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Processo nº 1067/2019(I)
(Autos de recurso penal)
(Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. No âmbito dos presentes Autos de Recurso Penal proferiu o ora relator a seguinte “decisão sumária”:

“Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida a violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 123 a 138 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 140 a 141-v).

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Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Inconformado com o despacho de 06 de Setembro de 2019, que lhe recusou a liberdade condicional, dele recorre o recluso A.
Na sua motivação de recurso, assevera que todos os requisitos exigidos para a concessão da liberdade condicional estavam preenchidos, pelo que, ao denegar a libertação condicional, a decisão recorrida teria efectuado uma incorrecta apreciação dos pressupostos materiais para tanto necessários, violando, por erro de aplicação e interpretação, a norma do artigo 56.°, n.° 1, do Código Penal, no que é contrariado pelo Ministério Público, em cuja resposta vem sustentada a bondade do julgado.
Está em causa ajuizar se estão ou não preenchidos os requisitos materiais de que a lei faz depender a concessão da liberdade condicional.
É sabido que a liberdade condicional é de aplicação casuística, dependendo a sua concessão do juízo de prognose indiciador de que o recluso vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em consonância com as regras de convivência, bem como da ponderação da compatibilidade entre a libertação antecipada e a defesa da ordem jurídica e da paz social. Trata-se, no fundo, de verificar se estão satisfeitas as exigências de prevenção especial e de prevenção geral, tal como imposto pelo artigo 56.°, n.° 1, do Código Penal.
No caso vertente, tendemos para considerar, tal como opinou a decisão recorrida, que ainda se suscitam algumas dúvidas em sede de prevenção especial. O recorrente, apesar do bom comportamento registado em contexto prisional, aí sendo credor de confiança, não forneceu indicadores claros que apontem para uma expiação da pena subordinada ao arrependimento sincero. Sem justificação aparente, não solveu as custas. E também não tem participado em acções de aprendizagem ou formação, para cuja ausência apenas tem justificação no início do cumprimento de pena. A avaliação da sua personalidade e a sua evolução durante a execução da pena não saem assim facilitadas, não resultando traduzidas em comportamento activo a assunção da sua responsabilidade e a admissão do erro, sem o que, mau grado o bom comportamento, não poderá falar-se de contrição e arrependimento expiatórios. Pois bem, na ausência de indicadores que, com alguma objectividade, apontem para o arrependimento, ainda não é possível arriscar um juízo de prognose favorável sobre a sua reinserção na sociedade em conformidade com as regras de convivência, como acabou por concluir o despacho recorrido.
Depois, também há que ponderar a questão da prevenção geral. Prevenção geral positiva ou de integração, enquanto exigência de tutela do ordenamento jurídico, que se manifesta primordialmente no momento chave da aplicação da pena, mas que não pode menosprezar-se na avaliação das condições de concessão da liberdade condicional – cf. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, parágrafos 283 e 852.
Também deste ponto de vista é possível acompanhar as considerações aduzidas no despacho recorrido para julgar não satisfeito este requisito. Com efeito, o recluso, não residente de Macau, percorreu uma distância considerável para se instalar em Macau, onde, de forma organizada, traficou diferentes e diversos tipos de drogas, como se salienta no despacho impugnado. Dada a gravidade e o impacto social dos seus actos de tráfico ilícito de droga, e faltando ainda mais de um ano para o cumprimento da pena, não é de excluir que a sua libertação possa acarretar desconfiança quanto à efectiva vigência e eficácia das normas violadas e colocar em causa as finalidades de prevenção positiva que não podem deixar de ser salvaguardadas na concessão da liberdade condicional, as quais em Macau são particularmente prementes.
Somos, assim, a concluir que a decisão recorrida efectuou uma correcta ponderação dos aspectos a considerar na concessão da liberdade condicional, em consonância com os comandos do artigo 56.° do Código Penal, pelo que, na improcedência da argumentação do recorrente, deverá ser negado provimento ao recurso”; (cfr., fls. 203 a 204).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– por Acórdão do T.J.B. de 12.12.2014, foi, A, ora recorrente, condenado como autor material da prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, na pena única de 7 anos de prisão;
– o mesmo recorrente, deu entrada no E.P.C. em 09.01.2014, e em 08.09.2018, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 08.01.2021;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá viver com os seus pais, em LIAONING, R.P.C..

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).

Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).

“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 09.01.2014, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Trata-se de um incidente de execução da pena de prisão a que preside uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, e que assenta na formulação de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro e em liberdade, do condenado que já cumpriu parte considerável da pena; (cfr., Figueiredo Dias in, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 528).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.07.2019, Proc. n.° 759/2019, de 05.09.2019, Proc. n.° 891/2019 e de 10.10.2019, Proc. n.° 963/2019, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Cremos que de sentido negativo deve ser a resposta.

Com efeito, atento o tipo de crime cometido, (o de “tráfico de estupefacientes”), a “quantidade” e “qualidade” de estupefaciente em questão, (4 espécies de estupefacientes – Canabis, Ketamina, Metanfetamina e Cocaína), os seus prejuízos e malefícios para a saúde pública, muito fortes são as necessidades de prevenção criminal (geral), e, ponderando na pena aplicada e no período de pena que falta cumprir, apresenta-se-nos, por ora, (manifestamente) inviável considerar como verificado o pressuposto do art. 56, n.° 1, al. b) do C.P.M., pois que, importa acautelar a repercussão de tal criminalidade na sociedade, o que equivale a dizer que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico, (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo, igualmente, que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”, impondo-se, também por isso, uma reafirmação social mais intensa da validade das normas jurídicas violadas; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106 e o Ac. da Rel. do Porto de 10.01.2018, Proc. n.° 417/15).

Como no recente Ac. do T.R. de Évora de 05.02.2019, (Proc. n.° 669/16), se considerou, importa ter em conta que “a compatibilidade da libertação condicional com a defesa da ordem e da paz social não se reconduz, restritivamente, à previsível ausência de expressões públicas de inconformismo, mas antes, mais latamente, à compatibilidade da libertação condicional com a defesa da sociedade e a prevenção da prática de crimes”, não sendo de se olvidar também que nos termos do art. 43°, n.° 2 do C.P.M.: “A execução da pena de prisão serve igualmente a defesa da sociedade, prevenindo o cometimento de crimes”.

Assim, em face das expostas considerações, e verificado não estando os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., à vista está a solução.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, decide-se rejeitar o recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 3 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.
(…)”; (cfr., fls. 206 a 212 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, veio o recorrente reclamar do decidido, alegando que o seu recurso não devia ser considerado manifestamente improcedente, (e rejeitado), insistindo também no entendimento que em sede do seu recurso tinha deixado exposto; (cfr., fls. 217 a 223).

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Sobre este expediente, assim opinou o Exmo. Representante do Ministério Público:

“O recorrente A reclama para a conferência da decisão sumária. de fls. 205 e seguintes, que rejeitou o seu recurso por manifesta improcedência.
Estava em causa a concessão da liberdade condicional, tendo a decisão de primeira instância sido confirmada pela decisão sumária objecto da reclamação.
O recorrente não se conforma e reitera as suas críticas, desta feita não apenas contra a decisão de primeira instância, mas igualmente contra a decisão sumária, aqui particularmente devido às considerações tecidas quanto à natureza e quantidade da droga envolvida no crime de tráfico de estupefacientes cometido pelo recorrente.
Cremos que nenhuma razão lhe assiste.
Seja-nos permitido remeter, antes de mais, para o nosso parecer exarado a fls. 203 a 204 dos autos, em cujos considerandos deixámos expressos os motivos da nossa discordância quanto à pretendida libertação condicional, apoiando o veredicto da primeira instância, ao qual nenhuma censura havia a dirigir.
No mesmo sentido apontou a decisão sumária.
E a referência à natureza e quantidade da droga encontra-se inserida num contexto de abordagem do aspecto da prevenção geral de integração, a que o artigo 56.°, n.° 1, alínea b), do Código Penal, manda atender. A compatibilidade da libertação com a defesa da ordem jurídica e da paz social é um dos aspectos a ponderar, como resulta daquela norma, e que, no dizer de Figueiredo Dias, não pode menosprezar-se na avaliação das condições de concessão da liberdade condicional – cf. As Consequências Jurídicas do Crime, § § 283 e 852.
Não há, assim, qualquer reparo a apontar à decisão sumária, pois, como dos seus fundamentos se apura, era patente a improcedência do recurso.
Daí que deva ser mantido o seu sentido decisório, indeferindo-se a reclamação”; (cfr., fls. 227 a 227-v).

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Por despacho do ora relator, foram os presentes autos conclusos para visto dos Mmos Juízes-Adjuntos, (cfr., fls. 228), e, seguidamente, inscritos em tabela para decisão em conferência.

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Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

2. Invocando a faculdade que lhe é legalmente reconhecida pelo art. 407°, n.° 8 do C.P.P.M., vem o recorrente reclamar da decisão sumária nos presentes autos proferida e atrás transcrita.

Porém, evidente é que não se pode reconhecer mérito à sua pretensão, muito não se mostrando necessário aqui consignar para o demonstrar.

Com efeito, a decisão sumária agora reclamada apresenta-se clara e lógica na sua fundamentação – nela se tendo efectuado correcta identificação e tratamento das questões colocadas – e acertada na solução.

Na verdade, pelos motivos que na referida decisão sumária se deixaram expostos, e como bem observa o Ministério Público na Resposta que se deixou transcrita, patente se mostra que justo e adequado foi o decidido no despacho do Mmo Juiz do T.J.B. objecto do recurso pelo ora reclamante trazido a este T.S.I., o que, por sua vez, implica, a necessária e natural conclusão de que se impunha, como sucedeu, a sua total confirmação.

Dest’arte, e mais não se mostrando de consignar, já que o ora reclamante se limita a repisar o já alegado e adequadamente apreciado da decisão sumária agora em questão, inevitável é a improcedência da apresentada reclamação.

Decisão

3. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam julgar improcedente a reclamação apresentada.

Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$800,00.

Registe e notifique.

Macau, aos 28 de Novembro de 2019
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
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