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Processo nº 1061/2019 Data: 28.11.2019
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “furto”.
Elementos típicos.
Matéria de facto.
Absolvição.



SUMÁRIO

  Se a decisão recorrida deu como “não provada” a matéria de facto referente ao “elemento subjectivo” do tipo de crime – de “furto” – imputado ao arguido, e se de um exame à mesma e aos autos se constatar que o decidido não padece de nenhum “vício” do art. 400°, n.° 2, al. a), b) e c) do C.P.P.M., imperativa é a confirmação da decretada absolvição.

O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 1061/2019
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (A), assistente com os sinais dos autos, vem recorrer do Acórdão proferido pelo T.J.B. que absolveu o arguido B (B), da imputada prática de 1 crime de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 1, al. a) e 196°, al. a) do C.P.M., assacando ao decidido o vício de “erro na aplicação do direito”; (cfr., fls. 312 a 322 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Respondendo, pugnam o Ministério Público e o arguido no sentido de que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 330 a 332-v e 325 a 329).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“A assistente A recorre do acórdão absolutório de 12 de Abril de 2019, proferido nos autos CR4-18-0432-PCC, em que é arguido B, seu marido, sustentando que o acórdão incorreu em erro na aplicação da lei.
Quer o Ministério Público, quer o arguido, estão contra os argumentos do recurso da assistente, defendendo a bondade da solução decisória adoptada pelo acórdão impugnado.
Estava em causa um crime de furto levado a cabo pelo arguido, que estava separado de facto da ofendida assistente, o qual consistiu na subtracção da quantia de HKD $145 019,80, retirada de uma mochila, pousada na varanda do quarto da ofendida, espaço a que o arguido acedeu sem autorização da ofendida que, na ocasião, estava a tomar banho.
O acórdão deu como não provados, entre outros factos, que o arguido haja causado prejuízo à assistente e que tenha subtraído e feito seu um bem alheio, chamando à colação, na decisão absolutória a circunstância de a assistente e o arguido serem casados em comunhão de adquiridos e de estar em causa um montante de dinheiro integrado no património comum do casal, e convocando em abono da sua posição a jurisprudência e a doutrina que cita.
São conhecidas as questões e as divergências que se suscitam a propósito da temática do furto nos casos de comunhão de mão própria em que o arguido é um dos titulares do bem comungado.
Temos para nós, que a solução mais adequada nestes casos é a defendida por Faria Costa in Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, tomo II, página 43, segundo a qual, se a coisa comum é divisível sem perda de valor, como sucede com as coisas fungíveis e, em especial, com o dinheiro, então aquele dos comungantes que faz sua a parte ideal dos demais comete, relativamente a esta parte, um crime de furto. E isso sucedeu, primeiro com a assistente, que se apoderou da totalidade do dinheiro comum, quando o casal avançou para a separação de facto; e sucedeu, depois, com o arguido, desta feita já em plena vigência da separação de facto, apoderando-se este da totalidade do dinheiro comum.
Todavia, no caso em análise, esta solução não se mostra viável por efeito do recurso. É que a matéria tida por não provada – e que não foi posta em causa, através de qualquer dos vícios assacáveis ao respectivo julgamento, nos termos do artigo 400.°, n.° 2, do Código de Processo Penal, vícios que, de resto, não se evidenciam ao ponto de deverem ser suscitados oficiosamente – impede um veredicto condenatório. Não provados certos elementos do tipo, como sucedeu, não se pode ter por cometido o crime, pelo que a absolvição se impunha.
Neste entendimento, não é possível dirigir um juízo de censura ao acórdão, mostrando-se improcedentes os fundamentos do recurso.
Ante o exposto, o nosso parecer vai no sentido do não provimento do recurso”; (cfr., fls. 422 a 423).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 299-v a 301-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Insurge-se a assistente contra o decidido no Acórdão do T.J.B. que absolveu o arguido da imputada prática de 1 crime de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 1, al. a) e 196°, al. a) do C.P.M.; (cfr., fls. 298 a 306-v).

É de opinião que incorreu o Tribunal a quo no vício de “erro na aplicação do direito”.

Cremos haver equívoco.

Com efeito, dando aqui como reproduzido o que no Acórdão recorrido se consignou, e mostrando-se-nos de acompanhar – no essencial – o que no douto Parecer que antecede se deixou exposto, apresenta-se-nos que o presente recurso não pode proceder, sendo de confirmar a decisão absolutória proferida e ora recorrida.

De facto, e independentemente do demais, (do entendimento que se tenha sobre a eventual punição, a título de “furto”, de “coisas comuns”; cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 18.05.2006, Proc. n.° 222/2005), o certo é que a factualidade dada como provada é manifestamente insuficiente para se poder considerar verificado o “elemento subjectivo” do imputado crime, (que foi dado como não provado), e sendo que a “decisão da matéria de facto”, (provada e não provada), se apresenta em conformidade com o estatuído no art. 114° do C.P.P.M., não padecendo de qualquer “vício” do art. 400°, n.° 2, al. a), b) e c) do mesmo código, visto está que se impõe a confirmação da decisão recorrida que absolveu o arguido, ora recorrido, do imputado crime de “furto”.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo assistente, com a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor do arguido no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 28 de Novembro de 2019
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 1061/2019 Pág. 8

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