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Proc. nº 143/2019
Recurso Contencioso
Data do acórdão: 21 de Novembro de 2019
Relator: Cândido de Pinho
Descritores:
   - Reabilitação
   - Conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva

SUMÁRIO:

Nem o nº 5 do art. 349º do ETAPM estabelece o direito de reocupar o lugar ou cargo anteriormente na Administração na sequência da concessão da reabilitação, nem o nº 6 do mesmo artigo determina, vinculadamente, a conversão (automática) da pena disciplinar de demissão em aposentação compulsiva em caso de reabilitação.




Proc. nº 143/2019

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, do sexo feminino, casada, titular do BIRP de Macau nº 5XXXXX2(4), ex-funcionária da Direcção dos Serviços de Finanças (DSF), ---
Interpõe neste TSI recurso contencioso ---
Do despacho, de 28/12/2018, do Secretário para a Economia e Finanças, exarado na Informação n.º 010/NAJ/DB/18, que, embora concedendo a reabilitação, lhe indeferiu a pretensão de conversão da pena disciplinar de demissão para a de aposentação compulsiva.
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Na petição formulou as seguintes conclusões:
“A. A Recorrente requereu reabilitação (conversão em aposentação compulsiva da pena de demissão) junto da entidade competente nos termos do artº 349º do ETAPM;

B. A entidade competente apreciou nos termos da lei as condições da Recorrente, considerando estar preenchido o requisito objectivo previsto na lei;
C. Tendo apreciada a audiência escrita da Recorrente, avaliou subjectivamente que “a conduta da requerente desde a demissão satisfaz o conceito de “boa conduta” e, por conseguinte, pode ser concedida a reabilitação nos termos do artº 349º, nºs 1 a 5 do ETAPM.”
D. Porém, o pedido de reabilitação da Recorrente foi indeferido mesmo que se verifique o pressuposto legal, mesmo que a entidade competente considere que a Recorrente tem mantido “boa conduta” e “pode ser concedida a reabilitação”.
E. Assim, o despacho/acto recorrido proferido em 28/12/2018 pelo Secretário para a Economia e Finanças na Informação nº 010/NAJ/DB/18 da DSF, que tomou a decisão “Concordo com a rejeição do pedido de conversão em aposentação compulsiva da pena de demissão formulado pela requerente” padece dos seguintes vícios:
i. o vício de “violação de lei” previsto no artº 21º, al. d) do CPAC, por interpretar erradamente o artº 349º do ETAPM;
ii. o vício indicado no artº 21º, nº 1, al. d) do CPAC - “a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários”;
iii. no acto de “rejeitar” o pedido, não só repetiu os fundamentos invocados no processo disciplinar, como também não fundamentou suficientemente a decisão proferida, pelo que enferma do vício de “falta de fundamentação” indicado no artº 21º, nº 1, al. c) do CPAC;
F. Pelo que, por força do artº 124º do CPA, o despacho/acto recorrido deve ser anulado por enfermar dos vícios acima indicados.
IV - Pedido
Requer a V.Exas. que julguem procedente o presente recurso e, em consequência, anulem a decisão recorrida/acto recorrido, nos termos do artº 124º do CPA.
Por fim, requer a V.Exas. que citem, nos termos do artºs 53º e 55º do CPAC, a entidade recorrida para contestar no prazo legal e ordenem à entidade recorrida a remessa do original do P.A. e de todos os documentos relacionados com o presente recurso ao Tribunal para que sejam juntados aos autos.
Para fazer valer a justiça!”
*
Na contestação, a entidade recorrida formulou as seguintes conclusões:
“1. O recurso que ora se contesta tem por objecto o Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 28 de Dezembro de 2018, exarado na Proposta n.º 010/NAJ/DB/18, de 04.05.

2. Esta decisão concedeu a reabilitação à recorrente, mas negou a conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva, de acordo com o previsto no artigo 349.º do ETAPM.
3. A recorrente iniciou funções na Administração Pública a 23.09.1987, tendo-lhe sido aplicada pena de demissão, por despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 23.10.2009, exarado no Processo Disciplinar n.º 001/CF/2009, por violação dos deveres de assiduidade, obediência e colaboração, pelos seguintes motivos:
4. No dia 14 de Maio de 2009 a requerente comunicou ao Coordenador do Núcleo de Apoio Jurídico onde trabalhava que pretendia aposentar-se através de um processo disciplinar por falta de comparência ao serviço, o qual lhe respondeu que o que estava a dizer era extremamente grave e que devia reconsiderar a sua decisão até porque a lei não diz que a pena, nesses casos, deve ser a aposentação compulsiva;
5. A arguida deixou efectivamente de se apresentar ao serviço no 18 de Maio de 2009, não tendo apresentado qualquer justificação para as suas faltas.
6. Face à não justificação nos termos legais, foram consideradas injustificadas as faltas dadas desde o dia 18 de Maio de 2009 até 4 de Setembro de 2009, data da conclusão da acusação no processo disciplinar que lhe foi instaurado, num total de 110 faltas seguidas.
7. A recorrente tem um incorrecto entendimento do artigo 349.º do ETAPM, fazendo uma errada interpretação dessa disposição.
8. A reabilitação será concedida a quem a tenha merecido por boa conduta. (n.º 2 do artigo 349.º) podendo ser requerida decorridos 5 anos sobre a aplicação da pena de demissão. (alínea d) do n.º 3 do mesmo artigo)

9. A reabilitação faz cessar as incapacidades e demais efeitos da condenação ainda subsistentes, mas não atribui ao funcionário demitido o direito de recuperar por esse efeito um lugar na Administração.
10. Ademais, ao contrário do que afirma a recorrente na sua petição (artigo 31.º), a reabilitação não produz necessariamente o efeito previsto no n.º 6 do artigo 349.º, isto é, a conversão automática da pena de demissão em aposentação compulsiva, nos termos do n.º 3 do artigo 315.º
11. Como fica bem patente pela utilização da forma verbal “poder-se-á”.
12. Pelo que, contrariamente ao que afirma a recorrente, a entidade recorrida fez uma apreciação correcta de todos os pressupostos objectivos e subjectivos necessários para a concessão da reabilitação, conforme a Proposta n.º 10/NAJ/DB/18 dos pontos 4. a 8., tendo considerado que se encontravam preenchidos todos os requisitos para que fosse a recorrente reabilitada, não existindo pois qualquer mau entendimento do artigo 349.º do ETAPM.
13. Segundo a recorrente, a não conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva inquina o acto recorrido dos vícios de desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários e de falta de fundamentação.
14. Ora os fundamentos para essa não conversão está bem patente na Informação n.º 10/NAJ/DB/18, no ponto 9., enunciando-se explicitamente aí as razões que levaram o seu autor a praticar esse acto, que constituiu a sua motivação uma vez que estão em causa poderes discricionários.
15. Aí se diz que atendendo à conduta da requerente e do fim último pretendido por ela com a sua conduta (a aposentação), a aplicação da pena de aposentação compulsiva acabaria por ser um prémio para a mesma e não uma punição para um comportamento extremamente grave, que manifestou um total desinteresse pelo prosseguimento do vínculo e total desrespeito pelos objectivos e fins de interesse público subjacentes ao exercício da função pública e que igual modo a conversão agora da pena de demissão em aposentação compulsiva não foi decretada pela mesma ordem de razões.
16. Sendo certo que a recorrente bem sabia desde o início deste seu comportamento que, a ser-lhe aplicada a pena de demissão, tinha ainda ao seu dispor a possibilidade de uma conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva, assim que passassem os 5 anos sobre a aplicação da pena, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 349.º do ETAPM.
17. Atendendo a que a conversão é um poder discricionário da administração, como claramente ressalta do termo “poder-se-á” previsto no n.º 6 do mesmo artigo, e atendendo aos factos descritos e ao fim último de todo este comportamento reprovável da recorrente, entendeu-se não ser de decretar a conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva, não havendo pois, em nosso entender, qualquer desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
Nestes termos,
deve o presente recurso contencioso de anulação ser julgado improcedente, em virtude de não padecer o acto administrativo recorrido dos alegados vícios, mantendo-se, em consequência, o acto praticado em 28 de Dezembro de 2018.”
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Nenhuma das partes apresentou alegações.
*
O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“A, outrora funcionária da Direcção dos Serviços de Finanças (DSF), punida disciplinarmente, em 2009, com a pena de demissão, requereu a sua reabilitação e solicitou que aquela pena fosse convertida em aposentação compulsiva. Por despacho de 28 de Dezembro de 2018 o Exm.º Secretário para a Economia e Finanças concedeu-lhe a reabilitação, mas indeferiu a pretendida conversão.
É deste despacho que vem interposto o presente recurso contencioso.
A recorrente imputa ao acto a violação de lei por errada interpretação do artigo 349.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários e falta de fundamentação, contrapondo a Administração que o acto não padece de qualquer desses vícios, mostrando-se inteiramente conforme aos ditames legais.
Vejamos.
Como referido supra, a Administração concedeu a reabilitação à recorrente, só não tendo anuído em converter a pena de demissão em pena de aposentação compulsiva, que é uma possibilidade abstractamente admitida pelo legislador em resultado da reabilitação, conforme se retira do artigo do artigo 349.º, n.º 6, do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau. Portanto, quando a recorrente alega que lhe foi indeferido o pedido de reabilitação e argumenta com a violação do artigo 349.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, haverá, salvo melhor juízo, que reconduzir essa alegação ao indeferimento daquela pretendida conversão.
Assim, e debruçando-nos sobre esta alegada violação do artigo 349.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, por via do indeferimento da conversão da demissão em aposentação compulsiva, temos que convir que ela não ocorre. Na verdade, nada na lei, e em particular no referido artigo 349.º, permite colar à reabilitação, como seu efeito automático, a conversão da demissão em aposentação compulsiva. Esta conversão pode ser decretada, mas não tem necessariamente que o ser, como nos parece resultar claro do artigo 349.º em questão.
Improcede este primeiro fundamento do recurso.
Vem também imputado ao acto o exercício desrazoável de poderes discricionários, o que apontará para a inobservância de limites internos ou externos condicionadores da actividade administrativa discricionária.

É verdade que a conversão da pena de demissão na pena de aposentação compulsiva, em resultado da reabilitação, constitui um poder discricionário da Administração, como resulta claro do texto do artigo 349.º, n." 6, do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau. Todavia, não vislumbramos qualquer violação de princípios que houvesse que observar como limitação interna da actividade administrativa, aliás também não indicados pela recorrente, nem qualquer afronta aos limites externos, nomeadamente ao dever de fundamentação, que foi evidentemente observado, posto que a recorrente intente sustentar a insuficiência da fundamentação, a que aludiremos de seguida. Estando em causa o exercício de um poder discricionário, só o erro ostensivo ou a desrazoabilidade manifesta, que, como dissemos, não se detectam, poderiam caucionar a intervenção do tribunal neste domínio.
Improcede também este fundamento do recurso.
Finalmente, a recorrente imputa ao acto insuficiência de fundamentação.
Sem razão. Constata-se que o acto e os pareceres em que se louvou explicam, de facto e de direito, as razões que levaram à concessão da reabilitação e os motivos que estão na base da recusa da conversão da pena de demissão em pena de aposentação compulsiva, fazendo-o através de um raciocínio lógico inteiramente apreensível por um destinatário médio. Tanto basta para que o acto se tenha por suficientemente fundamentado.
Improcede igualmente este vício.
Ante o exposto, deve negar-se provimento ao recurso.”
*
Cumpre decidir.
***
II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
***
III – Os factos
Consideramos assente a seguinte factualidade:
1. A Recorrente ingressou na Função Pública em 23 de Setembro de 1987, tomando-se “trabalhador da Administração Pública”.
2. Em 23 de Outubro de 2009, o Secretário para a Economia e Finanças proferiu um despacho no apenso n.º 001/CF/2009-A, decidindo aplicar à Recorrente a pena disciplinar de demissão.
3. Da decisão a Recorrente recorreu imediatamente junto do Tribunal de Segunda Instância, tendo o recurso sido julgado não provido por acórdão de 10/06/2009, Proc. nº 1075/2009.
4. Em 9 de Janeiro de 20l5, a Recorrente, nos termos do art.º 349º, nº 2, n.º 3, al. d), e n.º 6, do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, requereu a reabilitação e pediu conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva.
5. No entanto, o pedido foi indeferido pelo despacho “Indefere-se o pedido de reabilitação”, proferido em 27 de Agosto de 2015 pelo Secretário para a Economia e Finanças.
6. Do despacho de 27/08/2015, proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças que foi mencionado nos pontos anteriores, a Recorrente interpôs recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância (Processo n.º 836/2015).
7. Em 7 de Dezembro de 2016, o Tribunal de Segunda Instância proferiu acórdão no processo n.º 836/2015, julgando o recurso contencioso procedente e anulando o acto.
8. Uma vez que o despacho de indeferir o pedido de reabilitação da Recorrente, datado de 27/08/2015, do Secretário para a Economia e Finanças, foi anulado pelo acórdão no processo nº 836/2015, o Director dos Serviços das Finanças ordenou, em 8 de Março de 2017, a devolução do processo da Recorrente ao Centro do Apoio Jurídico, para elaborar um novo relatório para se submeter à apreciação do Sr. Secretário.
9. Em 7 de Junho de 2017, a Recorrente enviou carta à DSF para pedir informações sobre o processo.
10. Posteriormente, recebeu em 13/07/2017 o ofício da DSF (n.º 025/NAJ/DB/17) em que notificou a Recorrente para apresentar audiência escrita no prazo de 10 dias.
11. A Recorrente apresentou, em 24/07/2017, a audiência escrita à DSF no prazo fixado, anexando o certificado de registo criminal, certidão de não devedor à Fazenda Pública da RAEM e rol de testemunhas.
12. No dia 4/05/2018 foi lavrada a seguinte Proposta N.º: 010/NAJ/DB/18:
“Assunto: Pedido de Reabilitação - A Proposta N.º: 010/NAJ/DB/18
Data: 04/05/2018
Exmo. Senhor Director dos Serviços,
Relativamente ao assunto identificado cumpre informar o seguinte:
1. Mediante despacho do Sr. Director dos Serviços de 08/03/17, exarado na Informação n.º 026/NAJ/DB/2017, foi reenviado a este Núcleo o pedido de reabilitação de A, ex-funcionária da Direcção dos Serviços de Finanças, punida com pena de demissão, a fim de se elaborar nova informação para submeter à consideração do Sr. Secretário para a Economia e Finanças, uma vez que por sentença do Tribunal de Segunda Instância de 7 de Dezembro de 2016 foi anulado o despacho do Sr. SEF de 27 de Agosto de 2015, que havia indeferido o pedido de reabilitação, uma vez que não foi tida em conta a conduta da requerente a partir da aplicação da pena de demissão até à data do pedido.
2. Por despacho do Sr. Secretário para a Economia e Finanças de 15 de Junho de 2017, foi a Proposta n.º 009/NAJ/DB/17 e o respectivo processo administrativo devolvido à DSF a fim de se proceder à audiência da interessada, nos termos do artigo 93.º do CPA.
3. Tendo a interessada sido notificada mediante o Ofício n.º 025/NAJ/DB/17, de 13.07, do sentido provável de indeferimento do seu pedido de reabilitação e para dizer o que tivesse por conveniente, veio a mesma apresentar a sua audiência escrita por documento que deu entrada na DSF no dias 24 de Julho de 2017.
4. O presente parecer incidirá sobre a verificação dos pressupostos objectivos e subjectivos a que se refere o artigo 349º do ET APM, os quais, verificados cumulativamente, serão susceptíveis de permitir a concessão da reabilitação requerida e a eventual conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva.
5. Nos termos do citado artigo, a reabilitação será concedida:
a) A quem a tenha merecido por boa conduta (n.º 2);
b) Se for requerida decorrido o prazo fixado no n.º 3 do mesmo artigo, que é de 5 anos, nos casos de demissão;

c) Nos casos de ter sido aplicada a pena de demissão, poderá decretar-se a sua conversão em aposentação compulsiva, se o funcionário punido reunisse, na data da punição, o período mínimo de 15 anos de serviço contados para efeitos de aposentação.
6. À requerente, no âmbito do Processo Disciplinar que correu os seus termos na Direcção dos Serviços de Finanças, sob o n.º 001/CF/2009 e apenso 001/CF/2009-A, foi aplicada a pena de demissão, pelo despacho do Sr. Secretário para a Economia e Finanças de 23.10.2009 exarado na Informação n.º 003/CF/2009, tendo a mesma recorrido desse acto para o Tribunal de Segunda Instância, recurso ao qual foi negado provimento.
O presente pedido de reabilitação deu entrada na DSF no dia 9 de Janeiro de 2015.
Conforme consta da página 29 do Registo Biográfico junto ao Processo Disciplinar 001/CF/2009 citado, a recorrente iniciou funções na Administração Pública de Macau no dia 23 de Setembro de 1987.

Do exposto, retira-se pois que se encontram verificado o pressuposto objectivo a que se refere o artigo 349º do ET APM, isto é, terem decorrido 5 anos entre a aplicação da pena de demissão e o pedido de reabilitação (al. d) do n.º 3 do artigo 349º). A requerente tinha igualmente um período mínimo de 15 anos de serviço contados para efeito de aposentação à data da aplicação da pena, o que permite que possa ser decretada a conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva (n.º 6 do artigo 349º).
7. Resta pois apreciar o conceito indeterminado “boa conduta”, o qual, nos termos do n.º 2 do citado artigo, pode ser demonstrado pela interessada utilizando todos os meios de prova permitidos em direito.
Com o pedido de reabilitação da interessada e consequente audiência escrita juntou a requerente um certificado de registo criminal, onde nada consta acerca da requerente, bem como certidão de que não é devedora ao Cofre do Tesouro da RAEM.
Afirma na audiência escrita que depois de demitida não procurou outra actividade profissional, tendo-se dedicado aos assuntos domésticos, cuidando da sua filha menor e dando-lhe apoio nos seus estudos e participando esporadicamente em actividades organizadas por associações de beneficência locais, bem como se matriculou nalguns cursos de curta duração.
8. A “boa conduta” a que se refere o artigo em causa tem sido entendida como uma atitude positiva e responsável perante a sociedade em que o reabilitando se insere, desde o momento da aplicação da pena. Trata-se de um conceito indeterminado, sendo assim um problema de interpretação, pelo que deverá a decisão ser tomada de acordo com todos os princípios conformadores da actividade administrativa, e tomando em consideração todas as circunstâncias concretas no caso em apreço e o interesse público. Isto é, deverá fazer-se uma análise global, competente, rigorosa e objectiva da conduta da interessada, desde o dia da sua demissão até à apresentação do pedido de reabilitação, competindo à administração integrar e valorar esse conceito legal indeterminado, para que usufrui de uma margem de livre apreciação.
Ora analisados os elementos constantes do presente processo, terá de poder concluir-se no sentido de ter havido uma inflexão segura no comportamento da requerente desde a sua demissão, que permita tirar a ilação, em função de critérios de avaliação do homem médio, que a sancionada tem mantido uma boa conduta desde essa data, sem perigo de uma “recaída”.
Tomando em consideração os elementos objectivos trazidos pela requerente ao processo (certidões de registo criminal e de dívida à RAEM “limpas”), bem como a conduta da mesma desde a demissão, tendo abdicado de continuar a sua carreira profissional e dedicando-se à família, concretamente cuidando da sua filha menor, bem como a algumas actividades de beneficência, levando como a própria afirma uma vida igual à generalidade das “domésticas”, sem nada que mereça especial atenção, julgamos que se pode considerar preenchido o conceito de “boa conduta” da requerente desde a data da sua demissão, podendo pois ser concedida a reabilitação, nos termos dos n.ºs 1 a 5 do artigo 349.º do ETAPM.
9. Já no que refere ao pedido de conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva, julgamos existirem razões fortes e ponderosas para a não conversão, pelos motivos que passamos a expor.

A requerente foi punida com pena de demissão por violação dos deveres de assiduidade, obediência e colaboração, tendo-se dado como provados os seguintes factos relevantes, no acórdão do Tribunal de Segunda Instância no Processo n.º 1075/2008, que negou provimento ao recurso contencioso por ela interposto:
a) No dia 14 de Maio de 2009, quinta-feira, a requerente comunicou ao Coordenador do Núcleo de Apoio Jurídico que pretendia aposentar-se através de um processo disciplinar por falta de comparência ao serviço;
b) Nessa altura, o Coordenador daquele Núcleo referiu à arguida que o que ela estava a dizer era extremamente grave e que devia reconsiderar a sua decisão até porque a lei não diz que a pena, nesses casos, deve ser a aposentação compulsiva;
c) A arguida comunicou de seguida que deixaria de se apresentar ao serviço na segunda-feira seguinte, 18 de Maio de 2009, o que fez, não tendo apresentado qualquer justificação para as suas faltas.

d) Face à não justificação nos termos legais, foram consideradas injustificadas as faltas dadas desde o dia 18 de Maio de 2009 até 4 de Setembro de 2009, num total de 110 faltas seguidas, até à data da conclusão da acusação no processo disciplinar que lhe foi instaurado.
e) A requerente não compareceu à hora marcada pela instrutora para ser ouvida no processo disciplinar, o que motivou a instauração de outro processo disciplinar.
f) A requerente tinha a seu cargo um elevado volume de trabalho que teve de ser feito por outra interprete-tradutora, com manifesta sobrecarga de trabalho e consequente prejuízo grave para o serviço.
g) Os factos descritos têm a agravante da premeditação, o não acatamento de advertência oportuna e produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço, todas previstas no artigo 283.º do ETAPM.
Na acção intentada pela requerente no Processo supra referido foi negado provimento ao recurso, tendo o tribunal entendido não existir na pena de demissão aplicada, violação do “princípio da proporcionalidade”, uma vez que “face à conduta da ora recorrente podia-se optar entre a aplicação da pena de aposentação compulsiva e a de demissão. E tendo em conta os factos provados e a fundamentação na escolha da pena de demissão, cremos também que adequada não é uma consideração de que incorreu a entidade administrativa em “erro grosseiro” ou “manifesta injustiça.”
Com efeito, atendendo à conduta da requerente e do fim último pretendido por ela com a sua conduta (a aposentação), a aplicação da pena de aposentação compulsiva acabaria por ser um prémio para a mesma e não uma punição para um comportamento extremamente grave, que manifestou um total desinteresse pelo prosseguimento do vínculo e total desrespeito pelos objectivos e fins de interesse público subjacentes ao exercício da função pública que exercia e que inviabilizou irreversivelmente a manutenção da relação jurídica- funcional.

Ora a verdade é que a recorrente bem sabia que tinha ainda ao seu dispor a possibilidade de uma conversão posterior da pena de demissão em aposentação compulsiva, assim que passassem os 5 anos sobre a aplicação da pena, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 349.º do ETAPM.
Ora atendendo a que essa conversão é um poder discricionário da administração, como claramente ressalta do termo “poder-se-á” previsto no n.º 6 do mesmo artigo, e atendendo aos factos descritos e ao fim último de todo este comportamento reprovável da recorrente, julgamos não ser de decretar a conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva.
À consideração superior,
O Técnico Superior Assessor
(B)

13. A coordenadora do NAJ pronunciou-se assim:
Exmº Sr. Director dos Serviços,
Concordo com os termos e conclusões da presente Proposta, pelo que deverá em conformidade com o exposto ser concedida a reabilitação à requerente, sem que, todavia, a pena que lhe foi aplicada (demissão) seja convertida em aposentação compulsiva, pelos motivos que ficam expostos, devendo a presente proposta ser submetida ao Exmº SEF, para tal efeito.
À consideração superior
A Coordenadora do NAJ
C
14. Foi então emitido o seguinte parecer:
意見 Parecer:
經濟財政司司長 閣下:
同意本建議書的分析和內容。明顯地申請人最初欲藉強迫退休,而逹至退休 “目的”,但最終的處分是撤職。另一方面,根據“公職人員通則”第三百四十九條第三款d)項和第六款規定,在撤職處分五年後,當事人“得”請求將撤職處分轉為強迫退休,從而恢復其權利。然而,我們不能夠鼓勵這種無視公共利益和公職紀律的不當行為,亦不應奬賞這種故意曠工的惡行,即使其在撤職處分後,顯現出具有良好行為表現。
有鑑於此,懇請 閣下拒絶申請人請求將撤職處分轉為強迫退休處分。
呈上級批示
局長
容光亮
26/06/2018
15. Em 28/12/2018 o Secretário para a Economia e Finanças proferiu o seguinte despacho:
“同意建議。”,
Que em português significa:
“Concordo com a proposta”.
***
IV – O Direito
1. Tendo à recorrente, ex-funcionária pública, sido aplicada a pena disciplinar de demissão (que o TSI sancionou, ao julgar improcedente o recurso ), viria ela mais tarde a pedir a reabilitação e a conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva.
Este pedido foi indeferido, mas dele foi interposto recurso contencioso para o TSI, que anulou o acto então sindicado.
Posteriormente, em reapreciação do caso, foi deferido o pedido de reabilitação e indeferido na parte alusiva à conversão. É contra esta parte que o recurso vem interposto.
Os vícios imputados ao acto pela recorrente foram:
- Violação de lei (art. 349º do ETAPM);
- Violação de lei (por desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários);
- Vício de forma (falta de fundamentação).
*
2. Do vício de violação do art. 349º do ETAPM
Este preceito apresenta o seguinte teor:
Reabilitação
Artigo 349.º
(Regime aplicável)
1. Os funcionários e agentes punidos em quaisquer penas podem ser reabilitados, independentemente da revisão do processo disciplinar, competindo ao Governador conceder a reabilitação.
2. A reabilitação será concedida a quem a tenha merecido por boa conduta, podendo para esse fim o interessado utilizar todos os meios de prova permitidos em direito.
3. A reabilitação pode ser requerida pelo interessado ou seu representante, decorridos os prazos seguintes sobre a aplicação ou cumprimento da pena:
a) 1 ano, nos casos de repreensão escrita;
b) 2 anos, no caso de multa;
c) 3 anos, nos casos de suspensão;
d) 5 anos, nos casos de aposentação compulsiva e demissão.
4. A reabilitação faz cessar as incapacidades e demais efeitos da condenação ainda subsistentes, devendo ser registada no processo individual do funcionário ou agente.
5. A concessão da reabilitação não atribui ao indivíduo a quem tenha sido aplicada pena de aposentação compulsiva ou demissão o direito de reocupar, por esse facto, um lugar ou cargo na Administração.
6. Se a pena aplicada tiver sido a de demissão poder-se-á decretar a sua conversão em aposentação compulsiva, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 315.º
Para a recorrente, a conversão seria automática e , por tal não ter sucedido, nisso consistiria a aludida violação de lei.
Porém, como se pode constatar, nem o nº 5 estabelece o direito de reocupar o lugar ou cargo anteriormente na Administração na sequência da concessão da reabilitação, nem o nº6 determina, vinculadamente, a conversão (automática) da pena disciplinar de demissão em aposentação compulsiva em caso de reabilitação. O legislador apenas confere ao órgão competente o poder de permitir a conversão, desde que reunido o requisito do período mínimo de garantia de 15 anos de exercício previsto no nº3 do art. 315º do mesmo diploma. Mas, a circunstância de o interessado possuir esse período mínimo de serviço não lhe confere nenhum direito potestativo à conversão. Significa apenas que esse requisito está preenchido, mas o deferimento da pretensão carecerá, em primeiro lugar de uma pretensão nesse sentido por parte do interessado e, em segundo lugar, de uma decisão administrativa que analise os pressupostos substantivos e subjectivos, nomeadamente comportamentais e relacionados com o próprio exercício profissional, enquanto funcionário no activo (neste sentido, v.g., Ac. do TSI, de 7/04/2016, Proc. nº 465/2014).
É, pois, claramente, um poder discricionário aquele que ali está inscrito. O que também nos leva a concluir que não podemos aceitar que o art. 349º, nº6 tenha sido violado.
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3. Do vício de violação de lei (por desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários)
Entende a recorrente que o acto ultrapassou os limites da razoabilidade dos poderes discricionários.
Mas não. A fundamentação exarada na Proposta nº 010/NAJ/DB/18, e de que o acto se apropriou é razoável, como razoável é a decisão administrativa tomada. O que esteve em causa no acto foi todo o circunstancialismo que rodeou a própria aplicação da pena disciplinar. E como se pode ler do acórdão proferido no Proc. nº 1075/2009, na parte em que transcreve os factos apurados no procedimento disciplinar, a própria recorrente tudo terá feito para provocar conscientemente um sancionamento disciplinar (e acabaram por ser dois os procedimentos respectivos) que fosse de aposentação compulsiva.
Ora, com esse fito em mente, a conversão agora pretendida iria corresponder à realização do seu propósito ilícito.
Por conseguinte, não nos parece que o acto se tenha desviado, nem um milímetro sequer, do padrão de razoabilidade que em geral se espera da actuação administrativa, nem igualmente cremos que ele tenha incorrido em erro grosseiro, palmar e intolerável do exercício dos poderes discricionários.
Improcede, pois, este vício.
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4. Do vício de forma por insuficiência de fundamentação
Pretende a recorrente, por fim, acometer o acto de vício de forma por insuficiente fundamentação.
Contudo, não só o acto está suficientemente fundamentado – pois as razões para o indeferimento do pedido de conversão estão contidos no ponto 9 da referida Proposta, transcrito nos factos acima dados por assentes – como a recorrente as percebeu muito bem, ao interpor o recurso contencioso sem sinais de qualquer constrangimento ou limitação. Se a recorrente não concorda com a fundamentação, isso é outra coisa totalmente diferente e que já escapa ao vício formal suscitado.
Portanto, foi respeitado o dever de fundamentação inscrito no art. 115º do CA.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 8 UC.
T.S.I., 21 de Novembro de 2019
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José Cândido de Pinho Mai Man Ieng
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong


Proc. nº 143/2019 20