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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------
--- Data: 26/11/2019 ---------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. José Maria Dias Azedo -----------------------------------------------------------------

Processo nº 1159/2019
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. B, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 66 a 71 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 73 a 74-v).

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação (cfr. fls.66 a 71 dos autos), o recorrente solicitou a revogação do douto despacho recorrido e a sua substituição pela decisão de deferir o pedido da liberdade condicional, assacando-lhe o erro de direito contemplado no n.º1 do art.400º do CPP e a violação do preceito no art.56º do Código Penal de Macau (CPM).
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações da ilustre Colega na douta Resposta (vide. fls.73 a 74 verso dos autos).
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No dia de hoje, constitui jurisprudência firme que a concessão da liberdade condicional depende do preenchimento cumulativo de todos os pressupostos, quer formais quer substanciais, consignados no art.56º do CPM, bastando a não verificação de qualquer um para se negar o pedido da liberdade condicional (a título exemplificativo, Acórdão do TSI no Processo n.º195/2003).
Importa recordar que a liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa por mera boa conduta prisional, e serve na política do C.P.M. um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o recluso possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º50/2002)
Daí decorre que se, não obstante um comportamento prisional adequado, pelo passado do recluso e perspectivas de reintegração se não se formula um juízo de prognose favorável a uma regeneração e se teme pelas razões de prevenção geral (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º225/2010). Ainda se inculca reiteradamente que cada situação deve ser observada caso a caso, num circunstancialismo de modo, tempo e lugar próprios, analisando de forma crítica a personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo se vai reinserir na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo ainda constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social. (cfr. Acórdãos do TSI nos Processos n.º225/2010 e n.º404/2011)
Envolvendo conceitos indeterminados de prognose, as alíneas a) e b) do n.º1 do art.56º dotam aos julgadores certa margem de livre apreciação na interpretação e na valorização, pelo que a convicção de não verificação dos pressupostos subjectivos só poderia ser neutralizado se houvesse uma exemplar e excelente evolução activa da personalidade do recluso durante a execução da prisão, e não um mero comportamento passivo cumpridor das regras básicas de conduta prisional. (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º9/2002)
No caso sub judice, quanto à prevenção especial, a MMª Juiz a quo aponta prudentemente “故此,雖然被判刑人在服刑期間在參與職訓方面表現積極,但考慮到其以往的生活狀況、犯罪情節,以及行為不法性的嚴重程度,本法庭認為尚需時間再予以觀察,方能確信倘釋放被判刑人,其能抵禦犯罪所帶來的金錢收益的誘惑,踏實地向正當的人生目標前進,並以對社會負責任的方式生活及不再犯罪。因此,本案現階段尚未符合《刑法典》第56條第1款a)項的要件。”
A nível da prevenção geral, lá lê-se que “眾所周知,毒品犯罪對人體健康的損害、完整家庭的破壞及對社會的危害性都非常嚴重,以人體運毒甚至對行為人本身造成極大風險,而且外地人士在澳門從事販毒活動的情況在本地區至今仍未見有效遏止。更甚者,吸毒及販毒的行為出現越趨年輕化的情況。故此,普羅大眾均希望嚴厲打擊毒品犯罪,並對於透過刑罰以阻嚇及譴責相關犯罪行為,以恢復對法律秩序權威之期望更高。本法庭認為,在處理此類個案時,必須重點考慮一般預防的滿足,以免對潛在的犯罪者釋出錯誤訊息,使之將澳門視為犯罪的樂土。本案中,考慮到餘下刑期仍較長,倘若現時釋放罪犯,難免會動搖社會公眾對法律制度之信心,不利於維護法律秩序及社會安寧。”
Assim, não obstante se militarem, nos autos, umas circunstâncias favoráveis ao recorrente, mas, na esteira das persuasivas jurisprudências supra citadas, sufragamos, sem reserva, a prudente avaliação e a cristal preocupação da MMª Juiz a quo, no sentido de aquele ainda não preencher, por ora, os pressupostos consagrados no n.º1 do art.56º do CPM.
Com efeito, como bem observou a MMª Juiz a quo, existe ainda a séria dúvida de que o recorrente tenha já adquirido a estável capacidade de conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem ir cometer crime; e prevê-se razoavelmente que a colocação dele em liberdade nesta altura não é compatível com a paz social e a prevenção geral.
De qualquer modo, importa ter presente que é generalizadamente consabido que em termos comparativos, as sanções penais do ordenamento jurídico da RAEM são muito mais benevolentes. Daí que os julgadores de Macau devem tentar esforços e providências necessárias para evitar a desastre de ser destino ou “paraíso” de delinquentes.
Nesta linha de perspectiva, não podemos deixar de entender que não tem cabimento o pedido da recorrente, e não merece censura alguma o douto despacho em escrutínio.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 81 a 82-v).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– por Acórdão do T.J.B. de 06.06.2014, foi, B, ora recorrente, condenado pela prática como autor material de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, na pena de 9 anos e 3 meses de prisão;
– o mesmo recorrente deu entrada no E.P.C. em 27.07.2013, e em 27.09.2019, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 27.10.2022;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, tenciona voltar a viver com a sua família na Tanzânia, de onde é natural.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Porém, e como já se deixou adiantado, apresenta-se-nos evidente a improcedência do presente recurso.

Vejamos.

— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).

Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).

“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 27.07.2013, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Trata-se de um incidente de execução da pena de prisão a que preside uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, e que assenta na formulação de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro e em liberdade, do condenado que já cumpriu parte considerável da pena; (cfr., Figueiredo Dias in, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 528).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.07.2019, Proc. n.° 759/2019, de 05.09.2019, Proc. n.° 891/2019 e de 17.10.2019, Proc. n.° 992/2019, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Cremos que de sentido negativo deve ser a resposta.

Com efeito, atento o tipo de crime cometido, (o de “tráfico de estupefacientes”), a quantidade e qualidade em questão, (577,71 gramas de Heroína), os seus prejuízos e malefícios para a saúde pública, muito fortes são as necessidades de prevenção criminal (geral), especialmente, na situação dos autos, dada a vertente de “crime transfronteiriço”, e, ponderando na pena aplicada e no período de pena que falta cumprir, (e que atinge o seu términus em 27.10.2022, portanto, a cerca de 2 anos e 11 meses), afigura-se-nos que há que se acautelar a sua repercussão na sociedade, o que equivale a dizer que, (pelo menos, por ora), não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico, (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo, igualmente, que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”, impondo-se, também por isso, uma reafirmação social mais intensa da validade das normas jurídicas violadas; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106 e o Ac. da Rel. do Porto de 10.01.2018, Proc. n.° 417/15).

Como no recente Ac. do T.R. de Évora de 05.02.2019, (Proc. n.° 669/16), se considerou, importa ter em conta que “a compatibilidade da libertação condicional com a defesa da ordem e da paz social não se reconduz, restritivamente, à previsível ausência de expressões públicas de inconformismo, mas antes, mais latamente, à compatibilidade da libertação condicional com a defesa da sociedade e a prevenção da prática de crimes”, não sendo de se olvidar também que nos termos do art. 43°, n.° 2 do C.P.M.: “A execução da pena de prisão serve igualmente a defesa da sociedade, prevenindo o cometimento de crimes”.

Assim, em face das expostas considerações, e verificado não estando os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., à vista está a solução.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 3 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 26 de Novembro de 2019

José Maria Dias Azedo
Proc. 1159/2019 Pág. 14

Proc. 1159/2019 Pág. 1