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Processo n.º 112/2019. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Chefe do Executivo.
Assunto: Suspensão da eficácia do acto. Acto negativo.
Data da Sessão: 13 de Novembro de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
   A eficácia de um acto administrativo que decide um concurso público pode ser suspensa por não ser um acto puramente negativo, antes produzindo alterações na Ordem Jurídica.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
O Dr. A requereu a suspensão da eficácia do despacho do Chefe do Executivo, de 30 de Maio de 2019, que rejeitou o recurso hierárquico interposto pelo recorrente da lista de classificação final dos candidatos do curso de formação de notários privados.
Para tal, alegou o seguinte, quanto ao requisito de prejuízo de difícil reparação:
“24.º
Tendo por base que o concurso é aberto para 40 vagas e que os restantes formandos aprovados no curso de formação ficam aptos a serem nomeados em caso de eventuais vagas que se verifiquem durante o prazo de validade do curso fácil é de verificar que o provimento do recurso contencioso de anulação que anule o despacho de concordância cuja suspensão se requer, não teria efeitos úteis pois não poderia o ora Requerente ser provido numa das 40 vagas.
25.º
Está, pois, por demais demonstrado o prejuízo de difícil reparação decorrente do acto suspendendo e, como tal, preenchido o requisito a que alude o n.º 1 do artigo 121.° do CPAC”.

O Tribunal de Segunda Instância (TSI) indeferiu o requerido, por acórdão de 5 de Setembro de 2019, por entender que o acto é puramente negativo, não podendo ser suspenso e que se o recurso contencioso for procedente o acto administrativo será anulado e os actos consequentes serão considerados nulos, pelo que não tem razão de ser o receio do requerente. Entendeu, ainda, existir grave lesão do interesse público se o acto for suspenso.
Inconformado, interpõe o Dr. A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), defendendo que o acto tem uma vertente positiva, podendo ser suspenso, que não existe grave lesão do interesse público se o acto for suspenso e que se o recurso contencioso for procedente o acto administrativo for anulado e os actos consequentes forem considerados nulos, haverá um candidato que verá a sua licença cancelada e que os actos que terá entretanto praticado serão anulados, pondo em causa a segurança jurídica do comércio.

II - Os Factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
O Exmo. Senhor Chefe do Executivo autorizou a abertura de concurso para admissão ao curso de formação de notários privados para a atribuição de 40 licenças de notário privado.
O requerente, depois de ter concluído o curso de formação, teve a classificação final de 51,840 e foi graduado em 41.º na lista classificativa final.
De imediato o requerente interpôs recurso administrativo do resultado da lista classificativa final e pediu a alteração da sua classificação final original de 51,840 para 65,960 valores.
Em 30 de Maio de 2019, o Exmo. Senhor Chefe do Executivo rejeitou o recurso administrativo interposto pelo requerente e manteve inalterada a classificação final dele.

III – O Direito
1. As questões a apreciar
São três as questões a apreciar, as de saber se o acto administrativo não pode ser suspenso por ser puramente negativo e se o acórdão recorrido julgou bem ao considerar não demonstrados pelo requerente os requisitos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.

2. Acto de conteúdo negativo
Ao contrário do que decidiu o acórdão recorrido, a eficácia do acto administrativo dos autos pode ser suspensa porque ela tem utilidade evidente para o recorrente. “Na verdade, a suspensão do acto que decide de um concurso público tem um evidente interesse para o candidato preterido e é efectivamente possível. Com a suspensão da eficácia do acto, o candidato retira uma vantagem. Com esta suspensão, a adjudicação não pode tornar-se efectiva, o que corresponde ao interesse do candidato preterido na manutenção do statu quo, até à decisão final do recurso contencioso que decida da adjudicação. Só assim se garante o princípio da tutela jurisdicional efectiva, a que se refere o artigo 2.º”1.

3. Prejuízos de difícil reparação
No caso dos autos é requisito da concessão da suspensão de eficácia do acto administrativo recorrido que a execução deste cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso [alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso].
Como dissemos no acórdão de 14 de Novembro de 2009, no Processo n.º 33/2009, “Mesmo que o interessado sofra danos com a execução de um acto administrativo, se lograr obter a anulação do acto no respectivo processo, pode, em execução de sentença, ser indemnizado dos prejuízos sofridos. E se esta via não for suficiente pode, ainda, intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Por isso, só se os prejuízos forem de difícil reparação, isto é, que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais, é que a lei admite a suspensão da eficácia do acto”.
A anulação de um acto que decide a atribuição de licenças em número fixo, no âmbito de um concurso público, tem sempre inconvenientes, mais fáceis ou mais difíceis de serem ultrapassados.
No caso dos autos, se o recurso contencioso interposto pelo ora recorrente fosse procedente, não haveria qualquer inconveniente que a Administração, em vez de 40 licenças de notário privado, atribuísse 41, para remediar um erro seu: bastava a alteração do Despacho do Chefe do Executivo n.º 231/2017.
Mas ainda que assim não fosse, não alegou o ora recorrente no recurso contencioso qualquer prejuízo de difícil reparação da execução do acto para o recorrente, como se vê da leitura dos mencionados artigos 24.º e 25.º, únicos dedicados ao tema.

4. Lesão grave do interesse público
Por fim, concorda-se com o acórdão recorrido na avaliação que este fez da grave lesão para o interesse público, que constituiria a suspensão da nomeação dos novos 40 notários privados, já que os últimos nomeados foram em 2000 e desde aí a situação económica de Macau mudou substancialmente, sendo fácil entender que são necessários actualmente muitos mais notários que há cerca de 20 anos atrás. Assim, se o acto fosse suspenso, o tempo que demorará a haver decisão final transitada no recurso contencioso lesaria consideravelmente o interesse público.
Com o que falece o recurso jurisdicional.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 4 UC.
Macau, 13 de Novembro de 2019.


Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa

     1 VIRIATO LIMA e ÁLVARO DANTAS, Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, Macau, CFJJ, 2015, p. 341.
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