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Proc. nº 429/2017

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
“Supermercados XXXXXX Macau, Limitada”, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o nº **** (SO), com sede social na Estrada ...... nº ..., ...... Centre, ...º andar, em Macau (“Recorrente”), nos termos do artigo 21º alíneas d) e e) do Código de Processo Administrativo Contencioso (“CPAC”), ----
Recorreu contenciosamente para o TA (Proc. nº 1036/13/ADN) -----
Do acto administrativo praticado pelo Conselho de Administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (“IACM”), datado de 27/09/2013, ----
Que ordenou à Recorrente o pagamento de rendas no montante de MOP3,006,600.00 e de multa no montante de MOP1,041,000.00.
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Por sentença de 16/01/2017, foi o recurso julgado parcialmente procedente, tendo anulado a deliberação do IACM na parte em que a multa aplicada à recorrente excede o limite de 30 dias.
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Contra essa sentença vem agora o presente recurso jurisdicional, interposto pela recorrente contenciosa, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
“A. Vem o Tribunal a quo atribuir máxima importância à obrigação da Recorrente de entregar o projecto das obras de decoração a realizar no locado no interesse e a expensas da Recorrente, manifestando mesmo, por escrito, o entendimento de que a não apresentação do mesmo comprometera a celeridade da realização do interesse público pretendido pelo Contrato de Adjudicação;
B. A obrigação de entrega do projecto das obras de decoração decorre de um requerimento do IACM, que não encontra fundamento em qualquer cláusula prevista no Contrato de Arrendamento, não sendo, por este motivo, pressuposto da entrega do locado, mas apenas e quando muito uma obrigação meramente acessória;
C. Nenhuma das cláusulas do Caderno de Encargos contém, em si, a virtualidade de converter esta apresentação (que a Arrendatária, aliás, nunca impugnou) numa obrigação principal do contrato;
D. Nem tão pouco numa obrigação cuja mora no cumprimento (por parte da Recorrente) poderia justificar o não cumprimento (ou até o atraso) da obrigação principal e básica de entrega do locado - os autos foram concluídos sem que exista uma decisão clara em matéria de facto, da data de início do contrato, da data de início e término do período de isenção de rendas e da data de vencimento de obrigação de pagamento das rendas;
E. Não existe também qualquer fundamento contratual para se invocar (como fez o IACM), que a data de início do período de isenção de rendas estava dependente do projecto de obras a apresentar pela Recorrente - a sentença impugnada lavra assim em erro sobre os pressupostos de facto, pois não apreciou nem saneou a matéria de facto, como também qualificou erradamente os factos provados em sede de audiência de discussão e julgamento;
F. A falta de cumprimento de uma obrigação acessória não justifica o incumprimento de uma obrigação principal como a da entrega do bem locado;
G. A abundante troca de correspondência entre o IACM e a Recorrente não tem a virtualidade, à face da lei, de alterar as regras legais aplicáveis: o processo de emissão da Licença de Utilização era totalmente alheio à ora Recorrente e os desenhos de obras de decoração irrelevantes para a sua concessão;
H. Nos termos do Código Civil - art. 977.º, al. a), é obrigação principal do senhorio entregar o bem locado ao arrendatário, sendo esta uma obrigação imprescindível para que seja exigível o cumprimento de qualquer obrigação por parte do arrendatário;
I. O pagamento das rendas é apenas exigível a partir do momento em que o locado é entregue ao arrendatário - também o período de isenção de renda (por definição) tem como pressuposto a entrega da Fracção e a obrigação de pagamento de renda;
J. O prazo de 6 meses de isenção de renda é concedido com o propósito de o arrendatário realizar obras na Fracção, como é referido na Cláusula 4.ª, n.º 3 do Contrato de Arrendamento - pois estas são possíveis após a entrega da Fracção ao arrendatário, momento a partir do qual este passa a ter disponível água e electricidade na Fracção;
K. O Regulamento Geral da Construção Urbana, aprovado pelo Decreto-lei 79/85 de 21 de Agosto (RGCU) e do Decreto-lei 6/99/M de 17 de Dezembro refere que a licença de utilização é conditio sine qua non para o uso de imóveis (cfr. Artigos 2.º, alínea i), 50.º e 55.º do RGCU);
L. O art. 68.º RGCU determina que “os proprietários dos edifícios ou fracções autónomas que não tenham ainda sido vistoriados após a conclusão das obras, ou que, tendo-o sido, habitarem, ocuparem ou consentirem que sejam habitados ou ocupados os seus edifícios ou fracções sem licença de utilização respectiva, incorrem na multa diária de $200,00 por cada andar ou Fracção ocupada ou habitada sem licença”;
M. A entidade Recorrida, ao insistir que a ora Recorrente podia e devia aceder ao locado antes de a Licença de Utilização estar emitida, incentivou a Recorrente a violar a lei - conduta de que a entidade Recorrida se devia abster;
N. A falta de Licença de Utilização determina a nulidade do Contrato de Arrendamento, pela inexistência legal da coisa locada (art. 273.º do CC), o que significa também que os efeitos plenos do Contrato de Arrendamento, nomeadamente a obrigação de pagamento da renda, apenas se produzem com o licenciamento da Fracção e a sua entrega;
O. O próprio Tribunal de Segunda Instância de Macau, no Processo 420/2007, veio afirmar que “é nulo o contrato de arrendamento em que se verifique não ser possível a utilização da Fracção arrendada por falta de licença de utilização”, assim como o Tribunal da Relação de Lisboa afirma que “o contrato de arrendamento celebrado sem licença de utilização é nulo, tratando-se de uma nulidade atípica que não pode ser declarada oficiosamente, nem invocada pelo senhorio sempre que o arrendatário confrontado com a inexistência de licença e por causa imputável ao senhorio, não quis resolver o contrato” (13-Jan-2015, Processo 1503/12);
P. Tendo a Licença de Utilização sido emitida apenas a 20 de Março de 2013, a coisa locada era inexistente até essa data, motivo pelo qual o Contrato de Arrendamento era ineficaz antes desse momento nem poderia, consequentemente, iniciar-se o prazo de isenção da renda;
Q. A obrigação principal de entrega da coisa locada foi apenas cumprida pelo IACM a 3 de Abril de 2013, pelo que só a partir desta data, passando a usufruir do bem locado, é que poderia ser exigida a obrigação de pagamento da renda ao Recorrente - o prazo de seis meses concedido à Recorrente para realizar obras de decoração apenas teria terminado no dia 3 de Outubro de 2013, e a obrigação de abrir o estabelecimento comercial apenas se venceria no dia 1 de Novembro de 2013;
R. Sendo alheios à Recorrente os sucessivos atrasos na obtenção da Licença de Utilização e na entrega do locado (que ocorreu 7 meses depois da celebração do Contrato de Arrendamento, a 13 de Setembro de 2012), não existia qualquer motivo para a aplicação de multa à Recorrente por “alegado atraso” na abertura do respectivo estabelecimento;
S. Não só tal “atraso” se deveu antes ao atraso na conclusão do Edifício e subsequente entrega da Fracção à Recorrente, mas também, e sobretudo, por não se constatar qualquer relação de causalidade ou de prejudicialidade entre o alegado “atraso” na entrega dos desenhos das obras de decoração e a emissão da Licença de Utilização. As obras em questão (nos desenhos) respeitavam a uma fase posterior (de remodelação ou adaptação do locado) e em nada interferiam (nem faziam parte) do processo de obtenção de Licença de Utilização então em curso;
T. Ao impor a contagem do prazo do Contrato de Arrendamento desde 1 de Janeiro de 2013 de acordo com o acto recorrido, o IACM arroga-se o direito de cobrar rendas mesmo sem ter sido entregue a Fracção e providenciado o seu gozo à ora Recorrente, promovendo uma interpretação ilegal do Contrato e incorrendo em erro na aplicação da lei - quando o IACM bem sabia (até porque foi repetidamente informado pela Recorrente desse facto) que não podia cobrar rendas antes de decorridos os seis meses desde a data de entrega;
U. A Recorrente sempre explicou à Recorrida a correcta interpretação legal das cláusulas do Contrato, de forma a prevenir futuros litígios, mas o IACM não só ignorou por completo as pretensões da Recorrente, como veio ameaçar a Recorrente, por vários ofícios, antes de a Fracção estar concluída, com a aplicação de multa e com a cobrança de rendas a partir de 4 de Fevereiro de 2013;
V. Num contexto em que, não tendo sido concluídas as construções nem obtida a sua legalização (com a emissão da Licença de Utilização) a entidade Recorrida insiste, sem qualquer justificação plausível, no início do Contrato de Arrendamento e na prática de várias ilegalidades pela Recorrente, estamos claramente perante uma clara violação do princípio da boa fé;
X. A Recorrida deveria assumir as suas responsabilidades pelo atraso na conclusão das obras que eram da sua responsabilidade (atraso absolutamente alheio à Recorrente) em vez de inverter a situação, procurando assacar à Recorrente as consequências e os prejuízos resultantes do seu próprio atraso.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que douta mente por V. Exas. serão supridos, deve ser dado provimento ao presente recurso e revogada a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo por má aplicação e violação da lei, vício de desvio de poder, violação do princípio da boa-fé e do princípio da colaboração entre a Administração e os particulares, só assim se fazendo JUSTIÇA!”

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Não houve resposta ao recurso.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“Vem interposto recurso jurisdicional da sentença de 16 de Janeiro de 2017, do Tribunal Administrativo, que, julgando parcialmente procedente o recurso contencioso interposto por “Supermercados XXXXXX Macau, Limitada”, anulou a deliberação n.º 21 adoptada em 27 de Setembro de 2013 pelo Conselho de Administração do então Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais.
A Recorrente jurisdicional, “Supermercados XXXXXX Macau, Limitada”, acha que a sentença fez um errado julgamento dos vícios que iam imputados ao acto impugnado, colocando a tónica da sua alegação de recurso na deficiente apreciação e saneamento da matéria de facto e no incorrecto apuramento das consequências da falta de licença de utilização.
Parece-nos que a Recorrente não tem razão.
No contencioso anulatório, que entre nós é de mera legalidade, a lei basta-se com a especificação dos factos provados, havendo que ter presente, em homenagem ao princípio da utilidade, que, de entre os factos que estejam provados, apenas haverá que especificar aqueles que sejam pertinentes e relevantes para a decisão da causa, como aliás decorre dos artigos 76.° e 65.°, n.” 3, do Código de Processo Administrativo Contencioso. Pois bem, constata-se que a base factual seleccionada pelo tribunal abarca, a partir da alegação, e considerando os elementos probatórios recolhidos na audiência de inquirição contenciosa e os documentais juntos ao processo e patentes no processo instrutor, a matéria necessária e suficiente para a apreciação dos vícios imputados ao acto.
Por outro lado, não cremos que resulte da lei, e em especial das normas arregimentadas pela Recorrente, que a licença de utilização seja uma condição sine qua non da validade do contrato de arrendamento e que a sua falta implique, sem mais, a nulidade do contrato e a inexistência da coisa locada... Tanto mais que ambas as partes sabiam, ao contratar, que não havia ainda licença de utilização, tal como sabiam que o espaço objecto do arrendamento não iria de imediato ser alocado à finalidade comercial que motivara o contrato, pois era necessário preparar o espaço para o dotar das condições funcionais indispensáveis, o que aliás está bem reflectido em certas cláusulas do contrato.
Posto isto, crê-se que os vícios assacados ao acto foram correctamente julgados, aliás no seguimento do parecer do Ministério Público inserto a fls. 301 e seguintes, com o qual concordamos inteiramente e que aqui convocamos em apoio da douta sentença Recorrida.
Deve, em conformidade, julgar-se improcedentes os fundamentos do recurso e negar-se-lhe provimento.”
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença impugnada deu por assente a seguinte factualidade (numerada por nós):
1 - Em 2012.7.6, a entidade recorrida fez a deliberação, na qual adjudicou o projecto do “concurso público para o arrendamento do Centro Comercial de Seac Pai Van” à recorrente, nos termos do art.º 8.º do anexo da Lei n.º 17/2001 de 15 de Maio, Estatutos do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais e do art.º 13.º, al. 10) do Regulamento Administrativo n.º 32/2001. (vide fls. 2 do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
2 - Em 2012.7.19, o IACM notificou a recorrente do resultado da adjudicação por meio do ofício n.º 12895/020/VPL/2012. (vide fls. 20 dos autos, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
3 - Em 2012.9.4 e 17, a recorrente apresentou o requerimento junto do IACM, expressando a vontade do estabelecimento da zona de fast-food no Centro Comercial de Seac Pai Van e pedido o IACM a avaliar a viabilidade. (vide fls. 265 a 268 do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
4 - Em 2012.9.13, a recorrente estabeleceu com o IACM o “contrato de arrendamento do Centro Comercial de Seac Pai Van”, locando o Centro Comercial de Seac Pai Van situado no lote CN5a de Seac Pai Van, Coloane, com o prazo de seis meses, desde 2012.7.21 até 2018.7.20. (vide fls. 2 a 4 e 4v do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
5 - Em 2012.10.9, o IACM respondeu, por meio do ofício n.º 026/VPL/2012, a consulta da recorrente sobre o estabelecimento da zona de fast-food, exigindo ao mesmo tempo a recorrente a apresentar o projecto, o anteprojecto e o cronograma de execução das obras. (vide fls. 156 do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
6 - Em 2012.11.6, a recorrente apresentou ao IACM a carta n.º LH/Sean Pai Van/12/0972, indicando que não podia realizar qualquer obra de decoração desde a data da vigência do contrato de arrendamento até à emissão da licença de utilização, porque não tinha sido concedida a licença de utilização do lugar em causa e não podia comprar o seguro, bem como exigindo que só arranjava a recepção do lugar e a obra de decoração depois da concessão da licença de utilização e que seria contado a partir da data da recepção de lugar o prazo da isenção de renda de seis meses. (vide fls. 30 dos autos e fls. 146 do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
7 - Em 2012.11.16, o IACM respondeu, por meio do ofício n.º 21068/028/VPL/2012, a consulta da recorrente sobre os assuntos de arrendamento, de decoração e de seguro do Centro Comercial de Seac Pai Van, indicando que o contrato de arrendamento entrou em vigor em 2012.7.21. Mas o andamento da preparação do projecto era atrasado manifestamente do que a expectativa. Era necessária acelerar o trabalho de preparação e começar a obra de decoração. Por isso, exigiu a recorrente concluir o projecto da obra de decoração do centro comercial, bem como entregar o projecto junto do IACM antes ou em 20 de Novembro. Em 2012.11.22, o representante da recorrente recebeu o ofício. (vide fls. 152 e 154 do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
8 - Em 2012.12.12, a recorrente entregou ao IACM a carta n.º LH/Sean Pai Van/12/1085, juntadas a planta e o projecto de concepção do Centro Comercial de Seac Pai Van, indicando que o IACM não tinha respondido sobre a grande inferioridade do número previsto de habilitação do que expectativa, a data prevista da emissão da licença de utilização e a prorrogação do prazo da isenção de renda, por isso, eram afectadas a desenha, o plano de exploração e o plano de abertura da loja, bem como pedindo o IACM a oferecer os dados da andamento mais actualizado da construção das facilidades no centro comercial e nas ruas cozinhas. (vide fls. 31 a 44 dos autos e fls. 255 a 261 do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
9 - Em 2012.12.17, o IACM respondeu, por meio do ofício n.º 23279/032/VPL/2012, a consulta da recorrente sobre o arrendamento do Centro Comercial de Seac Pai Van e o equipamento da habilitação pública de Seac Pai Van, exigindo de novo a recorrente a entregar o projecto antes ou em 2012.12.19 e cumprir as obrigações conforme a proposta apresentada e o contrato assinado. (vide fls. 149 a 150 do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
10 - Em 2012.12.18, a recorrente entregou ao IACM a carta n.º LH/Sean Pai Van/12/1093, reafirmando que o prazo da isenção de renda e o prazo do lançamento de serviço deviam ser contados a partir da data da entrega da coisa locada com emissão da licença de utilização e pedindo o IACM a responder sobre as datas da conclusão da obra e da emissão da licença de utilização, bem como a situação da venda/distribuição das habilitações e a data da entrega de chave, para as duas partes poder fixar de novo as datas da entrega de loja e de abertura. (vide fls. 46 dos autos e fls. 148 do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
11 - Em 2012.12.26, o Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas exigiu, por meio do ofício n.º 6655/GDI/2012, este Instituto a oferecer o mais cedo possível os projectos dos vários âmbitos profissionais do mercado de secas, para efeito de entrega-los à companhia de projecto do edifício para dar opiniões e o Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes apreciar o processo. Além disso, depois de este Instituto contactar a recorrente, o Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas podia arranjar a entidade em causa chegar ao lugar para cooperação. (vide fls. 308 do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
12 - Em 2013.1.11, o IACM respondeu, por meio do ofício 00677/002/VPL/2013, a consulta da recorrente sobre o andamento da distribuição das habilitações públicas de Seac Pai Van e o arrendamento do Centro Comercial de Seac Pai Van, exigindo de novo, com base do facto de a recorrente não ter entregado o projecto, a entregar o mais cedo possível o projecto, bem como cumprir as obrigações conforme a proposta apresentada e o contrato assinado. (vide fls. 147 do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
13 - Na mesma data, o Instituto, o Instituto de Habitação, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, o Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas e a recorrente realizaram uma reunião, discutindo a velocidade de andamento do entregue do projecto por parte da recorrente. O Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas respondeu que já existia condição para obra no Centro Comercial de Seac Pai Van e que a recorrente não tinha condição para entrada porque não tinha entregado o projecto. (vide fls. 144 e 144v, 293 e 354 do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
14 - Em 2013.1.14, a recorrente pediu, por meio de e-mail, o IACM a oferecer o desenho de canal do lugar em causa para efeito da elaboração e, ao mesmo tempo, pediu a prorrogação do prazo da isenção de renda. (vide fls. 145 do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
15 - Em 2013.1.22, o IACM respondeu, por meio do ofício nº 003/VPL/2013, sobre os assuntos alegados pela recorrente na carta n.º LH/Sean Pai Van/12/0972 e na reunião realização em 2013.1.11, da não compra do seguro do Centro Comercial de Seac Pai Van neste fase para realização da obra de decoração e da conta do prazo de arrendamento, indicando que o lugar tinha tido condição a ser aceite, mas a recorrente ainda não tinha entregado o projecto da obra de decoração. Ademais, a recorrente demorava de modo que a entrega não foi realizada. Nos termos da disposição do contrato de arrendamento, concluiu-se o prazo da isenção de renda em 2013.1.20. a recorrente tinha que assumir a obrigação de pagar a renda desde 2013.1.21. E voltou a exigir a recorrente a entregar o projecto a este Instituto, bem como cumprir a responsabilidade conforme a proposta de adjudicação apresentada e o contrato assinado. (vide fls. 144 e 144v do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
16 - Em 2013.1.25, o IACM enviou à recorrente o ofício n.º 01856/005/VPL/2013, no qual indicava que a recorrente se obrigava a pagar a renda do Centro Comercial de Seac Pai Van e assumir a despesa de administração desde 2013.2.1 e que o andamento da preparação do projecto era muito atrasado do que expectativa, o que prejudicava o plano geral da habilitação pública de Seac Pai Van. O IACM ia fazer o tratamento nos termos do artigo 8.º do contrato em causa. (vide fls. 50 dos autos, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
17 - Em 2013.2.7, a recorrente apresentou ao IACM o projecto da obra de decoração e parte dos dados documentais. (vide fls. 47 dos autos e fls. 114 e 114v do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
18 - Em 2013.2.8, a recorrente entregou ao IACM a carta n.º LH/Seac Pai Van/13/0152, pedindo a prorrogação do prazo da isenção de renda e o atraso da data de abertura. (vide fls. 47 dos autos, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
19 - Em 2013.2.14, o IACM enviou, em 2013.2.14 por meio do ofício n.º 03175/64/DEP/SCEU/2013, o projecto do mercado de secas da habitação pública de Seac Pai Van ao Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas para efeito de apreciação, exigindo ao mesmo tempo o Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas a permitir a recorrente começar a obra de decoração previamente. (vide fls. 308v do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
20 - Em 2013.2.15, o Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas enviou, por meio do ofício n.º 726/GDI/2013, o projecto entregue pela recorrente à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes para efeito do processo de apreciação. (vide fls. 309v do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
21 - Em 2013.2.18, o Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas deu, por meio do ofício n.º 741/GDI/2013, o projecto entregue pela recorrente à OBS Arquitectos Lda. para efeito de análise. (vide fls. 309v do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
22 - Em 2013.3.4 e 5, o IACM notificou, por meio de e-mail e telecópia, a recorrente a suplementar documentos sobre o pedido de projecto e a execução da obra no Centro Comercial de Seac Pai Van. (vide fls. 114 e 114v e 116 a 142 do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
23 - Em 2013.3.8, o IACM notificou, por meio de e-mail e telecópia, a recorrente a apresentar documentos suplementares sobre o pedido do projecto do Centro Comercial de Seac Pai Van e a execução da obra. (vide fls. 237 a 239 do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
24 - Em 2013.3.13, o IACM emitiu à recorrente o ofício n.º 05201/011/VPL/2013, no qual exigia a recorrente a responder por escrito sobre a data do lançamento de serviço do Centro Comercial de Seac Pai Van e indicava que nos termo do “caderno de encargos –concurso público para o arrendamento do Centro Comercial de Seac Pai Van”, era obrigada a pagar a renda no montante de MOP 501,100.00 nos primeiros oito dias em cada mês desde o Fevereiro de 2013 e que o IACM ia fazer o tratamento nos termos do artigo 8.º do contrato de arrendamento no caso de a recorrente faltar a cumprir a disposição conforme a proposta e o contrato assinado. (vide fls. 51 dos autos, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
25 - Em 2013.3.14, a recorrente apresentou, por meio da carta n.º LH/SPV/13/0249, ao IACM o cronograma de execução das obras do Centro Comercial de Seac Pai Van, elaborado por aquela. (vide fls. 156 do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
26 - Em 2013.3.20, o Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes emitiu a licença de utilização n.º 17/2013 do lote CN5a de Seac Pai Van, Coloane. (vide fls. 340 a 341 do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
27 - Em 2013.3.22, a recorrente entregou ao IACM a carta n.º LH/Seac Pai Van/13/0286, na qual exigia o arranjo mais cedo possível da data da entrega do lugar do Centro Comercial de Seac Pai Van. (vide fls. 226 do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
28 - Em 2013.3.27, a recorrente entregou ao IACM a carta n.º LH/Seac Pai Van/13/0303, explicando o teor do ofício do IACM n.º 05201/011/VPL/2013. (vide fls. 48 a 49 dos autos e fls. 229 a 230 do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
29 - Em 2013.3.28, a recorrente apresentou, por meio de e-mail, junto deste Instituto o assunto do fornecimento de água e electricidade no lugar em causa. (vide fls. 27 dos autos, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
30 - Em 2013.4.4, o IACM responde a recorrente por meio de e-mail, indicando que após a verificação em lugar feita pelo este Instituto e o serviço de assunto público, conjugados agentes da recorrente em 2013.4.3, já foi resolvido o assunto do fornecimento de água e electricidade com a caixa de electricidade e foi utilizada a origem temporária de água. E explicou detalhadamente em flagrante aos agentes da recorrente. (vide fls. 164 dos autos, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
31 - Em 2013.4.5, a recorrente apresentou o pedido de licença de venda a retalho / registo para importação de carne, pedindo respectivamente licença de venda a retalho de produtos hortícolas, licença de venda a retalho de carne congelada, licença de venda a retalho de carne refrigerada e licença de venda a retalho de carne fresca, juntados documentos relativos. (vide fls. 54 a 76 do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
32 - Em 2013.5.10, a recorrente entregou ao IACM a carta n.º LH/Sean Pai Van/13/0422, pedindo o IACM a responder relativamente ao andamento da emissão da licença de venda a retalho, bem como autorizar a prorrogação do prazo da isenção de renda até à abertura, conjuntas fotos da decoração interna do Centro Comercial de Seac Pai Van. (vide fls. 28 a 29 dos autos e fls. 213 a 214 do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
33 - Em 2013.8.2, a entidade recorrida deliberou na proposta n.º 067/SFI/2013, não aceitar o entendimento da recorrente de que o prazo da isenção de renda do Centro Comercial de Seac Pai Van se contava desde 2013.3.20 e era de adiar o pagamento da renda, decidindo que como se constava na proposta, a recorrente era obrigada a pagar a renda contada a partir do Fevereiro de 2013 e a multa. (vide fls. 25 a 26 dos autos, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
34 - Em 2013.8.5, o IACM notificou, por meio do ofício n.º 15969/026/SFI/2013, a recorrente de que até 2013.7.31, a recorrente era obrigada a pagar a este Instituto a renda no montante total de MOP 3,006,600.00, bem como a multa contada até ao dia 31 do Julho do ano corrente, no montante de MOP 1,041,000.00, até ao lançamento formal do serviço ao público. Na notificação indicava que a recorrente podia reclamar junto da entidade recorrida no prazo fixado, sem prejuízo da interposição de recurso contencioso. (vide fls. 96 e 96v do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
35 - Em 2013.8.12, a recorrente reclamou junto do IACM relativamente à deliberação do conselho de administração acima referida. (vide fls. 181 a 182 do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
36 - Em 2013.8.21, a recorrente reclamou, por meio de mandatário, junto do presidente do conselho de administração do IACM relativamente à deliberação acima referida, requerendo a suspensão da execução do acto administrativo, juntados documentos em causa. (vide fls. 161 a 171 do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
37 - Em 2013.9.4, o Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas respondeu, por meio do ofício n.º 4055/GDI/2013, o IACM sobre a entrega do lugar do Centro Comercial de Seac Pai Van, indicando que o Gabinete ficou a saber na primeira metade o ano 2012 que o IACM tinha começado a obra de decoração do mercado de secas no lote CN5a, o Gabinete já arranjou o empreiteiro a concluir no início do Novembro daquele ano a construção e a evacuação no mercado de secas, bem como, posteriormente, notificou o IACM que neste lugar havia condições para obra e convidou o IACM e a recorrente para arranjo do assunto da entrada. (vide fls. 304 e 304v do apenso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
38 - Em 2013.9.4, a recorrente interpôs, por meio de telecópia, junto deste Tribunal o recurso contencioso. (vide fls. 2 dos autos)
39 - Em 2013.9.11, a recorrente instaurou o procedimento conservatório da suspensão de eficácia da deliberação acima referida. No dia 25 de Setembro do mesmo ano, este Tribunal rejeitou o pedido da suspensão de eficácia apresentado pela recorrente por força da insatisfação do requisito previsto pelo art.º 121.º, nº 1, al. a) do Código de Processo Administrativo Contencioso. A sentença transitou em julgada em 2013.10.8. (vide fls. 2, 72 a 75 e 81 dos autos da suspensão de eficácia n.º 86/13-SE deste Tribunal)
40 - Em 2013.9.27, a entidade recorrida concordou, por meio da deliberação n.º 21 na reunião n.º 43/2013, com a informação n.º 208/GJN/2013, deliberando a revogar a decisão feita pela entidade recorrida na proposta n.º 67/SFI/2013 em 2 de Agosto naquele ano, de que a recorrente era obrigada a pagar as rendas mensais contadas a partir do Fevereiro de 2013 e a multa, fixou de novo o dia 1 de Junho do ano corrente como a data do início do arrendamento para contar a renda devida da arrendatária (recorrente), bem como contou de novo a multa aplicável, até ao lançamento formal do serviço ao público. (vide fls. 158 a 162 dos autos, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
41 - Em 2013.11.11, o IACM notificou, por meio do ofício n.º 23182/0256/GJN/2013, a recorrente da deliberação acima referida, indicando na notificação que até 2013.11.30, a recorrente se obrigava a pagar ao IACM a renda no total de MOP 3,006,600.00 e que o IACM aplicou à recorrente na multa no total de MOP 891,000.00 contada até 2013.11.3 porque a recorrente lançou parcialmente o serviço ao público desde 4 de Novembro naquele ano, bem como indicando na notificação que a recorrente podia interpor recurso contencioso junto do Tribunal Administrativo no prazo legal. (vide fls. 171 e 171v dos autos, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida)
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III – O Direito
1 - O caso:
De entre toda a factualidade descrita na sentença, importa destacar a seguinte:
a) Em 13/09/2012, na sequência de um concurso público e do respectivo acto de adjudicação à recorrente, foi celebrado um contrato de arrendamento entre a recorrente e o IACM de uma fracção imobiliária sita no Centro Comercial localizado no Lote CN5 de Seac Pai Van, ilha de Coloane para ali ser instalado um supermercado.
b) Em 20/03/2013 foi emitida a respectiva licença de utilização da fracção.
c) Nessa data, ainda os trabalhadores do IACM se encontravam a realizar trabalhos no interior da fracção.
d) No dia 28/03/2013 a recorrente requereu ao IACM a finalização da rede de água e electricidade na fracção.
e) Em 5/04/2013, tendo já sido finalizadas pelo IACM as obras de electricidade e água, a recorrente aceitou a entrega da fracção.
f) Em 10/05/2013 a recorrente procedeu então às obras de instalação e decoração.
g) Em 2/08/2013 o Conselho de Administração do IACM deliberou aplicar à recorrente o pagamento de rendas desde 1/02/2013 a Julho, à razão de MOP$ 501.100,00 por mês, no montante global de MOP$ 3.006.600,00, além da multa prevista na cláusula 8ª do contrato, no valor de MOP$ 1.041.000,00, devido ao atraso na abertura ao público do estabelecimento comercial.
h) Em 27/09/2013 o IAM deliberou revogar a primitiva deliberação e fixou o dia 1 de Junho de 2013 como sendo aquele a partir do qual se contaria a data do arrendamento para se apurar a renda devida pela recorrente, no valor de MOP$ 3.006.600,00, bem como aplicando a multa de MOP$ 891.000,00 pelo alegado atraso na abertura do estabelecimento.
i) No contrato de arrendamento é dito que o prazo deste seria de 6 anos, contado a partir do dia 21 de Julho de 2012, até 20/07/2018 (Cláusula 3. 1)
j) Na cláusula 4.3, foi convencionado que a recorrente gozaria de isenção de renda por um período máximo de seis meses, contado a partir do dia do arrendamento, para proceder às obras de remodelação. Se as obras ficarem concluídas e o estabelecimento entrar em funcionamento dentro dos seis meses, o arrendatário ficaria obrigado a pagar rendas a partir do mês seguinte.
l) O estabelecimento abriu ao público no dia 4/11/2013.
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2 - A recorrente na petição inicial do recurso atacava o acto administrativo primitivo de 2/08/2013, por considerar que o quantitativo de renda não se poderia começar a contar desde 1/02/2013.
Isto porque:
- Nesta data não tinha recebido a fracção - para ela própria dar início às obras de decoração – o que só viria a acontecer em 5/04/2013. Na sua tese, portanto, só a partir desta data se iniciaria a contagem do prazo de 6 meses de isenção a que se refere a cláusula 3º do contrato, que terminaria em 5/10/2013.
- Não era possível que o início da contagem fosse reportado a 1/02/2013, pelo facto de não terem sequer decorrido seis meses sobre a data da celebração do contrato, que teve lugar em 13/09/2012.
Mas, em 27/09/2013 o IAM revogou o acto sindicado e fixou de novo em 1/06/2013 o início da contagem do prazo de pagamento da renda. Tê-lo-á feito correctamente?
O mesmo é dizer: Deveria contar-se o prazo de seis meses desde a data do contrato de arrendamento? Ou desde a data da licença de utilização, o que aconteceu no dia 22/03/2013? Ou desde a data da entrega da fracção à recorrente a fim de proceder às obras de decoração, o que se verificou no dia 5/04/2013?
Em nossa opinião, uma coisa é o prazo de duração do contrato e os respectivos efeitos, outra são as obrigações do locador e as que foram convencionadas no negócio. Portanto, a circunstância de o contrato ter sido celebrado em 13/09/2012 não significa que se tenham que contar desde então todos os prazos. Para ilustrar a afirmação basta reparar no exemplo que se retira do facto de a data de início ter sido, por ele mesmo, retroagida a 21/07/2012, para durar até 20/07/2018 (cláusula 3.1).
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Também concordamos que a licença de utilização não pode definir a data de início de produção de efeitos da referida isenção de renda pelo período de seis meses (cláusula 4.3). Nós cremos que licença de utilização define apenas se o locado pode ser utilizado para o fim pretendido (art. 1031º, nº3, do CC). Porém, o facto de se poder, ou não, dar uso à fracção conforme o fim a que ela se destina apenas interfere com essa utilização, mas não necessariamente com a manutenção do contrato, sem prejuízo, como parece evidente, do direito de resolução por parte dos contraentes, nomeadamente pelo locatário, caso ele perca o interesse no arrendamento por motivo de impossibilidade jurídica, com os inevitáveis efeitos restitutivos a que se referem os arts. 426º, 427º, 282º e 790º, todos do CC.
Portanto, a licença de utilização não constitui obstáculo ao início da produção dos efeitos obrigacionais do contrato. E a prova disso até está no facto de ambas as partes terem acordado que o início do pagamento das rendas diferiria para momento posterior, logo que decorresse uma “vacatio” de isenção de seis meses, tal como previsto no parágrafo 4.3 do Caderno de Encargos do Concurso Público e na cláusula 4.3 do Contrato de Arrendamento.
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E a entrega do locado, será relevante para o caso em litígio?
Entendemos que sim, e o mesmo aliás acabou por ser reconhecido na Informação nº 208/GJN/2013. Efectivamente, aquela cláusula de isenção foi construída com o propósito de defender os interesses do locatário; a sua obrigação do pagamento da renda não se começaria na data do contrato, mas apenas 6 meses após.
Claro que ela refere 6 meses “contados a partir do dia do arrendamento”. E isto, isoladamente, inculcaria que essa vacatio se iniciaria em 13/09/2012 e que só depois do seu termo se daria início à obrigação do pagamento das rendas mensais.
No entanto, esta declaração negocial não pode ser interpretada com base exclusivamente no seu caracter literal. Como parece claro, isoladamente, ela permitiria uma interpretação que consentisse que o período de isenção se começaria na data do contrato. Estaria aí em relevo o papel da autonomia da vontade das partes.
Contudo, aquela expressão não pode ser vista deslocada do contexto. E qual era ele? Era o de que este período de isenção serviria para o arrendatário “proceder às obras de remodelação”. E se as obras ficassem concluídas e o estabelecimento entrasse em vigor nesse período de seis meses, então só começaria a pagar a renda a partir do mês seguinte ao seu termo. Isto significa que se quis, por convenção, estabelecer uma dilação para o início do pagamento das rendas.
Ora, se a dilação serviria para não sobrecarregar o arrendatário com rendas referentes a um espaço que ainda não podia ser utilizado em pleno na actividade para que foi arrendado, então ela tem por implícito que a fracção arrendada já devesse estar sob a disponibilidade do contraente privado. De outro modo, isto é, se não pudesse dispor dela, como poderia o arrendatário “proceder às obras de remodelação”?
É esta, cremos, a única e a mais sensata maneira de interpretar o sentido normal da declaração (art. 228º, do CC). Ou seja, o termo inicial do contrato não depende da data da entrega do locado, mas é relevante já para efeito do dies a quo do período de isenção por 6 meses para o pagamento de rendas.
Para este efeito, não nos parece que a licença de utilização (concedida apenas em 22/03/2013) fosse facto determinante do início do prazo de vacatio referido. São coisas diferentes. Podia até a recorrente estar a fazer obras ou tê-las já feito, e a licença não vir a ser emitida. Para o caso em apreço, em que se discute quando se deveria iniciar aquele período de isenção, o que verdadeiramente interessa é a possibilidade material e física de a recorrente poder dar início aos trabalhos de remodelação e decoração.
Ora, sendo assim, como a recorrente apenas recebeu o locado no dia 5/04/2013, só nesta data se iniciaria um período de 6 meses para as obras a cargo do arrendatário e para abertura em funcionamento. Isto quer dizer que o início da obrigação do pagamento das rendas seria em 5/10/2013 e não em 1/06/2013.
Portanto, o recurso tem que proceder nesta parte, por violação dos parágrafos 3.11 e 4.3 do Caderno de Encargos do Concurso Público e da cláusula 4.3 do Contrato de Arrendamento.
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A sentença, contudo, anulou o acto na parte em que fixou a multa contratual por um período superior a 30 dias.
Contudo, se o IAM não podia fixar unilateralmente o início do pagamento das rendas em sentido contrário ao do Caderno de Encargos e o Contrato de Arrendamento, nos termos já analisados, igualmente, pelo mesmo motivo, não podia aplicar-lhe qualquer multa, porque o caso não era de atraso que pudesse ser-lhe imputado, ou seja, não era de violação de obrigação contratual da recorrente.
Procede, pois, a alegação da recorrente quanto a este aspecto, e é bastante para o provimento do recurso.
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Quanto ao vício de desvio de poder, não se crê que a recorrente tenha razão.
Efectivamente, não se pode dizer que a Administração tivesse utilizado o seu poder, nomeadamente o contratual, para fins contrários àqueles para que estiveram subjacentes no Contrato de Arrendamento ou no Caderno de Encargos.
Efectivamente, não dispõe o procedimento administrativo apenso, nem os próprios autos, d3e elementos claros que nos permitam concluir que a intenção do IACM no início da cobrança de rendas fosse o de criar uma verdadeira punição em retaliação por a recorrente não ter subscrito a interpretação que o IACM fazia da referida cláusula 4ª, ou que fosse a de a silenciar, por alegadamente ela ter imputado ao Instituto o atraso na entrega da fracção ao próprio IACM.
Sendo assim, não podemos dizer que a Administração se desviou do fim e dos poderes estabelecidos no contrato ou no Caderno de Encargos.
Improcede, pois, esta alegação.
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Não vemos motivo, também, para invocar os arts. 8º e 9º do CPA, e nesse sentido afirmar ter o IACM violado os princípios da boa fé e da colaboração.
O IACM fez o que achou por bem fazer, mesmo que o tenha feito erradamente, em nossa opinião. Mas o erro cometido não significa que aqueles princípios tivessem sido violados, face ao que eles representam e ao modo como eles estão representados no CPA.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida.
Em consequência, mais acordam em julgar procedente o recurso contencioso, anulando o acto impugnado.
Sem custas.
T.S.I., 28 de Novembro de 2019
(Relator)
José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong

(Segundo Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong

Mai Man Ieng


Proc. nº 429/2017 1