Processo nº 1113/2019 Data: 28.11.2019
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “roubo qualificado”.
Pena.
SUMÁRIO
1. Provado estando que “o arguido apontou uma faca ao ofendido, e, gritando «assalto», apodera-se da mala que este trazia consigo”, adequada é a sua condenação como autor de 1 crime de “roubo qualificado”, p. e p. pelo art. 204°, n.° 1 e 2, al. b) e art. 198°, n.° 2, al. f) do C.P.M..
2. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art. 65°, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.
3. Com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, devendo esta ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais atendíveis.
O relator,
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Processo nº 1113/2019
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado como autor da prática de 1 crime de “roubo qualificado”, na forma tentada, p. e p. pelo art. 204°, n.° 1 e 2, al. b), e 198°, n.° 2, al. f) do C.P.M., na pena de 3 anos e 3 meses de prisão; (cfr., fls. 311 a 316-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu, afirmando que o Acórdão do T.J.B. padece de “erro na aplicação do direito”, pedindo a condenação pela prática de 1 crime de “roubo simples”, p. e p. pelo art. 204°, n.° 1 do C.P.M., considerando também excessiva a pena aplicada; (cfr., fls. 326 a 339).
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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 341 a 343-v).
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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“A impugna o acórdão de 20 de Setembro de 2019, proferido no âmbito do processo comum colectivo CR3-19-0075-PCC, que o condenou na pena de 3 anos e 3 meses de prisão pela prática de um crime de roubo tentado, da previsão das normas conjugadas dos artigos 204.°, n.° 1 e n.° 2, alínea b), 198.°, n.° 2, alínea f), 21.°, 22.° e 67.°, n.° 1, alíneas a) e b), todos Código Penal.
Insurge-se contra a qualificação do roubo por via da circunstância “arma aparente” e contra a medida da pena, defendendo que não deve exceder os 2 anos e que deve ser objecto de suspensão na sua execução.
Não se afigura que lhe assista razão, tal como bem destaca o Ministério Público na primeira instância, na sua resposta à motivação do recurso, que acompanhamos inteiramente.
Para questionar a qualificação do roubo, o recorrente socorre-se do despacho de arquivamento do Ministério Público, relativamente a um hipotético crime de detenção de arma proibida, e invoca um acórdão deste Tribunal de Segunda Instância e a doutrina de Leal Henriques em anotação ao artigo 198.° do Código Penal de Macau.
Não tem razão. Não há motivo para confundir arma e arma proibida. O facto de não haver elementos suficientemente demonstrativos de que se estava perante arma proibida – o que levou ao despacho de arquivamento, nessa parte – não significa que não esteja em causa uma arma, uma faca de cozinha, enquadrável no conceito de arma branca, atentos os depoimentos testemunhais, as próprias declarações do arguido e a bainha que foi encontrada no local do evento e examinada no processo.
Improcede este fundamento do recurso.
Também não se afigura que haja fundamento ponderoso para mexer na pena que o acórdão recorrido teve por adequada para o crime de roubo. Numa moldura abstracta que oscila entre os 7 meses e 6 dias e os 10 anos, o tribunal aplicou uma pena de 3 anos e 3 meses, que, apesar de tudo, se situa num patamar inferior daquela moldura. A confissão, a idade e a falta de antecedentes que o recorrente invoca foram devidamente ponderadas, embora deva notar-se que a admissão do cometimento dos factos sucedeu perante o manancial de evidências recolhidas pela polícia, que apontavam o recorrente como autor do roubo e que conduziram a que fosse interceptado e detido. Por outro lado, não pode esquecer-se a gravidade do crime de roubo, que foi perpetrado por não residente, com utilização de meio especialmente perigoso, meio esse que foi pensado, procurado e previamente adquirido para o efeito, sendo público que há um recrudescimento dos ilícitos contra o património em Macau, em contextos ligados ao jogo, pelo que a questão da prevenção geral positiva tem um peso muito relevante na determinação da medida da pena.
Posto isto, e sabendo-se que os parâmetros em que se move a determinação da pena, adentro da chamada teoria da margem de liberdade, não são matemáticos, há que aceitar a solução encontrada pelo tribunal do julgamento, a menos que o resultado se apresente ostensivamente intolerável, por desajustado aos fins da pena e à culpa que a delimita, o que não cremos ser o caso.
Haverá, assim, que concluir que também não se mostram procedentes as críticas dirigidas ao acórdão quanto à excessividade da pena, o que prejudica o conhecimento da questão da suspensão da sua execução.
Ante o exposto, o nosso parecer vai no sentido de ser rejeitado o recurso ou de lhe ser negado provimento”; (cfr., fls. 414 a 415).
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Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 312-v a 313-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor da prática de 1 crime de “roubo”, na forma tentada, p. e p. pelo art. 204°, n.° 1 e 2, al. b), e 198°, n.° 2, al. f) do C.P.M., na pena de 3 anos e 3 meses de prisão, imputando que o Acórdão do T.J.B. padece de “erro na aplicação do direito”, pedindo a condenação pela prática de 1 crime de “roubo simples”, p. e p. pelo art. 204°, n.° 1 do C.P.M., considerando também excessiva a pena aplicada.
Da reflexão que sobre as questões colocadas nos foi possível efectuar, cremos que não se pode reconhecer razão ao arguido recorrente.
Vejamos.
Nos termos do art. 204° do C.P.M. que:
“1. Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
2. A pena é a de prisão de 3 a 15 anos se:
a) Qualquer dos agentes produzir perigo para a vida de outra pessoa ou lhe infligir, pelo menos por negligência, ofensa grave à integridade física; ou
b) Se verificar qualquer dos requisitos referidos nos n.os 1 e 2 do artigo 198.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do mesmo artigo.
3. Se do facto resultar a morte de outra pessoa, o agente é punido com pena de prisão de 10 a 20 anos”.
Prescreve o art. 198° do mesmo código que:
“1. Quem furtar coisa móvel alheia
a) de valor elevado,
b) transportada em veículo, colocada em lugar destinado ao depósito de objectos ou transportada por passageiros utentes de transporte colectivo, mesmo que a subtracção tenha lugar na estação ou cais,
c) afecta ao culto religioso ou à veneração da memória dos mortos e que se encontre em lugar destinado ao culto ou em cemitério,
d) explorando situação de especial debilidade da vítima, de desastre, acidente, calamidade pública ou perigo comum,
e) fechada em gaveta, cofre ou outro receptáculo, equipados com fechadura ou outro dispositivo especialmente destinado à sua segurança,
f) introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar,
g) com usurpação de título, uniforme ou insígnia de funcionário, ou alegando falsa ordem de autoridade pública;
h) fazendo da prática de furtos modo de vida, ou
i) deixando a vítima em difícil situação económica, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
2. Quem furtar coisa móvel alheia
a) de valor consideravelmente elevado,
b) que possua significado importante para o desenvolvimento tecnológico ou económico,
c) que, por natureza, seja altamente perigosa,
d) que possua importante valor científico, artístico ou histórico e se encontre em colecção ou exposição públicas ou acessíveis ao público,
e) introduzindo-se em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas,
f) trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta, ou
g) como membro de grupo destinado à prática reiterada de crimes contra o património, com a colaboração de pelo menos outro membro do grupo, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos.
3. Se na mesma conduta concorrerem mais do que um dos requisitos referidos nos números anteriores, só é considerado, para efeitos de determinação da pena aplicável, o que tiver efeito agravante mais forte, sendo o outro ou outros valorados na determinação da medida da pena.
4. Não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de valor diminuto”.
Ora, no caso dos autos, está provado que “o arguido apontou uma faca ao ofendido, e, gritando «assalto», apodera-se da mala que este trazia consigo, (que depois, porque perseguido, acaba por abandonar)”.
E, nesta conformidade, nenhuma censura merece o decidido.
Com efeito, e como – muito acertadamente – se salienta no douto Parecer do Ministério Público, o facto de se ter decidido arquivar o inquérito no que toca a 1 outro crime (autónomo) de “armas proibidas”, p. e p. pelo art. 262° do C.P.M.; cfr., fls. 215 – que entretanto já transitou em julgado, não nos cabendo assim sobre o mesmo emitir qualquer pronúncia – não implica que a “factualidade provada”, e atrás retratada, não seja – e deve ser – qualificada como a prática de 1 crime de “roubo qualificado”, pela (efectiva) verificação da “circunstância” da alínea f) do n.° 2 do art. 198° do C.P.M., ou seja, em virtude da “posse e uso de uma «arma» no momento do crime”.
Na verdade, o referido “arquivamento” não faz “desaparecer” a aludida (e provada) “posse da faca no momento do roubo”, nenhuma censura merecendo, por isso, a decisão proferida.
–– Continuemos, passando para a “pena”.
Dia o recorrente que é a pena de 3 anos e 3 meses excessiva.
Pois bem, ao crime de “roubo qualificado” cabe a pena de 3 a 15 anos de prisão; (cfr., art. 204°, n.° 2 do C.P.M.).
Por não se ter consumado, e assim, ter sido cometido na forma “tentada”, e, desta forma, por aplicação do art. 22°, n.° 2 e art. 67° do C.P.M., aplicável é a pena abstracta de 7 meses e 6 dias a 10 anos de prisão.
Nos termos do art. 40° do C.P.M.:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
Por sua vez, importa considerar que como temos repetidamente entendido:
“Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.04.2019, Proc. n.° 289/2019, de 30.05.2019, Proc. n.° 453/2019 e de 10.10.2019, Proc. n.° 861/2019).
Temos também vindo a entender que com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).
Como igualmente decidiu o Tribunal da Relação de Évora:
“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 09.05.2019, Proc. n.° 403/2019, de 12.09.2019, Proc. n.° 698/2019 e de 10.10.2019, Proc. n.° 701/2019).
No mesmo sentido se decidiu também que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. deste T.S.I. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).
E, como se tem igualmente decidido:
“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).
“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).
Ponderando no exposto, na moldura penal em questão, e na factualidade provada, de onde se retira um dolo – directo – e muito intenso, sendo, evidentemente, muito fortes as necessidades de prevenção criminal, excessiva não se nos apresenta a pena aplicada, sendo de se confirmar, in totum, a decisão recorrida.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo arguido, com a taxa de justiça que se fixa em 6 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 28 de Novembro de 2019
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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa
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Proc. 1113/2019 Pág. 19