Dezembro de 1993 até 14 de Maio de 2015 no processo, como causa para a não aprovação dos projectos e conclusão das obras
Alega a recorrente a nulidade do acórdão recorrido por insuficiente matéria de facto, para fundamentar a não existência de erro sobre os pressupostos de facto do acto recorrido, ao ter imputado à recorrente silêncio desde 15 de Dezembro de 1993 até 14 de Maio de 2015 no processo, como causa para a não aprovação dos projectos e conclusão das obras.
A tese da recorrente é a de que a apreciação do acórdão recorrido não encontra alicerce nos factos dados como provados.
No n.º 19 da matéria de facto provada, o acórdão recorrido deu como provado:
19 - Por outro lado, na Proposta nº 237/DSODEP/2015 de 13 de Novembro de 2015, a fls. 370 do processo administrativo, é referido no seu Ponto 7.1 o seguinte:
“As partes, a Administração e concessionária, não procederam à respectiva revisão do contrato de concessão, mantendo-se em silêncio desde 15 de Dezembro de 1993 até ao dia em que a concessionária apresentou o requerimento com entrada nº 03569/GSTOP/EN/2015 em 14 de Maio de 2015.”
E sobre a questão em apreço disse o acórdão recorrido:
“Pode, efectivamente, a recorrente achar que não se manteve em silêncio no período decorrido entre 15/12/1993 e o seu pedido formulado em 14/05/2015, e que o silêncio, se o houve e pelo contrário, se deve imputar à entidade recorrida.
Ora, esta invocação é de todo indiferente ao conteúdo do acto, salvo melhor opinião.
Realmente, a causa do indeferimento não se deve a qualquer silêncio que a Administração tenha imputado à recorrente, mas sim à falta de tempo para aprovação dos projectos e iniciação e conclusão das obras no prazo de seis meses que antecedia o termo do prazo geral da concessão. Estes foram os fundamentos de facto do acto”.
O acórdão recorrido estava a referir-se à fundamentação do acto, que consta da nº 237/DSODEP/2015, de 13/11/2015, do qual só transcreveu a parte conclusiva no n.º 34 da matéria de facto provada, mas para a qual remeteu, ao indicar as fls. do processo administrativo em que se encontrava (369-372), e que agora se fez constar daquele n.º 34 da matéria de facto provada.
Improcede a questão suscitada.
3. Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia quanto à violação dos princípios da justiça e da igualdade
Imputa a recorrente a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia quanto à violação dos princípios da justiça e da igualdade, por apenas ter efectuado uma análise comparativa com o caso referente ao Lote SN, nada tendo dito sobre os casos tratados nos 16 processos administrativos identificados nos autos.
Mas isso não configura omissão de pronúncia sobre a questão em apreço. Esta só ocorre quando o tribunal não conhece de uma questão, não quando o tribunal não faz uma análise esgotante, que pode fazer incorrer em erro de julgamento, mas não em nulidade.
Improcede a questão suscitada.
4. Preterição da formalidade da audiência prévia
A recorrente entende que houve preterição da formalidade da audiência prévia, por parte do acto recorrido.
Sobre esta matéria, disse o acórdão recorrido:
“1.1 - Por esta formalidade se não ter realizado, pugna a recorrente pela anulação do acto.
Pois bem. Segundo uma certa perspectiva, esta audiência de interessados nem seria sequer necessária se fosse de entender que o objecto do recurso contencioso não consubstanciaria um verdadeiro acto administrativo, mas sim e apenas como um mero “acto informativo”, como o chegou a defender a entidade recorrida na sua peça contestatória (cfr. art. 10º, 12º, da contestação).
Como nós não pensamos que o acto em apreço possa ser tomado como uma mera informação, em virtude de apresentar uma dispositividade decisória (já tivemos ocasião de o afirmar no despacho de fls. 739-740), vejamos, então, se a recorrente deveria ter sido notificada para apresentar em audiência de interessados a sua posição pessoal sobre o caso.
Em nossa opinião, não.
Em primeiro lugar, após o pedido referido no ponto 31 da matéria de facto, não houve desenvolvimentos instrutórios de significado relevante.
Com efeito, a este pedido seguiu-se somente a informação nº 237/DSODEP/2015, onde foi apresentado o “histórico” desta concessão e se chamou a atenção para o termo próximo do prazo da concessão e a dificuldade para o facto de não restar tempo bastante para o prosseguimento procedimental para a aprovação dos projectos e da revisão da concessão. Foi, pois, um informe meramente expositivo, bem ao jeito de uma comunicação dando conta dos antecedentes, relatando sobre o actual “estado das coisas” e concluindo por uma opinião sobre o modo de resolver o pedido.
Ou seja, este acto procedimental não passou disso mesmo: de uma mera informação constatativa; não foi um acto de trâmite necessário à decisão administrativa que se lhe seguiu. Nada de novo trouxe ao procedimento, não era acto que trouxesse um aporte específico ao sentido da decisão, não era “…conduta destinada a captar e estabelecer os dados de facto que servirão de base à ponderação e à eleição inerentes ao acto de decidir” e, em vez disso, não passava de um “…enunciado de uma solução que o autor do acto poderia, por si só e sem mais, aplicar ao requerimento em apreço.” (Ac. do STA, de 24/10/2001, Proc. nº 046934).
A referida informação era, pois, “dispensável” à economia e ao conteúdo do acto decisório. Portanto, o acto ora sindicado podia muito bem ser proferido sem esta “informação”.
Dito isto, não se pode afirmar que a decisão do Secretário do Governo só foi aquela por causa dessa “informação”. Dito de outra maneira ainda, a “informação” não foi decisiva e determinante para o sentido do acto administrativo aqui sindicado. E é sabido que “Só faz sentido ouvir os interessados em situações em que eles possam ser surpreendidos com uma base probatória com que não contassem ou com a alteração inesperada de uma situação jurídica que até ao momento moldava e enquadrava os seus interesses” (Ac. do TSI, de 28/06/2012, Proc. nº 458/2011).
Portanto, da mesma maneira que o Secretário do Governo podia muito bem decidir imediatamente o requerimento em apreço e sem qualquer adicional “informação interna” (que nem sequer é, no caso, “informação técnica”), assim também se pode dizer que a “informação” em causa não tem atributos de instrução relevante.
E sendo assim, por não se poder dizer ter havido uma verdadeira instrução, não se pode considerar que devesse ter tido lugar a audiência de interessados, face ao disposto no art. 93º do CPA.
*
1.2 - Depois, e como acertadamente observa a entidade recorrida, o momento em que este requerimento foi apresentado não deixava já qualquer margem temporal para qualquer eventual deferimento ser consequente.
Não esqueçamos que estamos perante uma concessão provisória, tendo em conta que o prazo inicialmente concedido para o aproveitamento (24 meses) contado da data da escritura pública datada de 30/11/1990, terminava em 29/11/1992. E note-se que este aproveitamento nunca foi efectuado dentro desse prazo.
Ora, é sabido que, em regra, as concessões provisórias não podem ser renovadas (art. 48º, da Lei de Terras: Lei nº 10/2013), salvo no caso do nº2 do mesmo artigo (excepção aqui não aplicável).
É certo, por outro lado, que por despacho do SATOP de 30/08/1993 foi decidido afectar SEAC PAI VAN a finalidade habitacional, em vez de industrial (facto 8), o que a recorrente aceitou (facto 10).
A recorrente vem arguir que esteve à espera todo este tempo (até ao momento em que apresentou o pedido de revisão em 13/05/2015) (facto 31).
No entanto, este facto não pode atentar contra as regras legais e contratuais estabelecidas concernentes ao prazo de caducidade.
Quer dizer, independentemente da pessoa a quem seja atribuída a culpa – a) que a recorrente imputa à Administração, em virtude de nunca esta, alegadamente, ter procedido à alteração do plano e demais diligências e formalidades que seria preciso desencadear para conformar a tarefa construtiva à nova finalidade; b) que a entidade recorrida imputa à recorrente, por esta nunca esta ter realizado o aproveitamento de acordo com a nova finalidade -, a verdade é que o tempo foi decorrendo e o prazo foi-se consumindo, estando já perto do fim quando a recorrente apresentou o requerimento em apreço (14/05/2015).
A seis meses do fim do prazo geral da concessão (terminava em 29/11/2015) veio ela apresentar aquela pretensão construtiva de acordo com a nova finalidade.
Ora, nessa altura, já não era possível a renovação da concessão provisória, face ao art. 48º da Lei de Terras, como já foi dito.
Em todo o caso, ainda que a comunicação do despacho de 30/08/93 (mesmo para além do prazo do aproveitamento) de que a finalidade inicial seria alterada pudesse vir a abrir um novo quadro jurídico permissivo de uma potencial alteração revisão sinalagmática, com eventual novo prazo de aproveitamento, por exemplo, o certo é que a recorrente, por sua iniciativa, nada fez até Maio de 2015.
Repetimos: não interessa discutir aqui a sua eventual culpa ou se esta, pelo contrário, é imputável à entidade administrativa competente. Limitamo-nos ao facto objectivo. Se este mesmo pedido tivesse sido apresentado dois, três ou quatro anos antes, quem sabe se ele não pudesse ter sido deferido (é que, nessa hipótese, já não havia razão que pudesse ser invocada acerca da proximidade do fim do prazo geral da concessão)!!
Mas, a seis meses do fim do prazo da concessão já não seria possível manter o prazo geral da concessão, pois a aprovação dos projectos e o aproveitamento com a actividade construtiva jamais se poderiam realizar em tempo tão curto. Seria impossível a todos os níveis.
Ora, como bem sabemos, a declaração de caducidade por efeito do decurso do prazo (por alguma doutrina designada caducidade-preclusão) é imposta por lei (arts. 41º, 48º, nº1, 52º, da Lei nº 10/2013) à entidade competente (Chefe do Executivo: art. 167º da citada Lei). Trata-se, pois, de uma actividade vinculada.
Isto significa que, meia dúzia de meses após o pedido formulado pela recorrente, a entidade competente não podia deixar de vir a declarar a caducidade da concessão, independentemente da imputabilidade da culpa na mudança de planos, na alteração da finalidade, na apresentação e aprovação dos projectos e, enfim, no início ou conclusão das obras.
E por ser de natureza vinculada o acto que o Chefe do Executivo sempre teria que praticar no caso concreto, o despacho que aqui foi praticado nunca poderia, de igual modo, deixar de ter o conteúdo que teve. Corresponderia, aliás, a grande desfaçatez e má fé se o Secretário do Governo deferisse tal pretensão, bem sabendo que a recorrente nunca poderia realizar o aproveitamento face ao inevitável despacho de declaração de cancelamento da concessão por parte do Chefe do Executivo.
Por conseguinte, mesmo na tese de que aquela “informação” tivesse toda a virtude de diligência instrutória relevante, em qualquer caso haveríamos de chegar à conclusão de que, por se inserir em actividade vinculada, sempre estaríamos em presença de uma formalidade que se degrada em formalidade não essencial ao abrigo do princípio do aproveitamento do acto administrativo.
Em suma, por qualquer uma das razões indicadas, somos a entender que não se verifica no caso o vício de forma por falta de audiência de interessados”.
Concordamos com este entendimento.
Improcede a questão suscitada.
5. Falta de fundamentação do acto recorrido
Imputa a recorrente ao acto recorrido a falta de fundamentação, continuando a insistir que a fundamentação é a que consta de um texto de 5 linhas, de que foi notificada, quando está farta de saber que não é essa a fundamentação do acto. Esta é a que consta da proposta mencionada no n.º 34 da matéria de facto provada, sobre a qual o acto recorrido disse: Concordo. Com isto remeteu expressamente para a proposta, que contem fundamentação cabal, congruente e suficiente para o indeferimento da pretensão da recorrente.
Improcede a questão suscitada.
6. Erro sobre os pressupostos de facto do acto recorrido ao ter imputado à recorrente silêncio desde 15 de Dezembro de 1993 até 14 de Maio de 2015 no processo, como causa para a não aprovação dos projectos e conclusão das obras
Alega a recorrente erro sobre os pressupostos de facto do acto recorrido ao ter imputado à recorrente silêncio desde 15 de Dezembro de 1993 até 14 de Maio de 2015 no processo, como causa para a não aprovação dos projectos e conclusão das obras.
A razão para o indeferimento consta claramente da conclusão da proposta, que data de 13 de Novembro de 2015, 16 dias antes do termo da concessão, aprovada pelo acto recorrido do Secretário para as Obras Públicas e Transportes:
“Conclusão
9. Assim sendo, propõe-se enviar à requerente a seguinte resposta:
- Dado que o prazo de arrendamento da concessão provisória não pode ser renovado nos termos do n.º 1 do artigo 48.° da Lei n.º 10/2013 «Lei de terras» e que o prazo de arrendamento da concessão provisória em causa é até 29 de Novembro de 2015, assim o tempo restante não é bastante para o seguimento da aprovação dos projectos e da revisão da concessão”.
Portanto, não é exacto que o acto recorrido tenha indeferido os requerimentos da recorrente por inacção sua.
Improcede a questão suscitada.
7. Aplicação da Lei de Terras no tempo e caducidade da concessão pelo decurso do prazo da concessão
Alega a recorrente violação de lei do acórdão recorrido ao entender ser aplicável o artigo 48.º da nova Lei de Terras, e ao não entender que os prazos de aproveitamento estavam suspensos. Bem como violações dos princípios da boa-fé e da tutela da confiança, da primazia da materialidade subjacente, justiça e da igualdade, adequação e da proporcionalidade por parte do acto recorrido.
Sobre todas estas questões, começando pela relativa à aplicação da Lei de Terras no tempo, já nos pronunciámos, por unanimidade, em mais de uma dezena de acórdãos, para os quais remetemos. Tal fundamentação aplica-se também ao princípio da primazia da materialidade subjacente, ao que parece invocado pela 1.ª vez num processo destes.
Referimo-nos, além dos mais, aos acórdãos de 23 de Maio de 2018, no Processo n.º 7/2018 e de 12 de Dezembro de 2018, no Processo n.º 90/2018, para os quais remetemos.
8. Violação do princípio da decisão por parte do acto recorrido
Suscita a recorrente que houve violação do princípio da decisão por parte do acto recorrido por não ter decidido.
Mas houve decisão, que foi a de indeferir a pretensão do recorrente por faltarem 6 dias para o decurso do prazo de 25 anos, sem que ainda se não tivessem iniciado as obras, nem sequer aprovado projectos.
Improcede a questão suscitada.
9. Violação da lei por parte do acórdão recorrido ao entender não ser possível a determinação da prática de acto devido
Considera a recorrente que houve violação da lei por parte do acórdão recorrido ao entender não ser possível a determinação da prática de acto devido.
Improcedendo todos os fundamentos para a anulação do acto recorrido, obviamente não era e não é possível determinar a Administração à prática de acto devido, que seria o de deferimento da pretensão da recorrente.
IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 12 UC.
Junte cópias dos acórdãos de 23 de Maio de 2018, no Processo n.º 7/2018 e de 12 de Dezembro de 2018, no Processo n.º 90/2018.
Macau, 29 de Novembro de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator)(Vencido quanto ao vício de preterição de audiência prévia) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
1 Cita-se a totalidade da Proposta.
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Processo n.º 81/2017
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Processo n.º 81/2017