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Proc. nº 1105/2019
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)

Data: 16 de Dezembro de 2019

ASSUNTOS:
- Nulidade da sentença por omissão da pronúncia
- Direito à informação

SUMÁRIO:
- A nulidade de sentença/acórdão prevista na al. d) do nº 1 do artº 571º do CPCM traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no nº 2 do artº 563º do mesmo Código, nos termos do qual “O juíz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
- Só existe quando o Tribunal se esqueceu pura e simplesmente de apreciar qualquer questão que devesse ser apreciada por essencial ao resultado ou desfecho da causa, não já em relação a alguns dos fundamentos invocados pelas partes.
- Não pode o particular servir-se o meio previsto no artigo 108º do CPAC – intimação para a prestação de informação - para a obtenção junto da Administração de uma declaração de opiniões ou parecer, em concreto ou em abstracto, sobre determinados assuntos.
O Relator,
Ho Wai Neng

Proc. nº 1105/2019
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)

Data: 16 de Dezembro de 2019
Recorrente: A Limitada (Requerente)
Entidade Recorrida: O Comandante do Corpo de Bombeiros de Macau (Entidade Requerida)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 03/10/2019, o Tribunal Administrativo da RAEM julgou improcedente a acção para prestação de informação deduzida pela Requerente A Limitada.
Dessa decisão, vem a Requerente interpor o presente recurso jurisdicional, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
I. O ora Recorrente tendo em conta o direito vigente em Macau (nº 7, art. 3º do Regulamento Administrativo da RAEM) que comete ao Corpo de Bombeiros a seguinte competência: «Homologar o material utilizado na prevenção e combate aos incêndios de acordo com as características técnicas definidas;»), requereu ao Senhor Comandante dos Bombeiros a emissão de certidão onde constasse informação relativamente a três questões.
II. O Tribunal a quo considerou que o ora Recorrente estava suficientemente informado pela que não se lhe afigurou que estivesse «... em crise algum direito da Requerente relativamente à informação procedimental.»
III. Salvo o devido respeito erradamente, porquanto a Entidade Requerida meramente se pronunciou relativamente à homologação, declinando tal competência em favor da DSSOPT.
Mas,
IV. Deixando por esclarecer no pedido de certidão quais os critérios respondendo relativamente aos critérios: Se o BS EN1634-1 :2014 ou outros...
V. Pois que como é do conhecimento geral, a competência é irrenunciável devendo os Serviços exercer a mesma em conformidade com a lei.
Ora,
VI. O Tribunal a quo meramente se quedou pela questão da homologação do material olvidando se pronunciar sobre a matéria dos critérios que foi questionada à Entidade Recorrida.
VII. Salvo o devido respeito, a sentença em recurso viola o Direito vigente ao considerar que a Recorrente se encontra suficientemente esclarecida em violação do nº 7, art. 3º do Regulamento Administrativo da RAEM e em violação da al. d), nº 2, art. 571º do CPC.
Pois que,
VIII. O Regulamento Administrativo comete ao Corpo de Bombeiros uma competência e, por outro lado, a sentença em crise ignorou por completo que a matéria questionada ao Corpo de Bombeiros que era a questão dos critérios.
*
A Entidade Requerida respondeu à motivação do recurso da Requerente nos termos constantes a fls. 85 a 89 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
*
O Ministério Público é de parecer pela improcedência do presente recurso, a saber:
   “…
   Para os devidos efeitos, perfilhamos a sensata jurisprudência que proclama: A delimitação objectiva de um recurso jurisdicional afere-se pelas conclusões das alegações respectivas (art.589º, nº3, do CPC). As conclusões funcionam como condição da actividade do tribunal “ad quem” num recurso jurisdicional que tem por objecto a sentença e à qual se imputam vícios próprios ou erros de julgamento. Assim, se as alegações e respectivas conclusões visam sindicar algo que não foi sequer discutido, nem decidido na 1ª instância, o recurso terá que ser julgado improvido. (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º98/2012 e, a nível do direito comparado, acórdão do STA de 23/06/1999 no Processo n.º039125)
   Em esteira, e tendo em conta as conclusões inseridas nas alegações de fls.74 a 77 dos autos, basta-nos indagar se a douta sentença em causa padecer do vício consagrado na d) do n.º2 do art.571º do CPC? mais concretamente, se in casu se verificar omissão de pronúncia?
*
   Bem, o disposto no n.º1 do art.108º do CPAC patenteia inequivocamente que a acção para prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão tem como pressuposto processual a insatisfação total ou parcial duma pretensão ao abrigo dos arts.63º a 67º do CPA ou de lei especial sobre direito dos particulares à informação.
   Este normativo legal cauciona seguramente a inferir que deve ser liminarmente indeferida, por falta de interesse processual, uma acção desta espécie, se a pretensão dirigida à Administração por autor/requerente tiver encontrado satisfeita, mesmo que tal autor/requerente ignorasse ou não compreendesse a resposta da Administração.
   No caso sub judice, os documentos de fls.26 a 61 dos autos levam-nos a entender tranquilamente que as informações solicitadas na petição inicial já se encontraram cabalmente prestadas à A. que, como ela própria confessou, tinha apresentado repetitivamente vários requerimentos junto do Senhor Comandante do Corpo de Bombeiros de Macau.
   Assim, não podemos deixar de afirmar que é impecável e acertada a conclusão do MMº Juiz a quo, no sentido de que “Nestes termos, não se nos afigura que pudesse estar em crise algum direito da Requerente relativamente à informação procedimental.” Nesta medida, fica prejudicada a pronúncia sobre “a matéria dos critérios que foi questionada à Entidade Recorrida” (vide. conclusão VI das alegações do recurso em apreço).
   O parágrafo de “Posto isto, também nos parece que não poderá ser deferido o pedido da Requerente de passagem de certidão, tendo em conta a respectivo objecto” evidencia o prudentíssimo raciocínio do MMº Juiz a quo, no sentido de que a ineptidão do objecto tem por missão corroborar e reforçar a improcedência da acção intentada pela ora recorrente.
   Chegando aqui, resta-nos a concluir que a douta sentença posta em crise é cabal e inatacável, não enfermando da omissão de pronúncia nem do excesso de pronúncia, por isso, é inconsistente a arrogada violação da disposição na d) do n.º2 do art.571º do CPC.
*
   Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso jurisdicional.…”.
*
Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
*
II – Factos
Foi assente a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
1. A Requerente é uma sociedade comercial que tem por objecto a comercialização de material de prevenção, protecção e combate ao fogo (conforme a certidão do registo comercial junta a fls. 7 a 11 dos autos).
2. Ao longo do ano 2018, a Requerente dirigiu, à Entidade requerida, pedidos de homologação dos produtos – as portas corta-fogo especiais (shutters) da “HI-TECH PRO” (conforme se junta a fls. 30 a 31, 36 a 37, 42 a 43, 48 a 49, 54 a 55 e 60 a 61 dos autos).
3. Na sequência dos seus pedidos, a Requerente recebeu as respostas da Entidade requerida no sentido de que a tomada da decisão carece da consulta prévia à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, que tem competência sobre a matéria em causa (conforme se junta a fls. 26 a 29, 32 a 35, 38 a 41, 44 a 47, 50 a 53 e 56 a 59 dos autos).
4. No dia 30 de Agosto de 2019, a Requerente pediu à Entidade requerida que se exarasse certidão onde conste os elementos seguintes:
“…a) Existem algumas deficiências a suprir pelo interessado que tenham impedido a homologação das Portas Corta-Fogo Especiais (Shutters), cujos Relatórios são:
Nº.Q16A81N, datado de 17 de Junho do ano 2016 da “B LIMITED”,
Nº.Q14A72N-C, datado de 28 de Outubro do ano 2014 da “B LIMITED”,
Nº.Q16A80N-A, datado de 17 de Junho do ano 2016 da “B LIMITED”,
Nº.Q14A72N-B, datado de 28 de Outubro do ano 2014 da “B LIMITED”,
Nº.Q16A80N-B, datado de 17 de Junho do ano 2016 da “B LIMITED”,
e
Nº.Q14A72N-A, datado de 28 de Outubro do ano 2014 da “B LIMITED”;
b) O critério da BS EN1634-1:2014 é o correcto para a homologação das Portas Corta-Fogo Especiais (Shutters);
c) A competência para a homologação das Portas Corta-Fogo Especiais (Shutters) não pertence ao Corpo de Bombeiros mas à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes…” (conforme se junta a fls. 5 a 6 dos autos).
5. Até ao presente, a Requerente não recebeu a resposta da Entidade requerida.
6. No dia 17 de Setembro de 2019, a Requerente intentou a acção.
*
III – Fundamentação
1. Da nulidade da sentença por omissão da pronúncia:
Para a ora Requerente, a sentença recorrida é nula nos termos da al. d) do nº 2 do artº 571º do CPC ao considerar que ela se encontrava suficientemente informada, porquanto deveria ter revelado o facto da questão dos critérios nunca terem sido referidos na totalidade do processo procedimental.
Quid iuris?
A nulidade de sentença/acórdão prevista na al. d) do nº 1 do artº 571º do CPCM traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no nº 2 do artº 563º do mesmo Código, nos termos do qual “O juíz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
E só existe quando o Tribunal se esqueceu pura e simplesmente de apreciar qualquer questão que devesse ser apreciada por essencial ao resultado ou desfecho da causa, não já em relação a alguns dos fundamentos invocados pelas partes – cfr. Acórdão do TSI, de 31/05/2012, proferido no Proc. nº 167/2012.
No caso em apreço, o Tribunal a quo considerou que a ora Requerente não tinha algum direito relativamente à informação procedimental, por entender que não pode o particular servir-se o meio previsto no artigo 108º do CPAC – intimação para a prestação de informação - para a obtenção junto da Administração de uma declaração de opiniões ou parecer, em concreto ou em abstracto, sobre determinados assuntos.
Nesta conformidade, deixa de ter qualquer necessidade de pronunciar sobre “a matéria dos critérios que foi questionada” pela ora Requerente, pois não tendo ela o respectivo direito à informação sobre o assunto em causa, seria inútil apreciar se esse direito foi ou não satisfeito.
Não se verifica, portanto, a alegada nulidade da sentença por omissão da pronúncia.
2. Do mérito da causa:
A sentença recorrida tem o seguinte teor:
   “…
   Como se sabe, com este meio processual pretende-se concretizar o direito à informação dos administrados, tanto de natureza procedimental como da não procedimental, tudo em obediência ao princípio da administração aberta (cfr. os artigos 63.º a 67.º do CPA).
   Naturalmente, a Administração que está constituída no dever de informar e sem que o tenha cumprido, será inevitavelmente intimada pelo tribunal administrativo no sentido de facultar ao interessado os elementos solicitados em falta. Mas antes disso, é sempre necessário concluir que exista o direito à informação por parte do administrado na situação sub judice e que este direito não chegou a ser satisfeito voluntariamente pela Administração Pública.
   No caso concreto, ser-nos-ia possível concluir, como afirmou a Requerente, que, esta, enquanto interessada directa nos respectivos procedimentos de homologação de produtos contra incêndios, viu seu direito à informação injustificadamente frustrado pela inércia da Entidade requerida?
   Julgamos que não. Ao que nos parece, com as respostas sucessivamente dadas pela Entidade requerida no seio de procedimento administrativo, a Requerente já sabia ou deveria saber qual é o destino que se dava pela Entidade requerida ao seu requerimento de homologação e o que tem obstado a tomada da decisão final - a falta da consulta prévia à DSSOPT que se considera o serviço legalmente competente para a matéria em causa, e sabia, além disso, que se trata da posição reiterada e consolidada da Entidade requerida, a qual, concorde ou não, era suficientemente explícita e perceptível.
   Nestes termos, não se nos afigura que pudesse estar em crise algum direito da Requerente relativamente à informação procedimental.
   Posto isto, também nos parece que não poderá ser deferido o pedido da Requerente de passagem de certidão, tendo em conta o respectivo objecto.
   Pois como sabemos, as certidões cuja passagem se requer nos termos do disposto do art.º 64.º, n.º 2 do CPA podem ser de teor, quando reproduzem literalmente o conteúdo do documento original, ou narrativas, quando o reproduzem por mero exacto (cfr. melhor o disposto dos artigos 377.º do CCM e 173.º, n.º 2 do Código Notariado), contudo destinam-se ambos, num caso ou noutro, a reproduzir o conteúdo de documentos pré-existentes.
   Agora a pretensão da Requerente, quando interpretada em termos próprios, não deverá ser no sentido de obter a reprodução autêntica de qualquer documento pré-existente – mas tão-só de intimar a Entidade requerida para emitir ex novo as declarações ou juízos, nos termos literais especialmente limitados pela Requerente, destinados à “certificar” a existência de deficiência no requerimento do interessado, ou afirmar que deve ser X o critério correcto para a homologação, ou ainda dizer qual é o órgão competente para a homologação.
   Salvo melhor entendimento, cremos ser evidente que o pretenso objecto deste requerimento não se coaduna em nada com as finalidades do processo que visam os elementos objectivamente existentes no processo administrativo. Dito por outra forma, o meio processual nunca poderá ser servido para obter as declarações naqueles termos, como bem observado pelo Digno Magistrado do M.º P.º, no seu parecer final.
   Tudo visto, outra solução não há senão improceder o pedido.
***
III. Decisão
   Face ao exposto, decide-se:
   Julgar improcedente a acção e absolver, por consequência, a Entidade requerida do pedido.
   Custas pela requerente, com taxa de justiça em 5UC.
   Registe e notifique.…”.
Trata-se duma decisão ajuizada e correcta, pelo que é de louvar a sentença recorrida, e ao abrigo do nº 5 do artº 631º do CPCM, ex vi do artº 1º do CPAC, negar provimento ao recurso com os fundamentos constantes na decisão impugnada.
Aliás, a posição assumida na sentença recorrida está conforme com a jurisprudência deste TSI fixada no acórdão de 27/05/2004, proferido no Proc. nº 72/2004, nos termos do qual o particular não pode servir-se o meio previsto no artigo 108º do CPAC – intimação para a prestação de informação - para obter junto da Administração uma declaração de opiniões ou parecer, em concreto ou em abstracto, sobre determinados assuntos.
Na realidade, bem sabe a ora Requerente que a competência da homologação do material utilizado na prevenção e combate aos incêndios de acordo com as características técnicas definidas pertence ao Corpo dos Bombeiros nos termos do artº 3º, al. 7) do RA nº 24/2001 (vide artº 4º da petição inicial), daí que não tem qualquer necessidade de pedir uma informação nesse sentido.
Por outro lado, pedir ao Corpo dos Bombeiros para certificar se existir algumas deficiências a suprir, ou afirmar critério X ser o correcto para a homologação, traduzem-se uma declaração de juízo de valor.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida.
*
Custas pela Requerente, com taxa de justiça de 8UC.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 16 de Dezembro de 2019.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Mai Man Ieng



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