Processo nº 1080/2019 Data: 21.11.2019
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Revogação da suspensão da pena.
SUMÁRIO
1. A revogação da suspensão da execução da pena não é automática, não funcionando “ope legis”.
O legislador pretende “salvar”, até ao limite, a pena de substituição da suspensão da pena, surgindo a sua revogação como “última ratio”.
2. Porém, perante a (repetida) insistência na prática de ilícitos criminais por parte de um arguido, revelando, claramente, não ser merecedor de um “juízo de prognose favorável”, outra solução não existe que não seja uma “medida detentiva”, sob pena de manifestação de falência do sistema penal para a protecção de bens jurídicos e autêntico “convite” à reincidência.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 1080/2019
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. B (B), com os restantes sinais dos autos, vem recorrer do despacho pela Mma Juiz do T.J.B. proferido que lhe revogou a suspensão da execução da pena única de 2 anos e 9 meses de prisão que lhe tinha sido decretada por decisão de 17.05.2019; (Proc. n.° CR4-18-0306-PCC).
E, tanto quanto se colhe da sua motivação e conclusões de recurso – que, como sabido é, delimitam o âmbito deste – entende, em síntese, que verificados não estão os pressupostos legais para a decisão proferida e agora objecto da presente lide recursória, considerando violado o art. 53° e 54° do C.P.M.; (cfr., fls. 404 a 409 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Em Resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 416 a 418).
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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer pugnando também pela improcedência do recurso.
Tem o Parecer o teor seguinte:
“Na Motivação de fls.404 a 409 dos autos, o recorrente solicitou a revogação do douto despacho em escrutínio (cfr. fls.387v a 388 dos autos), e a manutenção da suspensão da execução ou a aplicação de condições mais severas, assacando a violação da disposição no art.54.° do Código Penal.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações do ilustre colega na douta Resposta (cfr. fls.416 a 418 dos autos).
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Ora bem, o n.°1 do art.54° do Código Penal prevê: A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no decurso dela, o condenado a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Interpretando este n.°1, a brilhante jurisprudência alerta (vide. aresto do TS1 no Processo n.°211/2006): 3. Na decisão de revogação ou não da suspensão deve tomar-se em consideração a ratio do próprio instituto de suspensão, isto é, o julgador deve concentrar-se na procura da verificação ou não da ideia prognose social favorável. 4. O que é decisivo na decisão sobre as consequências possíveis (modificação ou revogação) é a ponderação do grau da violação do dever, a sua personalidade, comportamento e condições de vida. Caso se conclua que haja violação grosseira ou repetitiva, pode e deve tomar-se imediatamente aplicável a revogação, caso contrário, deve encontrar uma das medidas possíveis enumeradas no art.53° do Código Penal.
Importa também ter presente a sensata tese que inculca (vide. aresto do TSI no Processo n.°979/20I7): 1. A revogação da suspensão da execução da pena não é automática, não funcionando "ope legis", pretendendo o legislador "salvar", até ao limite, a pena de substituição da suspensão da pena, surgindo a sua revogação como "última ratio". 2. Porém, perante a (repetida) insistência na prática de ilícitos criminais, ou de grosseira e reiterada violação das obrigações impostas, revelando, claramente, não ser o arguido merecedor de um "juízo de prognose favorável", outra solução não existe que não seja uma "medida detentiva", sob pena de manifestação de falência do sistema penal para a protecção de bens jurídicos e autêntico "convite" à reincidência.
No vertente caso, os documentos de fls.360 a 367v dos autos tornam inquestionável que o recorrente voltou a cometer reiteradamente crimes durante as suspensões da execução. Essas condutas demonstram inequivocamente que ele ignorou e despreza por completo as oportunidades. Ponderando tais condutas em harmonia com as citadas orientações jurisprudenciais, não podemos deixar de colher que a finalidade subjacente à suspensão da execução não podem, por meio dela, ser alcançada, daí o douto despacho recorrido não ofende o preceito no n.°1 do art.54° do CPM, mas está em perfeita conformidade com a ratio axiológica da alínea b) do n.°1 acima, portanto é impecável e inatacável.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 438 a 439).
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
2. Como se deixou relatado, vem o arguido recorrer do despacho proferido pela Mma Juiz do T.J.B. que lhe revogou a suspensão da execução da pena única de 2 anos e 9 meses de prisão que lhe tinha sido imposta por decisão de 17.05.2019; (cfr., fls. 387-v a 388).
Alega que verificados não estavam os pressupostos legais para tal decisão, imputando à decisão recorrida o vício de “violação do art. 53° e 54° do C.P.M.”.
Porém, apresenta-se-nos que nenhuma razão lhe assiste. Aliás, em sede da Resposta ao recurso e posterior Parecer, dá já o Ministério Público clara e cabal resposta à pretensão do ora recorrente, pouco havendo a acrescentar.
Seja como for, não se deixa de consignar o seguinte.
–– Antes de mais, somos de notar que não colhe a alega “ignorância” do ora recorrente quanto à condenação na pena que lhe foi revogada.
Com efeito, em sede da audiência de julgamento nos autos de Processo Sumário n.° CR5-19-0042-PSM, cuja condenação constitui o fundamento da dita revogação, declarou “confirmar” a supra referida “condenação”, nos exactos termos em que já constava do C.R.C. junto aos autos, (cfr., fls. 34-v).
–– Dito isto, vejamos.
Nos termos do art. 54° do C.P.M.:
“1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no decurso dela, o condenado
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2. A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado”; (sub. nosso).
E, nesta conformidade, atento o preceituado no art. 54°, n.° 1, al. b), e constatando-se que o ora recorrente voltou a incorrer na prática de ilícitos criminais, fazendo descaso absoluto da advertência que lhe foi feita e da oportunidade que lhe foi concedida, outra solução não se mostra possível.
De facto, o recorrente, após a condenação no âmbito dos presentes autos, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, (pela prática dos crimes de “usura para jogo com exigência ou aceitação de documento” e “sequestro”), voltou, cerca de 1 mês depois, a ser condenado pelo crime de “reentrada ilegal” em pena de prisão (efectiva) de 4 meses; (cfr., CR5-19-0049-PSM).
Não se nega, (e assim temos entendido), que a revogação da suspensão da execução da pena não é automática, não funcionando “ope legis”, e que o legislador pretende “salvar”, até ao limite, a pena de substituição da suspensão da pena, surgindo a sua revogação como “última ratio”; (no mesmo sentido, cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 13.09.2017, Proc. n.° 254/15, aqui citado como mera referência, e o Acórdão do ora relator de 17.01.2019, Proc. n.° 1109/2018 e a Decisão Sumaria de 23.04.2019, Proc. n.° 394/2019).
Todavia, face à (repetida) postura do ora recorrente em delinquir, fazendo descaso absoluto de uma (recente) condenação e oportunidade concedida, impõe-se pois dizer que outra solução não se nos apresenta como possível, pois que revelado está que as “finalidades que estavam na base da dita suspensão da pena (agora revogada) não puderam ser alcançadas”.
Como ensinava Jescheck: “o tribunal deve dispor-se a correr um risco aceitável, porém se houver sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para aproveitar a oportunidade ressocializadora que se lhe oferece, deve resolver-se negativamente a questão do prognóstico”; (in, “Tratado de Derecho Penal” – Parte General – Granada 1993, pág. 760, e, no mesmo sentido, o Ac. da Rel. de Lisboa de 05.05.2015, Proc. n.° 242/13, e da Rel. de Coimbra de 27.09.2017, Proc. n.° 147/15, onde se consignou que “Na formulação deste juízo [de prognose] o tribunal deve correr um risco prudente pois a prognose é uma previsão, uma conjectura, e não uma certeza. Quando existam dúvidas sérias e fundadas sobre a capacidade do agente para entender a oportunidade de ressocialização que a suspensão significa, a prognose deve ser negativa e a suspensão negada”, in “www.dgsi.pt”).
Com efeito, perante a (repetida) insistência na prática de ilícitos criminais por parte de um arguido, revelando, claramente, não ser merecedor de um “juízo de prognose favorável”, outra solução não existe que não seja uma “medida detentiva”, sob pena de manifestação de falência do sistema penal para a protecção de bens jurídicos e autêntico “convite” à reincidência, (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Guimarães, de 13.04.2015, Proc. n.° 1/12), impondo-se uma reafirmação social mais “intensa” da validade da norma jurídica violada; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. do Porto de 10.01.2018, Proc. n.° 417/15).
Dest’arte, e constatando-se que com a sua “conduta”, o ora recorrente, invalidou, de forma definitiva e totalmente, a prognose favorável que suportou a aplicação da pena de prisão suspensa na sua execução, ou seja, a expectativa de, através da suspensão da pena se manter afastado da delinquência, (cfr., o Ac. Rel de Coimbra de 28.06.2017, Proc. n.° 508/13), há que decidir em conformidade.
Decisão
3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Pagará o recorrente a taxa de justiça de 4 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 21 de Novembro de 2019
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc. 1080/2019 Pág. 12
Proc. 1080/2019 Pág. 11