Processo nº 510/2019
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I
B, instaurou no Tribunal Judicial de Base acção de processo comum do trabalho, contra a Yyy Yyy Yyy, S. A. (doravante abreviadamente designada YYY), ambos devidamente identificados nos autos.
A acção veio a ser julgada parcialmente procedente pela seguinte sentença:
I – RELATÓRIO
B, casado, de nacionalidade nepalesa, residente habitualmente em Macau, na Avenida ......, Edifício “...... Garden – ... Iun”, ...º andar “...”, na Taipa, titular do Passaporte da República Democrática Federal do Nepal nº 06****** de 20 de Agosto de 2013, emitido pela autoridade competente da República Democrática Federal do Nepal, veio intentar a presente
Acção de Processo Comum do Trabalho contra
YYY YYY YYY, S.A., (adiante, YYY), com sede na Avenida ......, Hotel ......., ....º andar, Macau.
Concluiu pedindo que seja julgada procedente por provada a presente acção e, em consequência ser a Ré condenada a pagar ao Autor:
a) MOP$72.100,00 a título de subsídio de efectividade, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
b) MOP$19.312,50, a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
c) MOP$54.075,00, a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
d) MOP$34.408,00, pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho prestado, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
e) MOP$115.875,00, pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento;
f) Em custas e procuradoria condigna.
Juntou os documentos constantes de fls. 15 a 22.
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Realizada a tentativa de conciliação pelo MP, não chegou a acordo entre as partes.
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A Ré contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 56 a 68 dos autos.
Concluiu pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos do Autor.
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Realiza-se a audiência de discussão e de julgamento com observação de todo o formalismo legal.
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II – PRESSSPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é competente em razão da matéria, hierarquia e internacional.
O processo é próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTO
Discutida a causa, resultam provados os seguintes factos:
O Autor foi recrutado pela Sociedade Z – Serviço de Apoio e Gestão Empresarial Cia, Lda. – e, exerceu a sua prestação de trabalho ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/2003 (Cfr. fls.16 a 22, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (A)
O referido contrato de prestação de serviço foi objecto de apreciação, fiscalização e renovação por parte da Entidade Pública competente. (B)
Entre 24/05/2004 a 20/07/2016 o Autor exerceu as suas funções para a Ré (YYY) prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (C)
Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para a Ré, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (D)
Aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau. (E)
Desde o início da prestação de trabalho até 31 de Março de 2010, a Ré procedeu a uma dedução no valor de HK$750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (F)
A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pela Ré e/ou pela agência de emprego. (G)
Durante todo o período de trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e instruções da Ré e ou dos seus directos responsáveis. (1º)
O Autor sempre respeitou os períodos, os horários e os locais de trabalho fixados pela Ré. (2º)
Até Março de 2010, a Ré pagou ao Autor a quantia de HK$7.500,00, a título de salário de base mensal. (3º)
Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré, sem prejuízo de 24 dias de férias anuais por cada ano civil e dispensas de trabalho não remuneradas, nomeadamente entre 5/5/2005 e 28/5/2005 (24 dias), entre 30/9/2005 e 1/10/2005 (2 dias), entre 10/6/2006 e 11/7/2006 (32 dias), entre 5/6/2007 e 28/6/2007 (24 dias), entre 21/9/2008 e 18/10/2008 (28 dias), entre 28/7/2009 e 29/7/2009 (2 dias), entre 4/8/2009 e 26/8/2009 (23 dias), entre 5/11/2010 e 30/11/2010 (26 dias), entre 09/05/2011 e 13/05/2011 (5 dias), entre 24/2/2012 e 25/2/2012 (2 dias), entre 1/9/2012 e 18/9/2012 (18 dias), entre 6/8/2013 e 27/8/2013 (22 dias), 21/4/2014 (1 dia), entre 21/9/2014 e 22/9/2014 (2 dias), entre 1/11/2014 e 29/11/2014 (29 dias), entre 23/7/2015 (1 dia), entre 7/8/2015 e 15/8/2015 (9 dias), entre 21/9/2015 e 22/9/2015 (2 dias), 25/12/2015 (1 dia), entre 21/5/2016 e 25/5/2016 (5 dias), bem como um dia de descanso no oitavo dia após cada sete dias de trabalho consecutivos durante ao serviço da Ré. (4º)
Entre 24/05/2004 a 31/03/2010, a Ré (YYY) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (5º)
Sem prejuízo da reposta ao quesito 4º, entre 24/05/2004 a 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança durante 1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 1 de Maio e 1 de Outubro, por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela Ré (YYY). (6º)
Durante o referido período de tempo, a Ré (YYY) nunca pagou ao Autor uma qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (7º)
Os turnos de trabalho prestado pelo Autor ao serviço da Ré eram de 8 horas. (8º)
Por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho devidamente uniformizado com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (9º)
Durante os 30 minutos que antecediam o início de cada turno, os superiores hierárquicos do Autor distribuíam o trabalho pelos guardas de segurança (leia-se do Autor), v.g., indicando-lhe o seu concreto posto (local dentro do casino onde o mesmo se devia colocar), os clientes tidos por “suspeitos”, sendo ainda feito um relato sobre todas as questões de segurança a ter em conta no interior do Casino, ou mesmo da necessidade de qualquer participação em eventos especiais. (10º)
O Autor sempre compareceu no início de cada turno com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos. (11º)
Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor nunca se ausentou do trabalho (isto é, dos locais de reunião) que antecediam em, pelo menos, o início de cada turno. (12º)
A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pela prestação de mais 30 minutos que antecediam o início de cada turno. (13º)
Desde o início da relação de trabalho até 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (YYY) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (14º)
A que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (15º)
Desde o início da relação de trabalho e até 31/12/2008, a Ré (YYY) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, em cada período de sete dias. (16º)
A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente aos dias de descanso semanal. (17º)
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IV – FUNDAMENTO DE DIREITO
1. Cumpre analisar os factos e aplicar o Direito.
Nos termos do art. 1079º, n 1º do Código Civil, “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.”
Desse preceito resulta que são três elementos do contrato de trabalho: 1) prestação da actividade; 2) retribuição; e 3) subordinação jurídica.
No contrato de trabalho, a uma parte (trabalhador) incumbe a prestação duma actividade quer intelectual quer manual, bem como a sua disponibilidade junto de outra parte (empregador), por forma a que esta possa obter o resultado pretendido com outros meios de produção.
Em contrapartida, o trabalhador ganha retribuição como preço do trabalho prestado por ele, sendo essa retribuição paga normalmente em dinheiro.
A subordinação jurídica é característica mais importante do contrato de trabalho, que se traduz numa relação de dependência do trabalhador face às ordens, directivas e instruções do empregador na prestação da actividade daquele.
Segundo os factos provados, ficou demonstrado que, o Autor esteve ao serviço da Ré para, sob as suas ordens, direcção, instruções e fiscalização e com o local e horário de trabalho fixados por ela, exercer funções de guarda de segurança, ganhando remuneração paga pela Ré como preço do trabalho seu.
Nestes termos, dúvidas não restam em qualificar como relação laboral, a relação existente entre o Autor e a Ré.
2. Nos termos do art. 1079º, n 2º do Código Civil, “o contrato de trabalho está sujeito a legislação especial.”
Quanto à lei especial aplicável, encontram-se no ordenamento jurídico de Macau regimes diferentes consoante o caso de trabalhadores-residentes e o de não residentes.
Sendo o Autor em causa trabalhador não-residente, aplica-se-lhe o respectivo regime. Como se sabe, a legislação especial relativa à relação laboral não residente é actualmente a Lei nº 21/2009, que entrou em vigor em 13 de Abril de 2010. Antes disso, aplica-se o Despacho n. 49/GM/88 e o n. 12/GM/88, consoante trabalhador especializado e não especializado. Conforme os factos provados nos autos, o Autor trabalhou, como mão-de-obra não especializada, junto da Ré antes da entrada em vigor a Lei nº 21/2009, devendo aplicar-lhe o Despacho n. 12/GM/88.
Acompanhando o referido diploma, as entidades empregadoras celebraram contratos de prestação de serviços com terceiras entidades fornecedoras de mão-de-obra não residente para a importação dos trabalhadores não residentes, tal qual acontece no presente caso. Suscita-se um problema de saber que valor os mesmos contratos têm dizendo respeito à relação de trabalho entre o empregador e o trabalhador não residente e se e a que título se aplicam esses contratos à referida relação para definir os direitos e deveres entre um e outro.
Em resposta a essas questões, a jurisprudência de Macau entende unanimamente, e bem, esses contratos ser qualificados como contratos a favor de terceiro, aplicáveis à relação de trabalho entre o empregador e o trabalhador não residente. (vide os Ac. do TSI n.os 557/2010, 322/2013, 372/2012, 780/2011, 655/2012, 396/2012, 432/2012, 180/2012, 441/2012, 132/2012, 376/2012, 267/2012, 131/2012, 91/2012, 282/2011, 781/2011, 746/2011, 779/2011, 491/2011, 597/2010, 297/2010, 597/2010, 757/2010, 777/2010, 573/2010, 662/2010, 69/2010, 838/2010, 779/2010, 837/2010, 780/2010, 876/2010, 774/2010 e 574/2010, e mais recentemente, 893/2016, 894/2016, 815/2016, 322/2016, 317/2016, 376/2016, 394/2016, 353/2016, 300/2016, 274/2016, 98/2016, 38/2016, 42/2016, 966/2015, 956/2015, 1009/2015, 1018/2015, 844/2015, 1010/2015, 879/2015, 878/2015, 610/2015, 609/2015, 715/2015, 534/2015, 573/2015, 624/2015, 481/2015, 574/2015, 487/2015, 486/2015, 399/2015, 395/2015, 401/2015, 400/2015, 204/2015, 168/2015, 193/2015, 195/2015, 712/2014, 749/2014, 634/2014, 681/2014, 441/2014, 697/2014, 742/2014, 662/2014, 714/2014, 653/2014, 627/2014, 483/2014, 609/2014, 583/2014, 338/2014, 384/2014, 622/2014, 345/2014, 168/2014, 128/2014, 291/2014, 308/2014, 171/2014, 189/2014, 240/2013, 627/2013, 775/2010, 680/2013, 169/2014, 704/2013, 111/2014, 420/2012, 118/2014, 90/2014, 138/2014, 374/2012, 415/2012, 414/2012, 824/2010, 557/2010 e 322/2013)
Ao mesmo tempo, é também aplicável a lei de relações de trabalho de Macau então vigente, isto é, o DL nº 24/89/M, por analogia (vide os Ac do TSI n. 596/2010 e 805/2010).
3. Quanto ao subsídio de efectividade, tendo em conta que o contrato de prestação de serviços em causa confere o salário de 4 dias enquanto tal subsídio, desde que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, e que o Autor não deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré, tem ele direito de exigir à Ré pagar o MOP$72,100.00 (HKD$7,500.00 / 30 dias X 1.03 X 4 dias/mês X 70 meses), a título de subsídio de efectividade, relativamente ao número dos meses durante a relação de trabalho.
Relativamente ao alojamento, o n. 9º do Despacho 12/GM/88 dispõe que, “9. O procedimento para a admissão de mão-de-obra não-residente observará os trâmites seguintes: d) O contrato será remetido ao Gabinete para os Assuntos de Trabalho, a quem compete verificar e informar se se encontram satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis para o efeito, designadamente os seguintes: d.1. Garantia, directa ou indirecta, de alojamento condigno para os trabalhadores;…” Daí resulta que o trabalhador não residente é sempre garantido o seu direito a alojamento condigno durante o período em que presta trabalho em Macau. E ao empregador foi imposto, até o limite mínimo, o dever de fornecer o alojamento ou pelo menos os recursos mínimos para o alojamento favorável ao trabalhador não residente.
Por outro lado, nos termos do art. 31º do DL nº 24/89/M, aplicável por analgoia, “1. O empregador não pode compensar o salário em dívida com créditos que tenha sobre o trabalhador, nem fazer quaisquer descontos ou deduções no montante do referido salário. 2. São permitidas, porém, as seguintes deduções ou descontos: a) Descontos a favor do Território, ordenados por lei, regulamento ou decisão judicial transitada em julgado; b) Indemnizações devidas pelo trabalhador à entidade patronal, quando se acharem liquidadas por decisão judicial transitada em julgado ou por motivo de não continuação da relação do trabalho, nos termos do artigo 48.º; c) Abonos ou adiantamentos feitos por conta da retribuição.”
Assim, não é lícito nem legítimo que a Ré deduzia no salário do Autor qualquer valor a título de comparticipação nos custos de alojamento, e tanto mais que não o deve fazer no caso de o trabalhador não residir na habitação eventualmente fornecida pela Ré.
Tendo em conta, segundo os factos provados, a duração da relação de trabalho em causa e os montantes descontados, é a Ré quem deve devolver ao Autor o MOP$54,075 (HKD$750.00 X 1.03 X 70 meses), a título de devolução dos salários ilicitamente descontados, relativamente ao número dos meses durante a relação de trabalho em que foram deduzidos mensalmente.
No que diz respeito ao trabalho extraordinário, é sempre de relembrar que, quer conforme o contrato a favor de terceiro, quer nos termos do art. 10º do DL nº 24/89/M, a duração normal do trabalho é sempre de 8 horas diárias. E o trabalho que excede essa duração normal leva às compensações do acréscimo de trabalho cujo montante deve ser acordado entre o empregador e o trabalhador, mas nunca deve ser inferior ao do próprio salário fixado a este (cfr., a título de exemplo, os Ac. do Venerando TSI n. 737/2010 e 353/2010).
Por outro lado, nos termos do art. 10º, n. 4º do DL nº 24/89/M, “4. Os períodos fixados no n.º 1 não incluem o tempo necessário à preparação para o início do trabalho e à conclusão de transacções, operações e serviços começados e não acabados, desde que no seu conjunto não ultrapassem a duração de trinta minutos diários.” Entende-se, e bem, que essa tolerância de 30 minutos para a preparação de trabalho só tem a natureza excepcional, mas não como regra para a prestação antecipada de trabalho antes do início do horário normal de trabalho (cfr., a título de exemplo, os Ac. do Venerando TSI n. 407/2017, 313/2017 e 167/2017).
No presente caso, segundo os factos provados, o Autor trabalhava junto da Ré com o regime de turnos rotativos e ele sempre comparecia no lugar de trabalho no início de cada turno com antecedência de 30 minutos para a preparação do trabalho; e excepto os dias de férias anunais, dispensas de trabalho não remuneradas e dias de descanso efectivamente gozados, o Autor prestava sempre trabalho nos outros dias durante a relação de trabalho sem que desse qualquer falta ao trabalho. No entanto, a Ré nunca pagou ao Autor quaisquer compensações a título de trabalho extraordinário.
Assim, tendo descontado o número dos dias de férias anunais, dispensas de trabalho não remuneradas e dias de descanso em que não prestou trabalho efectivo, o Autor tem direito de exigir à Ré pagar as compensações pelo trabalho extraordinário de 30 minutos diariamente durante a relação de trabalho com o montante de MOP$27,987.03 [HKD$7,500.00 / (30 dias X 8 horas) X 1.03 X 0.5 horas X 1739 dias], atendendo ao número dos dias em que prestou trabalho efectivo, o que equivale aos resultados do número dos dias calendários durante a relação de trabalho menos o número dos dias descontados.
Quanto às compensações pelos dias de descanso semanal reclamadas pelo Autor, alegou que a Ré não garantiu o gozo do descanso semanal no 7º dia após 6 dias de trabalho, mas somente o do 8º dia, que corresponde a trabalho prestado em dia de descanso e confere ao Autor o direito a receber o dobro da retribuição normal por cada um dos 7os dias de trabalho prestado.
Por sua vez, entende a Ré que já garantiu o descanso semanal dos seus trabalhadores e que tem necessidade de fixar, por razões do funcionamento do casino nos termos do art. 18º do DL 24/89/M e do art. 42º, n. 2º da Lei 7/2008, os descansos semanais aos 8º, 9º ou outros dias do mês, bem como o art. 17º, n. 6º do DL 24/89/M não confere as compensações em dobro, mas sim um outro tanto ao lado do salário já pago em singelo.
Nos termos do art. 17º, n. 1º do DL 24/89/M, “1. Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º”
Nos termos do art. 18º do mesmo diploma, “Sempre que, em função da natureza do sector de actividade, se revele inviável a observância do n.º 1 do artigo anterior, deverá ser concedido aos trabalhadores um descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, o qual não deverá ser inferior ao que resultaria de uma média semanal de 24 horas.”
Das normas resulta que, na vigência do DL 24/89/M, a lei garantia o gozo do descanso semanal em 7º dia após 6 dias de trabalho como regra geral nas legislações laborais de Macau. No entanto, tendo em consideração a necessidade do funcionamento dalguns sectores de actividade, o legislador abriu uma excepção de que permitia razoavelmente o trabalho contínuo mais de 7 dias, no máximo 26 ou 27 dias mensais, e garantia o gozo dum descanso consecutivo de quatro dias no mês corrente.
Repare-se que aqui se trata duma norma excepcional em que o legislador sublinhou o adjectivo “consecutivo” para o gozo de descanso semanal. Isto significa que esse modo do gozo de 4 dias de descanso semanal tem que ser contínuo, mas não separado, sob pena de violar a regra geral prevista no art. 17º, n. 1º do DL 24/89/M.
Assim, não deixa de considerar o não gozo de descanso semanal em 7º dia ou em 4 dias consecutivas como facto violador do direito de repouso conferido ao Autor nos termos do art. 17º, n. 1º do DL 24/89/M, devendo considerar-se o 8º dia de descanso após 7 dias de trabalho apenas como descanso compensatório gozado pelo Autor nos termos do art. 17º, n. 4º do mesmo diploma.
Quanto ao múltiplo das compensações pelos dias de descanso semanal não gozados, inclinemos, tal qual inclinámos nos outros casos paralelos, à posição de que o trabalhador recebe, ao lado de um dia do salário a título de compensação pelo dia de descanso compensatório não gozado, o dobro da retribuição normal, que compõe do salário normal, em singelo, correspondente ao trabalho nesses dias de descanso e dum outro tanto (vide os Ac. do TUI n.os 28/2007, 29/2007, 58/2007 e 40/2009).
No caso vertente, tendo em conta que o Autor não reclamou as compensações pelos dias de descanso compensatório, somos de entender que, depois de ser descontados os dias de férias anuais e de despesas de trabalho para o cálculo do número de dias de trabalho, o Autor tem direito de receber, ao lado do salário normal, um outro tanto a título de compensações pelos dias de descanso semanal não gozados, isto é, o Autor tem direito a receber o montante de MOP$57,165.00 [HKD$7,500.00 / 30 dias X 1.03 X (1557 dias X 7)], a título de compensação de descanso semanal.
Além das compensações acima peticionadas, o Autor reclama também as referentes ao trabalho prestado nos dias de feriado obrigatório remunerado. Nos termos do art. 19º, n. 3º do DL nº 24/89/M, “3. Os trabalhadores … têm direito à retribuição correspondente aos feriados de 1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 1 de Maio e, 1 de Outubro”. E nos termos do art. 20º do mesmo diploma, “1. O trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias de feriado obrigatório, referidos no n.º 3 do artigo anterior, dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal e só pode ser executado:...”
Assim, segundo os factos provados, tem o Autor direito de receber contra a Ré, a título de compensações pelo trabalho prestado nos dias de feriado obrigatório, a remuneração em singelo, acrescida do dobro dessa remuneração, com o montante de MOP$17,767.50 (HKD$7,500.00 / 30 dias X 1.03 X 23 dias X 3), relativamente ao número dos dias de feriado obrigatório remunerado em que o Autor prestou trabalho até 31/12/2008.
4. Sendo os créditos supra mencionados (MOP$229,094.53) ilíquidos, à quantia a eles referentes acrescerão, nos termos do art. 794º, n 4º do Código Civil que se conjuga com a jurisprudência fixada no Douto Acórdão do TUI, de 2 de Março de 2011, no processo n. 69/2010, juros a partir da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante.
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V - DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se, nos termos supra referidos, a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$229,094.53 (MOP$72,100.00, a título de subsídio de efectividade; MOP$54,075.00, a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento; MOP$27,987.03, pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho prestado; MOP$57,165.00, pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo; e MOP$17,767.50, a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado), acrescida dos juros de mora à taxa legal a contar da data da presente sentença até o efectivo e integral pagamento, absolvendo a Ré do restante pedido.
As custas serão a cargo do Autor e da Ré na proporção do decaimento.
Registe e notifique.
Notificados e inconformados com a sentença, vieram o Autor e a Ré YYY recorrer dela para esta segunda instância.
O Autor apresentou as seguintes conclusões pedindo que:
1) Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Ré (XXXX) na atribuição de uma compensação devida ao Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, na medida em que a concreta fórmula de cálculo utilizada na Decisão Recorrida se mostra em manifesta oposição à que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância;
2) De onde, salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado e, deste modo, em violação ao disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
Em concreto,
3) Entendeu o Tribunal a quo ser de sufragar o entendimento seguido pelo Tribunal de Última Instância e, em consequência, condenar a Ré a pagar ao Autor apenas ao correspondente ao valor de um salário em singelo no que respeita ao trabalho prestado em dia de descanso semanal durante todo o período da relação laboral, a liquidar em execução de sentença;
4) Porém, salvo melhor opinião, ao proceder à condenação da Ré apenas em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
5) Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, para além do valor relativo ao próprio dia de trabalho prestado;
6) Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2);
7) De onde, provado que durante o período da relação laboral a Recorrida não garantiu ao Autor o gozo do descanso semanal no máximo ao 7.º dia após 6 dias consecutivos de trabalho, deve a mesma ser condenada a pagar ao Recorrente “o dobro da retribuição normal por cada um dos sétimos dias de trabalho prestado”, isto é, a quantia de MOP$114.330,00 - e não apenas MOP$57.165,00 correspondente a um dia de salário em singelo - conforme resulta da douta Decisão recorrida, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer.
Nestes termos e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a douta Sentença ser julgada nula e substituída por outra que atenda à fórmula de cálculo tal qual formulada pelo Autor na sua Petição Inicial e relativa ao trabalho prestado em cada um dos sétimos dias de trabalho consecutivo, enquanto dias de descanso semanal, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!
Ao recurso respondeu a Ré pugnando pela improcedência.
Por sua vez, a Ré concluiu pedindo que:
l O presente recurso vem colocar em crise a sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que julgou a acção procedente e condenou a Ré, ora Recorrente, no pagamento de uma indemnização ao Autor, ora Recorrido, no valor de MOP$57.165,00 a título de compensação pelo trabalho prestado pelo Autor após 6 dias de trabalho consecutivo, em cada período de sete dias.
2 Esta matéria foi, salvo o devido respeito, incorrectamente julgada pelo Douto Tribunal a quo e a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento, estando em crer que a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância padece dos vícios de erro de julgamento e na aplicação do Direito.
3 Com interesse para o presente recurso foi a factualidade tida por assente e provada nos quesitos C, 4º, 14º, 15º, 16º e 17º e entendeu o Digno Tribunal a quo na sua decisão que: “Nos termos do artigo 17º nº 1 do DL n.º24/89/M. 1. Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º”.
4 Determinou ainda que : “Nos termos do artigo 18° do mesmo diploma: “Sempre que, em função da natureza do sector de actividade, se revele inviável a observância do n.º 1 do artigo anterior, deverá ser concedido aos trabalhadores um descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, o qual não deverá ser inferior ao que resultaria de uma média semanal de 24 horas”.
5 E fundamentou que: “Das normas resulta que, na vigência do DL 24/89/M, a lei garantia o gozo do descanso semanal em 7º dia após 6 dias de trabalho como regra geral nas legislações laborais de Macau. No entanto, tendo em consideração a necessidade do funcionamento de alguns sectores de actividade, o legislador abriu uma excepção de que permitia razoavelmente o trabalho contínuo mais de 7 dias, no máximo 26 ou 27 dias mensais e garantia o gozo dum descanso consecutivo de quatro dias no mês corrente.”
6 Concluindo que : “Repare-se que aqui se trata duma norma excepcional em que o legislador sublinhou o adjectivo “consecutivo” para o gozo de descanso semanal. Isto significa que esse modo de gozo de 4 dias de descanso semanal tem que ser contínuo, mas não separado, sob pena de violar a regra geral prevista no artigo 17º, nº 1, do DL 24/89/M.”
7 Contudo e salvo devido respeito, o Tribunal a quo não interpretou correctamente o sentido da norma ora em crise, ou seja o artigo 17.º do DL n.º 24/89/M, nem a norma contida no artigo 18.° do mesmo diploma, já que sendo o Autor guarda de segurança de um casino e tendo os casinos laboração contínua, tal actividade tem características próprias estando sujeito a horários próprios.
8 Não poderá a Recorrente aceitar que haja violado o preceituado no referido n.º 1 do artigo 17º o qual, salvo devido respeito, não impõe a regra do descanso ao 7º dia isto porque dispõe o n.º 1 do artigo 17.º do DL n.º 24/89/M que: “todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, (...)”, e de uma leitura atenta da norma se retira que os trabalhadores têm direito a gozar em cada período de sete dias um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas referindo-se o legislador a um período de sete dias, e não ao fim de sete dias.
9 E refere-se a um período de descanso de vinte e quatro horas sem se referir se o mesmo se refere a um dia, por exemplo, a uma segunda - feira, ou a parte de uma segunda - feira e parte da terça - feira seguinte, indo aliás neste sentido nota n.º 3 do douto acórdão nº 253/2002, citado pelo Tribunal a quo na decisão ora em crise, conforme se transcreve: Nem estipula explícita e forçosamente que o trabalhador tem que descansar no domingo, mas sim apenas tem direito, em cada período de sete dias, a um dia de descanso, dia esse que poderia não ser o domingo, o que é estipulado explicitamente no artigo 17º nº 2”
10 Importando apurar se o descanso semanal tem de ser gozado sempre após seis dias de trabalho consecutivo, ou seja, no 7º dia, conforme defendia o Autor e veio a ser aceite pelo Tribunal a quo, ou se, atento o sobredito artigo 17º, o empregador pode escolher, dentro de cada período de sete dias, o momento em que deve ocorrer o descanso, sem necessidade de ter em conta o número de dias consecutivos de trabalho que ocorrem antes e depois do dia de descanso.
11 Entendendo a Ré que apenas este último entendimento se compatibiliza com o espírito e com a letra da Lei, já que dispõe o aludido preceito 17º que todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas. O qual será fixado de acordo com as exigências de funcionamento da empresa (nº 2).
12 Esse descanso pode calhar em qualquer um dos dias desse período de 7 dias, independentemente do número de dias de trabalho consecutivos que lhe precedem ou que se seguem, ou seja, poderá ser então, no 1 º dia desse “período de sete dias”, (que pode até ser seguido ao dia de descanso do período de sete dias anterior), no 2º dia “período de sete dias”, no 3º dia desse “período de sete dias” ou até mesmo no 7º dia desse “período de sete dias”. E se em três períodos consecutivos de sete dias for concedido ao trabalhador um dia de descanso no primeiro dia do primeiro período de sete dias, outro dia de descanso no segundo dia do segundo período de sete dias e ainda outro dia de descanso no terceiro dia do terceiro período de sete dias, mostra-se cumprida a exigência legal - a de se conceder “em cada período de sete dias” um dia de descanso.
13 Do que se vem dizendo e do que se retira da leitura atenta do preceito parece evidente que o princípio do descanso semanal não equivale a um princípio de descanso ao sétimo dia, ou seja, ao fim de 6 dias de trabalho, aliás, a epígrafe do Artigo 17º é “Descanso Semanal” e não “Descanso ao Sétimo Dia”, por isso o artigo 17º n.º 1 tem necessariamente de ser interpretado em conjugação com o nº 2 que reconhece que “de acordo com as exigências de funcionamento da empresa” o período de descanso semanal será organizado pelo empregador, o que reforça que a intenção do legislador não foi impor o dia de descanso ao sétimo dia.
14 Com efeito, o legislador não impôs qualquer limitação ao número de dias de trabalho seguidos desde que o trabalhador goze de um período de descanso em cada período de sete dias e tanto assim é que o artigo 18º do DL 24/89/M expressamente prevê a possibilidade de não se gozar um período de descanso de 24 horas em cada período de 7 dias, caso em que ao trabalhador deve ser concedido um “descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção”.
15 E o legislador estando já ciente da realidade em Macau, fixou a excepção constante no artigo 18.º do Decreto - Lei a qual veio a ser posteriormente confirmada no artigo 42.º, n.º 2 da Lei 7/2008 (nova Lei das Relações de Trabalho), que prevê que “O gozo do período de descanso pode não ter frequência semanal em caso de acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável, casos em que o trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas.” (sublinhado nosso) e ao excepcionar a obrigatoriedade da frequência semanal do descanso, o legislador está a dar primazia à lógica do descanso do trabalhador e não à lógica do repouso obrigatório ao sétimo dia.
16 No caso concreto, em cada período de sete dias o Autor descansou, não necessariamente ao sétimo dia, porque a Lei nem sequer o impõe e pode até acontecer, em face ao que ficou provado, que o Autor nem sempre tenha descansado “em cada período de sete dias” mas a ser assim, deverá fazer-se o apuramento no final do ano dos dias efectivos de descanso e se o Recorrido tiver que ser compensado será só e apenas dos dias de descanso em falta, em que o mesmo é dizer que se se apurar que o Recorrido não descansou 52 dias no ano, mas apenas 46 dias, então só poderá ser compensado por 6 dias de descanso não gozado, mas nunca por 1557 dias tal como decidido pelo Tribunal a quo.
17 Com isto se quer dizer que não importa que o trabalho seja organizado em turnos rotativos de 7 dias consecutivos findo os quais a entidade patronal concedia um dia de descanso, importando sim determinar se dentro de cada período de sete dias - ou usando a expressão legal “em cada período de 7 dias” - e tendo em conta a organização dos turnos rotativos o trabalhador gozou de 24 horas consecutivas de descanso.
18 Assim, carece por completo de fundamento a decisão recorrida na parte em que condena a Recorrente a pagar ao Recorrido uma indemnização pelo trabalho prestado no sétimo dia como se se tratasse de trabalho prestado em dia de descanso semanal verificando-se, por isso, uma errada aplicação do Direito e erro no julgamento por parte do Tribunal a quo na condenação da Recorrente nas quantias peticionadas a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal em violação do princípio do dispositivo consagrado no art.º 5º do CPC e, bem assim, o disposto nos artigos 17º e 18º do DL 24/89/M.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em conformidade, deverá ser revogada a sentença recorrida nos termos supra explanados, com as demais consequências da lei,
Termos em que farão V. Exas. a costumada
JUSTIÇA!
Ao que não respondeu o Autor.
Admitidos no Tribunal a quo, os recursos foram feitos subir a este Tribunal de recurso.
Liminarmente admitidos os recursos e colhidos os vistos, cumpre conhecer.
II
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Inexistindo questão de conhecimento oficioso e face às conclusões dos recursos, as questões que constituem o objecto da nossa apreciação, no recurso interposto pelo Autor, são a de saber, qual é o multiplicador para o cálculo do trabalho prestado nos dias de descanso semanal e no recurso interposto pela Ré, a de saber se no período compreendido entre 24MAIO2004 e 31DEZ2008, o descanso, provado nos autos, que o Autor gozou depois de ter trabalhado por 7 dias consecutivos pode ser considerado descanso semanal a que se refere o artº 17º/1 do Decreto-Lei nº 24/89/M.
Não obstante a ordem cronológica da entrada das petições de recurso, devemos pela lógica das coisas começar por apreciar o recurso interposto pela Ré onde se questionou o direito reconhecido ao Autor, e só depois o recurso, que deu entrada em primeiro lugar, onde se discute o factor multiplicador a aplicar na fixação dos quantitativos devidos que o Autor tem direito a receber.
Então vejamos.
Recurso da Ré
Estão em causa factos ocorridos na vigência do Decreto-Lei nº 24/89/M.
Este diploma regula no seu artº 17º a matéria de descanso semanal nos termos seguintes:
1. Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.
4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no n.º1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dia de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago:
a) Aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal;
b) Aos trabalhadores que auferem salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado, pelo montante acordado com os empregadores, com observância dos limites estabelecidos nos usos e costumes.
In casu no que diz respeito à questão do descanso semanal, ficou provado que:
Entre 24/05/2004 a 20/07/2016 o Autor exerceu as suas funções para a Ré (YYY) prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (C)
Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré, sem prejuízo de 24 dias de férias anuais por cada ano civil e dispensas de trabalho não remuneradas, nomeadamente entre 5/5/2005 e 28/5/2005 (24 dias), entre 30/9/2005 e 1/10/2005 (2 dias), entre 10/6/2006 e 11/7/2006 (32 dias), entre 5/6/2007 e 28/6/2007 (24 dias), entre 21/9/2008 e 18/10/2008 (28 dias), entre 28/7/2009 e 29/7/2009 (2 dias), entre 4/8/2009 e 26/8/2009 (23 dias), entre 5/11/2010 e 30/11/2010 (26 dias), entre 09/05/2011 e 13/05/2011 (5 dias), entre 24/2/2012 e 25/2/2012 (2 dias), entre 1/9/2012 e 18/9/2012 (18 dias), entre 6/8/2013 e 27/8/2013 (22 dias), 21/4/2014 (1 dia), entre 21/9/2014 e 22/9/2014 (2 dias), entre 1/11/2014 e 29/11/2014 (29 dias), entre 23/7/2015 (1 dia), entre 7/8/2015 e 15/8/2015 (9 dias), entre 21/9/2015 e 22/9/2015 (2 dias), 25/12/2015 (1 dia), entre 21/5/2016 e 25/5/2016 (5 dias), bem como um dia de descanso no oitavo dia após cada sete dias de trabalho consecutivos durante ao serviço da Ré. (4º)
Os turnos de trabalho prestado pelo Autor ao serviço da Ré eram de 8 horas. (8º)
Desde o início da relação de trabalho até 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (YYY) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (14º)
A que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (15º)
Desde o início da relação de trabalho e até 31/12/2008, a Ré (YYY) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, em cada período de sete dias. (16º)
A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente aos dias de descanso semanal. (17º)
Quando globalmente interpretada esta matéria tida por assente na 1ª Instância e ora integralmente transcrita supra, é de concluir que o Autor nunca gozou um período de 24 horas de descanso num período de sete dias, nos termos impostos pelo artº 17º/1 do Decreto-Lei nº 24/89/M, uma vez que a ilação que podemos tirar do facto de, em qualquer dos períodos de 7 dias seguidos, ter trabalhado regularmente por seis dias consecutivos e também no sétimo dia, já nos habilita a afirmar que o Autor não gozou nenhum dia de descanso semanal durante o período compreendido entre 24MAIO2004 e 31DEZ2008.
Assim, bem andou o tribunal a quo na sentença ora recorrida, na parte respeitante à fixação do número dos dias de descanso semanal no período compreendido entre 24MAIO2004 e 31DEZ2008, onde foi fundamentada e decidida com raciocínio inteligível e razões sensatas e convincentes, a procedência do pedido da condenação da YYY no pagamento ao Autor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, não se nos afigura outra solução melhor do que a de louvar aqui esta parte da decisão recorrida e, nos termos autorizados pelo artº 631º/5 do CPC, remeter para os Doutos fundamentos invocados na decisão recorrida, julgando improcedente o recurso da Ré e confirmando a decisão recorrida na parte que reconheceu ao Autor de receber a compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, apurados na sentença recorrida.
Recurso do Autor
O Autor pede a condenação da Ré a pagar-lhe a compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal.
O Tribunal a quo deu-lhe razão e acabou por reconhecer ao Autor esse direito.
Mas o Autor questiona o multiplicador (X 1) para o cálculo do trabalho prestado nos dias de descanso semanal, adoptado pelo Tribunal a quo, defendendo que deve ser adoptado o multiplicador (X 2).
Tem razão o Autor.
Pois no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.
Diz o artº 17º deste diploma que:
1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.
4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:
2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.
Procede o recurso interposto pelo Autor nesta parte.
Como, por um lado, a sentença recorrida adoptou o multiplicador X 1 para o cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, em vez de o multiplicador X 2 que defendemos, e por outro lado não foi impugnado com êxito em sede do recurso interposto pela Ré o número dos dias de descanso semanal em que trabalhou e não impugnado o quantitativo diário do salário, é de alterar a sentença recorrida e passar a aplicar nela o multiplicador X 2 para o cálculo dos quantitativos da compensação pelo trabalho prestado nos descansos semanais.
Assim sendo, merece o Autor, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o valor de MOP$114.330,00, correspondente ao dobro de MOP$57.165,00, quantia fixada na sentença recorrida.
III
Pelo exposto, acordam em julgar procedente o recurso interposto pelo Autor, passando atribuir ao Autor, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o valor de MOP$114.330,00, e julgar improcedente o recurso interposto pela Ré YYY.
Custas pela recorrente YYY.
RAEM, 16DEZ2019
(Relator) Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto) Fong Man Chong
(Segundo Juiz-Adjunto) Ho Wai Neng
Ac. 510/2019-1