打印全文
Processo n.º 463/2015
(Autos de recurso jurisdicional)

Data: 28/Novembro/2019

Descritores:
- Imposto do Selo
- Irrecorribilidade do acto

SUMÁRIO
Foi fixado por Acórdão de uniformização de jurisprudência o seguinte entendimento: O artigo 2.º da Lei n.º 12/2003 aplica-se a todos os impostos e, portanto, também, ao imposto de selo e não apenas aos impostos profissional e complementar de rendimentos.
Daí que das decisões do Director dos Serviços de Finanças sobre a liquidação do imposto do selo cabe recurso hierárquico necessário para o Chefe do Executivo (artigo 2.º, n.º 3 da Lei n.º 12/2003).
       
       
O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo n.º 463/2015
(Autos de recurso jurisdicional)

Data: 28/Novembro/2019

Recorrente:
- A

Entidade Recorrida:
- Subdirector dos Serviços de Finanças


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, com sinais nos autos, recorreu contenciosamente para o Tribunal Administrativo do acto de liquidação do imposto do selo praticado pelo Senhor Subdirector dos Serviços de Finanças, de 11.3.2014, que calculou o imposto do selo respeitante a 42 contratos de cedência de uso de loja em centro comercial no valor de MOP$4.331.541,00.
Oportunamente, foi o recurso rejeitado com fundamento na irrecorribilidade do acto, tendo a entidade recorrida sido absolvida da instância.
Inconformada, recorreu jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. A sentença recorrida rejeitou o recurso contencioso de anulação por entender que o acto não é contenciosamente recorrível.
2. O que fez assentando no entendimento de que tem de preceder impugnação graciosa, imposta pelo artigo 2º da Lei n.º 12/2003.
3. A Lei n.º 12/2003 não se aplica ao Imposto do Selo mas tão-só ao Imposto Profissional e ao Imposto Complementar de Rendimentos.
4. O artigo 91º da Lei n.º 17/88/M reconhece ao contribuinte o direito de recurso contencioso com fundamento em ilegalidade, contra a liquidação do imposto, as multas aplicadas e demais actos definitivos e executórios.
5. Este preceito não foi revogado pelo artigo 2º da Lei n.º 12/2003 nem por qualquer outro diploma subsequente, encontrando-se plenamente em vigor.
6. A sentença recorrida violou, assim, o disposto no artigo 91º da lei n.º 17/88/M.”
Conclui, pedindo que seja dado provimento ao recurso e, em consequência, baixando o processo para que conheça do mérito da causa.
*
Contra-alegou a entidade recorrida, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls. 179 e seguintes dos autos, que rejeitou o recurso interposto pela recorrente e, consequentemente, absolveu da instância a entidade recorrida com fundamento na irrecorribilidade do acto impugnado.
2. É e sempre foi entendimento da Direcção dos Serviços de Finanças (DSF) que a Lei n.º 12/2003 se aplica a todos os impostos de Macau e não apenas ao Imposto Profissional e Complementar de Rendimentos e que, consequentemente, o regime previsto no artigo 2º da mesma lei se aplica ao Imposto do Selo.
3. Foi este o entendimento transmitido pela DSF em todos os recentes recursos contenciosos interpostos nos tribunais da RAEM onde esta questão se levantou, mesmo naqueles em que, como entidade recorrida teria “beneficiado” da interpretação contrária por o tribunal não tomar conhecimento do mérito do recurso, tendo-se a DSF considerado igualmente parte vencida e recorrido nesses casos com o fundamento que essas decisões fizeram uma errada aplicação de lei substantiva, uma vez que a decisão que a absolveu da instância o fez dando uma interpretação ao previsto no n.º 2 da Lei n.º 12/2003 contrária à sempre por si defendida.
4. No mesmo sentido da interpretação defendida pela DSF pronunciou-se recentemente o Tribunal de Última Instância, no douto Acórdão proferido no Processo n.º 31/2014, em cujo sumário se pode ler que “o artigo 2º da Lei n.º 12/2003 aplica-se a todos os impostos e, portanto, também ao imposto de selo e não apenas aos impostos profissional e complementar de rendimentos.”
5. Dispõe o n.º 1 do artigo 2º da Lei n.º 12/2003, que “as competências para lançamento, liquidação, fixação (…) que, nas leis ou regulamentos fiscais, se encontrem atribuídas ao (…) Chefe da Repartição de Finanças de Macau, seja directamente seja por, em virtude das leis orgânicas da Direcção dos Serviços de Finanças, lhes terem sido atribuídas implicitamente, são atribuídas ao director dos Serviços de Finanças.”
6. Conforme o n.º 3 do artigo 2º da Lei n.º 12/2003, “da decisão do Director dos Serviços de Finanças em reclamação graciosa cabe recurso hierárquico necessário para o Chefe do Executivo”.
7. A recorrente ainda não foi notificada da decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico entretanto apresentado tendo recorrido contenciosamente de um acto sujeito a impugnação administrativa necessária.
8. Pelo que a recorrente impugnou contenciosamente um acto sujeito a impugnação administrativa necessária.”
Conclui, pugnando pela negação de provimento ao recurso e confirmação da decisão recorrida na íntegra.
*
Findo o prazo para alegações, o Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público deu o seguinte douto parecer:
“Procedendo à minuciosa leitura da douta sentença em causa, bem como das alegações de fls. 193 a 204 e de fls. 222 a 231 dos autos, colhemos que a única divergência entre as partes consiste em apurar o alcance (âmbito de aplicação) do art. 2º da Lei n.º 12/2003, que dispõe:
1. As competências para lançamento, liquidação, fixação, notificação e aplicação de penalidades que, nas leis ou regulamentos fiscais, se encontram atribuídas ao chefe do Departamento de Auditoria, Inspecção e Justiça Tributária e ao chefe da Repartição de Finanças de Macau, seja directamente seja por, em virtude das leis orgânicas da Direcção dos Serviços de Finanças, lhes terem sido atribuídas implicitamente, são atribuídas ao director dos Serviços de Finanças.
2. O director dos Serviços de Finanças é a entidade competente para apreciar das reclamações de actos administrativos praticados no âmbito das competências referidas no número anterior, com excepção das que se refiram à impugnação da fixação da matéria colectável quando especialmente se preveja a reclamação para Comissões de Revisão, caso em que a competência se mantém nessas Comissões.
3. Da decisão do director dos Serviços de Finanças em reclamação graciosa cabe recurso hierárquico necessário para o Chefe do Executivo.
Vimos insistindo em entender que visando a uniformizar e simplificar os regimes diversificados, este normativo legal se aplica a toda a matéria fiscal, pelo que seguimos à douta interpretação do Venerando TUI nos Acórdãos tirados no Processo n.º 31/2014 e n.º 32/2014.
Nesta linha de vista, e à luz das disposições no n.º 3 do citado art. 2º ex vi n.º 1 do art. 28º do CPAC, inclinamos a entender que o despacho do Subdirector da DSF não possui recorribilidade contenciosa nem pode ser objecto do recurso contencioso, por caber recurso hierárquico necessário para o Chefe do Executivo.
Deste modo, não se descortina que a douta sentença infrinja o preceito no art. 91º da Lei n.º 17/88/M, comando legal que se deve considerar implicitamente revogado, em virtude de ser incompatível com o prescrito no art. 2º da Lei n.º 12/2003 (art. 6º, n.º 2 do Código Civil).
*
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do recurso jurisdicional em apreço.”

Posteriormente, o Digno Procurador-Adjunto requereu a suspensão da instância até que fosse julgado o recurso interposto com fundamento em oposição de acórdãos.
Em 16.10.2019, foi proferido o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência.

Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte matéria de facto:
Através do ofício n.º 1290/NIS/DOI/RFM/2013 datado de 25/04/2013, a Directora da Direcção dos Serviços de Finanças (D.S.F.) notificou a recorrente para se pronunciar sobre o facto de nunca ter sido declarado junto da D.S.F. os contratos de arrendamento das lojas situadas no “B” e “C”. (cfr. fls. 39 dos autos) (1º)
Em 14/05/2013, em resposta ao ofício 1290/NIS/DOI/RFM/2013, a recorrente informou a Directora da D.S.F. que os contratos celebrados com as lojas são contratos atípicos e não contratos de arrendamento comercial, pelo que não deverão ser sujeitos ao imposto do selo referido no ofício em causa. (cfr. fls. 41 dos autos) (2º)
Através do ofício 1900/NIS/DOI/RFM/2013 datado de 27/06/2013, a Directora da D.S.F. informou a recorrente que os contratos em causa enquadram nas normas previstas nos art.ºs 969º e 970º do Código Civil, pelo que a recorrente, como locadora, tinha o dever de participar os contratos de arrendamento à Administração Fiscal, remetendo-a para o efeito os impressos e mapas para serem preenchidos e remetidos àqueles serviços, sob pena de se proceder à liquidação oficiosa e a condenação em multa por transgressão. (cfr. fls. 42 e 43 dos autos) (3º)
Em 12, 14 e 26 de Novembro de 2013, 10 de Dezembro de 2013 e 6 de Janeiro de 2014, a recorrente, invocando os ofícios n.º 199/NIS/DOI/RFM/2013 e n.º 2289/NIS/DOI/RFM/2013, enviou à D.S.F. os impressos M/4, acompanhados pelos respectivos Modelos S, referentes aos 42 contratos de cedência de uso das lojas em causa. (cfr. fls. 66 a 411 do P.A.) (4º)
Em 03/03/2014, a entidade recorrida proferiu o despacho de concordância sobre a informação n.º 311/NIS/DOI/RFM/2014 de 17/02/2014, o qual requereu um despacho superior para se proceder à liquidação do imposto sobre 42 contratos de arrendamento. (cfr. fls. 59 a 61 do P.A.) (5º)
Segundo a informação n.º 462/NIS/DOI/RFM/2014, de 11/03/2014, a qual foi proferido despacho de concordância pela entidade recorrida, consta que verificou-se um lapso no cálculo do valor a pagar pela recorrente, que devia ser MOP$4.331.541,00 e não de MOP$2.273.045,00 conforme consta na notificação enviada no dia 4 de Março de 2014, e determinou efectuar a segunda notificação à recorrente. (cfr. fls. 62 a 63 do P.A.) (6º)
Através do ofício 597/NIS/DOI/RFM/2014 datado de 12/03/2014, a Directora da D.S.F. informou a recorrente do lapso nos cálculos do imposto do selo devido aos 42 contratos de arrendamentos, anulando-se assim a notificação n.º 535/NIS/DOI/RFM/2014 e mais informou que o montante devido ao imposto do selo em referência é de MOP$4.331.541,00. (cfr. fls. 21 e 22 dos autos) (7º)
Em 13/03/2014, a D.S.F. emitiu a guia n.º 2014-14-900579-8 à recorrente, no montante de MOP$4.331.541,00, referente ao imposto do selo devido sobre os 42 contratos. (cfr. fls. 58 do P.A.) (8º)
Em 28/03/2014, a recorrente apresentou junto da Directora da D.S.F. reclamação do acto de liquidação do imposto do selo da autoria da entidade recorrida de 03/03/2014 e notificado pelo ofício n.º 597/NIS/DOI/RFM/2014. (cfr. fls. 1 a 57 do P.A.) (9º)
Em 08/04/2014, a recorrente procedeu ao pagamento do referido imposto do selo com declaração de reserva total. (cfr. fls. 49 dos autos e fls. 58 do P.A.) (10º)
Em 10/04/2014, a recorrente intentou junto deste Tribunal o presente recurso contencioso de anulação do acto de liquidação da entidade recorrida praticada em 11/03/2014. (cfr. fls. 2 dos autos) (11º)
*
A questão que se coloca neste recurso jurisdicional é saber se o acto administrativo impugnado é irrecorrível.
Tanto a entidade recorrida como o Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público defenderam a irrecorribilidade do acto praticado pelo Subdirector dos Serviços das Finanças.
Sobre essa mesma questão, foi proferido a 16.10.2019 Acórdão de uniformização de jurisprudência e fixado o seguinte entendimento: O artigo 2.º da Lei n.º 12/2003 aplica-se a todos os impostos e, portanto, também, ao imposto de selo e não apenas aos impostos profissional e complementar de rendimentos.
Na medida em que esse entendimento passou a constituir jurisprudência obrigatória, isso significa que das decisões do Director dos Serviços de Finanças cabe recurso hierárquico necessário para o Chefe do Executivo (artigo 2.º, n.º 3 da Lei n.º 12/2003).
Não tendo a recorrente procedido desta forma, antes recorreu contenciosamente dum acto sujeito a impugnação administrativa necessária, sem necessidade de delongas considerações, tal acto não deixa de ser irrecorrível, naufragando, assim, o recurso jurisdicional.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 5 U.C.
Registe e notifique.
***
RAEM, 28 de Novembro de 2019
_________________________ _________________________
Tong Hio Fong Mai Man Ieng
_________________________
Lai Kin Hong
_________________________
Fong Man Chong






Recurso Jurisdicional 463/2015 Página 11