Processo nº 1099//2017
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 28 de Novembro de 2019
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio
SUMÁRIO
1- Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
2- Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.
Proc. nº 1099/2017
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
B (B - 6*** 7*** 2***), do sexo feminino, divorciada, titular do BIRM n.º 5******(2) emitido pela Direcção dos Serviços de Identificação no dia 1 de Agosto de 2016, residente na fracção … do Edifício ...... San Chuen (Bloco ...) da Avenida de ......, Toi Sán, Macau, nos termos do artigo 1199º do Código de Processo Civil, ----
Instaura a presente acção de revisão e confirmação de sentença do exterior de Macau contra---
C (C), do sexo masculino, divorciado, com moradas conhecidas em Macau, a fracção ... do Edifício ...... San Chun (Bloco ...) da Avenida .......
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Não houve contestação e o digno Magistrado do MP não se opôs ao deferimento do pedido.
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1. No dia 16 de Setembro de 1997, a requerente e C (C) procederam ao registo de casamento na Conservatória do Registo Civil da RAEM.
2. A requerente pediu a dissolução da relação matrimonial com C (C) no Tribunal do Condado de LEEDS (The LEEDS County Court), em Inglaterra, sendo atribuído ao processo o N.º LS13D0****.
3. Foi proferida a sentença no dia 22 de Outubro de 2013, que transitou em julgado no dia 20 de Dezembro de 2013.
4. A sentença apresenta o seguinte teor:
No Tribunal Familiar do Condado Leeds
Caso n.º: LS13D0****
B Requerente
e C Contestador
Perante o Mm.º Juiz Distrital Flanagan do Tribunal Familiar do Condado Leeds
Aos 22 de Outubro de 2013
O Mm.º Juiz julga que
Os actos manifestados pelo contestador não permitem que a requerente possa esperar razoavelmente continuar a viver juntamente com o contestador,
O casamento contraído aos 16 de Setembro de 1997
No Conservatória do Registo Civil da RAEM da RPC
Entre a requerente B
E o contestador C
Está de tal maneira rompido que já não se pode remediar e manda que o casamento acima referido seja dissolvido, salvo se sejam apresentadas ao tribunal no prazo de 6 semanas depois do proferimento da presente decisão provas suficientes pelas quais a decisão não deve transitar em julgado.
Obs.
A presente decisão não é final. Deve-se apresentar requerimento para decisão final (decisão definitiva). (vd. as Instruções no livreto D187. “Tenho uma decisão provisória - o que devo fazer a seguir?”)
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IV – O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida; 342/2009 28/34
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação verificada perante o Tribunal competente da Inglaterra. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decretou o divórcio requerido pela ora requerente com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento, igualmente com fundamento na cessação dos laços e convivência conjugal.
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos. Na verdade, o trânsito da decisão já ocorreu. A decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor na RAEM e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal do Condado de Leeds, acima transcrita.
Custas pelo requerente.
T.S.I., 28 de Novembro de 2019
(Relator) José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto) Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong
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