Processo nº 720/2019
Data do Acórdão: 21NOV2019
Assuntos:
Acção executiva
Embargos de executado
Fundamentos dos Embargos
SUMÁRIO
1. A razão de ser do artº 697º/-g) do CPC é a preocupação por parte do legislador de que, não obstante o reconhecimento da obrigação exequenda por decisão judicial transitada em julgado, se pode dar o caso de, posteriormente ao encerramento da discussão no processo de declaração, terem ocorrido factos extintivos ou modificativos da situação jurídica apreciada e declarada pela sentença que o exequente se serve de título executivo.
2. E ao impor que os factos extintivos ou modificativos da obrigação exequenda tenham de ser posteriores ao encerramento da discussão do processo de declaração, o legislador pretende evitar, por um lado, que o processo executivo sirva para destruir o caso julgado, para invalidar o benefício que a sentença atribuiu ao exequente e por outro, que obste a que os embargos de executado se convertem numa renovação do litígio a que pôs termo a sentença que se executa.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 720/2019
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I
Por apenso à acção declarativa ordinária registada sob o nº CV1-15-0003-CAO, corre a presente execução que se funda na sentença condenatória proferida naquela acção declarativa.
Nesta execução que lhe move a B Contracting & Engineering Company Limited, veio C Limitada deduzir os embargos de executado, pedindo que o crédito da Embargada-Exequente e respectiva quantia exequenda fossem declarados extintos e requerendo que, ao abrigo do disposto no artº 223º do CPC, por se verificar a existência de causa prejudicial, fosse decretada a suspensão dos presentes embargos, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na acção ordinária intentada em 16NOV2018 no TJB.
Devidamente autuados e conclusos ao Exmº Juiz a quo, os presentes embargos de executado foram liminarmente indeferidos nos termos seguintes:
C LIMITADA, com os demais sinais dos autos vem deduzir embargos à execução em que é exequente B工程有限公司 (B CONTRACTING & ENGINEERING COMPANY LIMITED).
Para tanto invoca a extinção da obrigação exequenda por compensação, por se entender que é titular de dois créditos sobre a Embargada / Exequente no valor de HKD$2,930,000.00 e de HKD$2,308,571.00 o que perfaz o valor global de HKD$5.238,571.00, aos quais acrescem juros de mora à taxa legal desde 18 de Novembro de 2008 até à presente data.
Cumpre decidir
Dispõe a alínea g) do artigo 697.º do CPC que “se a execução se basear em sentença, os embargos só podem ter algum dos fundamentos seguintes: qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento (...)”.
Como resulta da lei, o legislador não permite a invocação em embargos das excepções próprias que se baseie em pressupostos já verificadas à data do encerramento da discussão.
Nos presentes autos o título executivo é a sentença condenatória dos autos principais.
O crédito que a Embargada invoca para servir como excepção de compensação resulta das cláusulas penais contratuais inerentes às as obras de empreitada que se já tinha discutido nos autos principais da acção declarativa.
A compensação ora arguida, a existir, teria baseado em pressupostos já verificados à data do encerramento da discussão.
Trata-se de uma excepção em sentido próprio que não pode ser feita valer nos embargos quando se baseie em pressuposto já verificados à data do encerramento da discussão.1
Assim e sem mais delongas, o embargo ora requerido deve ser liminarmente julgado improcedente por manifesto falta de fundamento.
Por essa via, também deixou de ter interesse a apreciação do pedido da suspensão da instância dos embargos.
Nestes termos, julgo improcedente o embargo, prosseguindo-se a execução.
Custas a cargo do embargante.
Registe e Notifique.
Não se conformando com este despacho que lhe indeferiu os embargos por deduzidos, vem agora a Embargante C Limitada recorrer dela para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo e pedindo:
I. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido nos presentes autos, de fls. 103, que rejeitou liminarmente os embargos, com o fundamento de que “o legislador não permite a invocação em embargos das excepções próprias que se baseiem em pressupostos já verificados à data do encerramento da discussão.”;
II. Sucede que, em conformidade com o já decidido por este Tribunal Superior no processo n.º 149/2018, a aqui Embargante-Recorrente “nunca formulou qualquer pedido reconvencional no sentido de pedir o reconhecimento dos seus créditos”, só tendo invocado a compensação “nas alegações de direito após o julgamento da matéria de facto", com o que "o Tribunal não tem o dever de a apreciar”;
III. Daqui só poderá concluir-se que o respectivo facto extintivo é, processualmente, posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração: de outra maneira não poderia deixar de ter sido ali apreciado;
IV. Ainda que o facto extintivo possa ser materialmente anterior ao encerramento da discussão no processo de declaração, jamais poderia deixar de ser levado em conta por se correlacionar com o exercício de um direito que subsiste autonomamente;
V. É no encadeamento do objectivo final dos embargos - extinção da execução - que devem ser analisados e qualificados os factos que a Embargante alegou, em conjugação com a sentença dada a execução e o acórdão deste Tribunal que sobre ela veio a recair;
VI. Quando chamado a analisar o direito à compensação da ora Embargante em sede declarativa, na vertente da compensação-excepção, este douto Tribunal Superior acabou por reconduzir a apreciação e o reconhecimento dos contra-créditos daquela para uma acção declarativa;
VII. Os embargos de executado consubstanciam verdadeiras acções declarativas, estruturalmente autónomas, aqui se podendo lançar mão do regime substantivo da compensação previsto nos artigos 838.° e seguintes do Código Civil, designadamente do n.º 3 do dito artigo que legitima a invocação desse meio de defesa mesmo quando se trate de créditos ilíquidos;
VIII. No caso concreto, depois de ter sido confrontada com uma pretensão executiva (i.e., litígio de pretensão insatisfeita), a Embargante-Executada deduziu embargos (artigo 697.º, al. h), instrumento que é susceptível de projectar efeitos idênticos aos que ocorreriam no âmbito de uma acção declarativa (i.e., litígio de pretensão contestada), com a única particularidade de visarem a declaração de extinção da acção executiva;
IX. As figuras típicas da excepção de não cumprimento, do direito de retenção e da figura da compensação, associadas às regras da boa fé, da equidade e da Justiça como valor imanente, permitem que se enuncie um princípio geral em torno da legitimidade da recusa de cumprimento como forma de tutela do direito de crédito;
X. “Corresponde à natureza das coisas que um sujeito que seja obrigado a realizar uma prestação a favor de outrem que não se dispõe a cumprir uma obrigação exigível de que é, por sua vez, devedor para com o primeiro, bem assim não tenha de realizar uma prestação quando é credor do seu credor e as duas obrigações têm por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade” (Ana TAVEIRA DA FONSECA);
XI. O despacho recorrido fez uma interpretação errónea e restritiva da alínea g) do artigo 697.° do CPC de Macau.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se consequentemente o despacho de fls. 103, mais se recebendo os embargos e determinando a prossecução da respectiva tramitação, assim se fazendo JUSTIÇA.
A Embargada-Exequente contra-alegou defendendo a improcedência do recurso (fls. 151 a 154 dos p. autos).
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
In casu, não há questões de conhecimento oficioso.
Portanto, a única questão que constitui o objecto da nossa apreciação consiste em saber se o que foi invocado pela Executada-Embargante, ora recorrente, nos embargos deduzidos, pode ser atendível como fundamento válido para a oposição à execução instaurada pela Exequente B Contracting & Engineering Company Limited.
À execução, dispõe o artº 677º do CPC, que apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos exarados ou autenticados por notário que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 689.º, ou de obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
A presente execução tem por base uma sentença condenatória.
O artº 697º do CPC enumera taxativamente os fundamentos invocáveis para opor à execução, no caso em que se basear numa sentença condenatória a execução.
O artº 697º dispõe que:
Se a execução se basear em sentença, os embargos só podem ter algum dos fundamentos seguintes:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta ou nulidade da citação para a acção declarativa, quando o réu não tenha intervindo no processo;
e) Incerteza, iliquidez ou inexigibilidade da obrigação exequenda, não supridas na fase preliminar da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento, salvo tratando-se da prescrição do direito ou da obrigação, que pode ser provada por qualquer meio.
Foi com base no fundamento previsto na alínea g) que a Executada-Embargante opôs à execução contra ela movida.
Todavia, por interpretação a contrario da mesma alínea g) que o Tribunal a quo indeferiu liminarmente a oposição por não verificação dos requisitos exigidos.
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Para nós, bem andou o Tribunal a quo e a decisão é acertada.
Ora, a razão de ser dessa alínea g) é a preocupação por parte do legislador de que, não obstante o reconhecimento da obrigação exequenda por decisão judicial transitada em julgado, se pode dar o caso de, posteriormente ao encerramento da discussão no processo de declaração, terem ocorrido factos extintivos ou modificativos da situação jurídica apreciada e declarada pela sentença que o exequente se serve de título executivo.
Portanto, ao contrário do que sucede com a exigência legal quanto aos fundamentos dos embargos à execução baseada noutros títulos executivos, onde é admissível a invocação pelo executado de quaisquer fundamentos que lhe seria permitido deduzir como defesa no processo de declaração, a lei exige, quanto aos fundamentos para opor à execução baseada no título judicial, que o facto extintivo ou modificativo da obrigação, invocado pelo executado como fundamento da oposição por embargos, tenha de ser sempre posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e que tenha de se provar por documento.
A diferenciação justifica-se pela força e pela autoridade do caso julgado que reclamam o regime mais restritivo e severo do que sucede com execuções baseadas em títulos não judiciais.
E ao impor que os factos extintivos ou modificativos da obrigação exequenda tenham de ser posteriores ao encerramento da discussão do processo de declaração, o legislador pretende evitar, por um lado, que o processo executivo sirva para destruir o caso julgado, para invalidar o benefício que a sentença atribuiu ao exequente e por outro, que obste a que os embargos de executado se convertem numa renovação do litígio a que pôs termo a sentença que se executa – cf. Alberto dos Reis, in Processo de Execução, vol. 2, pág. 28.
In casu, feita uma leitura atenta da sentença condenatória do TJB e do Acórdão do TSI que a confirmou, que a Exequente-embargada se serviu de título executivo, ora constante das fls. 168 e s.s., verificamos que os factos ora invocados pela Executada-Embargante como factos extintivos da obrigação exequenda já constam da matéria de facto assente e tidos em conta naquela sentença condenatória do TJB, e não impugnados em sede do recurso interpostos para o TSI onde a mesma sentença foi confirmada na íntegra
Logo os tais factos não podem ser considerados como factos posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração.
O que é aliás igual ao entendimento do Tribunal a quo.
Portanto, não podemos deixar de concluir que bem andou o Tribunal a quo e não se nos afigura outra solução melhor do que a de louvar aqui despacho recorrido e, nos termos autorizados pelo artº 631º/5 do CPC, remetendo para os Doutos fundamentos invocados na decisão recorrida e julgando improcedente o recurso da Executada-Embargante e confirmando despacho recorrido.
Em conclusão:
3. A razão de ser do artº 697º/-g) do CPC é a preocupação por parte do legislador de que, não obstante o reconhecimento da obrigação exequenda por decisão judicial transitada em julgado, se pode dar o caso de, posteriormente ao encerramento da discussão no processo de declaração, terem ocorrido factos extintivos ou modificativos da situação jurídica apreciada e declarada pela sentença que o exequente se serve de título executivo.
4. E ao impor que os factos extintivos ou modificativos da obrigação exequenda tenham de ser posteriores ao encerramento da discussão do processo de declaração, o legislador pretende evitar, por um lado, que o processo executivo sirva para destruir o caso julgado, para invalidar o benefício que a sentença atribuiu ao exequente e por outro, que obste a que os embargos de executado se convertem numa renovação do litígio a que pôs termo a sentença que se executa.
Tudo visto resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente o recurso, mantendo na íntegra o despacho recorrido que indeferiu liminarmente os embargos deduzidos pela Executada.
Custas do recurso pela recorrente.
Registe e notifique.
RAEM, 21NOV2019
(Relator)
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
1 Vide LEBRE DE FREITAS, A Acção executiva, Coimbra Edituora, p. 145 a 149.
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720/2019-4