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Processo nº 930/2019


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I

B, instaurou no Tribunal Judicial de Base acção de processo comum do trabalho, contra a Yyy Yyy Yyy, S. A. (doravante abreviadamente designada YYY), ambos devidamente identificados nos autos.

A acção veio a ser julgada parcialmente procedente pela seguinte sentença:
I – RELATÓRIO
  B, casado, de nacionalidade nepalesa, residente no Nepal, em ......-..., ...... District, portador do Passaporte Nepalês N.º 90****, emitido pelas Autoridades competentes do Nepal, veio intentar a presente

  Acção de Processo Comum do Trabalho contra

  YYY YYY YYY, S.A., (adiante, YYY), com sede na Avenida ......, Hotel ......, ....º andar, Macau.
  Concluiu pedindo que seja julgada procedente por provada a presente acção e, em consequência ser a Ré condenada a pagar ao Autor:
  a) MOP$48.560,00, a título de subsídio de efectividade, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento; (absolvido de instância)
  b) MOP$37.621,00 pela prestação de 30 minutos que antecederam o início de cada turno, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
  c) MOP$160.062,00, pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento;
  d) Em custas e procuradoria condigna.
  Juntou os documentos constantes de fls. 10.
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  Realizada a tentativa de conciliação pelo MP, não chegou a acordo entre as partes.
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  A Ré contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 41 a 74 dos autos.
  Concluiu pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos do Autor.
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  Realiza-se a audiência de discussão e de julgamento com observação de todo o formalismo legal.
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II – PRESSSPOSTOS PROCESSUAIS
  O Tribunal é competente em razão da matéria, hierarquia e internacional.
  O processo é próprio.
  As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
  Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTO
  Discutida a causa, resultam provados os seguintes factos:
­ Entre 18/10/1996 a 21/07/2003, o Autor esteve ao serviço da XXXX, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
­ Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 279 trabalhadores não residentes) da XXXX para a Ré (YYY), com efeitos a partir de 22/07/2003. (B)
­ Entre 22/07/2003 a 19/11/2008 o Autor esteve ao serviço da Ré (YYY), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (C)
­ Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou as ordens e instruções emanadas pela Ré. (1º)
­ Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos, horários e postos de trabalho fixados pela Ré. (2º)
­ Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor auferiu da Ré um salário de base de HK$9.000,00 por cada mês de trabalho prestado. (3º)
­ Entre 22/07/2003 a 19/11/2008, por ordem da Ré (YYY), o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (4º)
­ Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspecionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (5º)
­ Durante o briefing (leia-se, reunião) o Team Leader informava os guardas a respeito de alguma questão de segurança que pudesse ter acontecido no turno anterior, ou da necessidade de participação em qualquer evento especial. (6º)
­ Durante o referido período de tempo, o Autor sempre compareceu no início de cada turno com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos, tendo aí permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (9º)
­ O Autor nunca se ausentou dos locais de reunião que antecediam o início de cada um dos seus respectivos turnos. (10º)
­ A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia (normal e/ou adicional) pelo período de tempo que antecedia o início de cada um dos turnos. (11º)
­ Entre 22/07/2003 a 19/11/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (YYY) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (12º)
­ Após a prestação pelo Autor de trabalho durante sete dias de trabalho consecutivos, seguia-se um período de vinte e quatro horas de descanso, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (13º)
­ Entre 22/07/2003 a 19/11/2008, a Ré (YYY) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, em cada período de sete dias. (14º)
­ Durante o referido período de tempo, o Autor prestou trabalho para a Ré (YYY) em cada um dos sétimos dias que se seguiram a seis dias de trabalho consecutivos, sem prejuízo de 24 dias de férias anuais por cada ano civil. (15º)
­ A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente aos dias de descanso semanal. (16º)
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IV – FUNDAMENTO DE DIREITO
  1. Cumpre analisar os factos e aplicar o Direito.
  Nos termos do art. 1079º, n 1º do Código Civil, “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.”
  Desse preceito resulta que são três elementos do contrato de trabalho: 1) prestação da actividade; 2) retribuição; e 3) subordinação jurídica.
  No contrato de trabalho, a uma parte (trabalhador) incumbe a prestação duma actividade quer intelectual quer manual, bem como a sua disponibilidade junto de outra parte (empregador), por forma a que esta possa obter o resultado pretendido com outros meios de produção.
  Em contrapartida, o trabalhador ganha retribuição como preço do trabalho prestado por ele, sendo essa retribuição paga normalmente em dinheiro.
  A subordinação jurídica é característica mais importante do contrato de trabalho, que se traduz numa relação de dependência do trabalhador face às ordens, directivas e instruções do empregador na prestação da actividade daquele.
  Segundo os factos provados, ficou demonstrado que, o Autor esteve ao serviço da Ré para, sob as suas ordens, direcção, instruções e fiscalização e com o local e horário de trabalho fixados por ela, exercer funções de guarda de segurança, ganhando remuneração paga pela Ré como preço do trabalho seu.
  Nestes termos, dúvidas não restam em qualificar como relação laboral, a relação existente entre o Autor e a Ré.
  2. Nos termos do art. 1079º, n 2º do Código Civil, “o contrato de trabalho está sujeito a legislação especial.”
  Quanto à lei especial aplicável, encontram-se no ordenamento jurídico de Macau regimes diferentes consoante o caso de trabalhadores-residentes e o de não residentes.
  Sendo o Autor em causa trabalhador não-residente, aplica-se-lhe o respectivo regime. Como se sabe, a legislação especial relativa à relação laboral não residente é actualmente a Lei nº 21/2009, que entrou em vigor em 13 de Abril de 2010. Antes disso, aplica-se o Despacho n. 49/GM/88 e o n. 12/GM/88, consoante trabalhador especializado e não especializado. Conforme os factos provados nos autos, o Autor trabalhou, como mão-de-obra não especializada, junto da Ré antes da entrada em vigor a Lei nº 21/2009, devendo aplicar-lhe o Despacho n. 12/GM/88.
  Acompanhando o referido diploma, as entidades empregadoras celebraram contratos de prestação de serviços com terceiras entidades fornecedoras de mão-de-obra não residente para a importação dos trabalhadores não residentes, tal qual acontece no presente caso. Suscita-se um problema de saber que valor os mesmos contratos têm dizendo respeito à relação de trabalho entre o empregador e o trabalhador não residente e se e a que título se aplicam esses contratos à referida relação para definir os direitos e deveres entre um e outro.
  Em resposta a essas questões, a jurisprudência de Macau entende unanimamente, e bem, esses contratos ser qualificados como contratos a favor de terceiro, aplicáveis à relação de trabalho entre o empregador e o trabalhador não residente. (vide os Ac. do TSI n.os 557/2010, 322/2013, 372/2012, 780/2011, 655/2012, 396/2012, 432/2012, 180/2012, 441/2012, 132/2012, 376/2012, 267/2012, 131/2012, 91/2012, 282/2011, 781/2011, 746/2011, 779/2011, 491/2011, 597/2010, 297/2010, 597/2010, 757/2010, 777/2010, 573/2010, 662/2010, 69/2010, 838/2010, 779/2010, 837/2010, 780/2010, 876/2010, 774/2010 e 574/2010, e mais recentemente, 893/2016, 894/2016, 815/2016, 322/2016, 317/2016, 376/2016, 394/2016, 353/2016, 300/2016, 274/2016, 98/2016, 38/2016, 42/2016, 966/2015, 956/2015, 1009/2015, 1018/2015, 844/2015, 1010/2015, 879/2015, 878/2015, 610/2015, 609/2015, 715/2015, 534/2015, 573/2015, 624/2015, 481/2015, 574/2015, 487/2015, 486/2015, 399/2015, 395/2015, 401/2015, 400/2015, 204/2015, 168/2015, 193/2015, 195/2015, 712/2014, 749/2014, 634/2014, 681/2014, 441/2014, 697/2014, 742/2014, 662/2014, 714/2014, 653/2014, 627/2014, 483/2014, 609/2014, 583/2014, 338/2014, 384/2014, 622/2014, 345/2014, 168/2014, 128/2014, 291/2014, 308/2014, 171/2014, 189/2014, 240/2013, 627/2013, 775/2010, 680/2013, 169/2014, 704/2013, 111/2014, 420/2012, 118/2014, 90/2014, 138/2014, 374/2012, 415/2012, 414/2012, 824/2010, 557/2010 e 322/2013)
  Ao mesmo tempo, é também aplicável a lei de relações de trabalho de Macau então vigente, isto é, o DL nº 24/89/M, por analogia (vide os Ac do TSI n. 596/2010 e 805/2010).
  3. No que diz respeito ao trabalho extraordinário, é sempre de relembrar que, quer conforme o contrato a favor de terceiro, quer nos termos do art. 10º do DL nº 24/89/M, a duração normal do trabalho é sempre de 8 horas diárias. E o trabalho que excede essa duração normal leva às compensações do acréscimo de trabalho cujo montante deve ser acordado entre o empregador e o trabalhador, mas nunca deve ser inferior ao do próprio salário fixado a este (cfr., a título de exemplo, os Ac. do Venerando TSI n. 737/2010 e 353/2010).
  Por outro lado, nos termos do art. 10º, n. 4º do DL nº 24/89/M, “4. Os períodos fixados no n.º 1 não incluem o tempo necessário à preparação para o início do trabalho e à conclusão de transacções, operações e serviços começados e não acabados, desde que no seu conjunto não ultrapassem a duração de trinta minutos diários.” Entende-se, e bem, que essa tolerância de 30 minutos para a preparação de trabalho só tem a natureza excepcional, mas não como regra para a prestação antecipada de trabalho antes do início do horário normal de trabalho (cfr., a título de exemplo, os Ac. do Venerando TSI n. 407/2017, 313/2017 e 167/2017).
  No presente caso, segundo os factos provados, o Autor trabalhava junto da Ré com o regime de turnos rotativos e ele sempre comparecia no lugar de trabalho no início de cada turno com antecedência de 30 minutos para a preparação do trabalho; e excepto os dias de férias anunais e dias de descanso efectivamente gozados, o Autor prestava sempre trabalho nos outros dias durante a relação de trabalho sem que desse qualquer falta ao trabalho. No entanto, a Ré nunca pagou ao Autor quaisquer compensações a título de trabalho extraordinário.
  Assim, tendo descontado o número dos dias de férias anunais e dias de descanso em que não prestou trabalho efectivo, o Autor tem direito de exigir à Ré pagar as compensações pelo trabalho extraordinário de 30 minutos diariamente durante a relação de trabalho com o montante de MOP$30,726.19 [HKD$9,000.00 / (30 dias X 8 horas) X 1.03 X 0.5 horas X 1591 dias], atendendo ao número dos dias em que prestou trabalho efectivo, o que equivale aos resultados do número dos dias calendários durante a relação de trabalho menos o número dos dias descontados.
  Quanto às compensações pelos dias de descanso semanal reclamadas pelo Autor, alegou que a Ré não garantiu o gozo do descanso semanal no 7º dia após 6 dias de trabalho, mas somente o do 8º dia, que corresponde a trabalho prestado em dia de descanso e confere ao Autor o direito a receber o dobro da retribuição normal por cada um dos 7os dias de trabalho prestado.
  Por sua vez, entende a Ré que já garantiu o descanso semanal dos seus trabalhadores e que tem necessidade de fixar, por razões do funcionamento do casino nos termos do art. 18º do DL 24/89/M e do art. 42º, n. 2º da Lei 7/2008, os descansos semanais aos 8º, 9º ou outros dias do mês, bem como o art. 17º, n. 6º do DL 24/89/M não confere as compensações em dobro, mas sim um outro tanto ao lado do salário já pago em singelo.
  Nos termos do art. 17º, n. 1º do DL 24/89/M, “1. Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º”
  Nos termos do art. 18º do mesmo diploma, “Sempre que, em função da natureza do sector de actividade, se revele inviável a observância do n.º 1 do artigo anterior, deverá ser concedido aos trabalhadores um descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, o qual não deverá ser inferior ao que resultaria de uma média semanal de 24 horas.”
  Das normas resulta que, na vigência do DL 24/89/M, a lei garantia o gozo do descanso semanal em 7º dia após 6 dias de trabalho como regra geral nas legislações laborais de Macau. No entanto, tendo em consideração a necessidade do funcionamento dalguns sectores de actividade, o legislador abriu uma excepção de que permitia razoavelmente o trabalho contínuo mais de 7 dias, no máximo 26 ou 27 dias mensais, e garantia o gozo dum descanso consecutivo de quatro dias no mês corrente.
  Repare-se que aqui se trata duma norma excepcional em que o legislador sublinhou o adjectivo “consecutivo” para o gozo de descanso semanal. Isto significa que esse modo do gozo de 4 dias de descanso semanal tem que ser contínuo, mas não separado, sob pena de violar a regra geral prevista no art. 17º, n. 1º do DL 24/89/M.
  Assim, não deixa de considerar o não gozo de descanso semanal em 7º dia ou em 4 dias consecutivas como facto violador do direito de repouso conferido ao Autor nos termos do art. 17º, n. 1º do DL 24/89/M, devendo considerar-se o 8º dia de descanso após 7 dias de trabalho apenas como descanso compensatório gozado pelo Autor nos termos do art. 17º, n. 4º do mesmo diploma.
  Quanto ao múltiplo das compensações pelos dias de descanso semanal não gozados, inclinemos, tal qual inclinámos nos outros casos paralelos, à posição de que o trabalhador recebe, ao lado de um dia do salário a título de compensação pelo dia de descanso compensatório não gozado, o dobro da retribuição normal, que compõe do salário normal, em singelo, correspondente ao trabalho nesses dias de descanso e dum outro tanto (vide os Ac. do TUI n.os 28/2007, 29/2007, 58/2007 e 40/2009).
  No caso vertente, tendo em conta que o Autor não reclamou as compensações pelos dias de descanso compensatório, somos de entender que, depois de ser descontados os dias de férias anuais e de despesas de trabalho para o cálculo do número de dias de trabalho, o Autor tem direito de receber, ao lado do salário normal já recebido, um outro tanto a título de compensações pelos dias de descanso semanal não gozados, isto é, o Autor tem direito a receber o montante de MOP$80,031.00 [HKD$9,000.00 / 30 dias X 1.03 X (1818 dias / 7)], a título de compensação de descanso semanal.
  4. Sendo os créditos supra mencionados (MOP$110,757.19) ilíquidos, à quantia a eles referentes acrescerão, nos termos do art. 794º, n 4º do Código Civil que se conjuga com a jurisprudência fixada no Douto Acórdão do TUI, de 2 de Março de 2011, no processo n. 69/2010, juros a partir da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante.
*
V - DECISÃO
  Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se, nos termos supra referidos, a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$110,757.19 (MOP$30,726.19, pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho prestado e MOP$80,031.00, pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo), acrescida dos juros de mora à taxa legal a contar da data da presente sentença até o efectivo e integral pagamento, absolvendo a Ré do restante pedido.
  As custas serão a cargo do Autor e da Ré na proporção do decaimento.
  Registe e notifique.

Notificadas as partes da sentença, veio o Autor recorrer dela para esta segunda instância, concluindo e pedindo que:
1) Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Ré (XXXX) na atribuição de uma compensação devida ao Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, na medida em que a concreta fórmula de cálculo utilizada na Decisão Recorrida se mostra em manifesta oposição à que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância;
2) De onde, salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado e, deste modo, em violação ao disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
Em concreto,
3) Entendeu o Tribunal a quo ser de sufragar o entendimento seguido pelo Tribunal de Última Instância e, em consequência, condenar a Ré a pagar ao Autor apenas ao correspondente ao valor de um salário em singelo no que respeita ao trabalho prestado em dia de descanso semanal durante todo o período da relação laboral, a liquidar em execução de sentença;
4) Porém, salvo melhor opinião, ao proceder à condenação da Ré apenas em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
5) Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, para além do valor relativo ao próprio dia de trabalho prestado;
6) Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2);
7) De onde, provado que durante o período da relação laboral a Recorrida não garantiu ao Autor o gozo do descanso semanal no máximo ao 7.º dia após 6 dias consecutivos de trabalho, deve a mesma ser condenada a pagar ao Recorrente “o dobro da retribuição normal por cada um dos sétimos dias de trabalho prestado”, isto é, a quantia de MOP$160.062,00 - e não apenas MOP$80.031,00 correspondente a um dia de salário em singelo - conforme resulta da douta Decisão recorrida, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer.
Nestes termos e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a douta Sentença ser julgada nula e substituída por outra que atenda à fórmula de cálculo tal qual formulada pelo Autor na sua Petição Inicial e relativa ao trabalho prestado em cada um dos sétimos dias de trabalho consecutivo, enquanto dias de descanso semanal, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!

Ao recurso respondeu a Ré pugnando pela improcedência.

Admitido no Tribunal a quo, o recurso foi feito subir a este Tribunal de recurso.

Liminarmente admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre conhecer.
II

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Inexistindo questão de conhecimento oficioso e face às conclusões dos recursos, a única questão que constitui o objecto da nossa apreciação consiste em saber, qual é o multiplicador para o cálculo do trabalho prestado nos dias de descanso semanal..

O Autor pede a condenação da Ré a pagar-lhe a compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal.

O Tribunal a quo deu-lhe razão e acabou por reconhecer ao Autor esse direito.

Mas o Autor questiona o multiplicador (X 1) para o cálculo do trabalho prestado nos dias de descanso semanal, adoptado pelo Tribunal a quo, defendendo que deve ser adoptado o multiplicador (X 2).

Tem razão o Autor.

Pois no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.

Diz o artº 17º deste diploma que:

1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.

4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.

Procede o recurso interposto pelo Autor nesta parte.

Como, por um lado, a sentença recorrida adoptou o multiplicador X 1 para o cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, em vez de o multiplicador X 2 que defendemos, e por outro lado não foi impugnado com êxito em sede do recurso interposto pela Ré o número dos dias de descanso semanal em que trabalhou e não impugnado o quantitativo diário do salário, é de alterar a sentença recorrida e passar a aplicar nela o multiplicador X 2 para o cálculo dos quantitativos da compensação pelo trabalho prestado nos descansos semanais.

Assim sendo, merece o Autor, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o valor de MOP$160.062,00, correspondente ao dobro de MOP$80.031,00, quantia fixada na sentença recorrida.


III

Pelo exposto, acordam em julgar procedente o recurso interposto pelo Autor, passando atribuir ao Autor, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o valor de MOP$160.062,00.

Custas pela recorrida YYY.

RAEM, 16DEZ2019

(Relator) Lai Kin Hong

(Primeiro Juiz-Adjunto) Fong Man Chong

(Segundo Juiz-Adjunto) Ho Wai Neng
Ac.930/2019-3