打印全文
Proc. nº 933/2018
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 14 de Novembro de 2019
Descritores:
- Procedimento disciplinar
- Deveres de obediência e lealdade

SUMÁRIO:

I - Atendendo à natureza específica do dever de obediência, não pode dar-se por verificada a sua violação se não estiver demonstrado o respectivo elemento subjectivo/volitivo.

II - Se o médico não se afastou voluntariamente das instruções superiores, nem dos objectivos de serviço e na perspectiva da prossecução do interesse público, não se pode dar por violado o dever de lealdade.




Proc. nº 933/2018

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, médico, do sexo masculino, casado, de nacionalidade chinesa, titular do BIRM n.º 1XXXXX3(9), residente em Macau, na Rua de XX, XX, XX.º Andar XX, Taipa, -----
Recorre contenciosamente para este TSI -----
Do despacho de 27 de Agosto de 2018 do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, -----
Que indeferiu um recurso administrativo interposto do acto praticado pelo Director dos Serviços de Saúde, pelo qual lhe havia sido aplicada a pena disciplinar de 3 dias de multa equivalente ao mesmo período de vencimentos.
*
Terminou a petição com as seguintes conclusões:
“A. O acto recorrido padece dos seguintes vícios: i) violação de lei – falta de elemento subjectivo de infracção; ii) violação de lei – ausência de acto infraccional objectivo; iii) errada aplicação e interpretação das disposições do artigo 22.º, n.º 1, al. 3) e n.º 4 da Lei n.º 10/2010 (Regime da carreira médica) e infracção ao disposto no artigo 11.º, al.s 4) e 8) da mesma Lei.
B. Antes de mais nada, o acto recorrido não comprovou, de forma alguma, que o recorrente tinha culpa, quer dolosa quer negligente. Na verdade, o recorrente nunca violou culposamente qualquer ordem de convocação.
C. De acordo com os artigos 4.1.9 a 4.1.10 do Regulamento do serviço de urgência do Centro Hospitalar Conde de São Januário de 2014 (documento 8), para assegurar o funcionamento das funções do serviço de urgência, os médicos do serviço de urgência são os responsáveis principais pelo tratamento da urgência, devendo os médicos dos serviços médico-cirúrgicos, de pneumologia, de ortopedia, de pediatria, de ginecologia e obstetrícia, de anestesiologia, de cardiologia e da unidade dos cuidados intensivos prestar apoios ao serviço de urgência conforme a necessidade, de forma voluntária ou através de turno ou convocação.
D. À luz do artigo 4.1.11 do falado Regulamento, quanto aos médicos dos demais serviços, incluindo os oftalmologistas, os serviços de urgência prestados fora das horas de serviço são assegurados através de «chamada», a qual, como definida pelos artigos 1.1.13 e 4.1.14 do Regulamento, é o contacto dos médicos a qualquer tempo quando necessário, ficando os médicos chamados obrigados a responder dentro de 15 minutos e elaborar o registo de atendimento após conclusão do tratamento.
E. Além disso, para o cumprimento das disposições do Sistema de Alerta e Aviso para Situações de Ameaça de Risco Colectivo na Região Administrativa Especial de Macau aprovado pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 78/2009, o Centro Hospitalar Conde de São Januário elaborou o «Plano de resposta a catástrofes do Centro Hospitalar Conde de São Januário» (documento 9), ou seja, um regulamento interno com força vinculativa para todo o hospital.
F. Segundo o mapa 1 e o anexo A ao ponto 2, «classificação das situações de ameaça de risco colectivo» do referido Plano, os Serviços de Saúde estabeleceram um regime interno de classificação das situações de ameaça de risco colectivo (documento 9, fls. 6). Segundo o falado regime, o nível máximo dessa classificação, ou seja, o nível 3, verifica-se quando existe “mais de 4 feridos graves e/ou cerca de 40 feridos leves”.
G. O anexo B ao ponto 3, «activação da resposta a catástrofes» (documento 9, fls. 7), prevê expressamente que o serviço de urgência deve classificar a catástrofe e decidir se activar o plano de resposta a catástrofes em conformidade com as informações recebidas. E o ponto 4, «fluxograma da convocação para resposta a catástrofes», estabelece diversas formas de chamada com base em classificações diferentes.
H. Segundo o ponto 4, quando ocorra catástrofe de nível 3, todos os médicos “on-call”, chefes de serviço e os demais colegas que recebam a informação relativa à resposta a catástrofes, devem deslocar-se ao serviço de urgência (documento 9, fls. 9 e 10). Ao mesmo tempo, o director do Centro Hospitalar Conde de São Januário deve constituir o quanto antes o Centro da Direcção e Controlo para Acontecimentos Urgentes (sigla em inglês ICCC), onde têm lugar a decisão, organização, direcção, controlo, coordenação e comunicação relativamente ao socorro e ao tratamento médico (sublinhado para efeito de realce).
I. Daí se pode ver que, os médicos oftalmologistas podem ser convocados em dois casos: o primeiro é o caso geral, ou seja, a convocação efectuada pelo serviço de urgência fora das horas de serviço normal de acordo com o artigo 4.1.11 do Regulamento do serviço de urgência do Centro Hospitalar Conde de São Januário, devendo os médicos convocados manter-se contactáveis e responder e tratar os doentes dentro de 15 minutos contados da convocação; o segundo caso consiste em convocação efectuada em face a situações de ameaça de risco colectivo, este tipo de convocação é feita nos termos dos processos de convocação descritos nos supra referidos anexos A e B e artigo 4.º do Plano de Resposta a Catástrofes do Centro Hospitalar Conde de São Januário, ficando os médicos convocados obrigados a se apresentarem no serviço de urgência (sublinhado para efeito de realce).
J. Segundo mostra o registo (documento 10) de feridos chegados ao Centro Hospitalar Conde de São Januário no dia do facto, ou seja, o dia 13 de Junho de 2014, até às 11h43 desse dia, foram levados ao hospital um total de 58 feridos e, até às 12h57, este número aumentou para 70.
K. De acordo com o anexo A ao «Plano de resposta a catástrofes do Centro Hospitalar Conde de São Januário», a catástrofe de nível 3 existe quando há mais de 4 feridos graves e/ou cerca de 40 feridos leves. Obviamente, o serviço de urgência do Centro Hospitalar Conde de São Januário, ao ser notificado pelo Corpo de Bombeiros às 09h00 da existência de ao menos 7 feridos graves, estava em plenas condições de proceder à classificação relativamente ao acidente em causa, devendo o acidente ser classificado como catástrofe de nível 3.
L. No entanto, infelizmente, mesmo com condições suficientes, número claro dos feridos e direcção pessoal do director dos Serviços de Saúde, foram ainda negligenciadas a classificação do acidente, a activação da resposta a catástrofe e a efectuação de chamadas para enfrentar catástrofe.
M. Perante a falta das devidas classificação de catástrofe, activação de resposta e convocação de catástrofe, nenhum do pessoal médico e de enfermagem convocado naquele dia, incluindo o recorrente, sabia que se tratou de convocação de resposta a catástrofe, pelo que não é era exigir que estes agissem com observância do estipulado no referido plano de resposta a catástrofes, ou seja, apresentar-se no serviço de urgência.
N. Por conseguinte, de acordo com as informações de que o recorrente disponha, tanto a chamada das 12h03 feita pelo médico do serviço de urgência Dr. B através da linha telefónica interna n.º 8XXXXX22, como a chamada das 12h12 feita pelo médico do serviço de urgência Dr. C através da linha telefónica interna n.º 8XXXXX70 foram convocações normais de serviço de urgência.
O. De facto, analisando as colaborações anteriores entre o serviço de urgência e o serviço de oftalmologia, pode-se saber que quando se tratou de convocação geral do serviço de urgência, os doentes foram normalmente levados ao serviço oftalmológico para ser tratados devido à falta de equipamentos específicos no serviço de urgência.
P. Tal como se referiu atrás, pelas 12h03 do referido dia, o médico do serviço de urgência Dr. B fez a convocação dizendo que o ferido D precisava de tratamento oftalmológico, e o recorrente respondeu às 12h04, no sentido da transferência imediata do falado ferido para o serviço de oftalmologia.
Q. Posteriormente, às 12h12, o médico do serviço de urgência Dr. C chamou o recorrente através da extensão telefónica para ele ir apoiar o serviço de urgência. O recorrente imediatamente lhe respondeu que estava a atender o dito ferido que tinha acabado de ser transferido para o serviço de oftalmologia, e perguntou-lhe se devia ir primeiro ao serviço de urgente ou continuar a tratar o ferido. O Dr. C disse-lhe para continuar o tratamento.
R. Daí que, o que o recorrente sabia era que, naquele momento, os referidos médicos Dr. B e Dr. C podiam entrar em contacto com ele imediatamente, que ele respondeu e atendeu o ferido transferido pelo serviço de urgências dentro de 15 minutos, e que continuou o tratamento em causa sob a instrução do médico do serviço de urgência, estando tudo isso em conformidade com o disposto no artigo 4.1.11 do referido regulamento.
S. O recorrente após ter concluído o tratamento do falado ferido perguntou novamente e por sua iniciativa, através da extensão do serviço de urgência n.º 8XXXXX70, isto é, o mesmo número que o médico Dr. C tinha usado para chamar o recorrente (documento 15), se ainda era necessário se apresentar no serviço de urgência, e foi-lhe dada uma resposta negativa.
T. O recorrente, agindo de modo responsável e prudente, perguntou mais uma vez ao serviço de urgência se a sua presença ainda era necessária, o qual mostra que, por um lado, o recorrente já fez mais do que o estipulado pelas regras e, por outro lado, o mesmo não tinha qualquer vontade de contrariar a ordem de convocação.
U. Do modo de resposta e abordagem do recorrente em relação às aludidas duas convocações não se vislumbra qualquer intenção culposa de contrariá-las: obviamente, o recorrente não tinha nenhum intuito de cometer infracção disciplinar.
V. Se o recorrente tivesse tido a intenção de violar a ordem de convocação, não a receberia ou responderia de qualquer forma, já para não falar em ligar para o mesmo número de extensão após a conclusão do tratamento do ferido para ter a certeza.
W. Também não houve nenhuma negligência. Isto porque, por um lado, o Centro Hospitalar Conde de São Januário não deu início a qualquer medida de resposta a catástrofe, isto é, não procedeu a qualquer classificação nem a procedimento de convocação de catástrofe, pelo que não era de esperar que o recorrente considerasse subjectivamente as referidas convocações como de catástrofe e se apresentasse no serviço de urgência;
X. Por outro lado, na altura o recorrente continuou o tratamento do referido ferido sob a instrução do próprio médico do serviço de urgência que tinha efectuado a convocação e, posteriormente, confirmou, mediante formalidade adequada e normal, com o serviço de urgência se ainda era necessária a sua presença. Por isso, não se verificou negligência ou culpa inconsciente de forma alguma.
Y. Além disso, não assiste nenhuma razão ao acto recorrido quando acusa o recorrente de não ser capaz de provar quem lhe disse que não era necessário se apresentar no serviço de urgência.
Z. O recorrente não tem a obrigação de saber os nomes de todos os colegas do serviço de urgência que o tenham contactado. Na verdade, é impossível exigir o mesmo quer ao recorrente quer a qualquer outro pessoal médico e de enfermagem do Centro Hospitalar Conde de São Januário. Nenhum dos regulamentos internos ou procedimentos hospitalares de trabalho, gerais ou especiais, prevê que o pessoal médico e de enfermagem deve conhecer o nome do colega do serviço de urgência que o contacte antes de proceder à comunicação de trabalho ou funcional.
AA. O importante é que o recorrente novamente contactou com o serviço de urgência, através do número telefónico 8XXXXX70 deste serviço, perguntando de modo cauteloso se ainda era necessário ir ao serviço de urgência. A referida pergunta foi efectuada em observância com formalidade adequada e normal, e o número de telefone para o qual o recorrente ligou foi exactamente o anteriormente usado pelo Dr. C para convocar o recorrente às 12h12!
BB. Por outro lado, o serviço de urgência (posto de enfermeiros) é uma zona de uso exclusivo do pessoal médico e de enfermagem, não sendo que qualquer terceiro pode ter acesso a esta área e atender à vontade os telefonemas dos médicos. Acresce que, nesse caso de acontecimento urgente, era ainda mais importante que alguém competente do serviço de urgência assumia a responsabilidade de comunicação, a não ser que naquela altura o serviço de urgência, embora sob a direcção pessoal do director dos Serviços de Saúde, tivesse sido encontrado num estado tão caótico que qualquer terceiro incompetente lhe podia ter acesso e atender as chamadas telefónicas dos médicos.
CC. Por conseguinte, ao recorrente ou a qualquer homem médio encontrada na situação dele, foi impossível duvidar naquela altura da autenticidade da resposta ou instrução obtida dos serviços competentes através de procedimento adequado e normal. Naquele momento, o serviço de urgência convocou os médicos e deu-lhes instruções em nome do hospital, em vez de alguma pessoa específica.
DD. O recorrente não se apresentou no serviço de urgência por lhe ter sido dito inequivocamente que tal não era necessário. Nestas circunstâncias, não se vislumbra qualquer intento de incumprir dolosa ou negligentemente a ordem de convocação.
EE. Face ao exposto, o recorrente não tem nenhuma intenção subjectiva, dolosa ou negligente, de desobedecer à ordem de convocação, pelo que não se verifica qualquer ofensa aos deveres de obediência e de fidelidade.
FF. Por último, cumpre salientar que, embora o director, substituto, dos Serviços de Saúde tivesse interposto recurso da referida sentença do TA, e o TSI não tivesse conhecido do mérito da causa, o Procurador-adjunto junto do TSI emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso e da manutenção da sentença do TA (documento 17).
GG. O recorrente, conduto, não entende existir qualquer infracção, quer dizer que não há nenhuma omissão.
HH. Tal como atrás referido, o recorrente ao receber a convocação do médico Dr. C do serviço de urgência respondeu imediatamente que estava a atender o ferido D que tinha sido transferido para o serviço de oftalmologia, perguntado se devia continuar o tratamento ou se ia apresentar-se primeiro no serviço de urgência. Na altura foi lhe dada a nova instrução de continuar o tratamento do ferido.
II. Segundo mostram os dados constantes dos autos, quando o supra referido tratamento foi concluído (às 13h13), já tinha deixado de ser necessária a prestação de apoio ao serviço de urgência.
JJ. O facto de ao recorrente ter sido dito que já não era necessário ir ao serviço de urgência quando ele telefonou novamente entre as 13h13 e 13h15 encontra-se perfeitamente consistente com a realidade daquele tempo, posto que o tratamento dos feridos recebidos no serviço de urgência quase acabou nessa altura. Pelo menos do ponto de vista oftalmológico, até às 12h57, altura em que foi recebido no hospital o último ferido do acidente, houve apenas um ferido oftalmológico, isto é, o falado ferido D.
KK. É claro que, por um lado, do ponto de vista do tempo, quando o recorrente concluiu o tratamento do referido ferido e telefonou para o serviço de urgência, o trabalho de tratamento dos feridos recebidos pelo hospital praticamente já acabou; por outro lado, no tangente às finalidades da convocação, na altura os médicos especialistas foram convocados para ver se havia no serviço de urgência feridos que precisassem tratamento especializado correspondente. Conduto, segundo mostram os autos do processo disciplinar, nessa altura só houve um ferido oftalmológico, isto é, o ferido D, que por seu lado tinha sido submetido ao tratamento pelo recorrente no serviço de oftalmologia antes da efectuação da convocação. Antes da conclusão do tratamento desse ferido, o último ferido do acidente tinha sido levado ao hospital às 12h57, momento em que se podia ter a certeza de que não havia qualquer outro ferido que precisasse tratamento oftalmológico.
LL. De facto, a partir da perspectiva objectiva, após a conclusão do tratamento do ferido D pelo recorrente, a ordem de convocação já perdeu o sentido da sua existência ou a sua utilidade, quer dizer que já deixou de existir a necessidade da presença de médico oftalmologista no serviço de urgência.
MM. De resto, não assiste razão ao acto recorrido quando afirma que “naquela altura a referida ordem de convocação não foi cancelada”.
NN. De acordo com o ponto 4, «fluxograma da convocação para resposta a catástrofes», do «Plano de resposta a catástrofes do Centro Hospitalar Conde de São Januário», o levantar do estado de urgência só existe nas situações dos níveis 2 e 3 (fls. 8 do documento 9).
OO. Tal como prescreve o anexo B ao «Plano de resposta a catástrofes do Centro Hospitalar Conde de São Januário», em caso de catástrofe de nível superior a 2, o respectivo nível da Resposta a Catástrofe deve ler-se nos ecrãs de todas as enfermarias de todas os secções hospitalares. A mensagem mantém-se até ao cancelamento da Resposta a Catástrofes. (fls. 7 do documento 9).
PP. No facto aqui em causa não foi feita qualquer classificação de catástrofe nem activada a resposta a catástrofe nos termos do «Plano de resposta a catástrofes do Centro Hospitalar Conde de São Januário». Logo, não existe no caso vertente o chamado cancelamento da convocação.
QQ. Resumindo, no espaço de tempo entre a convocação feita pelo Dr. C do serviço de urgência às 12h12 e a conclusão do tratamento do ferido D, o recorrente prosseguiu o tratamento do falado ferido agindo no cumprimento da nova ordem que lhe tinha sido dada, pelo que não se dirigiu ao serviço de urgência.
RR. Após a conclusão do tratamento, ou seja, cerca de 1 hora depois da referida convocação, dado que o único ferido oftalmológico já tinha recebido tratamento médico, e o tratamento de todos os feridos recebidos no hospital tinha praticamente acabado, sem que houvesse mais nenhum ferido oftalmológico, quando o recorrente telefonou para o serviço de urgência, a referida ordem de convocação já tinha deixado de ter o sentido, isto é, já não surtiu qualquer efeito prático.
SS. Importa realçar que, se naquele tempo ainda tivesse sido necessária a presença de médico oftalmologista no serviço de urgência, este serviço necessariamente teria chamado o recorrente de novo, ou lhe perguntado a razão de não comparecimento. Acresce que, naquele dia o serviço de urgência também não solicitou aos médicos oftalmologistas de reserva ou qualquer outro oftalmologista para ir prestar apoio no serviço ou substituir o recorrente.
TT. Perante a perda do sentido e utilidade prática da referida ordem da convocação, a entidade recorrida não pode entender que o recorrente violou os deveres de fidelidade e de obediência, apenas porque ele não se apresentou no serviço de urgência.
UU. O acto recorrido incorre em vício de errada interpretação e aplicação da lei ao assacar ao recorrente a ofensa ao disposto no artigo 22.º, n.º 1, al. 3) e n.º 4 da Lei n.º 10/2010 (Regime da carreira médica).
VV. A expressão “nele comparecer sempre que solicitado para exercer as suas funções” a que se refere o artigo 22.º, n.º 1, al. 3) e n.º 4 da Lei n.º 10/2010 deve ser interpretada em conjunto com os regulamentos internos do Centro Hospitalar Conde de São Januário. Obviamente que se trata da elaboração de escalas de serviço nos termos dos referidos regulamentos internos para o cumprimento do referido dever de comparecimento; e de obrigação dos médicos em serviço fora das horas de serviço de se apresentarem no respectivo serviço para lidar com situações imprevistas de forma a garantir o funcionamento normal dos serviços médicos.
WW. De facto, o recorrente esteve em serviço no dia 13 de Junho de 2014, responsável pelo exercício das funções no seu serviço (documento 20), isto é, serviço de oftalmologia, durante as 08h30 e as 19h30. Ele já se encontrava no local e posto de trabalho, e estava em condições de exercer as suas funções imediatamente em conformidade com as responsabilidades impostas aos médicos em serviço pelo «Regulamento do serviço de urgência do Centro Hospitalar Conde de São Januário» ou «Plano de resposta a catástrofes do Centro Hospitalar Conde de São Januário», tais como as respeitantes ao serviço de urgência e à resposta a catástrofe.
XX. A disponibilidade prevista no diploma acima referido significa que o médico em serviço deve comparecer no local de trabalho para poder prestar serviço quando necessário. Na altura, o recorrente permaneceu no seu serviço a exercer funções, entre as quais a recepção da convocação, a resposta a esta e o atendimento do falado ferido. Pelo que o mesmo não violou as disposições do artigo 22.º, n.º 1, al. 3) e n.º 4 da Lei n.º 10/2010.
YY. No que tange ao disposto no artigo 11.º, al.s 4) e 8) da mesma Lei, trata-se da obrigação de participar em equipas para fazer face a situações de emergência.
ZZ. Como atrás pormenorizadamente referido, o recorrente respondeu a ambas as convocações, solicitou a transferência do falado ferido para o serviço de oftalmologia, pediu instrução acerca da prioridade entre o tratamento do ferido e o comparecimento no serviço de urgência, continuou a atender o ferido sob a instrução do serviço de urgência, confirmou, após concluído o tratamento, se ainda era necessária a sua comparecência no serviço de urgência. Essas acções mostram inequivocamente que o recorrente participou de forma zelosa e dedicada nesse trabalho de socorro urgente. É difícil compreender por que motivo se considera que o mesmo não participou no socorro em causa.
AAA. Razão pela qual, o acto recorrido padece do erro na aplicação do direito ao assacar ao recorrente a violação do disposto no artigo 11.º, al.s 4) e 8) da mesma Lei.
Face ao expendido, pede que se conceda provimento ao presente recurso e, em consequência, se anule o acto recorrido. Para facilitar a análise do teor deste recurso, pede ainda que seja ordenada a apresentação, por parte da entidade recorrida, dos autos do processo disciplinar n.º PD-14-2014.”
*
Na sua contestação, a entidade recorrida formulou as seguintes conclusões:
“i. O Recorrente pretende que o douto Tribunal declare a anulabilidade do acto recorrido, alegando para o efeito que o mesmo padece do vício de violação de lei, pela não verificação dos elementos subjectivos que constituem uma infracção disciplinar e pela não existência de factos praticados pelo Recorrente passíveis de violar os deveres funcionais a que os funcionários públicos estão adstritos, bem como do erro na interpretação e aplicação da alínea 3) do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 22.º e das alíneas 4) e 8) do artigo 11.º da Lei n.º 10/2010.
ii. Não pode a Entidade Recorrida concordar com a posição defendida pelo Recorrente, impugnando, portanto, toda a petição de recurso.
iii. O Recorrente invoca tão insistentemente o regulamento interno sobre o “Disaster Contingency Plan”, quando bem sabe que o mesmo não deverá ser tido em conta nos presentes autos, pois o que está em causa no Processo Disciplinar n.º 14/2014 é apenas e tão-só o facto de o Recorrente não ter cumprido uma ordem de convocação legal e legítima.
iv. Conforme resulta de forma inequívoca dos autos do Processo Disciplinar em apreço, a ordem dada ao ora Recorrente na segunda chamada consistiu na obrigação de o mesmo se deslocar ao Serviço de Urgência para prestar apoio (cfr. fls. 4, 239 e 281 do Processo Disciplinar n.º 14/2014).
v. De acordo com o ponto 3.1. do Regulamento do Serviço de Urgência (versão 2014) do CHCSJ, são obrigados à prestação de serviço de urgência, os Médicos da carreira médica hospitalar, como é o caso do ora Recorrente, nas condições nela fixadas e quando lhes for solicitado.
vi. Independemente de ter sido ou não activado o plano de contingência que o Recorrente tanto proclama, a verdade é que o Recorrente, enquanto médico inserido na carreira médica hospitalar, está legalmente obrigado a deslocar-se ao Serviço de Urgência e dar o necessário apoio, sempre que a sua presença seja solicitada, o que não foi respeitado no caso em análise.

vii. O Recorrente, contrariamente aos seus colegas, acabou por não se deslocar no dia 13 de Junho de 2014 ao Serviço de Urgência para prestar apoio, violando, assim, uma ordem expressa, legal e válida da Entidade Recorrida, o que constitui infracção disciplinar.
viii. O Recorrente faz exaustivamente referência ao “Disaster Contingency Plan”, mas curiosamente ignora o Despacho do Chefe do Executivo n.º 78/2009, em particular os artigos 1.5 e 4.2.
ix. O Recorrente só a partir do momento em que tomou conhecimento de que o “Disaster Contingency Plan” não tinha sido activado, isto é, quando consultou o Processo Disciplinar n.º 14/2014 após a dedução da competente acusação, é que traçou o plano de imputar as responsabilidades ao CHCSJ, o que prova a ausência de argumentos válidos e consistentes para a sua defesa.
x. O próprio Recorrente admitiu que no dia em questão teve conhecimento do acidente do ferry e que considerou como altamente provável a activação por parte do CHCSJ do “Disaster Contingency Plan” e mesmo assim decidiu não se deslocar ao Serviço de Urgência quando recebeu uma ordem de convocação para o efeito (vide a l.ª parte da resposta do ora Recorrente à pergunta n.º 8 e a resposta à pergunta n.º 12, respectivamente, a fls. 225 e 226, bem como a resposta à pergunta n.º 4 do Senhor Dr. C, a fls. 201 do processo instrutor).
xi. O Recorrente ao decidir não se deslocar ao Serviço de Urgência, quando foi legítima e legalmente convocado para o efeito, violou os deveres funcionais especiais consagrados nas alíneas 4) e 8) do artigo 11.º da Lei n.º 10/2010, a alínea 3) do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 22.º da citada Lei e, bem assim, os deveres gerais de obediência e lealdade consagrados nas alíneas c) e d) do n.º 2 e n.ºs 5 e 6 do artigo 279.º do ETAPM.
xii. O Recorrente demonstra desconhecer por completo o seu regime de prestação de trabalho, pois o Recorrente presta trabalho no regime especial, ao qual corresponde uma permanência no serviço de 45 horas de trabalho por semana e o dever de nele comparecer sempre que solicitado para exercer as suas funções (vide a alínea 3) do n.º 1 e o n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 10/2010, bem como fls. 230 a 232 do processo instrutor).
xiii. No dia 13 de Junho de 2014 o Recorrente estava de escala de prevenção (vide fls. 233 dos presentes autos), o que significa que, quando foi chamado para dar apoio ao Serviço de Urgência, o Recorrente estava no CHCSJ a cumprir o seu horário normal de trabalho, sendo certo que estando de escala de prevenção tinha ainda o dever de comparecer no local solicitado para exercer as suas funções, o que não fez.
xiv. O Recorrente limita-se a afirmar que ligou para o Serviço de Urgência para verificar se precisava de se apresentar naquele Serviço e que foi informado por alguém, que não consegue identificar, de que não precisava de se deslocar ao Serviço de Urgência.
xv. O Recorrente não logrou sequer identificar, como era seu ónus de prova, a pessoa com quem falou e alegadamente lhe terá dito já não ser necessário ir ao Serviço de Urgência.
xvi. O Recorrente socorre-se apenas das declarações prestadas pela testemunha E, G no âmbito do presente processo disciplinar para procurar confirmar de que foi informado de que não era necessário comparecer no Serviço de Urgência.
xvii. A citada testemunha não ouviu o que o alegado interlocutor do Recorrente lhe disse, nem ouviu sequer qualquer voz do outro lado da linha, apenas as palavras proferidas pelo ora Recorrente, palavras essas que ela supõe que seriam a repetição do que estava a ser dito do outro lado (vide fls. 222 do processo instrutor).
xviii. Trata-se de um testemunho que se limita a reproduzir o que foi dito pelo Recorrente e que, ainda por cima, é meramente conclusivo, na medida em que é a própria testemunha que concluiu, sem mais, que ele estava a repetir aquilo que lhe estava a ser dito.
xix. A valoração das declarações prestadas pela referida testemunha cai no âmbito do princípio geral da livre apreciação da prova estabelecido no artigo 114.º do Código de Processo Penal, devendo ser avaliado conjuntamente com a demais prova produzida, de acordo com a livre apreciação e as regras de experiência comum, sem qualquer hierarquia de valoração entre um e outro.

xx. Contrariamente ao Recorrente, a Instrutora do Processo Disciplinar n.º 14/2014 lançou mão de todos os meios ao seu alcance para averiguar os factos alegados pelo ora Recorrente, não tendo, contudo, conseguido fazer prova dos mesmos (a este propósito, atente-se às várias medidas constantes a fls. 146, 147, 152 a 154, 156 a 158, 200 a 203, 208 a 217 e 221 a 228 do processo instrutor).
xxi. Em processo disciplinar vigora o princípio da livre apreciação da prova, que implica a valoração dos depoimentos prestados, muitas vezes contraditórios, de acordo com as regras normais da experiência comum e a convicção do julgador, porquanto o princípio de não intromissão do Tribunal na prova produzida em sede de processo disciplinar tem também ele de ser observado, sob pena de invasão por parte do Tribunal das competências disciplinares da Administração.
xxii. No âmbito de um processo disciplinar, o resultado probatório só pode ser objecto de censura judicial se tiver havido erro sobre o valor das provas, erro manifesto na sua apreciação e desvio do poder, o que manifestamente não é o caso.
xxiii. A tese sufragada pelo Recorrente é reveladora de que o mesmo não tem argumentos válidos para apresentar em sua defesa, limitando-se a imputar responsabilidades ora ao CHCSJ, ora a alguém que não consegue identificar.
xxiv. Ao não comparecer no Serviço de Urgência o Recorrente não cumpriu uma ordem de convocação válida, legal e legítima.
xxv. O acto recorrido não padece do vício de aplicação errada da lei, uma vez que não só estão verificados todos os elementos subjectivos que constituem uma infracção disciplinar, como também o ora Recorrente praticou, de forma culposa, factos violadores dos seus deveres funcionais, encontrando-se in casu inteiramente verificado o artigo 281.º do ETAPM.
xxvi. O Recorrente labora novamente em equívoco quando invoca que a ordem de convocação para se deslocar ao Serviço de Urgência, após o tratamento efectuado ao ferido com problema oftalmológico, já havia sido cancelada, por ter perdido o seu objecto, esquecendo-se, porém, que ele foi chamado para dar apoio geral ao Serviço de Urgência, enquanto médico do CHCSJ, e não única e exclusivamente com o objectivo restrito de tratar doentes com problemas oftalmológicos (vide as declarações prestadas pelo Senhor Dr. H, responsável pelo Serviço de Urgência, a fls. 189 e 190, bem como o artigo 10.º da acusação deduzida ao Recorrente, a fls. 239 do processo instrutor).
xxvii. O Recorrente quando decidiu não se deslocar ao Serviço de Urgência não sabia se os feridos já estavam todos tratados, nem se foi chamado algum dos seus colegas de oftalmologia para ir prestar apoio, o que significa que o Recorrente vem agora utilizar factos dos quais não tinha, nem poderia ter, conhecimento no dia 13 de Junho de 2014, data em que, de forma livre e espontânea, praticou os factos cabalmente provados nos autos do Processo Disciplinar n.º 14/2014.
xxviii. De acordo com o entendimento de um homem médio ou o “bonus pater familias”, a ordem de convocação aqui em causa, ordem essa que é aliás confirmada pelo próprio Recorrente, só seria cancelada com o efectivo cumprimento por parte do Recorrente da ordem então recebida, ou seja, com a sua comparência no Serviço de Urgência ou com uma ordem de desmobilização dada pelo Director dos Serviços de Saúde, na qualidade de comando geral in loco.
xxix. Esta nossa posição é reforçada não só pelo conteúdo da mensagem da segunda chamada efectuada ao ora Recorrente, mas também pela resposta que lhe foi dada após ter perguntado se deveria descolar-se primeiro às urgências ou se poderia continuar com o tratamento do ferido que já estava a observar.
xxx. Segundo os factos dados como provados no Processo Disciplinar n.º 14/2014, que não foram postos em causa pelo arguido, ora Recorrente, a resposta foi que “pode primeiro continuar com a consulta”, daí resultando, sem qualquer margem para dúvidas, que a ordem para comparecer no Serviço de Urgência se mantinha após a finalização da consulta que estava a ser efectuada.
xxxi. A execução correcta e precisa da ordem pressuponha que o Recorrente se deslocasse pessoalmente ao Serviço de Urgência e não que telefonasse para saber se a sua presença era necessária.
xxxii. Esta é a única interpretação passível de defesa atento o interesse público em causa, em especial o socorro completo e integral aos feridos.

xxxiii. Em qualquer estrutura organizada e com hierarquia, quem decide sobre o funcionamento dos serviços, nos termos da lei, é aquele que, nessa hierarquia, está investido de poderes para tanto.
xxxiv. Se os profissionais de saúde pudessem decidir por sua livre iniciativa se deviam ou não comparecer no Serviço de Urgência quando tal lhes fosse solicitado para prestar as suas funções, corríamos o risco de ver bloqueada a prestação dos necessários cuidados de saúde, com todas as consequências graves para os utentes, o que obviamente não se pode aceitar em qualquer actividade pública, muito menos em termos de prestação de cuidados de saúde à população.
xxxv. As ordens superiores válidas, legítimas e legais devem ser respeitadas e cumpridas pelos funcionários e agentes de toda a Administração Pública, e, em especial, dada a natureza dos serviços de saúde, pelos profissionais da área, sob pena de violação dos deveres de obediência e de lealdade consagrados nas alíneas c) e d) do n.º 2 e nos n.ºs 5 e 6 do artigo 279.º do ETAPM, só podendo ser este o sentido em que esta norma deve ser interpretada.
xxxvi. No caso sub judice a ordem resultante da segunda chamada efectuada ao Recorrente, que consistia em deslocar-se ao Serviço de Urgência para dar apoio, foi emitida pela autoridade competente, ou seja, pelo Ex.mo Senhor Director dos Serviços de Saúde na qualidade de comando geral in loco, versava sobre matéria de serviço, pois o Recorrente foi chamado para exercer as suas funções, e, por fim, foi determinada e transmitida pela forma legal, em concreto mediante uma chamada de emergência por via telefónica, devidamente recepcionada e compreendida pelo ora Recorrente.
xxxvii. Caso o ora Recorrente não se sentisse seguro quanto à ordem de convocação que lhe foi dada teria de exigir a sua transmissão ou confirmação por escrito, cumprindo de seguida a ordem e apresentando depois à hierarquia a sua discordância, o que não fez.
xxxviii. O funcionário deve efectuar a prestação de trabalho pondo na sua execução um esforço de vontade e correcta orientação, adequadas ao cumprimento dessa prestação, esforço de vontade e correcta orientação esses que, como facilmente se compreende, são maiores para um médico em situação de acidentes graves, como era o caso, tenha ou não sido accionado o «plano de calamidade» pela entidade competentes para tanto.

xxxix. A decisão de accionar ou não o «plano de calamidade» traduz-se num juízo de oportunidade e de necessidade feito por quem tem competência para o efeito e não pode ser questionada por um qualquer médico subordinado, muito menos quando, como acontece no presente caso, o faça com o intuito de se furtar a assumir as suas responsabilidades enquanto funcionário.
xl. Por uma questão de economia processual, remete-se para os autos do Processo Disciplinar n.º 14/2014 toda a matéria relativa ao apuramento e prova dos factos praticados pelo ora Recorrente, que se dão aqui por inteiramente reproduzidos, remetendo-se, em particular, para fls. 271 a 289 dos autos, onde são rebatidas todas as vãs e débeis explicações do Recorrente.
xli. Pelos motivos supra aduzidos, não restam dúvidas que o ora Recorrente estava obrigado a cumprir a ordem legítima, válida e legal do seu superior hierárquico, que consistiu em deslocar-se ao Serviço de Urgência para prestar apoio, o que não sucedeu.
xlii. O acto administrativo posto em crise não enferma do erro na aplicação da lei, nem de qualquer outro vício, caindo, assim, por terra toda a argumentação aduzida pelo Recorrente.
xliii. O cumprimento do dever explanado no n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 10/2010, comparecer no serviço sempre que solicitado para exercer as suas funções, implica que o médico em regime de trabalho especial se desloque ao local para onde foi chamado, não sendo, pois, admissível a interpretação simplista e minimalista sufragada pelo Recorrente.
xliv. A alínea 3) do n.º 1 e o n.º 3 do artigo 22.º da Lei n.º 10/2010 consagram o dever de comparecer no serviço sempre que tal seja solicitado aos médicos em regime de trabalho especial e nunca aí se exige que, para tanto, seja accionado qualquer plano de emergência, sendo este o único sentido em que as normas citadas podem e devem ser interpretadas.
xlv. Entender que o ora Recorrente não estava obrigado a cumprir a ordem de comparência nos Serviços de Urgência para prestar cuidados médicos a sinistrados, é aceitar a abolição dos poderes direcção inerentes a uma estrutura organizada de forma hierarquizada como é a Administração Pública, o que conduziria à anarquia dos serviços: cada uma faria aquilo que bem entendesse, o que se afigura de gravidade acrescida e extrema numa área tão sensível e importante para a população como é a da prestação de cuidados de saúde.
xlvi. Seria, pois, absolutamente inaceitável considerar que chamado um médico em regime especial de trabalho, obrigado a comparecer sempre que para tal for chamado para ajudar nos Serviços de Urgência, designadamente em caso de acidente grave em que nunca se sabe quando e se chegam mais acidentados, este não careceria de uma ordem formal de quem superintende nesses serviços para poder abandonar o seu posto de trabalho.
xlvii. O Recorrente não foi acusado e punido pelo tratamento efectuado ao ferido com problema oftalmológico, nem pelo facto de ter decidido terminar o tratamento do citado ferido, mas sim por não ter cumprido a ordem de se deslocar ao Serviço de Urgência para prestar o necessário apoio, após ter concluído o tratamento do ferido, ordem essa que lhe foi transmitida aquando da segunda chamada.
xlviii. O único sentido possível de interpretação dos preceitos em apreço é o de que o ora Recorrente estava obrigado a acatar a ordem de comparência nos serviços de urgência e de que não o tendo feito violou os seus deveres funcionais.
xlix. O Processo Disciplinar n.º 14/2014 contém prova bastante de que o ora Recorrente não cumpriu a ordem de convocação de se deslocar ao Serviço de Urgência, não subsistindo qualquer dúvida de que o mesmo ao ignorar a ordem válida, legítima e legal que lhe foi dada violou, entre outros, os deveres funcionais consagrados nas alíneas 4) e 8) do artigo 11.º do regime da carreira médica.
1. A prova coligida no processo disciplinar, mormente a documentação carreada, legitima uma convicção segura da materialidade dos factos imputados ao ora Recorrente, para além de toda a dúvida razoável, podendo e devendo concluir-se que a decisão punitiva e, por conseguinte, o despacho recorrido não se mostram inquinados.
li. O acto recorrido não faz uma errada interpretação e aplicação da alínea 3) do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 22.º, nem das alíneas 4) e 8) do artigo 11.º da Lei n.º 10/2010.

lii. Face aos factos praticados pelo Recorrente e devidamente comprovados nos autos do Processo Disciplinar n.º 14/2014, a pena de multa aplicada ao Recorrente revela-se justa, adequada e proporcional aos factos por ele praticados.
Nestes termos e nos demais de direito, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso contencioso administrativo ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se o acto recorrido com as legais consequências.
Assim, estarão Vossas Excelências,
Senhores Venerandos Juízes,
Fazendo a costumada
JUSTIÇA!”
*
As partes não apresentaram, na oportunidade, alegações facultativas.
*
O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“Objecto do presente recurso contencioso é o despacho de 27 de Agosto de 2018, da autoria do Exm.º Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, que negou provimento ao recurso tutelar interposto por A contra o despacho punitivo de 04 de Setembro de 2015, do Exm.º Director Substituto dos Serviços de Saúde, através do qual lhe fora aplicada a pena disciplinar de três dias de multa.
O recorrente diz que o acto padece dos vícios de violação de lei por falta do elemento subjectivo da infracção, violação de lei por inexistência de acto infraccional objectivo e erro na aplicação e interpretação das disposições dos artigos 22.º, n.º 1, alínea a), e n.º 4, e 11.º, alíneas 4) e 8), da Lei n.º 10/2010, o que a entidade recorrida refuta, asseverando a legalidade do acto.
Vejamos, abordando primeiramente a invocada inexistência de acto infraccional objectivo.
O que está em causa e esteve na origem do processo disciplinar instaurado ao recorrente é a suposta inobservância da convocatória que lhe foi dirigida, pelas 12 horas e 12 minutos do dia 13 de Junho de 2014, para comparência no Serviço de Urgência do Centro Hospitalar Conde de S. Januário (CHCSJ), inobservância a coberto da qual lhe foi imputada a infracção dos deveres funcionais de obediência e lealdade decorrentes do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau e da Lei n.º 10/2010.
Na abordagem deste vício, o recorrente estrutura o seu raciocínio a partir do pressuposto de que as operações de socorro que tiveram lugar em 13 de Junho de 2014, no Serviço de Urgência daquele Centro Hospitalar, terminaram pelas 13:00 ou 14:00 horas. Este pressuposto baseia-se no depoimento de dois médicos que, naquela data, estiveram de serviço na urgência do CHCSJ, tendo um deles referido que foi almoçar, pelas 13:30 horas, após atender os seus feridos, e tendo outro afirmado que o trabalho de socorro se prolongou por cerca de três horas, até às 13:00 ou 14:00 horas. Ora, porque o recorrente, até às 13:13 horas, não pôde comparecer no serviço de urgência, por estar impedido com o atendimento, na consulta externa de oftalmologia, de um dos socorridos que para ali fora oportunamente encaminhado, quando ficou liberto deste impedimento já não haveria necessidade de prestar socorro, quer por estarem a terminar as respectivas operações, quer porque nenhum outro ferido necessitou de atendimento da especialidade de oftalmologia.
Não creio que este assacado vício, que radica na inutilidade superveniente da convocatória, se mostre procedente.
Desde logo, porque, ainda que fosse exacto que as operações de socorro terminaram pelas 13:30 ou 14:00 horas - e não é, pois variados elementos contidos no processo, incluindo relatórios oficiais internos apontam para as 15:00 horas, sendo certo que aqueles depoimentos reportam horas aproximadas e fora de um contexto intencionalmente destinado a apurar a hora concreta a que terminaram as operações de socorro -, não era despicienda a colaboração que o recorrente ainda poderia dar no serviço de urgência a partir das 13:13 horas. Por outro lado, a eventualidade de não haver mais feridos a carecer de tratamento do foro oftalmológico não era fundamento para a não comparência do recorrente, pois não resulta demonstrado que a convocatória abordasse qualquer restrição baseada nas especialidades dos médicos convocados.
Improcede este fundamento do recurso.
Detenhamo-nos, seguidamente, na alegada falta de elemento subjectivo da infracção.
Sustenta o recorrente que não actuou com culpa, dolosa ou negligente, e que esse juízo de culpa não encontra respaldo nos elementos probatórios recolhidos no processo disciplinar que culminou com a sua punição.
Está em causa, como supra-referido, a convocatória que lhe foi dirigida, pelas 12:12 horas do dia 13 de Junho de 2014, veiculada pelo médico C, por incumbência do Director dos Serviços de Saúde, para comparência no Serviço de Urgência do CHCSJ. O recorrente já havia sido convocado uma primeira vez, pelas 12:03 horas, pelo médico B, a fim de atender um ferido, D, na especialidade de oftalmologia, tendo este, por sugestão do próprio recorrente, sido encaminhado para a consulta externa, onde o recorrente estava a trabalhar e onde havia o equipamento necessário para o atendimento, contrariamente ao que sucedia no serviço de urgência. Pois bem, aquando do segundo telefonema - que foi feito a partir do mesmo serviço de urgência e decorridos apenas 9 minutos sobre o primeiro - estava o recorrente a atender o acidentado que tinha acabado de ser transferido do próprio serviço de urgência. Razão por que indagou se poderia continuar a prestar o socorro que lhe fora solicitado e comparecer depois, findo o atendimento, no serviço de urgência. O seu interlocutor, Dr. C, anuiu em que o recorrente prosseguisse com o tratamento e que comparecesse na urgência quando acabasse de prestar os cuidados reclamados pelo acidentado D, como não podia deixar de ser. Sucede que a prestação de cuidados a D só terminou pelas 13:13 horas. Nessa altura, o recorrente indagou, através do mesmo número telefónico que havia sido usado pelo médico C para o contactar pelas 12:12 horas, se ainda era necessário comparecer no serviço de urgência. Foi atendido por alguém, que não identificou, que lhe prestou informação de sentido negativo.
Posto isto, e sendo óbvio, à face do acervo probatório oferecido pelos autos, que não foi devida e formalmente accionado o plano de resposta a catástrofe, cabe indagar se o recorrente devia comparecer no serviço de urgência, quando, pelas 13:13 horas, acabou de atender o acidentado D, e, na sequência da Sua indagação, foi informado que já não havia necessidade de comparecer.
Como se referiu, não foi implementado formalmente o plano de resposta a catástrofes, pelo que a aventada obrigatoriedade da comparência pessoal até ao “cancelamento” do plano não tem qualquer razão de ser. E muito menos razão de ser tem uma advogada comparência imediata, como chegou a ser sugerido por um responsável ouvido no processo disciplinar, quando é certo que o recorrente estava, na altura, a tratar um dos sete feridos graves que foram encaminhados para o serviço de urgência na sequência do acidente.
Assim, dado o tempo que mediou entre a chamada do recorrente à urgência e o termo do atendimento à vítima D, computado em mais de uma hora, é perfeitamente normal, à luz da lógica e do senso comum que enformam a noção de bonus paterfamilias, que o recorrente tenha procurado inteirar-se da efectiva necessidade de ainda comparecer no serviço de urgência. A ordem de comparência tem, como é óbvio, um objectivo funcional, de serviço; não encerra um mero capricho de quem manda. Se o objectivo de serviço deixa de perdurar, a ordem vai perder actualidade e utilidade. Donde a acuidade do telefonema do recorrente, feito uma hora depois do contacto/convocatória e dirigido à mesma extensão do serviço de urgência.
Assim, tendo em conta que os factos sumariados supra foram acolhidos no processo disciplinar, em cujo relatório o instrutor considerou que o arguido acabou por não se apresentar no serviço de urgência, sem verificação apropriada e pensando que não precisava de se apresentar, parece que é de excluir qualquer culpa, dolosa ou negligente, na não apresentação que, nos termos da acusação e da punição consubstanciava as violações aos deveres de obediência e de lealdade, tanto mais que aquela apontada “não verificação apropriada” contempla o facto de o recorrente não haver solicitado a identificação da pessoa que, da urgência, lhe prestou a informação sobre a desnecessidade de comparência. O recorrente procurou informar-se acerca da manutenção ou não da necessidade de ainda comparecer - o que foi presenciado pela enfermeira E e, segundo ela, pelo próprio acidentado D -, o que, face às circunstâncias, se revela consentâneo com o padrão de diligência exigível.
Afigura-se-nos, pois, não caracterizada uma conduta culposa violadora dos imputados deveres de obediência e lealdade. Saber se a omissão de apurar a identidade de quem lhe deu a informação configura a violação de algum outro dever é tarefa de que já não podemos ocupar-nos.
Procede, pois, este vício de violação de lei por falta do elemento subjectivo da infracção.
Ante o exposto, o nosso parecer vai no sentido da anulação do acto.”
*
Cumpre decidir.
***
II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
***
III – Os Factos
Julga-se assente a seguinte factualidade:
1. Em 13 de Junho de 2014, por volta das 09h00, o serviço de urgência do Centro Hospitalar Conde de São Januário foi notificado pelo Corpo de Bombeiros de um acidente ocorrido no Terminal Marítimo do Porto Exterior de Macau em virtude de uma embarcação (jactoplanador) ter embatido no dique de protecção.
2. Posteriormente, o Corpo de Bombeiros informou que uma grande quantidade de feridos chegaria ao serviço de urgência em breve, indicando 7 feridos graves seriam os primeiros a chegar.
3. Cerca das 10h30 desse dia, os referidos 7 feridos chegaram ao serviço de urgência.
4. Posteriormente, entre 10h53 e 12h57, 63 feridos leves também foram levados ao referido hospital de autocarro pelo Corpo de Bombeiros. No dito dia o serviço de urgência recebeu em total 70 feridos.
5. O senhor D, um dos feridos do acidente em causa, foi registado no serviço de urgência às 11h01 do dia 13 de Junho de 2014.
6. Após atendimento inicial do mesmo, o médico Dr. B chamou pela primeira vez o médico oftalmologista Dr. A, o ora recorrente.
7. Dado que uma grande quantidade de feridos leves chegou ao dito hospital entre 10h53 e 12h57 o director dos Serviços de Saúde, F, compareceu no local enquanto director geral.
8. Tendo avaliado as situações dos feridos, O director decidiu chamar urgentemente os médicos em serviço dos serviços de ortopedia, de cirurgia maxilo-facial, de otorrinolaringologia e de oftalmologia para prestarem apoios no serviço de urgências. Agindo sob a referida ordem do director, o médico Dr. C imediatamente chamou os médicos respectivos.
9. Pelas 12h03, o médico Dr. B chamou telefonicamente o recorrente através da linha telefónica interna n.º 8XXXXX22, dizendo que um dos feridos do referido acidente precisava de ser atendido pelo recorrente.
10. Às 12h04, o recorrente respondeu telefonicamente afirmando que o ferido poderia ser transferido imediatamente para o serviço de oftalmologista onde se encontrava.
11. O recorrente foi o principal médico oftalmologista em serviço naquele dia (documento 6).
12. Pelas 12h12 do mesmo dia, o Dr. C chamou o recorrente através da linha telefónica interna n.º 8XXXXX70, solicitando que este último se dirigisse ao serviço de urgência para prestar apoio.
13. O recorrente imediatamente lhe respondeu que estava a atender D, ou seja, o ferido do referido acidente que tinha acabado de ser transferido para o serviço de oftalmologia, e perguntou-lhe se devia ir primeiro ao serviço de urgência primeiro ou continuar a tratar o ferido. O Dr. C disse-lhe para continuar o tratamento e afirmou que iria comunicar superiormente a sua resposta (documento 7).
14. O recorrente concluiu o tratamento oftalmológico dele às 13h13 daquela tarde.
15. Após a conclusão do tratamento em causa, o recorrente ligou para o supra aludido número telefónico 8XXXXX70, perguntando se ainda era necessário se deslocar ao serviço de urgência. Quem atendeu o telefone disse-lhe que médico oftalmologista deixava de ser necessário no local. Pelo que o recorrente não se dirigiu ao serviço de urgência.
16. E e G, ou seja, as enfermeiras responsáveis por auxiliar o recorrente naquele dia, ao trabalharem no consultório ouviram-no perguntar educadamente se ainda era necessária a sua ajuda, e obteve uma resposta negativa.
17. Pelas 15h00, o trabalho de socorro do acidente em causa ficou praticamente concluído, tendo sido elaborado um relatório sumário sobre essa situação de ameaça de risco colectivo.
18. Naquele dia o serviço de urgência recebeu um total de 70 feridos, dos quais a maioria foram feridos leves. E só um ferido precisou de tratamento oftalmológico, isto é, o supra descrito ferido D.
19. Não foi accionado nesse dia pela DSS o plano de activação de contingência (Disaster Contigency Plan) ou “Plano de Resposta a catástrofes do Centro Hospitalar Conde de São Januário”.
20. Em 7 de Setembro de 2015 o director, substituto, dos Serviços de Saúde comunicou ao recorrente, através do aviso n.º 3851/NI/DP/2015, a decisão da sanção disciplinar de multa equivalente ao valor global de 3 dias de vencimentos e retribuições fixas e permanentes por si aplicada em 4/09/2015.
21. Tal despacho do Director Substituto de 4/09/2015 tem o seguinte teor:
Despacho
Concordo totalmente com a proposta levantada no relatório pelo instrutor do procedimento disciplinar n.º PD-14/2014, instaurado contra o médico assistente da Oftalmologia do CHCSJ, A (funcionário n.º 0200950).
Segundo as provadas obtidas nos autos de procedimento disciplinar acima referido, está provado que em 13 de Junho de 2014, A fez os seguintes factos:
1. Perante a 2.ª solicitação urgente, A, mesmo depois de concluir o tratamento oftalmológico do ferido D, sempre falhou em apresentar-se ao SU segundo a ordem da solicitação urgente. Na altura, A sabia que em 13 de Junho de 2014, tinha ocorrido o acidente de colisão de embarcação. Ele foi solicitado e devia dirigir-se ao SU para se apresentar, a fim de prestar assistência na urgência. No entanto, depois de concluir o tratamento oftalmológico de um paciente, ele não foi directamente ao SU; em vez disso, através de telefone, perguntou a um colega que nem A próprio sabia quem era, se ele sempre precisava de ir ao local para prestar assistência. A acabou por não apresentar-se no SU, sem verificação apropriada e pensando que não precisasse de apresentar-se.
2. Perante a ordem de solicitação urgente para dirigir-se ao SU para prestar assistência, emitida pelo director geral no local, A devia ter observado a ordem do seu superior. Durante o resgate do acidente de colisão de embarcação, enquanto médico assistente que exerce funções em regime especial, ao mesmo tempo recebe a renumeração assessória de 10% do seu vencimento, devia o dever de responder sempre às solicitações para exercer as suas funções. Além disso, A devia, de acordo com as obrigações profissionais dispostas do médico, ter feito parte do grupo para enfrentar casos urgentes. Mesmo se estivesse em folga ou descanso, também se devia ter apresentado no SU à ordem superior da solicitação urgente, para tomar uma parte activa na colaboração dos trabalhos de resgate, para assistir aos muitos feridos em consequência do acidente de colisão de embarcação, assegurando que os feridos obtivessem assistências a tempo e promover os interesses públicos.
3. No relatório acima referido, conjugando os factos provados jurídica e disciplinarmente, eis a conclusão atingida: quando estava voluntário, livre e autónomo, A praticou a infracção disciplinar, e os seus actos violou o art.º 22.º, n.º 1, alínea 3) e n.º 4 da Lei n.º 10/2010 – Regime da carreira médica, bem como os deveres especiais enquanto médico, dispostos no art.º 11.º, alíneas 4) e 8) da mesma Lei. Além disso, os actos de A acima referidos também violaram o dever de obediência e o dever de lealdade, estabelecidos no Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (adiante designado simplesmente por "Estatuto"), e constituíram a infracção disciplinar prevista pelo art.º 281.º do Estatuto. Visto isto, os seus actos devem ser condenados.
4. Como médico assistente do CHCSJ, A já tem certa experiência e instrução, portanto, devia ter sido ainda mais prudente e ter assumido as suas responsabilidades. Visto isto, existe circunstância agravante dentro da responsabilidade disciplinar (a responsabilidade do cargo exercido e o grau de instrução do infractor; vd. o art.º 283.º, n.º 1, alínea j) do Estatuto)
5. Segundo a "certidão do registo disciplinar" emitida pela Divisão de Pessoal, existe circunstância atenuante dentro da responsabilidade disciplinar (a prestação por A de mais de 10 anos de serviço nos Serviços de Saúde e classificados de «Bom» ou superior; vd. o art.º 282.º, alínea a) do Estatuto).
6. Além disso, A não tem antecedente de infracção disciplinar.
Analisando sinteticamente os factores e os motivos acima referidos, segundo os factos de infracção disciplinar acima referidos, sobretudo o facto de que em 13 de Junho de 2014, perante a ordem de solicitação urgente para dirigir-se ao SU para prestar assistência, emitida pelo director geral no local, A acabou por não apresentar-se no SU; e de que A devia ter respeitado e observado a ordem do superior, para colaborar activamente no resgate, a fim de promover interesses públicos. Os actos de infracção disciplinar acima referidos e praticados por A violaram verdadeiramente o art.º 22.º, n.º 1, alínea 3) e n.º 4 da Lei n.º 10/2010 – Regime da carreira médica, bem como o art.º 11.º, alíneas 4) e 8) da mesma Lei – uma violação dos deveres especiais enquanto médico; além disso, ao mesmo tempo, os actos de A acima referidos também violaram o art.º 279.º, n.º 2, alíneas c) e d) do Estatuto, bem como os deveres gerais dos funcionários públicos de obediência e de lealdade estabelecidos no mesmo artigo, n.º 5 e n.º 6.
Como a prática da infracção disciplinar foi um caso de negligência e de má compreensão dos deveres funcionais e um de deixarem de cumprir ordens dos superiores hierárquicos, sem consequências importantes, nos termos do art.º 300.º, n.º 1, alínea b), art.º 313.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), e art.º 302º, n.º 1 do Estatuto, o signatário decide aplicar a A a pena disciplinar de multa.
Depois de avaliar a exposição dos factos acima referidos e da recolha das provas obtidas, e nos termos do art.º 316.º, n.º 1 e n.º 2 do Estatuto, considerando globalmente todos os factos provados e as provas existentes nos autos do presente procedimento disciplinar, bem como as circunstâncias agravante e atenuantes existentes no presente caso, sobretudo depois de avaliar o grau de violação do infractor, as consequências causadas pelo presente caso e a personalidade, e depois de estimar a atitude do médico A e factores diversos tais como ele é primário, usando da competência conferida pelo art.º 321.º do Estatuto, o signatário decide aplicar a pena de multa a A, no montante total equivalente ao vencimento de 3 dias e as outras remunerações fixas e a longo prazo, não incluindo o subsídio de família e o subsídio de residência que deve receber na data da recepção da notificação do presente despacho condenatório.
Notifique A da presente decisão, e é de fornecer-lhe 1 cópia do relatório em causa.
Junte-se uma cópia do presente despacho ao arquivo pessoal de A.
Aos 4 de Setembro de 2015, nos Serviços de Saúde.
O Director dos Serviços de Saúde, Substituto
(ass.: vd. o original)
22. Segundo o mesmo aviso, «ao abrigo do disposto nos artigos 145.º e 149.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) aprovado pelo DL n.º 57/99/M de 11 de Outubro, o interessado pode apresentar reclamação junto do director dos Serviços no prazo de quinze dias a contar da notificação; e nos termos do artigo 25.º, n.º 2, al. a) e artigo 26.º do CPAC aprovado pelo DL n.º 110/99/M de 13 de Dezembro, o recurso contencioso deve ser interposto para o Tribunal Administrativo no prazo de 30 dias da notificação do presente despacho».
23. O recorrente, agindo sob a direcção da supra referida notificação, interpôs para TA recurso contencioso da mencionada decisão sancionatória em 13 de Outubro de 2015, sendo o respectivo processo autuado sob o n.º 1227/15-ADM.
24. Em 31 de Março de 2017, o TA tomou decisão sobre o dito processo no sentido de julgar procedente o recurso contencioso, anulando o acto recorrido (a aludida pena disciplinar decidida pelo director substituto dos Serviços de Saúde), pela existência de vício substantivo de violação de lei devido ao erro nos pressupostos de facto (documento 4).
25. O director, substituto, dos Serviços de Saúde, por estar inconformado com a referida sentença do TA, recorreu para o TSI, onde foi autuado o processo sob o n.º 683/2017 (documento 5).
26. Entretanto, o TSI, por acórdão de 19 de Julho de 2018, no Proc. nº 683/2017, decidiu que a supra mencionada decisão punitiva do director substituto dos Serviços de Saúde não era recorrível contenciosamente, em virtude de dela caber impugnação administrativa necessária para o Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura. Por conseguinte, o TSI rejeitou o recurso por irrecorribilidade sem ter conhecido do mérito da causa.
27. O recorrente, agindo em observância do acórdão do TSI, interpôs para o Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura recurso hierárquico tutelar necessário da falada decisão de sanção disciplinar em 27 de Julho de 2018.
28. No âmbito dessa impugnação administrativa foi emitida a seguinte Proposta nº 528/SS/P/2018:
“Assunto: o recurso hierárquico necessário interposto por A
– o procedimento disciplinar n.º PD-14/2014
Proposta n.º 528/SS/P/2018
Data: 23/08/2018
Ex.mo Sr. Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura Alex Tam Chon Weng,
Durante as acções de salvamento e ajuda do acidente de colisão de embarcação no 13/06/2014, suspeita-se que o médico assistente da oftalmologia A dos SS não terá observado a ordem de solicitação urgente dada pelo seu superior para prestar ajuda, de ele dever dirigir-se ao Serviço de Urgência, e acabou por não apresentar-se no Serviço de Urgência; pelo tal facto foi-lhe instaurado o procedimento disciplinar n.º PD-14/2014.
Segundo o despacho proferido pelo Director Substituto dos Serviços de Saúde aos 04/09/2015, decidiu-se aplicar multa ao A, no montante total equivalente ao vencimento de 3 dias e as outras remunerações fixas e a longo prazo, não incluindo o subsídio de família e o subsídio de residência que devia receber na data da recepção do aviso do despacho condenatório (anexo 1).
Depois A interpôs recurso contencioso ao Tribunal Administrativo. Aos 31/03/2017, o Tribunal Administrativo deu razão ao recurso. Os SS, não conformados com a decisão acima mencionada do Tribunal Administrativo, de anular a multa aplicada ao A, recorreram ao TSI. O TSI proferiu acórdão aos 19/07 do presente ano, indicando que o acto recorrido não era uma decisão administrativa final e sujeita a impugnações administrativas necessárias; pelo que rejeitou o recurso contencioso.
Aos 27/07 do presente ano, a Dra. I, representando A, interpôs recurso hierárquico necessário (anexo 2) ao Exmo. Sr. Secretário. Visto o parecer do gabinete dos assuntos jurídicos dos SS (anexo 3), o signatário concorda o parecer constante. Os SS entendem que é infundamentado o recurso hierárquico necessário interposto pelo recorrente.
Portanto, quanto ao recurso hierárquico necessário interposto por A do despacho de sanção proferido pelo Director Substituto no procedimento disciplinar n.º PD-14/2014, propõe-se ao Exmo. Sr. Secretário rejeitá-lo.
À consideração superior.
Com os melhores cumprimentos,
O Director dos Serviços de Saúde
(ass.: vd. o original)
F”
29. Em 27 de Agosto de 2018, a entidade recorrida indeferiu esse recurso, por Despacho nº n.º 52/SASC/2018, mantendo a decisão sancionatória em causa.
30. Tal decisão apresenta o seguinte teor (a.a.):
Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Serviços de Saúde
Gabinete do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura
Despacho n.º 52/SASC/2018
Segundo a proposta dos SS n.º 528/SS/P/2018 aos 23/08/2018, sobretudo o anexo 3 – o parecer do gabinete dos assuntos jurídicos dos SS n.º 120/GJ/2018, bem como a análise redigida pelo instrutor do procedimento disciplinar n.º 14/2014 e constante do relatório, os fundamentos factuais e jurídicos, e nos termos do art.º 341.º, n.º 3 do ETAPM, o art.º 164.º, n.º 5 e do art.º 161.º, n.º 1 do CPA, e o n.º 1 da Ordem Executiva n.º 112/2014, o signatário confirma a decisão tomada pelo Director Substituto dos Serviços de Saúde aos 04/09/2015, de aplicar ao recorrente A a multa no montante total equivalente ao vencimento de 3 dias e as outras remunerações fixas e a longo prazo, não incluindo o subsídio de família e o subsídio de residência que devia receber na data da recepção do aviso do despacho da sanção, e rejeita-se o recurso administrativo interposto pelo recorrente.
Para todos os efeitos jurídicos, a proposta, o parecer e o relatório acima referidos são considerados como parte integrante do presente despacho.
Aos SS cumpre comunicar o recorrente nos termos legais.
Aos 27 de Agosto de 2018, no Gabinete do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura
O Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura
(ass.: vd. o original)
Alex Tam Chon Weng
31. E dessa decisão do SASC que ora vem interposto o presente recurso contencioso.
32. O Serviço de Urgência do Hospital Conde de São Januário não tem equipamento nem instrumentos de oftalmologia, os quais só existem no Serviço de Oftalmologia.
***
IV – O Direito
1 - Para o recorrente, o acto padece dos seguintes vícios:
a) - Violação de lei, por falta do elemento subjectivo da infracção;
b) - Violação de lei, por ausência de acto infraccional (não houve violação da ordem de convocação e, consequentemente, não se verificou violação dos deveres de obediência e lealdade);
c) - Violação de lei, por errada aplicação e interpretação das disposições do art. 22º, nº1, al. 3) e nº4, da Lei nº 10/2010 (Regime da Carreira Médica) e infracção ao disposto no art. 11º, als. 4) e 8) da mesma Lei.
Quanto aos dois primeiros, podemos dizer que estão interligados. E se a respectiva factualidade de suporte estiver certa, então o vício é de violação de lei, por não observância dos apontados deveres funcionais ou, o mesmo é dizer, por aplicação errada da lei que prevê o sancionamento disciplinar com fundamento em violação dos deveres funcionais, no caso inexistente.
Por tal motivo, conhecê-los-emos em conjunto, mas na perspectiva isolada da violação de cada um dos dois deveres invocados.
*
2.1 - Do dever de obediência
Tudo gira à volta da ausência do recorrente ao serviço de urgência no dia 13 de Junho de 2014 para alegadamente acudir ao elevado número de feridos ocasionados por um acidente com um “ferry” na zona do Porto Exterior.
O recorrente, que estava em funções nesse dia no Hospital, no serviço a que pertence, que é o de oftalmologia, foi, por via telefónica (telef. nº 8XXXXX22), chamado pelo colega médico Dr. B uma primeira vez a comparecer ao Serviço de Urgência pelas 12h,03m para atender um ferido do acidente que necessitava de serviço de oftalmologia. O recorrente respondeu que esse doente de nome D podia ser imediatamente transferido para o serviço de oftalmologia. Tal aconteceu, pelo que começou logo a ser atendido pelo ora recorrente.
Pelas 12h,12m recebeu nova chamada telefónica, desta vez pelo colega médico Dr. C (telef. nº 8XXXXX70) para comparecer se deslocasse ao serviço de urgência para prestar apoio. O recorrente atendeu o telefone e respondeu que ainda estava a tratar o doente D. Mesmo assim, ainda perguntou se devia ir imediatamente, ou se podia continuar a tratar o ferido. A resposta foi no sentido de que podia concluir o tratamento desse doente.
Ora bem. Face a esta descrição factual resumida, somos levados a concluir que o recorrente não compareceu por nenhuma das vezes ao Serviço de Urgência. É objectivo e indesmentível este facto.
Simplesmente, se o sentido da 1ª convocatória do recorrente era o de prestar apoio às “Urgências” em serviço de oftalmologia, esse mesmo serviço acabaria por ser prestado no seu gabinete médico hospitalar, em consonância com o que foi decidido, entre si e o Dr. B. Na verdade, o doente em causa, na sequência da conversa entre os dois médicos (recorrente e B), foi transferido para o serviço de oftalmologia (único local do Hospital onde existem instrumentos e equipamento necessário dessa especialidade médica), no qual veio a ser tratado pelo aqui recorrente. Não parece, pois, que se possa falar, a respeito do comportamento do ora recorrente, de qualquer atitude de desobediência, por ausência do elemento subjectivo/volitivo infraccional.
E quanto à segunda convocatória?
Ela ocorreu pelas 12H,12, apenas 9 minutos depois da primeira. Desta vez foi um outro médico, de nome C, que chamou o recorrente através de diferente número telefónico interno para comparecer nas “Urgências”. A resposta do recorrente foi compreensível: ainda estava a tratar o doente D que lhe tinha sido acabado de transferir (O recorrente perguntou se era preciso ir nesse instante ao serviço de Urgência ou se podia acabar de tratar o doente. A resposta foi no sentido de que podia concluir o tratamento desse doente (tratamento que apenas foi concluído pelas 13h,13m).
Ora, dentro do período de tratamento deste doente não podia o recorrente deslocar-se às “Urgências” e, portanto, também não se pode falar aí em falta do dever de obediência.
E após o tratamento? Tinha que deslocar-se ao Serviço de Urgências?
Em princípio sim, porque esse fora o sentido da comunicação efectuada com o Dr. C. No entanto, o recorrente antes de se deslocar quis obter a confirmação da convocação, ligando para o mesmo número de telefone, indagando se ainda era necessária a sua presença. A pergunta é justificável e sensata, porque entretanto já tinha decorrido muito tempo desde o início da afluência dos acidentados ao hospital e a sua presença, enquanto médico especialista de oftalmologia, podia já não ser mais precisa. Como a resposta fora negativa, não se deslocou às “Urgências”. Não tinha que ir!
Aqui chegados, cumpre-nos registar o seguinte:
Importa, em primeiro lugar, destacar que o número de telefone de ligação foi o mesmo pelo qual anteriormente fora convocado.
Em segundo lugar, se alguém usurpou o dever de informação, caberá à entidade competente, fazer internamente essa indagação. Trata-se de uma questão do âmbito interno, ao qual o recorrente é alheio.
Em terceiro lugar, e agora no plano da objectividade e da realidade dos factos, a presença do recorrente não era realmente necessária, pois que, segundo o documento nº 19 junto com a p.i., o trabalho de socorro às vítimas prestado pelo hospital terminou cerca das 14,00, portanto pouco tempo depois do telefonema efectuado pelo recorrente, sendo certo, aliás, que, segundo se depreende, não havia mais nenhum sinistrado a carecer de apoio oftalmológico, tal como a própria contestante aceita.
Em face disto, em nossa opinião não existe na descrita actuação do recorrente a mais leve sombra de violação do dever de obediência previsto no art. 279º, nºs 2, al. c), e 5, do ETAPM.
Com efeito, a desobediência, para ser considerada verdadeira e própria, deve pressupor a vontade deliberada de não cumprir as ordens emitidas pela entidade empregadora, ou seja, exclui-se do conceito de desobediência eventual atitude do trabalhador de não ter executado alguma ordem de modo imediato por estar aguardando, por exemplo, esclarecimentos técnicos (Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, I, pág. 960).
“Consequentemente, conclui-se que a desobediência, para ser considerada como tal, deve representar uma intenção deliberada do trabalhador de não cumprir uma ou mais ordens da entidade empregadora. Há, portanto, a presença de um elemento volitivo na ideia de desobediência” (Evelyn Konrad Huller, em Da desobediência legítima do trabalhador como reacção a ordens ou instruções ilegítimas”, FDUL, 2017, pág. 201; no mesmo sentido, em termos de direito comparado, Ac. do STJ, de 30/06/1993, Proc. nº 003658).
Só se poderia falar em desobediência à convocatória se o recorrente pura e simplesmente deixasse de comparecer sem qualquer justificação. Em vez disso, e para que a sua deslocação à Unidade de Urgências não fosse em vão, mostrou ser consciencioso, diligenciando por apurar se a sua presença ali ainda era necessária. E não era, segundo informação transmitida.
-
2.2 - Do dever de lealdade
E se não podemos falar em violação do dever de obediência, pela mesma razão se não pode dar por violado o dever de lealdade, previsto no art. 279º, nºs 2, al. d), e 6, do ETAPM, porque os factos, na pura essência, sendo os mesmos, não o permitem concluir. Na verdade, há alguma interpenetração entre este dever e o anteriormente tratado (cfr. Li Yanping, Análise do Dever de Lealdade dos Funcionários Públicos na RAEM, em Revista de Administração Pública de Macau, nº 94, pág. 1962).
Com efeito, se o dever de lealdade “consiste em desempenhar as funções de acordo com as instruções superiores em subordinação aos objectivos de serviço e na perspectiva da prossecução do interesse público” (art. 279º, nº6, do ETAPM), então, pelo que já atrás referimos, não cremos que o recorrente tenha contrariado as instruções superiores, nem atentado contra o interesse público relevante, que era o da prestação de cuidados de saúde, dos quais não se demitiu, seguramente.
Dito isto, a sanção não pode manter-se, por não se ter por consumado a violação deste dever.
*
3 - Da violação dos arts. 11º, als. 4) e 8) da Lei nº 10/2010
Foi ainda invocada no acto a violação dos deveres funcionais previstos nas alíneas 4) e 8) do citado art. 11º, da Lei nº 10/2010.
Os referidos normativos anunciam que os médicos estão obrigados a “participar em equipas para fazer face a situações de emergência e catástrofe” (4)) e a “tomar, ainda que em período de folga ou de descanso, as providências necessárias, quer para prevenir situações que ponham em risco a saúde da população, quer para intervir em situações de emergência ou calamidade” (8)).
Ora, se a situação verificada naquele dia podia ser considerada de emergência, face ao número de feridos que afluíram ao hospital, verdade é que o recorrente não se escusou em momento nenhum em fazer face a ela, individualmente ou em equipa. E, por conseguinte, não se pode dizer também que tenha posto em risco a vida ou a saúde de quem quer que fosse.
*
4 - Da violação dos arts. 22º, nº 1, al. 3) e nº 4 da mesma Lei
São disposições que versam sobre o regime de prestação de trabalho.
O nº1 prescreve que os médicos prestam serviço em regime “normal” (al.1)). “alargado” (al. 2)), também prestam trabalho no regime “especial” (al. 3)).
E o nº4 reza que “Ao regime de trabalho especial corresponde uma permanência no serviço de 45 horas de trabalho por semana e o dever de nele comprarecer sempre que solicitado para exercer as suas funções”.
Visava o acto administrativo sindicado veicular a ideia de que, por ser especial o regime em que se encontrava o médico recorrente, tinha comparecer “sempre que solicitado”.
Ora, como tivemos ocasião de dizer, o recorrente foi solicitado a comparecer, mas só não compareceu pelas razões já descritas, com conhecimento e anuência expressa dos próprios médicos que o contactaram para o efeito. E se, repetimos, não compareceu posteriormente, depois de tratar o doente-acidentado que recebeu no seu gabinete, tal só aconteceu em virtude de, a instância sua, lhe terem dito do Serviço para onde ligou a pedir a confirmação sobre a sua presença lá, que a sua colaboração já não era necessária. E ao obter essa informação, fica afastada a violação, por ausência do elemento subjectivo/intencional da alegada infracção.
***
V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso contencioso, anulando o acto administrativo impugnado.
Sem custas.
T.S.I., 14 de Novembro de 2019
_________________________ _________________________
José Cândido de Pinho Mai Man Ieng
_________________________
Tong Hio Fong
_________________________
Lai Kin Hong
1 https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdf
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




933/2018 39